Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Campus Macaé Internato de Clínica Médica Hospital São João Batista
CASO CLÍNICO NEUROPATIA ALCÓOLICA Felipe Gomes Soares – R2 Clínica Médica Alex Uemblei Ferreira dos Santos – Interno M10 Macaé, março de 2017
Anamnese
• ID: R.A.N., 39 anos, sexo feminino, solteira, parda, doméstica, natural e residente em Macaé-RJ • QP: “fraqueza muscular” • HDA: Paciente relata que no final de janeiro ficou internada por cerca de 10 dias no PSA com queixa de dor abdominal e vômitos (pancreatite aguda – SIC). Após esse período ou a apresentar parestesia em membros superiores, evoluindo para membros inferiores (em luva e bota) e posterior fraqueza muscular, inclusive sofreu queda com fratura do MIE. Nega evacuações há 7 dias. Diurese presente em fraldas.
Anamnese
• H.P.P: G5, Pc1, Pn2, A2. Nega DM. Refere HAS sem controle. Safenectomia prévia (SIC). Nega alergia medicamentosa. Nega outras comorbidades. • H.F: Mãe falecida por IAM. Pai com história de CA de próstata. Tem 3 filhos (20, 17 e 15 anos) saudáveis. Tem 01 irmã hígida. • H.SOCIAL: Etilista crônica desde os 25 anos (3 copos de cachaça/dia). Tabagista 20 anos/maço.
Exame físico
• Paciente BEG, LOTE, eupneia em ar ambiente, hemodinamicamente estável, corada, hidratada, anictérica, acianótica, afebril ao toque e com perfusão periférica adequada. Constipada há 7 dias. Nega outras queixas. PS=4 • ACV: RCR, 2T, BNF e sem sopros audíveis • AR: MVUA com estertores difusos • ABD: ascítico, doloroso à palpação profunda em região suprapública, hepatomegalia a 5 cm do RCD • MMII: sem edema, panturrilhas livres, pulsos distais palpáveis. • Boca: Dentição em moderado estado de conservação. Sinais de hemorragia gengival recente.
Conduta inicial (21/02/17)
• Foi solicitado: HC, Coagulograma completo, Hepatograma, Eletrólitos, PCR, VHS, K, Ptn total e frações e Bilirrubina e frações. • Solicitado RX tórax PA e perfil, ECG e EAS. • Foi prescrito Citoneurin 5000 UI IM, Diazepan regular VO 5 mg • Avaliação da ortopedia: pct recusa bota ortopédica
Neuropatia causada por fármacos e toxinas
Classificação da neuropatias pela apresentação temporal
Exames de entrada 21/02
21/02
VR
VR
Hb
10,7
12-16
TGO
89
≤ 37
Ht
32,6
35-46
TGP
41
≤ 40
VCM
84,0
80-100
FA
293
98-279
HCM
27,6
26-34
GGT
681
7-50
Linfócitos
18
20-50
Ptn total
6,6
6-8.2
Leuco
7700
Mi/Me/Ba/Se
0/0/0/2/72
Linfócitos
18
20-50
Eosinófilos
4%
1-7%
Plaquetas
224
150-450
Na
137
135-148
K
4,1
Ca Mg
4000-10000
Albumina
3,1
3.5-5.0
0-2/0/0-5/40-75
Globulina
3,4
1.5-3.0
Bilirrubina
0,42
<1
Direta
0,22
<0,4
Indireta
0,20
< 0,75
PCR
0,32
<5
3.5-5.3
VHS
60
< 20
9,7
8.0-10.5
TAP
85
70-100
2,0
1.9-2.5
INR
1,13
0,9-1,0
PTT
56,2
25-39
ECG (21/02/17)
Evolução
• 22/02: Paciente relata insônia e solicita Diazepan SOS. Prescrevo Tiamina 300 mg VO 8/8h • 23/02: Solicito sorologias para hepatite, sífilis e HIV • 03/03: Queixa urinária. Solicito novo EAS
Exames de entrada e subsequentes EAS (25/02/17) Nitrito negativo
Sorologias (25/02/17) Anti HBc (IgM): negativo
Proteína (++) Hb (++) Piócitos 8 a 10 PC
Anti HBc (IgG): negativo HBsAg: não reagente AntiHBs: não reagente
Hemácias 2 a 3 PC
Hep C: não reagente VDRL: negativo Anti-HIV I e II: negativo
EAS (03/03/17) Nitrito negativo Proteína (+) Hb (-) Piócitos 2 a 4 PC Hemácias 0 a 1 PC
Evolução • 08/03 e 09/03: Dor em MMII (EVA 6/10). Solicitado Tramal SOS • Suspendo Tiamina • 10/03: Dor em MMII permanece. Prescrevo pregabalina e ácido fólico • 13/03: USG ABD total: esteatose hepática (sem demais alterações)
21/02
27/02
06/03
13/03
Hb
10,7
10,5
12,1
11,5
Ht
32,6
31,4
35,0
33,5 (N,N)
Leuco
7700
6000
9000
9600 (SD)
Plaquetas
224
202
340
429
Ureia
----
40
----
53
Creatinina
----
0,9
----
0,8
TGO
89
50
-----
45
TGP
41
48
-----
85
FA
293
347
-----
336
GGT
681
690
-----
1000
TAP
85
----
69
----
INR
1,13
----
1,30
1,0
PTT
56,2
----
50,2
----
Na
137
147
------
-----
K
4,1
3,7
------
-----
Amilase
------
18
------
-----
Lipase
------
18
------
-----
Evolução • 14/03: Recuperação progressiva da força muscular Remissão do quadro álgico em MMII Relata constipação há 2 dias. Prescrevo dieta laxativa (além Lactulona 20 mg /8h) • 15/03: Melhora do quadro de constipação e diminuição da hepatomegalogia (2 cm do RCD) • 16/03: Alta hospitalar
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Campus Macaé Internato de Clínica Médica Hospital São João Batista
DISCUSSÃO TEÓRICA NEUROPATIA ALCÓOLICA Felipe Gomes Soares – R2 Clínica Médica Alex Uemblei Ferreira dos Santos – Interno M10 Macaé, março de 2017
Definição
• Complicação incapacitante do consumo excessivo de álcool a longo prazo caracterizado por dor e disestesia, principalmente nas extremidades inferiores, e é pouco aliviada pelas terapias disponíveis. • Associada a vários fatores de risco, como desnutrição, deficiência de tiamina, toxicidade direta do álcool e história familiar de alcoolismo
Epidemiologia
• Nos EUA, atinge 25-66% dos "alcoólicos crônicos" . • Fatores mais associados: duração e quantidade de consumo total de álcool ao longo da vida. • Mais prevalente em bebedores frequentes, pesados e contínuos • Maior incidência em mulheres
Quadro Clínico
• Insidiosa (meses a anos) • Sensações dolorosas (às vezes incapacitante) com ou sem relato de queimação • Fraqueza nas extremidades, na parte distal principalmente. De forma progressiva, estende-se proximalmente nos braços e nas pernas • Marcha pode ficar prejudicada.
Fisiopatologia
• Etanol diminui a absorção de tiamina no intestino, reduz as reservas hepáticas e afeta a fosforilação da tiamina, o que a converte em sua forma ativa. • Alcoolistas crônicos tendem a consumir quantidades menores de nutrientes essenciais e vitaminas, tendo menor absorção gastrointestinal destes nutrientes como efeito direto secundário do álcool. • Estudos recentes indicam um efeito neurotóxico direto do etanol ou seus metabólitos. Há degeneração axonal com remoção / remielinização segmentar resultante do alargamento de nós consecutivos de Ranvier
Fisiopatologia Ocorre ativação da microglia da medula espinhal, a ativação de receptores mGlu5 na medula espinhal, o estresse oxidativo produzindo os radicais livres e danos aos nervos, liberação de citocinas pró-inflamatórias acoplada à ativação da proteína cinase C, envolvimento de quinases reguladoras de sinal extracelular (ERKs) ou MAP quinases clássicas, envolvimento do sistema opioidergico e hipotálamohipófise-adrenal, ocasionando diminuição do limiar nociceptivo
Fatores Nutricionais: Vias Metabólicas A degradação do álcool se dá pelos sistemas enzimáticos de etanoldesidrogenase e acetaldeídodesidrogenase, em que o etanol é convertido em acetato. Em alcoólicos com a enzima mutada, as concentrações de acetaldeído podem atingir valores cerca de 20 vezes mais elevados. Nestes, uma certa quantidade de acetaldeído não é metabolizada pelas vias habituais e liga irreversivelmente a proteínas, o que resulta na criação de proteínas citotóxicas que afetam adversamente a função das células do sistema nervoso. Estas proteínas anormais influenciam outras populações celulares especialmente os hepatócitos onde o dano às mitocôndrias hepáticas resulta em cirrose hepática com redução de substratos energéticos.
Diagnóstico Diferencial (sensitivo-motora)
Tratamento
• Objetivo: Cessar danos aos nervos periféricos e voltar ao funcionamento normal. • Abstinência de álcool, dieta nutricionalmente equilibrada suplementada por vitaminas B e reabilitação • Gabapentina ou amitriptilina com outros analgésicos, como aspirina ou acetaminofeno para disestesias dolorosas . (Obs: são ineficazes no direcionamento das vias patológicas básicas envolvidas)
Tratamento : Estudos clínicos
• Benzotiamina: suplementação aumenta significativamente concentrações de TDP (forma ativa da tiamina) e tiamina total • Ácido alfa-lipóico: aumenta captação de glicose por células nervosas, fluxo sanguíneo nervoso e normalização do NAD. • Acetil-L-carnitina: aumenta velocidade de condução de estímulos nervosos • Vitamina E: diminui hiperalgesia • Metilcobalamina (B12): sua redução compromete reações de metilação na bainha de mielina. • Mio-inositol: constituinte dos fosfolípidos que compõem as membranas das células nervosas. Responsável pela regeneração do nervo e pelo aumento da fibra nervosa
Tratamento : Estudos clínicos
• N-acetilcisteína: poderoso antioxidante e ajuda a aumentar as concentrações de glutationa. Pode ter aplicação na prevenção ou tratamento de neuropatia. • Antidepressivos tricíclicos são frequentemente a primeira linha. Inibidores da reabsorção de serotonina / norepinefrina, duloxetina e venlafaxina, têm uma eficácia na polineuropatia dolorosa. • Antiepilépticos (gabapentina) têm efeitos anticolinérgicos periféricos e bloqueiam a reabsorção ativa de norepinefrina e serotonina • Creme tópico de capsaicina: estimula fibras C-aferentes que resulta em ardor e irritação que estimula a liberação de Substância P e outros neuropeptídeos.
Obrigado!!!