A CONSTRUÇÃO DO SERIAL KILLER NO CINEMA – GOLDFLIX #3 A representação dos Serial Killers acontece desde os primórdios do cinema, e em diversos países, nos mais variados gêneros como o terror, horror, suspense, drama, film noir, thriller e até mesmo na comédia que costumam satirizar alguns dos filmes sobre Serial Killers, além dos inúmeros subgêneros, como os slashers movies e dos gialli. Muitas dessas produções que destacam os crimes em série apresentam questões sociais, culturais e econômicas frente à figura do Serial Killer, de suas vítimas e do contexto de seus crimes. (seven) Cada filme expõe uma visão específica acerca do assassino em série e seus crimes, seja conscientemente ou não, muitas vezes dialogando com o próprio cinema. (zodíaco) Desde filmes nos quais os assassinos são descritos como psicopatas, sociopatas, pervertidos sexuais ou em produções que se buscam apresentar as motivações dos crimes. (psicose) Todos os filmes, independentemente de seus enfoques, se inspiram em temas presentes na sociedade; naturalmente, alguns desses filmes constroem abordagens exageradas sobre alguma ação do assassino ou utilizam os crimes em série como pano de fundo para o enredo principal. Certos termos são recorrentes em várias produções, principalmente os supracitados sociopatas e psicopatas. Esses termos possuem uma historicidade singular, não havendo um consenso sobre a criação deles na bibliografia especializada. (hannibal) O termo psicopatia era usado no século XIX para descrever todas as doenças mentais, enquanto sociopatia foi empregado ao longo da primeira metade do século XX como sinônimo dos diagnósticos referidos a perturbação da personalidade. Agora, no que diz respeito ao Serial Killer, o termo foi empregado pela primeira vez em casos reais na década de 1970 por Robert Ressler. (foto) Não existe um padrão de filme que aborda os Serial Killers. Muitas das produções sobre assassinatos em série individualizam o criminoso, ou melhor, focalizam suas ações; outros filmes se preocupam somente com a representação de seus crimes, abordando questões de moral; e outras produções procuram tratar das motivações ou mesmo dos aspectos psicológicos em torno do assassino. (psicopata americano/ onde os fracos não tem vez/ perfume)
O cinema como indústria carrega características políticas, econômicas e culturais, expõe valores presentes na sociedade, bem como dissemina costumes que acabam por influenciar essa mesma sociedade. A representação do crime e dos diversos aspectos envolvidos, como os assassinatos em série, é realizada em filmes provenientes de vários lugares ao redor do mundo, mas deve-se destacar que o cinema hollywoodiano é o maior produtor de filmes e de produções de TV que tratam de questões criminais e de assassinos das mais diversas maneiras. (M, o Vampiro de dusseldorf/ Assassinos por natureza) E é através de seu imaginário que a sociedade representa seus conflitos, sendo que “o Cinema como manifestação do imaginário se expressa através de uma linguagem ível às grandes massas: o alcance da linguagem das imagens é muito mais amplo que as linguagens escrita e oral”. (Meirelles) (Hannibal) Ao se apropriar de temas presentes na sociedade, a indústria do cinema nem sempre respeita o tratamento científico conferido a tais questões. Mas, no caso dos filmes sobre Serial Killers, é perceptível a incorporação, nos roteiros, de pesquisas forenses acerca dos assassinos em série. Tendo em conta esse movimento histórico e cinematográfico, em fins da década de 1980 e início da década de 1990, o termo Serial Killer se popularizava cada vez mais com roteiros de filmes mais elaborados, muitos inspirados em casos reais, fortemente influenciados por pesquisas e colaborações juntamente com o FBI, a exemplo da produção O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991), dentre outras. (silencio dos inocentes) Certamente um grande marco, não somente em relação a filmes de assassinos em série, mas na história do cinema mundial, esse filme é uma adaptação da obra literária homônima de Thomas Harris, lançada em 1988. Esse livro faz parte de uma série de livros sobre o Serial Killer Hannibal Lecter, constituída por: Dragão Vermelho (Red Dragon, 1981); Hannibal (Hannibal, 1999); Hannibal: a origem (Hannibal Rising, 2006). (fotos) Todos os livros foram adaptados para o cinema. A primeira adaptação foi da obra Dragão Vermelho, em 1986, (pausa) mas o sucesso veio mesmo com a adaptação de O Silêncio dos Inocentes, em 1991, que além da excelente arrecadação, venceu cinco Oscars em 1992 nas categorias de melhor filme, melhor diretor, melhor atriz, melhor ator e melhor roteiro adaptado. Em O silêncio dos inocentes (1991), uma jovem cadete do FBI é recrutada para entrevistar o perigoso psiquiatra Hannibal Lecter, mas descobre
posteriormente que isto era uma estratégia do diretor do departamento de Ciência do Comportamento do FBI, Jack Crawford, para extrair informações de Lecter sobre um outro assassino: Buffalo Bill, o cruel assassino em série que mata e esfola suas vítimas. Clarice Starling a a ser o ponto de contato entre Lecter e o FBI, tentando barganhar informações com Hannibal por promessas de melhorias na condição de aprisionamento e por sua transferência para um hospital psiquiátrico longe do ambicioso e antiético Dr. Chilton, médico responsável pelo hospital em que Hannibal está preso. Chilton, por sua vez, estraga o estratagema bolado por Starling e Crawford, tentando trazer os holofotes para si e tornar-se o responsável pelo salvamento de Catherine Martin, que havia sido sequestrada por Bill. Clarice perde a moeda de troca com Hannibal, sobrando-lhe apenas suas memórias íntimas, as quais o canibal devora em troca de informações e charadas. O movimento de Dr. Chilton acaba permitindo a fuga de Hannibal, mas não antes dele dar a última pista a Clarice, que segue para chegar ao enfrentamento final junto a Buffalo Bill. Silêncio dos Inocentes é bem mais que um filme inteligentemente produzido, ou um drama ional. Ele move a gente, e é muito pouco pelo fascínio macabro do tema, pelo desenvolvimento da direção ou pelas interpretações memoráveis de Anthony Hopkins e de Jodie Foster, mas muito pelo simbolismo profundo da sua alegoria. Mesmo ando despercebido pelo espectador, esse simbolismo não pode deixar de atingi-lo no âmago da sua condição humana, pela força de uma linguagem universal. Seu alcance simbólico eleva o filme de Jonathan Deeme à categoria de grande obra de arte. Ao final de O Silêncio dos Inocentes pode-se apontar inúmeras questões, a excepcional produção, a interpretação dos personagens, a direção, apesar disso, nessa produção há um grande destaque para a figura dos Serial Killers e das diversas questões que os cercam. Um grande fator de destaque é a relação da representação do assassino em série e da psiquiatria. Em várias cenas do filme, os diagnósticos do Dr. Hannibal Lecter sugerem a leitura de que somente um louco pode compreender outro louco. Além do dualismo entre Dr. Hannibal Lecter e Dr. Chilton, que é fortemente destacado, o contraste entre o psiquiatra culto, respeitável, porém selvagem e louco, e o outro, um profissional incapaz e oportunista. Há também a dicotomia entre os assassinos em série, ou seja, entre Hannibal Lecter e Jamie Gumb. O primeiro, um renomado psiquiatra, é um
intelectual, culto, muitas vezes cavalheiro, sabe se portar perante os outros, mas possui seu lado animalesco, pois é um assassino em série canibal. Hannibal não tem receio algum em matar suas vítimas, é calculista e racional. O segundo é um indivíduo perturbado, desorganizado, sem uma identidade definida. Acabou se tornando muito comum a representação do assassino em série, tanto na literatura quanto no cinema ou em séries televisivas, que acabaram por construir várias imagens dos Serial Killers, muitas vezes fazendo analogias das vítimas com o consumo de um produto qualquer. Os serial killers transformam suas vítimas em objetos seriais, de consumo em série. Marx descreve o fetichismo de mercadoria como o que acontece quando uma relação social e definida entre homens assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. No contexto do capitalismo, canibalismo e serial killing se tornam eles mesmos imagens de reificação. Ao longo de O Silêncio dos Inocentes a gente também nota a constante referência a se consumir as vítimas. Jamie Gumb utiliza a pele como matéria-prima para a sua transformação sexual, para produzir seu traje identitário. Hannibal, o canibal, consome suas vítimas literalmente, da forma tradicional. Símbolos e Mitos Muitas obras literárias, do cinema e do teatro utilizam símbolos e mitos “esotéricos”, mesmo que isso não faça delas uma narrativa iniciática. Ao contrário, os símbolos contidos numa narrativa só adquirem perfeita funcionalidade estética quando a estrutura profunda da obra é a de uma narrativa iniciática; fora disso, símbolos e mitos se tornam apenas enfeites dentro de uma obra. A estrutura total junto com os simbolismos têm de estar inseridos e amarrados um aos outros num arranjo orgânico, refletindo uma das principais leis da linguagem simbólica, que é a correspondência entre a parte e o todo, o pequeno e o grande, o micro e o macrocosmo. O Silêncio dos Inocentes acaba se revelando como uma narrativa iniciática, e das mais bem feitas que o cinema já nos apresentou. Nele não existe uma única referência simbólica ou mitológica que não se encaixe com extrema adequação na estrutura total da obra, refletindo esse todo na escala do detalhe; e a estrutura global, por sua vez, tem todos os elementos requeridos: o mestre, o discípulo, o adversário diabólico, os anjos, os demônios, enfim.
Até mesmo os nomes das personagens parecem significativos. Clarice Starling, obviamente, representa a claridade estelar. No mito grego, as almas dos heróis se transformam em estrelas. Lecter é uma variante de lector: ele lê nos livros e nas almas. Gumb é uma variante de gumbe, um tipo de tambor sudanês feito de pele. Finalmente, Crawford, um nome comum que poderia não significar nada, compõe-se de craw, “garganta”, e de ford, “atravessar”. Forma claramente a idéia de “engolir’. Por que “engolir”? Pode ter sido escolhido a esmo, mas não é uma coincidência sugestiva que a pista mais importante para a solução do mistério seja encontrada precisamente na garganta das vítimas? Mas essa questão dos nomes são apenas indícios secundários a confirmar uma hipótese que no mais se conserva sólida se não tivesse isso. Acontece às vezes que, quando a estrutura da narrativa iniciática é firme, como é o caso desse filme, até mesmo detalhes simbólicos encontrados acidentalmente pelo artista adquirem uma reverberação mais profunda: quando se acerta no essencial, o acidental colabora. Quando, ao contrário, a estrutura profunda é fraca, nem todos os símbolos esotéricos do mundo conseguem salvar. Se você quiser saber mais um pouco sobre os símbolos encontrados nesse filme, eu indico a leitura da resenha que o Professor Olavo fez, e que vou deixar na descrição desse vídeo.
Finaliza