aula
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ESQUEMA E FICHAMENTO:
Objetivos
Meta
TÉCNICAS DE ESTUDO
Apresentar os mecanismos para elaboração de esquemas e fichamentos de textos.
Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de: • apreender
o
conceito,
a
natureza
e
as
características do esquema e do fichamento; • reconhecer
a
importância
da
prática
de
fichamentos na vida do estudante e do pesquisador; • identificar as estratégias para elaboração de esquemas e fichamentos; • produzir esquemas e fichamentos – de resumo e citação - de textos.
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AULA VII
Fonte: banco de imagens COREL
O homem aprende a ver o mundo pelos discursos que assimila e, na maior parte das vezes, reproduz esses discursos em sua fala. José Luiz Fiorin
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Práticas Educativas I Oficina de Leitura e Produção Textual na Prática Escolar
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Esquema e Fichamento: técnicas de estudo
1. INTRODUÇÃO São muitos os textos com os quais você se depara no dia a dia da academia para poder ler e estudar. É preciso, portanto, que você, para acentuar os propósitos da leitura, para melhor captar, assimilar, discernir, facilitar a evocação futura dos conteúdos (e até mesmo memorizar), aprenda a utilizar diversas técnicas de estudo, como a elaboração de esquemas, fichamentos, resumos... Portanto, anotar tudo o que lemos é o primeiro o para a sistematização dos nossos conhecimentos e dos muitos dados e informações com que temos contato no dia a dia. Se assim não fizermos, teremos dificuldades futuras de recuperar informações importantes com as quais contamos e também de elaborar nossos textos (sejam orais ou escritos). Afinal, quem não lê com discernimento, ou quem não sublinha ou esquematiza o que lê com inteligência, acabará por compreender mal os textos lidos, acabará por fazer resumos falhos, sínteses mutiladas que, com certeza, mais atrapalharão nos estudos e confundirão nas revisões do que ajudarão. Dessa forma, você já sabe que tudo começa com a leitura. Aliás, como afirma Nascimento (2002, p. 29), “fazer pesquisa pressupõe leitura, leitura, leitura”. Ou seja, o trabalho científico depende de leituras, de fontes de informações. Essas leituras, como forma de organização do conhecimento adquirido, devem ser acompanhadas de anotações. Se não organizarmos e sistematizarmos o nosso conhecimento e os nossos dados, não teremos sobre o que e do que falar posteriormente. Para assegurar o registro das informações obtidas ao longo das diversas pesquisas realizadas, faz-se necessário dominar algumas técnicas de como registrar, sistematizar e organizar o conhecimento. Esses registros serão utilizados em função de objetivos específicos desejados. Nesta aula, você aprenderá a utilizar duas úteis e necessárias técnicas de estudo à vida acadêmica: a elaboração de esquemas e fichamentos. Vamos lá!
2. ESQUEMA: O QUE É
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Segundo Köche, Boff e Pavani (2006, p. 87), esquema “é a reelaboração do plano de um texto, e pode ser definido com um resumo não redigido”. Ou seja, é o plano, a linha diretriz, seguida pelo autor no desenvolvimento do seu escrito. Esse plano delimita um tema e estabelece a trajetória básica de sua apresentação, com as ideias subordinadas, selecionando fatos e argumentos.
O esquema pode ser compreendido como uma radiografia
do texto, uma espécie de “esqueleto”. Formular um esquema, portanto, significa traçar o esqueleto da obra; organizar o texto com lógica, colocando em destaque a inter-relação das ideias. No momento de leitura/estudo de um texto, utilizar a técnica de esquematizar é uma forma ativa de se tomar contato com o assunto, obrigando o estudioso a retirar do texto as ideias principais, os detalhes importantes e as ideias secundárias que subsidiam as ideias principais. Portanto, elaborar esquemas ajuda você, estudante, a assimilar a matéria e apontar as ideias do texto (análise), ordenando-as
(síntese).
Por
essas
e
outras
razões,
é
aconselhável que domine a técnica de esquematizar.
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2.1 Natureza, função e regras do esquema
Aula
Como já dito, a função do esquema, pois, é definir o tema e hierarquizar as partes de um todo numa linha diretriz, para torná-lo possível a uma visão global. Pelo esquema, podese atingir o todo numa única mirada. Para a maioria das matérias que estudamos, o mais indicado é tomar notas em forma de esquemas ou resumos, por várias razões, dentre elas podemos citar: a) a técnica do esquema nos obriga a participar mais ativamente da aprendizagem, proporcionando-nos a captação da ideia principal, dos detalhes importantes, das definições, das classificações e dos termos técnicos. Ajuda-nos, por conseguinte, a assimilar a matéria; b) por meio de um esquema, conseguimos reduzir, em poucas linhas ou em poucas páginas, um capítulo e até uma obra inteira;
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Esquema e Fichamento: técnicas de estudo
c) pelo esquema, conseguimos mais facilmente o interrelacionamento dos fatos e das ideias. Tal técnica nos ajuda a estabelecer o plano lógico, pois para esquematizar é preciso compreender e estabelecer a subordinação das ideias, as relações entre as afirmações. O esquema deve ser elaborado conforme as necessidades de cada pessoa, através de gráficos, símbolos, códigos e palavras. Não há “receita de bolo” para elaboração de esquemas, no entanto, a elaboração ou levantamento do esquema deve obedecer algumas regras. Por isso, oferecemos aqui a você algumas dicas necessárias para sua elaboração, com base em Andrade (2005), Barros e Lehfeld (1986) e Ruiz (1986). Aí vão elas: a) captar a estrutura da exposição do autor, quer se trate de um livro, de uma seção, de um capítulo; b) manter-se fiel às ideias do autor; c) sublinhar as ideias principais e os detalhes importantes; d) colocar os títulos mais gerais numa margem e os subtítulos e as subdivisões nas colunas subsequentes e assim sucessivamente, caminhando da esquerda para a direita; e) apanhar o tema do autor, destacar os títulos, os subtítulos que guiaram a introdução, o desenvolvimento e as conclusões do texto; f) ser simples, claro e distribuído organicamente, de maneira a apresentar límpida imagem concentrada do todo; g) subordinar ideias e fatos, não os reunir apenas; h) manter um sistema uniforme de observações, gráficos e símbolos para as divisões e subordinações que caracterizam a estrutura do texto; i) utilizar, no esquema, linhas retas ou curvas, setas, chaves, desenhos, colchetes etc.; j) separar as divisões sucessivas com colchetes, chaves e colunas. O sistema de numeração progressiva (1, 1.1, 1.2, 2, 2.1 etc.) cabe para a identificação dos títulos e subtítulos, e as letras minúsculas, ou alíneas [a), b), c)], para indicar as divisões sucessivas; k)
usar
alguns
símbolos
convencionais
e
convencionar
abreviaturas para poupar tempo e facilitar a captação rápida
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das ideias. Assim, por exemplo:
➔
para indicar: “produz”, “decorre”, “por conseguinte”,
“conduz a”, “resulta” etc. Ex.: grupo minoritário
➔
marginalização;
♂ para indicar sexo masculino — homem; ♀ para indicar sexo feminino — mulher;
☺
para indicar sujeito — indivíduo, homem etc. Vi =
variável independente; Vd = variável dependente; l) usar gráfico do “tipo-organograma” para indicar estruturas, conjunto de ideias derivadas, relações etc. Exemplo:
ESQUEMA
FIDELIDADE
LOGICIDADE
ADEQUAÇÃO
m) manter um sistema uniforme de observações, gráficos e símbolos para as divisões e subordinações que caracterizam
Você deve se expressar, preferencialmente, através de frases curtas e não em períodos que juntos comporão um pequeno texto.
ATENÇÃO
É importante lembrar que esquema não é o mesmo que resumo!
yy as ideias centrais do texto; yy a estrutura ou a sequência lógica do texto com subordinação das idéias secundárias às ideias principais, mostrando claramente que se compreendem as relações entre as partes do texto; yy as divisões e subdivisões do texto, tornando clara a hierarquia das próprias partes; yy uma apresentação gráfica cuidada para facilitar a legibilidade.
Vamos ver como podemos esquematizar as informações
destacadas dos textos que se seguem? Veja o primeiro texto: São quatro as atividades principais dos especialistas em comunicação: detecção prévia do meio ambiente, correlação das partes da sociedade na reação a esse meio, transmissão da herança social de uma geração para a seguinte e entretenimento. A detecção prévia consiste na coleta e distribuição de informações sobre acontecimentos do meio ambiente, tanto fora como
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Um bom esquema deve apresentar:
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a FR K C AM SAIBA MAIS
Esquematizar um texto é provar que se compreendeu o texto em análise. Assim, em síntese, se você perguntar “O que deve oferecer um bom esquema?”, uma resposta breve seria:
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a estrutura do texto.
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Esquema e Fichamento: técnicas de estudo
dentro de qualquer sociedade particular. Até certo ponto, isso corresponde ao que é conhecido como manipulação das notícias. Os atos de correlação, aqui, incluem a interpretação das informações sobre o meio ambiente e orientação da conduta em reação a esses acontecimentos. Em geral, essa atividade é popularmente classificada como editorial, ou propaganda. A transmissão de cultura se faz através da comunicação das informações, dos valores e normas sociais de uma geração a outra ou de membros de um grupo a outros recém-chegados. Comumente, é identificado como atividade educacional. Por fim, o entretenimento compreende os atos comunicativos com intenção de distração, sem qualquer preocupação com os efeitos instrumentais que eles possam ter (SOARES; CAMPOS).
Um possível esquema pode ser: As quatro atividades do especialista em comunicação são: 1. Detecção prévia do meio ambiente: coleta e distribuição da informação, manipulação da notícia. 2. Correlação das partes da sociedade na reação do meio: interpretação da informação, editorial ou propaganda. 3. Transmissão da herança social: transmissão da cultura, comunicação das informações: valores e normas sociais, educação. 4. Entretenimento: atos comunicativos com intenção de distração.
Agora, considere um texto maior com o seu respectivo esquema: Viciados em F7 A tecla F7, para quem (ainda) não conhece, é o atalho para ativar o corretor ortográfico do Microsoft Word, o programa de edição de textos mais usado no mundo. Para quem se garante nos quesitos ortografia e gramática, o corretor automático é um chato que fica sublinhando, em verde ou vermelho (conforme o caso), nomes de pessoas, palavras que não estão no dicionário e erros que não existem - como segue regras rígidas, muitas vezes ele aponta como erro formas que na verdade são opcionais ou licenças poéticas. Mas, para os usuários não tão craques em português, o corretor é a salvação, é aquele que impede
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que se entregue ao chefe um relatório cheio de erros ortográficos constrangedores. Basta apertar F7 e abrese uma janelinha mágica, que vai apontando possíveis erros e oferecendo soluções. Assim, formou-se uma verdadeira legião de viciados em F7. Indiferentes à discussão sobre qual é o melhor dicionário, eles dispensam cuidados ao digitar e não se preocupam com a ortografia. O relaxamento pode chegar ao ponto de a pessoa repetir o mesmo erro diversas vezes, ignorando a possibilidade de aprender a grafia correta. Foi o que percebeu, há três anos, a avó do então adolescente Leandro de Almeida Camargo. Dona Elza ditava um texto e alertava quando o rapaz cometia um erro. Mas ele reagia: ‘’Tudo bem, vó, o computador corrige depois’’. Com esse argumento, o rapaz se permitiu digitar os mesmos erros várias vezes. Então, criou juízo e hoje é um ex-dependente. Estudante de istração e estagiário do Banespa de Petrópolis, Leandro conta que tira suas dúvidas no dicionário e matriculou-se num curso de digitação. ‘’O mercado de trabalho exige que se escreva corretamente, e eu pretendo acompanhar o mercado’’, explica. Jornal do Brasil – Quinta-feira, 27 de setembro de 2001.
Viciados em F7
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1. Corretor Ortográfico e Gramatical do Microsoft Word 1.1 Basta apertar a tecla F7. 1.2 Chato para os que se garantem em ortografia e gramática. 1.3 Segue regras básicas e ridículas; 1.4 Salvação dos que não possuem bom conhecimento do português. 1.5 Aponta possíveis erros e sugere diversas soluções. 2. O vício da tecla F7 2.1 Legião de viciados em F7. 2.2 Dispensa cuidados ao digitar. 2.3 O usuário repete o mesmo erro diversas vezes. 2.4 Não possibilita aprender a ortografia correta. 2.5 O computador a a corrigir os erros para você. 3. Estudante viu a importância do escrever correto 3.1 Utiliza o dicionário para tirar dúvidas; 3.2 Faz um curso de digitação para não escrever errado;
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Esquema e Fichamento: técnicas de estudo
3.3 O mercado de trabalho exige que escreva de forma correta. Fonte: Jornal do Brasil - Quinta feira 27 de setembro de 2001.
Você notou que o esquema mantém a hierarquia das informações no texto?
É interessante mencionar que a elaboração de esquema é
de cunho pessoal, ou seja, cada um faz o esquema de acordo com suas tendências, hábitos, recursos, experiências pessoais e, especialmente, de acordo com o seu objetivo. Daí um esquema de uma pessoa raramente ser útil para outra. Observe como ficou interessante um outro esquema desse segundo texto! A tecla F7 1. Definição: tecla que ativa o corretor ortográfico do Microsoft Word. 2. Função: sublinhar palavras que não estão no dicionário e erros. 3. Vantagens: é prático, aponta possíveis erros e oferece soluções. 4. Desvantagens: viciados em F7 ao digitar não se preocupam com a ortografia. 4.4.1 Exemplo: Leandro de Almeida Camargo, que se permitia digitar os mesmos erros várias vezes, hoje tira suas dúvidas no dicionário.
Agora que você já sabe quais são os os para elaboração de um bom esquema e como pode fazê-lo, é hora de praticar.
ATIVIDADE 1. Abaixo, são apresentados alguns textos para que você possa esquematizá-los. Aí vão algumas dicas que você não deve esquecer: 1. Marque as ideias principais do texto. 2. Organize-as em tópicos (item e sub-item). 3. Procure reduzir ao máximo o tamanho das frases dos tópicos (tire todas as “gordurinhas”). 4. Veja se a partir do seu esquema você é capaz de reproduzir o que considera relevante nesse texto. a. Em caso de resposta afirmativa, parabéns! Você conseguiu fazer um bom esquema.
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b. Em caso de resposta negativa, tente novamente.
Texto 1: Naturalmente, a educação tem de ser tanto formativa quanto diretiva. Não podemos simplesmente ministrar informação sem ao mesmo tempo transmitir aos estudantes algumas ‘aspirações’, ‘ideais’ e ‘objetivos’, a fim de que eles saibam o que fazer com a informação que receberem. Lembremo-nos, porém, que é também muito importante apresentar-lhes não apenas ideais destituídos de alguma informação real sobre a qual agir; à falta dessa informação, nãolhes será nem ao menos possível usufruir desses ideais. A informação sem as diretivas, insistem corretamente os estudantes, é ‘seca como pó’. Mas as diretivas, sem a informação, gravadas na memória mercê de frequentes repetições, só produzem orientações intencionais que os incapacitam para as realidades da vida, deixando-os indefesos contra o choque e o cinismo dos anos subsequentes (HAYAKAWA).
Texto 2:
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Como se sabe, cada texto abre a perspectiva de uma multiplicidade de interpretações ou leituras: se, conforme se disse, as intenções do emissor podem ser as mais variadas, não teria sentido a pretensão de se lhe atribuir apenas uma interpretação, única e verdadeira a intelecção de um texto consiste na apreensão de suas significações possíveis, as quais se representam nele, em grande parte, por meio de marcas lingüísticas. Tais marcas funcionam como pistas dadas ao leitor para permitir-lhe uma decodificação adequada: a estrutura da significação, em língua natural, pode ser definida como o conjunto de relações que se instituem na atividade da linguagem entre os indivíduos que a utilizam, ativiade esta que se inscreve sistematicamente no interior da própria língua (KOCH, Ingedore).
Texto 3: O Brasil está saindo da situação hiperinflação e, hoje, com o Plano Real já consegue uma estabilidade econômica. Mas há necessidade de mudanças na Constituição para a instituição de uma reforma fiscal e da previdência, principalmente, para a melhoria da saúde e da educação do povo. No plano social, infelizmente, aumenta o número de casais que se separam e a mulher a a arcar sozinha com os encargos econômicos e sociais de toda a família. É uma situação mais difícil para a mulher sozinha: o homem sozinho com os filhos é mais raro pois a a situação por menos tempo. A família bem constituída é um antídoto contra a marginalidade. (Informe publicitário)
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Esquema e Fichamento: técnicas de estudo
Texto 4: Os homens brasileiros confirmam as teorias biológicas: no primeiro encontro, o que conta mesmo é a beleza, segundo eles próprios e especialistas em relações amorosas. Na agência Happy End, especializada em encontrar “o parceiro ideal”, a qualidade essencial da futura cara-metade, para 80% dos homens, é a boa aparência. “Eles estão mais preocupados com a embalagem do que com o conteúdo”, diz a proprietária, Márcia Goldschmidt. “Ao contrário das mulheres, que valorizam o caráter e o sucesso”, acrescenta. “Apenas 10% delas exigem que o parceiro também seja belo”. “No mundo inteiro, a beleza pesa muito mais para os homens do que para as mulheres”, afirma Ailton Amélio da Silva, professor de pós-graduação em Relacionamento Amoroso da Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo. (O Estado de São Paulo, 9-6-1996)
Texto 5: BOBAGENS SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO “E deixe os Portugais morrerem à míngua...” - Caetano Veloso Quando o assunto é língua, praticamente tudo o que aparece na mídia é equivocado, distorcido. Pululam atualmente, por exemplo, bobagens a respeito do acordo de unificação ortográfica que entrará em vigor nos países de língua oficial portuguesa. Vamos ver as mais graves. Bobagem nº 1: falar de ‘unificação da língua’. O acordo prevê apenas uniformização da ortografia, isto é, do modo de escrever em português. Quem fala ‘mêzmu’, ‘mêjmu’, ‘mêijmu’, ‘mêhmu’ etc. vai continuar falando como sempre falou, mas só pode escrever mesmo. Nenhuma ortografia de nenhuma língua do mundo dá conta do fenômeno da variação, que é da própria natureza das línguas humanas. Por isso mesmo os Estados sentiram a necessidade política de fixar, por lei, um modo único de escrever. Mas não existe lei que uniformize os modos de falar, porque isso é impossível, tanto quanto é impossível uniformizar a cor da pele, dos cabelos ou dos olhos das pessoas - falar faz parte da nossa configuração biológica. Só nazistas podem pensar em uniformizar as pessoas em suas características físicas. E é também um quase nazismo querer que todas as pessoas falem de um modo uniforme, considerado o único ‘certo’, só porque a classe alta, minoritária e branca fala assim. Bobagem nº 2: falar de ‘reforma’ ortográfica. O acordo prevê apenas a unificação das duas ortografias atualmente em vigor (a brasileira e a portuguesa), eliminando os poucos aspectos que diferenciam as duas normas. São tantas as discrepâncias entre o que se fala e o que se escreve que, para criar uma ortografia minimamente próxima da fala, mesmo incorporando só o que é comum a todos os falantes de português no mundo, a reforma teria que ser tão radical que
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desfiguraria a tradição escrita da língua e perturbaria a transmissão do patrimônio cultural escrito em português. Por isso o inglês e o francês se escrevem do mesmo jeito há 500 anos. A escrita não é, de jeito nenhum, um retrato fiel da língua falada, nem tem como ser. Ela é uma mera convenção para registrar a língua, convenção baseada em critérios históricos, políticos, culturais, de classe social, muito mais do que em considerações propriamente lingüísticas. Bobagem nº 3, decorrente da nº 2: dizer que a reforma é ‘tímida’ ou ‘meia-sola’ (como disse um ‘professor de português’ que brilha na mídia, só para confirmar seu despreparo para tratar do que quer exija uma análise um pouco mais bem fundada). Se não existe ‘reforma’ nenhuma, como é que ela pode ser ‘tímida’? Bobagem nº 4: achar que o acordo não tem importância. Tem importância, sim, e muita, porque o que interessa no acordo não é a ortografia em si, mas o papel político que o Brasil tem a desempenhar na comunidade lusófona. Portugal, infinitamente menos importante que o Brasil no cenário político e econômico mundial, se recusa a ver que quem lidera a lusofonia, hoje, somos nós. O PIB brasileiro é o 8º maior do mundo; o de Portugal é o 41º. Só na metrópole de São Paulo tem mais falantes de português do que em toda a Europa! Defender o acordo de uniformização ortográfica é defender essa liderança, é exigir que Portugal pare de se arvorar como fonte ‘original e pura’ de irradiação do português e de decisões internacionais acerca da língua. O português que conta hoje, no mundo, é o nosso. E os portugueses que enfiem sua viola no saco e parem de ter saudades de um império que começou a ruir em 1808, senão antes... (BAGNO, Marcos)
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3 FICHAMENTO: O QUE É O fichamento é uma forma de investigar caracterizado pelo ato de fichar (registrar) todo o material necessário à compreensão de um texto ou tema. É uma parte importante na organização da pesquisa de documentos, permitindo um fácil o aos dados fundamentais para a elaboração e conclusão de um trabalho. O ato de fichar o material de estudo e pesquisa é de suma importância, pois facilita a procura do pesquisador, que terá ao seu alcance as informações coletadas nas bibliotecas públicas ou privadas, na Internet, ou mesmo em seu acervo particular, evitando que consulte mais de uma vez a respeito de um determinado tema, por não conseguir guardar em sua memória todos os dados aos quais teve o. Dessa forma, para o pesquisador, a ficha é um instrumento de trabalho imprescindível. Como o pesquisador,
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Esquema e Fichamento: técnicas de estudo
UM CONSELHO
ou o estudante, como é o seu caso, durante o A indicação das referências bibliográficas deve ser feita segundo normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Sugiro a você que compre ou consulte na biblioteca da UESC o Manual para elaboração de trabalhos técnico-científicos (Editora Editus), organizado pela professora Mônica de Moura Pires. Nele você encontrará, além de normas para elaboração das referências, alguns instrumentos para a elaboração de trabalhos científicos.
processo de construção do conhecimento, manipula muito material bibliográfico, que em sua maior parte não lhe pertence, as fichas são úteis, pois permitem: identificar as obras, conhecer seu conteúdo, fazer citações, analisar o material, elaborar críticas, bem como auxiliar e embasar a produção de textos. A utilização das fichas apresenta vantagens como: fácil manipulação, permite ordenação, ocupa pouco espaço, é fácil de transportar, possibilita obter a informação exata, na hora necessária, dentre outras. As fichas compreendem cabeçalho, referências bibliográficas, corpo da ficha e local onde se encontra a obra. Abaixo, encontra-se o exemplo de uma ficha
com todos os elementos que devem constar no momento da elaboração de um fichamento (sejam elas fichas propriamente ditas, sejam elaboradas no caderno, ou no computador):
3.1Tipologia Nesta aula, você aprenderá a fazer os seguintes fichamentos, com base em Eco (1989): 1) fichamento bibliográfico por autor;
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2) fichamento bibliográfico por assunto; 3) fichamento de transcrição ou de citação; 4) fichamento de resumo; 5) fichamento de comentário.
3.1.1 Fichamento bibliográfico por autor Conforme você vai tomando contato com o material impresso, deve organizá-lo. Poderá fazê-lo através do fichamento bibliográfico por autor, onde ficarão anotados o nome do autor (na chamada), o título da obra, edição, local de publicação, editora, ano da publicação, número do volume, se houver mais de um, e número de páginas. Constitui-se num grande auxílio no momento de colocar as obras em ordem alfabética de um trabalho. Veja o exemplo: GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1980. 214 p.
3.1.2 Fichamento bibliográfico por assunto
Esse tipo de fichamento é mais fácil de trabalhar. As
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instruções indicadas no item anterior repetem-se aqui, sendo
Aula
que desta vez o assunto deve estar encabeçando a ficha (na chamada): ESTRUTURA SINTÁTICA DA FRASE
GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1980. 214 p
3.1.3
Fichamento citação)
de
transcrição
(ou
de
Neste tipo de fichamento, você deve selecionar as agens que julga mais interessantes no decorrer da leitura da obra. É necessário que seja reproduzido fielmente o texto do autor (cópia literal). Após a transcrição, deve constar o número
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da(s) página(s) de onde foi extraída. Veja o exemplo:
SCARPARO, Monica Sartori. Fertilização assistida: questão aberta: aspectos científicos e legais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. 189 p. Eis o posicionamento importante, citado pela autora, sobre o início da vida e sua proteção jurídica: “A personalidade começa com o nascimento com vida, que se verifica quando o feto se separa completamente do corpo materno. Neste momento é que pode ser objeto de uma proteção jurídica independente da que concerne à mãe” (p. 40-41).
A propósito do fichamento de transcrição, Medeiros (2008) ensina: U V
SAIBA MAIS
a FR K C AM
1) Em trabalho científico, as citações com até três linhas são incluídas no parágrafo em que se faz a referência a seu autor, e são contidas entre aspas duplas. Observe: Com base nisso, corroboramos o pensamento de que o atrativo a a existir, via comunicação, ou seja, a mídia é “(...) o principal instrumento de mediação entre os agentes humanos e comerciais do Turismo” (DROGUETT; CUNHA, 2004, p. 150).
2) Já as transcrições com mais de três linhas devem ser destacadas, ocupando parágrafo próprio e observando-se recuo de 04 cm da margem esquerda, com letra menor que a do texto utilizado e sem aspas. Veja um exemplo: Nesse sentido, advoga Wainberg (2003) que o turismo é, antes de tudo, um fenômeno comunicacional e reivindica a necessidade de criação de uma teoria comunicacional do turismo, buscando compreender outras dimensões do tema, ou seja, postulando a necessidade de estudá-lo sob esse prisma: Considerado um dos mais impressionantes fenômenos humanos do século XX, o turismo tem sido estudado de várias formas, em especial na sua dimensão econômica. [...] Tais reflexões não têm contemplado, no entanto, com profundidade, o fundamento comunicacional da experiência turística (WAINBERG , 2003, p. 07).
3) Se houver erros de grafia ou gramaticais, copia-se como está no original e escreve-se entre parênteses (sic). Por exemplo:
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“Os autores deve (sic) conhecer...”
4) A supressão de palavras é indicada com três pontos entre colchetes. Exemplo:
SAIBA MAIS
“Completude, referência, tematização, coesão, unidade são conceitos que definem o texto como tal. [...] Assim, o autor apresenta critérios que orientam o processo da escrita”. 5) Supressões iniciais e finais não precisam ser indicadas: “[...] Completude, referência, tematização, coesão, unidade são conceitos que definem o texto como tal [...]” Prefira: “Completude, referência, tematização, coesão, unidade são conceitos que definem o texto como tal”.
3.1.4 Fichamento de resumo Neste você deve apresentar uma síntese bem clara e concisa das ideias principais do autor ou um resumo dos
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aspectos essenciais da obra.
Resumo
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IMPRESSIONISMO
SERULLAZ, Maurice. O impressionismo. São Paulo: Difel, 1965, p. 8. Define o Impressionismo como movimento ocupado com o fugaz. O artista capta as transformações impostas pela luz. Esta característica espontânea inicialmente torna-se regra, fazendo o movimento posterior diferente do inicial.
Você deve lembrar que esta ficha se caracteriza por: a) não ser transcrição, como na ficha de citações, mas ser elaborada pelo leitor, com suas próprias palavras, sendo mais uma interpretação do autor;
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Esquema e Fichamento: técnicas de estudo
b) não ser longa, apresentar mais informações do que a ficha bibliográfica; c) não obedecer estritamente à estrutura da obra. Lendo a obra, você vai fazendo anotações dos pontos principais. Ao final, redige um resumo, contendo a essência do texto.
3.1.5 Fichamento de comentário Neste fichamento, devem ser analisados os aspectos quantitativos (cabe responder pela extensão do texto, sobre sua constituição – ilustrações, exemplos, bibliografias, citações -, conceitos abordados) e depois os qualitativos (análise e detecção da hipótese do autor, objetivo, motivo pelo qual escreveu o texto, as ideias que fundamentam o texto). Segundo Medeiros (2008, p. 116), (...) deve o comentarista verificar se a exemplificação é genérica ou específica, se a organização do texto é clara, lógica, consistente, e o tom utilizado na exposição é formal ou informal, se há pontos fortes ou fracos na argumentação do autor, se a terminologia é precisa. E ainda dizer se a conclusão é convincente e quem será beneficiado pela leitura do texto. Finalmente, deve fazer uma avaliação da obra.
Veja um exemplo: Comentário
RELAÇÃO LEITOR/OBRA
TACCA, Oscar. As vozes do romance. Coimbra: Almedina, 1983. p. 152153. Notam-se no texto de Tacca as seguidas transformações por que a o leitor: inicialmente convidado; depois, participante da família e, por fim, transfigurado. A comparação explicita o comportamento do leitor com a obra e a impossibilidade de permanecer distante, amorfo, inerme. A leitura possibilita a transfiguração, a transformação radical que leva a atingir um estado glorioso. E, neste caso, leva o leitor a um contato como realidades estranhas ao mundo sensível. Talvez se possa ver aí um resquício da filosofia de Plotino que dizia que a arte dá o à realidade. E a arte transforma-se numa atividade espiritual.
Agora, chegou a vez de você praticar. Vamos lá!
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ATIVIDADES 1. Elabore um fichamento de comentário e um fichamento bibliográfico por autor do texto constante do Anexo 1. Trata-se de uma entrevista intitulada “Salvem o português”, concedida por Sérgio Nogueira à revista IstoÉ, publicada em 23/08/2006. 2. Elabore um fichamento de citação do texto intitulado “Produção de texto”, constante do Anexo 2.
RESUMINDO Nesta aula você aprendeu que: •
Esquema e fichamento constituem duas úteis e necessárias técnicas de estudo à vida acadêmica
•
Esquema é a reelaboração do plano de um texto, uma espécie de radiografia, esqueleto de um texto.
•
A elaboração do esquema é de caráter pessoal, isto é, cada um o elabora de acordo com seus objetivos.
•
O fichamento é uma técnica de estudo e um dos principais produtos de leitura.
Ele facilita a execução dos trabalhos
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acadêmicos, bem como a assimilação dos conteúdos estudados,
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pois, à medida que você vai fichando o material estudado, não precisará, posteriormente, perder tempo com o estudo de novo da obra. Basta buscar no fichamento os elementos necessários para a execução do seu trabalho. •
Uma ficha se estrutura com os seguintes elementos: cabeçalho, referências bibliográficas, corpo da ficha e local onde se encontra a obra.
•
Existem
vários
tipos
de
fichamento,
como
fichamento
bibliográfico por autor, fichamento bibliográfico por assunto, fichamento de transcrição ou de citação, fichamento de resumo, fichamento de comentário. A escolha pela feitura de um ou outro dependerá dos objetivos do estudante e/ou pesquisador. •
A ABNT apresenta normas que devem ser levadas em consideração quando da elaboração das referências bibliográficas das obras que lemos, estudamos ou pesquisamos.
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do Trabalho Científico. São Paulo: Atlas, 2005. BARROS, A. J.; LEHFELD, N. A. de S. Um guia para inicialização científica. São Paulo: McGraw-Hill, 1986. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1989.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Maria Margarida. Introdução à Metodologia
KÖCHE, Vanilda Salton; BOFF, Odete Maria Benetti; PAVANI, Cínara Ferreira. Prática textual: atividades de leitura e escrita. Petrópolis: Vozes, 2006. MEDEIROS, João Bosco. Redação científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2008. NASCIMENTO, Dinalva Melo do. Metodologia do trabalho científico: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. PIRES, Mônica de Moura (Org.). Manual para elaboração de trabalhos técnico-científicos. 4. ed. Ilhéus: Editus, 2006. RUIZ, J. A. Metodologia Científica: guia para eficiência nos estudos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1986.
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ANEXO 1 Salvem o português Sérgio Nogueira O consultor Sérgio Nogueira, autor de oito livros sobre a língua portuguesa, dá suas dicas para preservar o idioma Por Francisco Alves Filho(*) O professor Sérgio Nogueira usa os meios que pode para disseminar o uso correto da língua portuguesa. É autor de oito livros sobre o assunto, discute o tema em um programa na TV Senac e numa coluna de jornal, é consultor de empresas e atua como supervisor de linguagem em vários veículos de comunicação. Crítico feroz do uso de estrangeirismos desnecessários, mora num condomínio carioca chamado, por ironia, de Greenwood Park. “Levo isso na esportiva, fazer o quê?”, resigna-se. Com humor, ele consegue explicar os mistérios da língua de forma surpreendentemente clara. Seus principais alvos são os modismos e os estrangeirismos. “E existem também os bobismos”, diz, para identificar a utilização de palavras oriundas da informática para substituir termos existentes no vocabulário. De uma maneira geral, o professor – um gaúcho de 56 anos que se formou em letras pela UFRGS e fez mestrado na PUC do Rio de Janeiro – prega a liberdade no uso da língua. Mas não vê apenas prejuízos no internetês, o dialeto usado na rede, que as escolas tanto condenam. “Ele trouxe ensinamentos que seria interessante os professores perceberem.”
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ISTOÉ – Qual a principal praga que ataca a língua portuguesa nos nossos dias? Sérgio Nogueira – Temos problemas de construção de frases, de vocabulário, de falta de conhecimento, de modismos e, obviamente, problemas gramaticais. Mas isso tem menor importância. Prefiro um texto com erro, um acento mal posto, do que aquela frase incompreensível. Na comunicação, a qualidade maior é fazer-se entender. ISTOÉ – Qual dessas pragas prejudica mais? Nogueira – Fatos lingüísticos que empobrecem nosso vocabulário. Qual foi o maior modismo dos últimos 20, 30 anos? O “a nível de” foi, sem dúvida nenhuma, o campeão. Eu tinha esperança de que já estivesse morto e enterrado, mas é impressionante como ele se revitaliza, vai e volta. O “a nível de” tem um problema sério: não nasceu nas classes menos privilegiadas, não nasceu no morro, nasceu na sala de executivos. ISTOÉ – Como assim? Nogueira – Quem usa “a nível de” não fala de cabeça baixa. Faz pose, como se usasse uma língua superior. Na verdade, não há uma situação sequer em que essa expressão seja adequada. O “a nível de” não se refere a nível de coisa nenhuma. ISTOÉ – Os dicionários conseguem acompanhar a mudança da língua? Nogueira – Veja a palavra multagem. Quem trafega pela Linha Amarela, uma via
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expressa do Rio de Janeiro, viu uma placa que incomoda muita gente: “Multagem eletrônica.” Eu já recebi várias cartas de pessoas que querem saber se a palavra existe. Na cabeça das pessoas existir é estar no dicionário. Como se o dicionário decidisse quem nasceu ou não nasceu. É preciso lembrar que os dicionários nunca estão atualizados. ISTOÉ – Quem dá vida às palavras é a sociedade? Nogueira – Exatamente. Você não encontra “seqüestro-relâmpago” nos dicionários, mas ninguém vai me dizer que não existem seqüestros-relâmpago. É o caso de potencializar, agilizar, disponibilizar, criações bem brasileiras. Gostamos desses verbos em “izar”. Se a maioria dos falantes usar, o dicionarista registra. ISTOÉ – O sr. se incomoda muito com os estrangeirismos? Nogueira – O problema é que o brasileiro gosta tanto de estrangeirismo que usa até quando não precisa. Se você traz um estrangeirismo novo que enriquece o vocábulo, nada demais. O problema do inglês nos últimos tempos é que ele entrou como uma praga, devido ao poderio econômico e tecnológico e não à beleza da língua inglesa. Sou moderado. Não tenho nada contra estrangeirismo, mas acho que há muito exagero. Se posso falar futebol de areia, não falo beach soccer. ISTOÉ – Modismos não servem para encobrir o pequeno domínio da língua? Nogueira – Em grande parte sim. Há palavras de sentido genérico usadas para substituir tudo. Hoje ninguém muda, altera ou inverte. Tudo se reverte. Se você vai mudar alguma coisa, vai reverter a situação. E geralmente se diz reverter o quadro, seja político, econômico, de saúde. Todo mundo reverte, seja o placar ou a decisão na Justiça, o que é absurdo, porque reverter é voltar à decisão anterior. Uma decisão judicial é anulada e não revertida. No momento, o pior de todos é definir. Hoje em dia ninguém estabelece, ninguém determina, ninguém prevê. Tudo se define. ISTOÉ – Isso é ruim? Nogueira – É antes de tudo um empobrecimento, porque a certa altura esse processo faz com que palavras conhecidas adormeçam. Nós temos um vocabulário ativo e um ivo. Vocabulário ivo é aquele que você entende quando lê, mas que não usa ao falar ou escrever. No jornalismo, por exemplo, se diz muito que o PT definiu candidato, o PMDB definiu candidato, o PP definiu candidato. Gente, um escolheu, outro elegeu e o outro indicou. Há também o famigerado colocar. Uma vez, um aluno levantou o dedo e me perguntou: “Professor, posso colocar uma coisa?” Eu disse: “Opa... Colocar em mim não.” ISTOÉ – O sr. já se referiu também ao termo diferenciado... Nogueira – Esse modismo surgiu no meio esportivo. Jogador diferenciado seria melhor que os outros. Depois, ou a ser usado para tudo. Diferenciado não é obrigatoriamente positivo, mas a palavra é usada de forma desmedida com essa carga. Uma pessoa ou algo pode ser diferenciado também pelo lado negativo. É o atributo de ser diferente, não necessariamente para melhor. ISTOÉ – E o gerundismo?
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Nogueira – O gerundismo nasceu no telemarketing, provavelmente de uma tradução literal do inglês, onde existe, por exemplo, o “we’ll be sending”, ou “vamos estar enviando”. Em português o gerúndio é diferente, porque as línguas não são iguais. Na nossa língua, o gerúndio sempre dá idéia de continuidade de ação. Outro dia, dei uma palestra em São Paulo e dois dias depois me ligou a secretária do evento: “Professor, à tarde vamos estar depositando o seu dinheiro.” Vamos estar depositando? Não resisti: perguntei se o depósito ia ser feito em moedinhas. Entendi que ela ia ar a tarde toda depositando o meu cachê. ISTOÉ – O gerundismo talvez tenha nascido para que as empresas evitassem fixar um prazo de atendimento ao cliente... Nogueira – Isso, uma prova do descomprometimento. Se alguém me disser que vai estar resolvendo, posso ter certeza de que não vai resolver coisa nenhuma. A solução para isso é usar o futuro. Se alguém disser “resolverei o seu problema” ou “vamos resolver o seu problema” é mais incisivo. ISTOÉ – O que acha do internetês, esse vocabulário virtual da rede? Nogueira – Muita gente critica, mas ele tem um ensinamento que é interessante os professores perceberem. Primeiro, é bom lembrar que é uma linguagem puramente escrita, ninguém fala daquela forma. Nem a garotada. Eles não saem por aí falando pq, vc, tc... Só escrevem para agilizar a digitação. Segunda coisa: é uma convenção que não precisa de gramática. Não precisa ter um livro para dizer que pq é porque e vc é você. Todo mundo usa e eles não combinaram isso. Olha que coisa interessante. Como nós não combinamos que foto ia abreviar fotografia e não fotossíntese. Ninguém combinou que moto ia abreviar motocicleta em vez de motosserra. A imagem que alguns alunos levam da escola é que a língua tem que seguir a gramática, quando na verdade ela é que tem que descrever o fato.
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ISTOÉ – E o lado negativo? Nogueira – Quando a pessoa foge do sistema formal de escrita, não está dando a si um dos elementos para aprender ortografia, que é a memória visual. Você não sabe ortografia por regra, mas por memória. O perigo é a garotada criar uma memória irreversível. A gente não deve se escandalizar com o internetês. O professor deve aproveitar essa realidade que encanta a garotada e trazer para a sala de aula. Não para que o aluno faça a redação assim, mas para ensiná-lo a traduzir o internetês para a língua padrão. ISTOÉ – Os termos vindos da informática já estão incorporados à língua? Nogueira – ar, por exemplo, não tem pecado nenhum, até porque temos a palavra o há muito tempo. A restrição é quanto ao uso. Se você diz que vai ar um programa ou ar dados, tudo bem. Mas acho totalmente inadequado o uso que ouvi de um motorista de táxi. Ele disse que iria ar a avenida, no sentido de entrar. Na verdade, ele vai ter o. Ninguém diz que um time vai ar o campo. O time entra. O presidente não ou a tribuna de honra. Teve o. ISTOÉ – E deletar? Nogueira – Acho que está incorporado. Mas, na minha opinião, deve ser usado em textos de informática. Deletar é um tipo especial de apagar. Se eu uso uma
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borracha, eu apago, como sempre fiz. Agora, se estou usando o computador e pressiono a tecla “del”, eu deleto. Me incomoda o uso em sentido figurado. Imagine uma manchete de jornal: “Policial deleta marginal.” Só os sensacionalistas. Mas há também o que eu chamo de bobismo. Printar, por exemplo. Eu imprimi a vida inteira, porque vou printar agora? Para que startar, se eu comecei a vida toda? ISTOÉ – O que acha dos ativistas que defendem parâmetros politicamente corretos para a língua? Nogueira – É discutível. Alguns casos são ridículos, como usar “prejudicado vertical” para pessoas de baixa estatura. No caso de aidético, trocar por soropositivo é razoável. Evita-se também o leproso. ISTOÉ – O sr. costuma destacar também os termos judiar e denegrir... Nogueira – Essas substituições são para atender a comunidade judaica e o movimento negro. Nesse caso, fazemos porque é fácil trocar judiar por maltratar e denegrir por manchar. Mas tenho a forte impressão de que a maior parte dos leitores não tem noção de que denegrir vem de negro e judiar vem de judeu. Acho que os ativistas algumas vezes exageram. O que pesa para a palavra ou a frase ser racista é a entonação, o contexto, a intenção. ISTOÉ – Os brasileiros continuam lendo pouco? Nogueira – Não lêem nem jornal. O estudante de comunicação inclusive. Uma amiga que é professora de medicina me mostrou a prova de um aluno de segundo ou terceiro período que escrevia paciente com “sc”. Fico imaginando o que esse rapaz está lendo para ser médico. Não consegue nem escrever uma palavra da sua área. Isso é inissível. ISTOÉ – Quais as conseqüências desse déficit de leitura? Nogueira – Primeiro, falta de conteúdo. Depois, o vocabulário fica pequeno. A pessoa não consegue ver todas as possibilidades. Há também o problema da construção das frases. A garotada acredita que pontuar é um problema respiratório, não sabe pontuar e por isso cria frases que ninguém entende. Alguns professores am essa idéia, que não é correta. Você respirar onde tem a vírgula na hora da leitura é uma coisa; agora você pôr a vírgula onde respira é mentira. Se fosse assim, o cara que sofresse de dispnéia colocaria uma vírgula atrás da outra e o mergulhador não poria nenhuma. Não é uma questão de capacidade respiratória. (*) Entrevista publicada nas páginas vermelhas iniciais da revista IstoÉ, que circulou em 23 de agosto de 2006.
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PRODUÇÃO DE TEXTO Para produzir textos de qualidade, seus alunos têm de saber o que querem dizer, para quem escrevem e qual é o gênero que melhor exprime essas ideias. A chave é ler muito e revisar continuamente
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Narração, descrição e dissertação. Por muito tempo, esses três tipos de texto reinaram absolutos nas propostas de escrita. Consenso entre professores, essa maneira de ensinar a escrever foi uma das principais responsáveis pela falta de proficiência entre nossos estudantes. O trabalho baseado nas famosas composições e redações escolares tem uma fragilidade essencial: ele não garante o conhecimento necessário para produzir os textos que os alunos terão de escrever ao longo da vida. “Nessa antiga abordagem, ninguém aprendia a considerar quem seriam os leitores. Por isso, não havia a reflexão sobre a melhor estratégia para colocar uma ideia no papel”, resume Telma Ferraz Leal, da Universidade Federal de Pernambuco. Para aproximar a produção escrita das necessidades enfrentadas no dia-adia, o caminho atual é enfocar o desenvolvimento dos comportamentos leitores e escritores. Ou seja: levar a criança a participar de forma eficiente de atividades da vida social que envolvam ler e escrever. Noticiar um fato num jornal, ensinar os os para fazer uma sobremesa ou argumentar para conseguir que um problema seja resolvido por um órgão público: cada uma dessas ações envolve um tipo de texto com uma finalidade, um e e um meio de veiculação específicos. Conhecer esses aspectos é condição mínima para decidir, enfim, o que escrever e de que forma fazer isso. Fica evidente que não são apenas as questões gramaticais ou notacionais (a ortografia, por exemplo) que ocupam o centro das atenções na construção da escrita, mas a maneira de elaborar o discurso (leia o quadro abaixo). Expectativas de aprendizagem No que se refere à escrita, é importante que, no fim do 5º ano, o aluno saiba: - Re-escrever e/ou produzir textos de autoria utilizando procedimentos de escritor: planejar o que vai escrever considerando a intencionalidade, o interlocutor, o portador e as características do gênero; fazer rascunhos; reler o que está escrevendo, tanto para controlar a progressão temática como para melhorar outros aspectos - discursivos ou notacionais - do texto. - Revisar escritas (próprias e de outros), em parceria com os colegas, assumindo o ponto de vista do leitor com intenção de evitar repetições desnecessárias (por meio de substituição ou uso de recursos da pontuação); evitar ambiguidades, articular partes do texto, garantir a concordância verbal e a nominal. - Revisar textos (próprios e de outros) do ponto de vista ortográfico. Ao concluir o 9º ano, o estudante precisa estar apto também a: - Compreender e produzir uma variedade de textos, tendo em conta os padrões que os organizam e seus contextos de produção e recepção. - Utilizar todos os conhecimentos gramaticais, normativos e ortográficos em função da otimização de suas práticas sociais de linguagem.
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- Exercer sobre suas produções e interpretações uma tarefa de monitoramento e controle constantes. - Interpretar e produzir textos para responder às demandas da vida social enquanto cidadão. Fonte: Secretaria de Estado de Educação de São Paulo e Diseño Curricular de la Educación Secundaria da Província de Buenos Aires, Argentina
Há outro ponto fundamental nessa transformação das atividades de produção de texto: quem vai ler. E, nesse caso, você não conta. “Entregar um texto para o professor é cumprir tarefa”, argumenta Fernanda Liberali, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Escrever não é fácil. Para que o aluno fique estimulado com a proposta, é preciso que veja sentido nisso.” O objetivo é fazer com que um leitor ausente no momento da produção compreenda o que se quis comunicar - e esse desafio requer diferentes aprendizagens. O primeiro o é conhecer os diversos gêneros. Mas é preciso atenção: isso não significa que os recursos discursivos, textuais e linguísticos dos contos de fadas e da reportagem, por exemplo, sejam conteúdos a apresentar aos alunos sem que eles os tenham identificado pela leitura, como ressalta Delia Lerner no livro Ler e Escrever na Escola. Um primeiro risco é o de cair na tentação de transmitir verbalmente as diferentes estruturas textuais. De acordo com a pesquisadora em didática, cabe a todo professor permitir que as crianças adquiram os comportamentos do leitor e do escritor pela participação em situações práticas e não “por meras verbalizações”. Ensinar a produzir textos nessa perspectiva prevê abordar três aspectos principais: a construção das condições didáticas, a revisão e a criação de um percurso de autoria, como se pode ver a seguir. Os textos redigidos em classe precisam de um destinatário “Escreva um texto sobre a primavera.” Quem se depara com uma proposta como essa imediatamente deveria se fazer algumas perguntas. Para quê? Que tipo de escrita será essa? Quem vai lê-la? Certas informações precisam estar claras para que se saiba por onde começar um texto e se possa avaliar se ele condiz com o que foi pedido. Nas pesquisas didáticas de práticas de linguagem, essas delimitações denominam-se condições didáticas de produção textual. No que se refere ao exemplo citado, fica difícil responder às perguntas, já que esse tipo de redação não existe fora da escola, ou seja, não faz parte de nenhum gênero. De acordo com Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, o trabalho com um gênero em sala de aula é o resultado de uma decisão didática que visa proporcionar ao aluno conhecê-lo melhor, apreciá-lo ou compreendê-lo para que ele se torne capaz de produzi-lo na escola ou fora dela. No artigo Os Gêneros Escolares - Das Práticas de Linguagem aos Objetos de Ensino, os pesquisadores suíços citam ainda como objetivo desse trabalho desenvolver capacidades transferíveis para outros gêneros. Para que a criança possa encontrar soluções para sua produção, ela precisa ter um amplo repertório de leituras. Essa possibilidade foi dada à turma de 9º ano da professora Maria Teresa Tedesco, do Centro de Educação e Humanidades Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira - conhecido como Colégio de
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vai
além
da
ortografia
e
foca
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os
propósitos
do
texto
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Na hora de iniciar uma produção escrita, todo estudante precisa saber o quê, para quê e para quem vai escrever. Só então se define a forma do texto, que precisa ser entendido pelo leitor A proposta era trabalhar com textos opinativos, como os editoriais. Para que a escrita ganhasse sentido, ela avisou que o jornal seria afixado no corredor e que toda a comunidade escolar teria o a ele. Os assuntos escolhidos tratavam das principais notícias do momento, como o surto de dengue no Rio de Janeiro e a discussão sobre a maioridade penal. Com as características do gênero já discutidas e frescas na memória, todos aram à produção individual. A primeira versão foi lida pela professora. “Sempre havia observações a fazer, mas eu deixava que os próprios meninos ajudassem a identificar as fragilidades”, diz Maria Teresa. Divididos em pequenos grupos, os alunos revisaram a produção de um colega, escrevendo um bilhete para o autor com sugestões e avaliando se ela estava adequada para publicação. Eram comuns comentários como “argumento fraco”, “pouco claro” e “falta conclusão”, demonstrando o repertório adquirido com a leitura dos modelos. “Envolver estudantes de 6º a 9º ano na produção textual é um grande desafio”, ressalta Roxane Rojo, da Universidade Estadual de Campinas. “Muitas vezes, eles tiveram de produzir textos sem função comunicativa durante a escolaridade inicial e, por acreditarem que escrever é uma chatice, são mais resistentes.” Atenta, Maria Teresa soube driblar esse problema. Percebendo que a turma andava inquieta com a proibição por parte da direção do uso de short entre as meninas, a professora fez disso tema de um editorial do jornal mural - a produção foi uma das melhores propostas do projeto. “Para que alguém se coloque na posição de escritor, é preciso que sua produção tenha circulação garantida e leitores de verdade”, diz Roxane. E todos saberiam a opinião do aluno sobre a questão, inclusive a diretoria. “Só assim ele assume responsabilidade pela comunicação de seu pensamento e se coloca na posição do leitor, antecipando como ele vai interpretálo.” A argumentação da garotada foi tão bem estruturada que a diretoria resolveu voltar atrás e liberar mais uma vez o uso da roupa entre as garotas. A criação de condições didáticas nas propostas para as turmas de 1º a 5º ano segue os mesmos preceitos utilizados pela professora Maria Teresa. “Em qualquer série, como na vida, produzir um texto é resolver um problema”, ensina Telma Ferraz Leal. “Mas para isso é preciso compreender quais são os elementos principais desse problema.”
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Aplicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Procurando desenvolver a leitura crítica de textos jornalísticos e o conhecimento das estruturas argumentativas na produção textual, ela propôs uma atividade permanente: a cada semana, um grupo elegia uma notícia e expunha à turma a forma como ela tinha sido tratada nos jornais. Depois, seguia-se um debate sobre o tema ou a maneira como as reportagens tinham sido veiculadas. Paralelamente, os estudantes tiveram contato com textos de finalidades comunicativas diversas no jornal, como cartas de leitores, editoriais, artigos opinativos e horóscopo. “O objetivo era que eles analisassem os materiais, refletissem sobre os propósitos de cada um e adquirissem um repertório discursivo e linguístico”, conta Maria Teresa, que lançou um desafio: produzir um jornal mural.
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Produzir textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar, escrever, revisar e re-escrever. Esses comportamentos escritores são os conteúdos fundamentais da produção escrita. A revisão não consiste em corrigir apenas erros ortográficos e gramaticais, como se fazia antes, mas cuidar para que o texto cumpra sua finalidade comunicativa. “Deve-se olhar para a produção dos estudantes e identificar o que provoca estranhamento no leitor dentro dos usos sociais que ela terá”, explica Fernanda Liberali. Com a ajuda do professor, as turmas aprendem a analisar se ideias e recursos utilizados foram eficazes e de que forma o material pode ser melhorado. A sala de 3º ano de Ana Clara Bin, na Escola da Vila, em São Paulo, avançou muito com um trabalho sistemático de revisão. Por um semestre, todos se dedicaram a um projeto sobre a história das famílias, que culminou na publicação de um livro, distribuído também para os pais. Dentro desse contexto, Ana Clara propôs a leitura de contos em que escritores narram histórias da própria infância. Os estudantes se envolveram na reescrita de um dos contos, narrado em primeira pessoa. Eles tiveram de re-escrevê-lo na perspectiva de um observador ou seja, em terceira pessoa. A segunda missão foi ainda mais desafiadora: contar uma história da infância dos pais. Para isso, cada um entrevistou familiares, anotou as informações colhidas em forma de tópicos e colocou tudo no papel. Ana Clara leu os trabalhos e elegeu alguns pontos para discutir. “O mais comum era encontrar só o relato de um fato”, diz. “Recorremos, então, aos contos lidos para saber que informações e detalhes tornavam a história interessante e como organizá-los para dar emoção.” Cada um releu seu conto, realizou outra entrevista com o parente-personagem e produziu uma segunda versão. Tiveram início aí diferentes formas de revisão - análise coletiva de uma produção no quadro-negro, revisão individual com base em discussões com o grupo e revisões em duplas – realizadas dias depois para que houvesse distanciamento em relação ao trabalho. A primeira proposta foi a “revisão de ouvido”. Para realizála, Ana Clara leu em voz alta um dos contos para a turma, que identificou a omissão de palavras e informações. A professora selecionou alguns aspectos a enfocar na revisão: ortografia, gramática e pontuação. “Não é possível abordar de uma só vez todos os problemas que surgem”, completa Telma. O objetivo do aluno ao fazer a revisão de texto é conseguir que ele comunique bem suas ideias e se ajuste ao gênero. Isso tem de ser feito tanto durante a produção como ao fim dela Quando a classe de Ana Clara se dividiu em duplas, um de seus propósitos era que uns dessem sugestões aos outros. A pesquisadora argentina em didática Mirta Castedo é defensora desse tipo de proposta. Para ela, as situações de revisão em grupo desenvolvem a reflexão sobre o que foi produzido por meio justamente da troca de opiniões e críticas. “Revisar o que os colegas fazem é interessante, pois o aluno se coloca no lugar de leitor”, emenda Telma. “Quando volta para a própria produção e faz a revisão, a criança tem mais condições de criar distanciamento dela e enxergar fragilidades.” Um escritor proficiente, no entanto, não faz a revisão só no fim do trabalho. Durante a escrita, é comum reler o trecho já produzido e verificar se ele está adequado aos objetivos e às ideias que tinha intenção de comunicar só então planeja- se a continuação. E isso é feito por todo escritor profissional. A revisão em processo e a final são os fundamentais para conseguir de fato
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uma boa escrita. Nesse sentido, a maneira como você escreve e revisa no quadronegro, por exemplo, pode colaborar para que a criança o tome como modelo e se familiarize com o procedimento. Sobre o assunto, Mirta Castedo escreve em sua tese de doutorado: “Os bons escritores adultos (...) são pessoas que pensam sobre o que vão escrever, colocam em palavras e voltam sobre o já produzido para julgar sua adequação. Mas, acima de tudo, não realizam as três ações (planejar, escrever e revisar) de maneira sucessiva: vão e voltam de umas a outras, desenvolvendo um complexo processo de transformação de seus conhecimentos em um texto”.
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Para que o jovem seja capaz de elaborar um texto com as próprias ideias e dentro das características de um gênero, é preciso que desenvolva um percurso de autoria A primeira proposta foi o reconto oral de uma fábula conhecida. “Isso envolve organizar ideias e pode ser uma forma de planejar a escrita”, endossa Patricia Corsino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quando já dominamos todas as informações de uma narrativa, podemos focar apenas na forma de expor os elementos – mas esse é um grande desafio no início da escolaridade. Na turma de Edileuza, as propostas seguintes foram a re-escrita individual e a produção de versões de fábulas conhecidas com modificações dos personagens ou do cenário. Aos poucos, todos ganharam condições de inventar situações. A professora percebeu que a turma não entendia bem o sentido da moral da história. Pediu, então, uma pesquisa sobre provérbios e seu uso cotidiano. Com essa compreensão e um repertório de ditados populares, Edileuza sugeriu a criação de uma fábula individual. Ela discutiu com o grupo que elas geralmente têm como protagonistas inimigos tradicionais (cão e gato ou gato e rato, por exemplo). Estava colocada a primeira restrição para a produção. Em seguida, a classe relembrou alguns provérbios que poderiam ser escolhidos como moral nas histórias criadas. Desde o início, todos sabiam que as produções seriam lidas por estudantes de outra escola, o que serviu de estímulo para bolar tramas envolventes. “Há uma diferença entre escrever textos com autonomia - obedecendo à estrutura do gênero, sem problemas ortográficos ou de coerência - e se tornar autor”, diz Patrícia Corsino.
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Ser autor exige pensar no enredo e na estrutura O terceiro aspecto fundamental no trabalho de produção textual é garantir que a criança ganhe condições de pensar no todo. Do enredo à forma de estruturar os elementos no papel: é preciso aprender a dar conta de tudo para atingir o leitor. Esse processo denomina-se construção de um percurso de autoria e se adquire com tempo, prática e reflexão. Os estudos em didática das práticas de linguagem fizeram cair por terra o pensamento de que a redação com tema livre estimula a criatividade. Hoje sabese que depois da alfabetização há ainda uma longa lista de aprendizagens. Foi considerando a complexidade desse processo que Edileuza Gomes dos Santos, professora da EM de Santo Amaro, no Recife, desenvolveu um projeto de produção de fábulas com a 3ª série. Ela deu início ao trabalho investindo na ampliação do repertório dentro desse gênero literário. Só assim foi possível observar regularidades na estrutura discursiva e linguística, como o fato de que os animais são os protagonistas. “Escolhi esse gênero porque ele tem começo, meio e fim bem marcados, algo que eu queria desenvolver na produção da garotada.”
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“No primeiro caso, basta aprender as características do gênero e conhecer o enredo, por exemplo. No segundo, é preciso desenvolver ideias.” Para chegar lá, a interação com professores e colegas e o o a um repertório literário são fundamentais. Do 6º ao 9º ano, o processo de construção da autoria pode exigir desafios que sejam cada vez mais complexos: a elaboração de tensões na narrativa ou a participação em debates para desenvolver a argumentação, como fez a professora Maria Teresa, do Rio de Janeiro. “A re-escrita, primeiro o para a construção da autoria, pode vir com propostas de produção de paródias, no caso dos maiores, que exigem mais elaboração por parte das turmas”, diz Roxane Rojo. Uma boa forma de fazer circular textos nessa fase são os meios digitais, como blogs e a própria página do colégio na internet. Os jovens podem se responsabilizar por todas as etapas de produção, inclusive pela publicação, o que os estimula a aprimorar a escrita. Levar os estudantes a se expressar cada vez melhor, afinal, deve ser o objetivo de todo professor. Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/escreververdade-427139.shtm
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Suas anotações ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________