Anoitecer - Andrade, Carlos Drummond De.txt 463q37

Anoitecer É a hora em que o sino toca, mas aqui não há sinos; há somente buzinas, sineres roucas, apitos aflitos, pungentes, trágicos, uivando escuro segredo; desta hora tenho medo. É a hora em que o pássaro volta, mas de há muito não há pássaros; só multidões compactas escorrendo exaustas como espesso óleo que impregna o lagedo; desta hora tenho medo. É a hora do descanso, mas o descanso vem tarde, o corpo não pede sono, depois de tanto rodar; pede paz - morte - mergulho no poço mais ermo e quedo; desta hora tenho medo. Hora de delicadeza, gasalho,sombra,silêncio. Haverá disso no mundo? É antes a hora dos corvos, bicando em mim, meu ado, meu futuro, meu degredo; desta hora, sim, tenho medo.

Carlos Drummont de Andrade