A EDUCAÇÃO EM NOVAS ARENAS: POLÍTICAS, PESQUISAS E PERSPECTIVAS
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Organizadores: Célio da Cunha Wellington Ferreira de Jesus Ranilce Guimarães-Iosif
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Brasília Unesco, 2014
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É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da editora e do Programa Mestrado e Doutorado em Educação da UCB. Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1999, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Coleção Juventude, Educação e Sociedade Comitê Editorial Afonso Celso Tanus Gavão, Célio da Cunha, Cândido Alberto da Costa Gomes, Carlos Ângelo de Meneses Sousa, Geraldo Caliman (coord.), Luiz Síveres, Wellington Ferreira de Jesus Conselho Editorial Consultivo Maria Teresa Prieto Quezada (México), Bernhard Fichtner (Alemanha), Maria Benites (Alemanha), Roberto da Silva (USP), Azucena Ochoa Cervantes (México), Pedro Reis (Portugal). Capa: Edson Fogaça Revisão: Ângela de Oliveira Pereira Diagramação: Luis Ricardo Rodrigues Santos Impressão e acabamento: Cidade Gráfica e Editora Ltda. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C9724a A educação em novas arenas: políticas, pesquisas e perspectivas / Célio da Cunha: Wellington Ferreira de Jesus; Ranilce Guimarães-Iosif (Orgs.) - Brasília: Liber Livro, 2014. 460p. : 24cm ISBN: 978-85-7963-130-6 Universidade Católica de Brasília. UNESCO. Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Socidade. 1. Políticas educacionais. 2. Pesquisa em educação. 3. Gestão escolar. 4. Prática docente 5. Políticas, gestão e avaliação. I. título. CDU: 37.01 Índices para catálogo sistemático: 1. Políticas: Educação 37.01 2. Educação: Políticas 37.01 Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade Universidade Católica de Brasília Campus I, QS 07, lote 1, EPCT, Águas Claras 71906-700 – Taguatinga – DF / Fone: (61) 3356-9601
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SUMÁRIO
PREFÁCIO...........................................................................................9 Afonso Galvão A EDUCAÇÃO EM NOVAS ARENAS: UMA BREVE INTRODUÇÃO.................................................................................13 Ranilce Guimarães-Iosif, Wellington Ferreira de Jesus e Célio da Cunha PARTE I POLÍTICAS, GESTÃO E AVALIAÇÃO: CENÁRIOS E ATORES 1. NOVAS AGENDAS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: RUMO A OPÇÕES DESCOLONIAIS E FUTUROS PLURIVERSOS...............................................................17 Lynette Shultz 2. POLÍTICA EDUCACIONAL E SITUAÇÃO DE POBREZA: EXPLORANDO NOVAS RESPOSTAS PARA PROBLEMAS ANTIGOS...........................................................................................31 Silvia Cristina Yannoulas 3. OS EFEITOS DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS SOBRE AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO GOVERNO FEDERAL DO BRASIL...........51 João Luiz Horta Neto 4. OS RUMOS DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL ..............................................................................................79 Rosylane Doris de Vasconcelos
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5. OS GRUPOS DE PRESSÃO DA EDUCAÇÃO E A LEI DE GESTÃO DEMOCRÁTICA...............................................................................97 Nelson Adriano Ferreira de Vasconcelos 6. POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS RECONHECEDORAS DA DIFERENÇAS: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA NO DISTRITO FEDERAL.........................................115 Vanessa Terezinha Alves Tentes e Andreia de Lima Campos Rocha 7. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NAS ARENAS DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL: O PAPEL DO EDUCADOR...... 133 José Ivaldo Araújo de Lucena, Maria de Lourdes de Almeida Silva e Wellington Ferreira de Jesus 8. A POLÍTICA EDUCACIONAL NO CONTEXTO NEOLIBERAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA ..............................................................151 Isabela Cristina Marins Braga, Juliana Lacerda Machado e Ranilce Guimarães-Iosif PARTE II AS PESQUISAS EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS: ARENAS E PERSPECTIVAS 9. A PESQUISA NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: INVESTIGANDO O IMPACTO DA POLÍTICA DE AVALIAÇÃO NA APRENDIZAGEM E CIDADANIA DOCENTE.....................171 Isabela Cristina Marins Braga e Ranilce Guimarães-Iosif 10. A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O TRABALHO DOCENTE ENQUANTO OBJETO DE ESTUDO: CAMINHOS DA PESQUISA .......................................................................................195 Aline Veiga dos Santos e Ranilce Guimarães-Iosif 11. PESQUISA QUALITATIVA DE TIPO ETNOGRÁFICA EM ESCOLAS PÚBLICAS: A TRAMA, A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO......... 217 Luciana Cordeiro Limeira e Wellington Ferreira de Jesus
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12. CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL, DEMOCRACIA E QUALIDADE NA EDUCAÇÃO: A REDESCOBERTA DESSES VALORES NA TRAJETÓRIA DE UMA PESQUISA......................239 Regina Tomás Blum de Oliveira e Wellington Ferreira de Jesus 13. GESTÃO ESCOLAR E PRÁTICA DOCENTE: INSERÇÕES NA TRAMA DA EFICÁCIA ESCOLAR.................................................253 Magali de Fátima Evangelista Machado e Clélia de Freitas Capanema 14. A CIDADANIA NAS POLÍTICAS E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PESQUISA ENQUANTO CONTRUÇÃO COLETIVA.......................................................................................277 Aline Leal Gonçalves e Ranilce Guimarães-Iosif PARTE III NOVOS ESTUDOS E QUESTÕES PARA A PESQUISA EM EDUCAÇÃO 15. CUSTO-ALUNO NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO NO DISTRITO FEDERAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA E ESCOLAS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO....................................................................305 Bruno T. Nunes e Flávia Vaz de Oliveira Lima 16. AVALIAÇÃO DA GESTÃO DO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA: UMA ANÁLISE DOCUMENTAL................................321 Mari Neia Valicheski Ferrari 17. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA: PROGRAMAS, ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS E DESENVOLVIMENTO LOCAL.....................................................343 Marli Alves Flores Melo e Célio da Cunha 18. UM CAPÍTULO PÓS-MODERNO PARA UMA EDUCAÇÃO MODERNA......................................................................................369 Martha Paiva Scárdua
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19. POR UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ORIGENS NO MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO EDUCACIONAL DE 1932 NO BRASIL.........405 Maria das Graças Viana Bragança 20. A EDUCAÇÃO QUILOMBOLA EM MESQUITA: HISTÓRIA, MARMELO, E IDENTIDADE CULTURAL.................................. 423 Manoel Barbosa Neres e Wellington Ferreira de Jesus 21. ILUMINISMO E EDUCAÇÃO: O PAPEL DA ENCICLOPÉDIA E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO LIBERAL.....................................441 Antídio de Andrade Carvalho Sobre os Organizadores......................................................................455 Autores .............................................................................................456
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PREFÁCIO
A internacionalização da educação superior começou nos anos de 1950, quando o capital se internacionalizou e ou a transgredir leis e fronteiras definidoras do Estado Nacional, criando uma agenda própria. A lógica da circulação de capital, sem as amarras protetivas do estado, estava no cerne da política neoliberal. Também foi em 1950, que Alan Turing publicou o seu artigo Computing machinery and intelligence, iniciando a conceitualização de uma revolução no modo como recebemos, organizamos e processamos a informação que modificaria a natureza das relações humanas numa dimensão planetária. A questão fundamental endereçada por Turing (1950) remete à possibilidade de considerar inteligente uma máquina que desempenhe tão bem quanto humanos, ou mesmo melhor, certas tarefas cognitivas. Tal questão substituiu asserções anteriores, polêmicas e confusas, sobre uma possível capacidade pensante de máquinas. Em psicologia, a função principal de modelos cognitivos tem sido a de construir, numa máquina, um sistema cognitivo capaz de processar informação de modo similar ao dos humanos. Isso envolve uma capacidade para gerar representações de conhecimento, mecanismos de processamento e estruturas de organização. A ideia é que uma máquina, com estas características, torna possível entender a estrutura da arquitetura da mente humana, sendo capaz de desenvolver uma conversa plena de significações, respondendo questões de modo articulado, mesmo quando o conhecimento sobre um dado assunto é incompleto. Esta não é uma tarefa simples. A máquina de Turing se desenvolveu e potencializou a circulação de algo que vai para muito além do capital dos liberais: o próprio conhecimento. Embora o conceito de inteligência aplicado a máquinas ainda seja um exagero, Prefácio
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já que elas não fazem a metaoperação de controlarem os símbolos com os quais operam, podemos dizer que elas possibilitaram um movimento de culturas como nunca visto. As pessoas hoje se comunicam, instantaneamente, independente do lugar do planeta em que se encontram. Assim, torna-se uma dissonância cognitiva falarmos em internacionalização de universidades no Brasil. O problema é que, embora o mundo esteja internacionalizado, há indicações de que a universidade brasileira ainda não participa disso nem conceitual, nem processualmente. Um dos pontos mais críticos da universidade brasileira é justamente a falta de interação com instituições de prestígio, principalmente com aquelas de padrão internacional. O Brasil possui, atualmente, cerca de 200 universidades e um grande número de centros universitários e faculdades. No entanto, são poucas as universidades com parcerias de pesquisa consolidadas e com um programa comum que promova mobilidade de ambas as partes. Uma razão para isso é a falta de pesquisa e de professores com formação em pesquisa no Brasil. Dos 340 mil professores atuantes na educação superior brasileira, apenas 25 mil possuem doutorado. Destes, a maioria atua em universidades federais, que, por sua vez, respondem por apenas 26 % do total de matrículas da educação superior. Além da predominante falta de formação para a pesquisa entre nossos professores, há muitos outros entraves no funcionamento das universidades brasileiras que impedem o seu desenvolvimento de modo a se tornarem mais competitivas no cenário internacional. Um primeiro, diz respeito à própria dificuldade de comunicação dos nossos professores. O idioma internacional da ciência é o inglês. No Brasil, ainda são poucos os pesquisadores com domínio adequado desse idioma nas suas quatro dimensões (ler, escrever, ouvir e falar). Entre os estudantes universitários, o domínio do idioma inglês é ainda mais precário. A ausência de domínio do Inglês no ambiente acadêmico impede não só a colaboração internacional entre universidades, como também a circulação de professores estrangeiros, seja como professores visitantes, seja como professores contratados. Um outro problema, que embora seja mais sério no contexto das universidades públicas, o é também nas universidades confessionais, refere-se 10 |
Afonso Galvão
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`as regras de contratação. Não importa a qualidade do professor, que pode ser até mesmo um prêmio Nobel, para ser contratado no País, tem de se submeter a uma via crucis de exigências, que não faz sentido, quando comparado com o modo rápido como professores internacionais são contratados em universidades de países que competem conosco. Embora a internacionalização seja importante, fundamental, mesmo ao desenvolvimento das universidades, convém, no entanto, questionar para que serve a universidade no contexto do mundo econômico globalizado sob o viés da economia neoliberal. Como argumenta Shultz, no primeiro capítulo deste livro, a universidade contemporânea, globalizada e internacionalizada esqueceu a noção de bem comum, que deveria pautar-lhe as ações para tornar-se coadjuvante na produção de conhecimento útil à economia neoliberal, com efeitos constantemente nocivos ao planeta e à sociedade como um todo. Assim, parece ocorrer uma internacionalização, mas que não leva em conta a natureza diversificada e complexa da instituição universidade e a correspondente complexidade das diferentes sociedades em que está inserida. Os argumentos, acima, representam apenas algumas das poucas preocupações de um debate de grande complexidade. Este livro aborda diferentes facetas dessa discussão em seus diferentes capítulos de forma madura e consistente, sem a pretensão de esgotá-lo. Um aspecto bastante positivo da obra concerne à própria desconstrução de alguns conceitos, que tem sido perigosamente tomados por garantido como a própria aceitação inconteste das políticas de avaliação da educação superior, o modo como isso se relaciona com grupos de interesse e ideologias constituídas no contexto das políticas neoliberais vigentes. Em suma, trata-se de uma obra que certamente abre a nossa consciência para novas possibilidades no debate sobre a política universitária mundial. Afonso Galvão Reitor da Universidade Católica de Brasília
Referência Turing, A. (1950). Computing machinery and intelligence. Mind, 59, p.433-460.
Prefácio
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A EDUCAÇÃO EM NOVAS ARENAS: UMA BREVE INTRODUÇÃO A educação constitui, indiscutivelmente, um campo de extrema complexidade política e social na arena nacional e global. Em tempos de grandes avanços tecnológicos e da ampliação de debates, parcerias e acordos internacionais entre governos, mercados e sociedade civil as políticas públicas de educação assumem novas demandas sociais e são pensadas e gestadas com a participação de velhos e novos atores. Foi com base nesse cenário que resolvemos organizar a presente obra, composta por trabalhos de pesquisadores que vem na política e na gestão da educação um campo relevante de discussão, pesquisa e prática. Para compor a publicação, selecionamos trabalhos apresentados por pesquisadores locais e internacionais no I Fórum e III Seminário Internacional em Política e Governaça Educacional1; relatos de pesquisas de mestrado e doutorado realizadas por discentes e docentes da Universidade Católica de Brasília (UCB) e da Universidade de Brasília (UnB) e; estudos teóricos realizados por alunos da UCB em disciplinas da linha de concentração do Programa de Pósgraduação em Educação “Política, gestão e economia da educação”. O livro é composto por três partes. A primeira “Política, gestão e avalição: cenários e desafios”, oferece ao estudioso da área de política e gestão da educação um panorama amplo e crítico dos novos desafios e disputas que cercam a arena da educação no Brasil e no mundo, desde a educação básica à educação superior. 1 Terceira edição do evento realizado pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília (UCB), entre os dias 26 e 27 de setembro de 2013, com a participação de pesquisadores nacionais e internacionais. O evento faz parte das atividades do grupo de pesquisa do Programa, intitulado “Políticas Públicas, Governança Educacional e Cidadania”. Para ver programação completa do evento, veja o link: https://www.ucb.br/ sites/000/2/ProgramacaoIForumeIIISeminario2013versao.pdf
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Dentre os vários temas abordados nos oito capítulos, essa parte da obra discute as novas agendas para a internacionalização e os riscos dos modelos de governança corporativa em vigor; o espaço da pobreza dentro das políticas de educação no Brasil; o impacto das avaliações externas na política de educação nacional; os rumos e desafios da política de educação integral; a importância da sociedade civil organizada e dos grupos de pressão na formulação da Lei de gestão democrática; os desafios das políticas de educação especial inclusiva do Distrito Federal diante das diferenças; a responsabilidade do educador nas arenas das políticas de educação em tempos de globalização neoliberal e; o impacto das políticas educacionais na profissionalização docente no contexto da educação básica. Essa parte inicial conta com as contribuições de pesquisadores da Universidade de Alberta (Canadá), da Universidade de Brasília; do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB. A segunda parte da obra “As pesquisas em políticas educacionais: arenas e perspectivas” , apresenta ao leitor seis capítulos resultantes de pesquisas realizadas no âmbito da linha de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB, entre o período de 2011 e 2013. Essa parte da obra procura evidenciar a relação dialógica que permeia o processo de contrução de uma pesquisa, que jamais pode ser encarada como uma jornada solitária. Todos os capítulos dessa segunda parte evidenciam como orientadores e orientandos do Programa construíram pesquisas no mestrado e no doutorado em educação, dando pistas da complexidade que compõe essa dinâmica, que envolve, dentre outros elementos, os seguintes: a delimitação do tema, a problematização do objeto de estudo, a definição da revisão de literatura, a escolha metodológica, a definição de categorias de análise, a discusão dos resultados e a ampla disseminação da pesquisa. A terceira e última parte do livro “Novos estudos e questões para a pesquisa em educação” abre espaço para que o leitor reflita sobre a necessidade de novas investigações sobre temas tradicionais e emergentes na arena educacional local, nacional e internacional. Essa parte da obra é composta por sete capítulos teóricos que apresentam as reflexões dos pesquisadores acerca dos seguintes temas: uma análise do custo-aluno em escolas de ensino 14 |
Ranilce Guimarães-Iosif; Wellington Ferreira de Jesus e Célio da Cunha
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fundamental e médio do Distrito Federal; a avaliação da gestão no Instituto Federal de Brasília; programas e desenvolvimento local na política de educação profissional, científica e tecnológica; desafios pós-modernos para a educação contemporânea; o Movimento de 1932 e as origens do movimento da educação inclusiva no Brasil; história e identidade cultural na educação quilombola; a construção do projeto liberal na relação entre iluminismo e educação. Essa terceira parte congrega trabalhos resultantes de estudos coordenados pelos professores Célio da Cunha e Wellington Ferreira de Jesus, em suas atividades com alunos do Programa de Pós-graduação em educação da UCB, entre o período de 2012 e 2013. É importante ressaltar que essa obra só se tornou possível porque contamos com o apoio da UNESCO/Brasil tanto para a realização do Seminário Internacional como para a publicação do livro. A proposta está lançada e esperamos que as discussões, estudos e perspectivas aqui apresentadas possam contribuir com a consolidação teórica e prática do campo de pesquisa que abrange a área de Política e gestão da educação no Brasil. Ranilce Guimarães-Iosif Wellington Ferreira de Jesus Célio da Cunha
A educação em novas arenas: uma breve introdução
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PARTE I POLÍTICAS, GESTÃO E AVALIAÇÃO: CENÁRIOS E ATORES
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1 NOVAS AGENDAS PARA A INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: RUMO A OPÇÕES DESCOLONIAIS E FUTUROS PLURIVERSOS2 Lynette Shultz3
Introdução Na última década, presenciou-se uma proliferação de interesses e pesquisas sobre a internacionalização da educação superior. Diante deste cenário, grande parte deste capítulo analisa a influência de instituições transnacionais, internacionais/internacionalizadas, agências e corporações sobre os resultados de políticas educacionais nos níveis local, nacional e institucional. Este trabalho explora a maneira pela qual atores globais estabeleceram as redes que constroem, legitimam, disciplinam e organizam as práticas que alicerçam a educação superior. Trata-se, portanto, de um estudo sobre as crescentes pressões que sustentam uma provisão mercadológica da educação, e de que forma essas pressões alteram o que seria possível no mundo acadêmico hodierno. Examina, igualmente, o funcionamento de políticas educacionais em arenas neo-globalizadas e responde, identificando as opções que vão além das soluções corporativizadas e mercadológicas do conhecimento, 2 Texto traduzido por Túlio Igor Soares Pereira, aluno da graduação da UCB e assistente de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCB. Revisado pela Dra. Ranilce Guimarães-Iosif, professora do Programa de Educação da UCB. 3 Professora do Departamento de Estudos de Política Educacional da University of Alberta, Canadá e professora visitante do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB desde (2011-2014).
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ensino e aprendizagem, às necessidades de resistência e descolonização da organização da educação superior. O reconhecimento de processos e práticas educacionais descolonizantes fundamentais para a consecução de uma justiça pluriversa, abre novos espaços para a transformação de políticas globalizantes e mercantilizantes que não atendem aos anseios da maioria das pessoas do mundo.
Uma Agenda Dominante: A Economia do Conhecimento e a Universidade Corporativizada Por que um modelo corporativo de universidade parece legítimo, e por que a universidade corporativizada se tornou um modelo global de educação superior? O neoliberalismo globalizado reformulou as barreiras entre o Estado, as instituições educacionais, o setor privado e a sociedade civil. Houve um aumento no volume, abrangência e complexidade das atividades internacionais em universidades que são sustentadas por um investimento significativo de capital voltado não somente para a produção de conhecimentos, mas também para a qualificação de profissionais que promovem o crescimento da economia global (Altbach & Knight, 2007; Shultz, 2013). Essas atividades são frenquentemente enquadradas numa “economia do conhecimento”, onde o próprio conhecimento (ideias, pesquisa) é posicionado numa rede de ensino e aprendizagem, global, altamente valiosa (ou seja, comercializável). Isso criou a possibilidade para uma globalização da qual as universidades sempre participaram, ainda que agora sob uma roupagem empresarial global e não como participantes ativos no desenvolvimento público de sociedades locais. O que tem ocorrido é a deslegitimização do conceito amplo de objetivos públicos de “bem comum” das universidades para um sentido mais , favorecedor da construção de capacidades individuais voltadas para o sucesso no setor privado. Consequentemente, o papel da educação superior como meio de construção de uma economia do conhecimento tem se tornado um fator basilar de políticas e agendas educacionais de desenvolvimento econômico em vários países e áreas regionais de governança (Hartmann, 2007; 2011). Ideias são a nova mercadoria do momento e a criação do conhecimento é descrita, 18 |
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de fato, como a participação de estudantes e acadêmicos – consumidores e produtores –, no grande negócio do capitalismo cognitivo (Shultz & Viczko, 2012; Shultz, 2013). Altbach e Salim (2011) descrevem como “a lógica implacável da economia do conhecimento global e as realidades da mobilidade acadêmica transfronteiriça influenciam a direção da educação superior” (p. 14). Como bem salientado por Bastlich (2010), essas reformas da economia do conhecimento são pautadas por um “ambiente político que mina o valor e o papel das universidades na democracia, e falha, ao não reconhecer e apoiar a natureza diversa e distinta das inovações do conhecimento no ambiente universitário” (p. 845). Esse contexto de grandes reformas institucionais altera a percepção daquilo que é tido como o modelo legítimo de organização das universidades. Atualmente, presencia-se uma pressão muito forte para que gestores universitários, ao redor do mundo, construam redes internacionais de parcerias corporativas, almejando-se, assim, uma reputação que legitimaria a educação aos olhos dos negócios internacionais, selecionando os vencedores e perdedores desse novo contexto de educação globalizada. Rankings mundiais de universidades, como por exemplo a do Times Higher Education World University Rankings, têm adquirido particular relevância como legitimizadores e deslegitimizadores de instituições.
A Corporativização da Educação Superior Uma das ferramentas governamentais utilizadas para mudar o propósito e a autonomia das universidades foi o estabelecimento de um processo político enrijecido e um regime político subsequente que trouxeram novos atores globais para a governança da educação superior. Torna-se cada vez mais evidente, os impactos que as condicionalidades impostas pelo Banco Mundial e por outras organizações internacionais (como a OCDE e a UNESCO por exemplo) tiveram sobre as normas e as diretrizes políticas criadoras de um ambiente que favoreceu a provisão e a privatização de políticas educacionais (Martens, Ruscone & Lueze, 2007). Universidades reformadas refletem o cerne das ideias desses novos atores globais: a de que um mercado global existe e que seu crescimento deve ser a consideração geral de práticas e políticas Novas agendas para a internacionalização da educação superior: rumo a opções descoloniais e futuros pluriversos
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públicas e institucionais. As decisões mercadológicas, então resultantes, seriam as soluções para tudo: desde modelos de gestão da educação superior até sobre estruturas curriculares e recursos humanos. É mister notarmos, também, que as verdadeiras decisões sendo tomadas em lugares como o Fórum Econômico Mundial não são decisões da esfera pública ou dos parlamentos nacionais. Educadores têm notado que atores corporativos como Bill e Melinda Gates, a Fundação Hewlitt e a Clinton Global Initiative começaram a serem tratados como experts educacionaischave e têm obtido porções significativas do cenário de políticas internacionais. Essa realidade é bem salientada por Stephen Ball (2012), na sua descrição do “encontro anual da Clinton Global Initiative” (p4): Imaginem uma sala repleta dos líderes mais inovadores, socialmente responsáveis e determinados do mundo. O encontro anual da Clinton Global Initiative congrega chefes de Estado e de governo, líderes empresariais, estudiosos e diretores de ONGs. Os participantes analisam os desafios globais prementes, discutem as soluções mais eficazes, e constroem parcerias duradouras que lhes permitam criar uma mudança social positiva. (Clinton Global Initiative in Ball, 2013, p.4).
Um outro exemplo, descrito na Chronical of Higher Education de julho de 2013, é o da Fundação Bill e Melinda Gates. Parry, Field & Supiano sugerem que o “Efeito Gates” se desenvolveu tanto das maciças doações voltadas para a educação superior (que, de acordo com os autores, variam em torno de 472 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos) quanto de um lobby agressivo de políticos estaduais e es universitários financeiramente limitados. (http://chronicle.com/article/The-GatesEffect/140323/para 7. Accessed November 23, 2013). Essa ajuda financeira é iva, uma vez que não apresenta críticas às ideias educacionais da Fundação em que o espaço estaria aberto para que Gates pudesse financiar pesquisas políticas e sentar-se nas grandes mesas decisoras (ibid). “O efeito é uma câmara de ressonância de ideias afins, resultantes das investigações encomendadas por Gates e defendidas por membros da equipe que se desclocam entre o governo e o mundo da Fundação.”(http://chronicle.com/article/The-Gates20 |
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Effect/140323/para 10. Accessed November 23, 2013). Não é por acaso que grande parte da educação promovida pela Fundação Gates exige, tanto para a execução dos programas quanto para sua consequente avaliação, elevados níveis de tecnologia da informação. De fato, a Fundação Gates se juntou a gigantes da publicação como a Pearson, estabelecendo e promovendo, juntos, um currículo “comum”através do qual suas “asas filantrópicas” sustentam os objetivos pela entrega e avaliação maciça de educação, os quais estão bem posicionados para oferecer. Por que tais grupos são considerados hoje como decisores legítimos ou os grandes “realizadores de mudanças”? Os atores privados mais bem sucedidos da economia global são vistos como os porta-vozes legítimos de todas as políticas públicas e sociais no mundo. Sempre que indivíduos, instituições ou governos locais renunciam ao seu comprometimento com o mercado global ou com as ideias, normas e valores da austeridade (dispêndio público reduzido), estes são renegados por atores políticos globais que deslegitimizam os anseios por bens sociais. Desde a eclosão da crise do sistema financeiro internacional em 2008, recursos públicos destinados aos setores corporativos e financeiros eram vistos como necessidades bem-vindas e imediatas, ao o que recursos voltados para os cidadãos comuns e instituições públicas eram considerados demandas impossíveis de serem preenchidas por governos financeiramente limitados. Universidades, assim como cidadãos comuns e outras instituições públicas foram conclamados a fazerem “mais com menos” e a se voltarem para o setor privado no sentido de buscarem recursos financeiros para a realização de pesquisas. O setor privado se tornou, num mundo caracterizado pela alta competitividade do mercado global do conhecimento, o principal legitimizador de políticas públicas. Atores corporativos, e seus respectivos setores filantrópicos, entraram nesse jogo para moldarem as políticas (o papel filantrópico) e fornecerem serviços (o papel empresarial). A mercantilização da educação superior está acontecendo ao mesmo tempo em que questões mundiais prementes parecem estar ameaçando até mesmo a vida no nosso planeta. Parece não haver fim para as catástrofes que conectam as pessoas ao redor do mundo: a economia global, a destruição do meio ambiente, a insegurança alimentar, a escassez de água, as desigualdades Novas agendas para a internacionalização da educação superior: rumo a opções descoloniais e futuros pluriversos
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econômicas e sociais, etc. Neste momento tão crucial, onde a necessidade de criação de conhecimentos transnacionais e transdisciplinares parece tão urgente, muitos argumentam que as universidades estão sendo negligentes ao abandonarem seu papel principal de produtores de conhecimento público voltado para a solução de problemas sociais. As universidades estariam optando, portanto, por opções mais lucrativas do uso de ideias que incrementam não somente o sucesso corporativo, mas também a dominância global na chamada economia do conhecimento (Khoo, 2013; Man-Neef, 2005; Shultz 2013). Ainda que alguns indivíduos tenham desafiado a concepção deste novo ambiente corporativizado, poucas instituições têm conseguido resistir às pressões neoliberais globais para se tornarem escolas de treinamento, onde seriam dadas aos jovens as habilidades e as competências necessárias para que pudessem participar como trabalhadores móveis da economia global. Mesmo onde esse apoio é mais retórico do que real, a mudança de autoridade e legitimidade dadas às agendas corporativas, que guiam as universidades, não devem ser subestimadas. Tendo abandonado seus papéis de guardiões do bem comun, os governos assumiram a posição de protetores da economia e dos interesses de líderes corporativos. Na medida em que instituições de educação superior ao redor do mundo estão entrando nessa linha, poucas pessoas estão exigindo que as universidades mantenham o papel de educadores de cidadãos críticos e ativos da sociedade.
Para além de uma agenda dominante: em busca de pluriversalidade no contexto da matriz neo-colonial É claro que, num mundo com tanta diversidade, deveríamos resistir à tentação de olharmos apenas para aquilo que constitui a agenda dominante. Walter Mignolo (2011) nos ajuda a perceber as múltiplas respostas às relações atuais de poder, na medida em que ele sugere que “uma consequência não intencional do pensamento linear global foi o ponto de partida para o pensamento descolonial” (p.78). Ele descreve o contexto globalizado como uma “matriz colonial” (2011, p.3), onde a “disputa por controle, autoridade e conhecimento serão o novo campo de batalha do século 21” (p.67). Portanto, o papel da educação superior é central no entendimento de como tal contexto 22 |
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pode emergir e nos ajudar a entender o engajamento intenso de atores internacionais no estímulo à lógica da mercantilização da pesquisa, do ensino e da aprendizagem. Ao redor do mundo, pessoas, cujas epistemologias, experiências e perspectivas de vida foram renegadas por uma longa história de deslegitimização dos conhecimentos não-ocidentais, têm realizado contestações, as quais criam uma onda de movimentos de descolonização, que demandam que nós aceitemos, genuinamente, os desafios de percebermos como “uma inteculturalidade (e inter-epistemologia) poderia nos ajudar a construir futuros globais cosmopolitanos e descoloniais (p. 293)”. Mignolo clama por um autoconhecimento radical baseado no localismo pluriversal que se transforma num “pensamento descolonial analítico” (p. 317), que envolve repensar o universalismo eurocêntrico e mudar nosso entendimento sobre o mundo do conhecimento, onde vários conhecimentos não representados nas experiências eurocêntricas ou no pluralismo, substituem os problemas do universalismo e excepcionalismo europeus. A pluriversalidade dá espaço e visibilidade para epistemologias suprimidas ou escondidas pelo expansionismo colonialismo imperial (Cesaire, 2000; Dussel, 1995; Kusch, 2010; Mignolo, 2000; Mignolo, 2003), criando-se, por conseguinte, um rico (ainda que contestado) conhecimento. Um campo de batalha do conhecimento é onde mediações epistêmicas fundamentais acontecem e um campo de descolonização nos localiza na geopolítica do conhecimento (Mignolo, 2000; 2001). Usando o modelo das trajetórias da ordem mundial de Mignolo (2011), podemos perceber múltiplas alternativas e trajetórias no ensino superior global. As pressões recorrentes por um ensino superior mercantilizado (defendido, por exemplo, em livros como The Innovative University: Changing the DNA of Higher Education from the Inside Out de Christensen e Eyring), realçam a força re-ocidentalizante que emergiu da crise financeira mundial e das já poderosas redes de atores educacionais que levantavam a bandeira do capitalismo e da economia global. A crise financeira evidenciou a importância dos “consumidores” para o capitalismo. Sujeitos-consumidores vivem em um mundo particular e possuem uma certa psicologia: eles vivem para trabalhar e trabalham para Novas agendas para a internacionalização da educação superior: rumo a opções descoloniais e futuros pluriversos
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consumir, em vez de trabalharem e consumirem para viver. (MIGNOLO, 2011, p.36) Este cidadão-consumidor reimaginado requer uma forma diferente de educação (e conhecimento muito diferente) de um cidadão que compartilha uma existência social e uma esfera pública, uma vez que o papel reduzido dos cidadãos requer um ambiente de conhecimento muito controlado (Shultz, 2013). Em vez de transformar o sistema que está à beira do colapso, os anseios pela “re-ocidentalização” dizem: “continue assim; compre mais; existe apenas uma opção e nós precisamos mantê-la”. Emergem, ao mesmo tempo, forças que poderíamos chamar de forças “des-ocidentalizantes” (Mignolo, p. 44 – 52). Aqui, podemos perceber os esforços de nações e universidades individuais para se tornarem forças liderantes na corrida global pela dominação da economia do conhecimento. Maxim Khomyakov (2013) relata que os países do BRICS (Brasil, Russia, India, China e Africa do Sul) criaram uma tabela de classificação de universidades alternativa (a chamada BRICS League Tables). Esses países continuam ausentes das classificações “globais” tradicionais (que são majoritariamente dominadas por universidades Americanas e outras baseadas na pesquisa e educação dispensadas em língua inglesa). Em vez de desafiarem o sistema, esses países e instituições procuram melhorar suas posições como líderes globais do mundo acadêmico. Essa “des-ocidentalização” sugere que o sistema não precisa ser mudado, mas que os “jogadores” precisam ser reordenados para reconhecerem os conhecimentos e realizações de pesquisadores nãoBritânicos, não-Americanos. Essa des-ocidentalização desafia o privilégio epistêmico no sistema dominante/dominado, sem, como consequência, mudar o sistema. Compartilhando o que Mignolo chama de “ponto zero epistêmico”, re-ocidentalização e des-ocidentalização criam um conflito, mas não criam transformação porque ambas emergem do mesmo local epistêmico do conhecimento e das tradições ocidentais. O pluriversalismo cria o que nós podemos entender como uma noção transformada de justiça – uma justiça pluriversa. Cornel West afirma, no seu trabalho Catastrophic Love: “A justiça é aquilo que se parece com o amor tornado público” (West, 2009). Ele argumenta que é razoável responder aos 24 |
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problemas sociais do nosso tempo com amor, o qual seria uma tradução de um desejo por união, conexão e transformação das relações. Tal união/amor, como fundamento daquilo que é público, requer, para que se possa criar uma esfera pública autêntica, o engajamento de todas as formas de diferença. West sugere que uma esfera social expandida é necessária para responder às catástrofes sociais compartilhadas: pobreza crescente, racismo, patriarcalismo, colonialismo, bem como a negação da saúde, educação, emprego, o a uma voz na esfera pública, um ambiente saudável (West, 2009). A pluriversalidade determina a inclusão necessária de conhecimento indispensável para, de fato, criar aquilo que é por essência, público. Instituições educacionais e educadores desempenham um papel importante na criação da pluriversalidade, uma vez que eles criam os espaços, onde variados conhecimentos podem existir como parte de espaços educacionais. Por fora das forças da ocidentalização e da globalização, Mignolo achou aquilo que ele entende como “opções descoloniais”: forças globais que revelam “a[continuada] lógica do colonialismo e contribuem para um mundo em que muitos mundos podem co-existir” (p. 54). Ainda que o universalismo ocidental se projete como o único caminho do iluminismo e do conhecimento, existe uma consciência e engajamento crescentes que refletem outras epistemologias e reconhecem as contribuições que tais conhecimentos têm trazido para comunidades locais e para o conhecimento mundial. Essas forças globais demandam que nós consideremos a pluriversalidade seriamente, uma vez que ela não somente permite que resolvamos os problemas urgentes do meio ambiente, das desigualdades sociais, dos problemas econômicos diante dos quais nós temos que confrontar, como também libera as epistemologias e, de fato as subjetividades e consciência coletiva tão esquecidas e, escondidas pelo racismo, patriarcalismo e imperialismo do colonianismo. O potencial de transformação das políticas e práticas educacionais descoloniais na criação e disseminação de conhecimento é imenso. A criação de um conhecimento pluriverso parece ser uma possibilidade que pode promover um contexto realmente reformador para a educação superior. Uma reforma que seja mais justa e relevante para o provimento de conhecimento e educação realmente necessários para os nossos tempos, uma educação que não se limite a Novas agendas para a internacionalização da educação superior: rumo a opções descoloniais e futuros pluriversos
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responder aos anseios da agenda reformista corporativista. O conhecimento descolonizado do pluriversalismo é uma grande promessa de força na resistência contra a atualmente exigida corporativização do conhecimento na educação superior. Muito dos conhecimentos de que precisamos para chegar a essa justiça já foram estabelecidos, mas não estão sendo representados nas pesquisas de instituições americanas e europeias. No entanto, focando nas ideias e práticas indígenas, locacionais, ecológicas, assim como de outros conhecimentos, dos quais podemos citar o pós-estruturalismo feminista, percebemos que a centralidade dos focos onto-epistêmicos da educação estão mudando. Aqui, vemos, de fato, ligações entre o ado e o futuro dos sistemas de conhecimento. Muitas contribuições intelectuais e organizacionais (como, por exemplo Ausubel, 2012; Dussel, 1995, 2013; Sandoval, 2000; Smith & Max-Neef, 2011; Tuhiwai Smith, 1999) estão criando, como resposta aos potenciais problemas de catástrofes globais, que realçam a intersecção entre as relações socioambientais, econômicas, políticas e espirituais, um espaço radical para pensamentos opcionais de vida que estejam fora dos padrões ocidentais. Tal holismo cria reflexos epistemológicos não-ocidentais assim como processos em que a descolonização das relações e do conhecimento é possível como forma de pensamento e ação contra a matriz colonial de poder. Na medida em que instituições de educação superior se defrontam com a tendência inexorável dos expoentes de um sistema mercantilizado de criação e de disseminação do conhecimento, os movimentos de opções descoloniais podem manter os espaços abertos para que pesquisas, ensino e aprendizagem possam contribuir para uma justiça global pluriversa e não apenas para os objetivos que respondem exclusivamente a uma elite corporativa relativamente pequena. Isso certamente quebra as regras do jogo “neocolonial” criado pela economia global atual. O conhecimento necessário para o bemestar, localmente realizado e globalmente interconectado, deve refletir uma leitura pluriversal do mundo. Uma educação que ensine uma resiliência não corporativizada, uma simbiose fundamental e mutual que retribuem para o professor e o aluno, o e o pesquisador, a humildade do 26 |
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poder que Wade Davis (2001/2007) chama de etnosfera; uma soma total da imaginação, histórias, ideias, sonhos, linguagens e relações entre as pessoas do mundo inteiro. Responder a essa esfera em sua totalidade e intrinsicamente ligada à biosfera e atmosfera parece vital para a sobrevida e existência humana neste planeta. Não há lugar para o colonialismo na etnosfera, uma vez que ela apresenta e demanda uma visão lógica e pluriversal do mundo. A educação, para com e por meio de tal interconectividade, constitui uma poderosa agenda global emergente que as instituições de educação superior poderiam utilizar em seu próprio proveito. Para isso, seria necessário que a procurassem e a nutrissem dentro de suas organizações.
Conclusão A educação superior tem sido diversamente impactada pela globalização e pelos esforços de se criar uma economia global do conhecimento. Como resultado, novas agendas e atores entraram na política e programação de universidades. Devemos notar, com particular preocupação, o impacto dos jogadores corporativos globais que, como novos atores políticos da educação superior, estão promovendo uma crescente legitimidade pela comercialização da pesquisa, do ensino, da aprendizagem, e de seus próprios produtos. Universidades e outras instituições de educação superior acabam se situando no que Mignolo (2011) denomina matriz global de poder, na qual alguns atores alegam que o modelo corporativo de universidade é o único modelo legítimo de educação superior. Indo além dessa perspectiva, podemos perceber as possibilidades alternativas emergentes, que podem nos levar a uma troca interconectada de conhecimento baseada na justiça pluriversal, liberando, assim, o conhecimento e os detentores invisíveis de conhecimento do mundo corporativizado de ideias, alunos e professores. Devemos levar, com séria consideração, as questões que pressionam o mundo e o conhecimento que emergem de uma gama de disciplinas tradicionalmente marginalizadas no processo de globalização.
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2 POLÍTICA EDUCACIONAL E SITUAÇÃO DE POBREZA: EXPLORANDO NOVAS RESPOSTAS PARA PROBLEMAS ANTIGOS4 Silvia Cristina Yannoulas5
Introdução As reflexões, aqui apresentadas, podem ser consultadas, detalhadamente, no capítulo 1 do livro intitulado “Política Educacional e Pobreza: Múltiplas Abordagens para uma Relação Multideterminada” (Yannoulas, 2013b), publicado recentemente. O mencionado livro contém um conjunto de estudos desenvolvidos pelos participantes do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação 4 As reflexões apresentadas neste capítulo são oriundas da transcrição da palestra proferida pela autora no III Seminário internacional em política e governança educacional da Universidade Católica de Brasília (UCB), realizada no Campus II em 27/09/2013. Agradecemos à Profª. Dra. Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif pelo convite para realização de exposição oral no Seminário. Agradecemos ao mestrando em Educação (UCB) José Ivaldo Araújo de Lucena pela transcrição do áudio da palestra, e a Kelma Jaqueline Soares a cuidadosa revisão do texto enviado para publicação. 5 Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (SER/ UnB), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (PPGPS/SER/UnB). Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Discriminação (TEDis). Licenciada em Ciências da Educação pela Universidade de Buenos Aires (UBA), mestre em Ciências Sociais pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais - Sede Acadêmica Argentina (Flacso/Argentina), doutora em Sociologia com área de concentração em Sociologia da América Latina e Caribe pelo Programa de Doutorado Conjunto FLACSO/Brasil e Universidade de Brasília (UnB) e Pós-Doutora pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG). Política educacional e situação de pobreza: explorando novas respostas para problemas antigos
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e Discriminação (TEDis)6 e colaboradores, sobre a Relação entre Educação e Pobreza (REP)7. Em mesas anteriores do evento, já foram apresentados os capítulos 2 (Duarte, 2013) e 4 (Horta Neto, 2013b). A tese de doutorado em Política Social de Duarte (2012 e 2013) apontou a concentração de beneficiários do Bolsa Família e sobre o o dessas novas populações (dentre essas, a população em situação de pobreza) às escolas da rede pública de ensino. Essa população representa a maioria ou uma porcentagem muito alta do público estudantil nas redes de educação pública e não está sendo devidamente atendido. Já a tese de doutorado em Política Social de Horta Neto (2013a e 2013b), tratou da temática da avaliação educacional. Especificamente, discutiu como as avaliações realizadas pelo Instituto Nacional de Políticas Educacionais (INEP) e por outros organismos federados podem incidir ou não na formulação das políticas educacionais com vistas ao atendimento da população em situação de pobreza. Indicou os efeitos negativos que as avaliações educacionais podem causar aos processos de aprendizagem dos alunos do ensino fundamental. A atenção da nossa apresentação, hoje, se centra no levantamento de publicações recentes online sobre a REP, elaborado inicialmente por Yannoulas; Assis; Monteiro (2012), nos anos de 2009 e 2010 e atualizado em 2013 (Yannoulas, 2013a). Este levantamento e análise bibliográfica foi o pontapé inicial ao conjunto do projeto e seus diversos componentes, demonstrando-se de fundamental importância para o delineamento temático e metodológico das pesquisas de graduação, mestrado e doutorado, que seriam desenvolvidas pelos pesquisadores do grupo TEDis e colaboradores. Também instrumentou nosso movimento de ida e, posterior, retorno a um conjunto de 13 escolas, que atendem populações em situação de pobreza no Distrito Federal e no Entorno, visando investigar como o cotidiano escolar é modificado pela situação de pobreza. 6 O grupo de pesquisa TEDis se insere no Programa de Pós Graduação em Política Social (PPGPS) do Departamento de Serviço Social (SER) da Universidade de Brasília (UnB). Mais informações podem ser obtidas em: <www.tedis.unb.br>. 7 A sigla REP é originária de Parada (2001). Entendemos a pobreza como uma situação que tem a sua origem condicionada por vários fatores e é realidade ível de transformação. O nosso estudo sobre educação está a sua dimensão formal.
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Tomamos como ponto de partida a discussão da situação de pobreza não como um problema puramente técnico ou explicado pelas condições individuais de cada sujeito. Trata-se de um problema de caráter estrutural e não individual, que ao ser relacionado à política educacional, permite tencionar a suposta universalidade da educação básica, uma vez que foi garantido o o da população pobre à escola. Porém, essa inserção das pessoas em situação de pobreza à escola pública ocorreu nos parâmetros e no formato escolar que, historicamente, foi predefinido e predeterminado pelo modelo escolar da classe média e alta. Mas, antes de continuar, é preciso definir e dimensionar o que seria pobreza. No início do nosso projeto de pesquisa, em 2011, uma de cada seis pessoas do mundo sofriam os efeitos perniciosos da pobreza (ONU-Habitat, 2012). Em 2009, na América Latina, 33% da população encontrava-se em situação de pobreza ou 180 milhões de pessoas que sobreviviam com 2 dólares por dia. Mais de 9 milhões de brasileiros permaneciam em situação de extrema pobreza, o que, naquela época, era sobreviver com 1 dólar por dia (OSÓRIO; SOARES; SOUSA, 2011). Um olhar específico sobre a pobreza e o público estudantil, com base em Duarte (2012), indica que, tomando o Brasil como um todo, 44% da população escolar no Ensino Fundamental público no Brasil são pobres. O critério utilizado por Duarte (2012) para identificar população em situação de pobreza foi o de considerar o número de estudantes das escolas públicas que são beneficiários do programa Bolsa Família. No caso do Estado de Alagoas, 73% dos estudantes são beneficiários desse programa. Para a totalidade da região Nordeste, temos 67% nessa situação. Esses dados indicam que, ao tratarmos do tema da REP, não estamos falando de minorias. Estamos dizendo que uma grande parte da população inserida na escola pública brasileira traz consigo as demarcações de classe social, nesse caso, expressas pela situação de pobreza e extrema pobreza, centrada no recorte de renda (ser beneficiário de programa de transferência de renda). Além disso, esses números indicam que a cobertura dos serviços educacionais, como resultado do primeiro movimento de reformas educacionais na América Latina, nas décadas de 70 e 80, significou a entrada dos pobres na escola Política educacional e situação de pobreza: explorando novas respostas para problemas antigos
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pública e a saída da classe média, desta mesma escola pública. No Brasil, na década de 90, que tendemos a alcançar a suposta universalização do Ensino Fundamental. Por essa ótica, a pobreza não é vista como problema técnico, mas como o elemento que coloca em questão a universalidade do ensino fundamental e questiona as potencialidades do formato escolar no capitalismo. O grande número de pessoas pobres, ou extremamente pobres no país e na escola, também permite questionar o modelo de desenvolvimento adotado pelo país, com grande concentração da renda, que mesmo diante do avanço de produção econômica, de desenvolvimento e de infraestrutura, ainda registra um número acentuado de pessoas exatamente pobres e que carregam esse enriquecimento do país as suas custas. Entendemos, portanto, que o estudo sobre a REP não pode ocorrer dissociado das reflexões sobre a multideterminação que a compõe. Para avançar na busca de respostas sobre a REP, na seção seguinte, será apresentado o percurso metodológico que nos permitiu organizar e compreender as produções bibliográficas levantadas sobre essa temática.
Percurso metodológico O nosso objetivo foi o de explorar as pesquisas recentes sobre a escolaridade dos pobres como maneiras em que a sociedade, os cientistas e os políticos definem e regulam a desigualdade. Essa parte da pesquisa foi feita em duas etapas. A primeira foi realizada nos anos de 2010 e 2011. O período de análise foi de 1999 a 2009. A publicação sobre a REP estava, fundamentalmente, disponível em bases online de alta qualidade, como são a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e o Scientific Electronic Library On Line (Scielo) para os artigos científicos. Os resultados dessa primeira etapa da pesquisa foram publicados no número comemorativo 50 da Revista Brasileira de Educação da Associação Nacional de Pesquisas em Educação (ANPED), conforme consta em Yannoulas; Assis; Monteiro (2012). Já a segunda etapa, que incluiu o período de 2011, consta em Yannoulas (2013a). Utilizamos como localizadores “educação” e “pobreza”. A busca feita na BDTD permitiu localizar 155 dissertações e teses aprovadas no período 1999-2011, das quais 34 |
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86 foram analisadas em profundidade, sendo 56 dissertações e 30 teses. Recuperamos também um total de 70 artigos publicados no período 19992011 nas bases abertas controladas: Scielo e, complementarmente, no Google Acadêmico Beta, porém, apenas 54 deles foram selecionados para análise. Analisamos o total de 140 produções (54 artigos, 56 dissertações e 30 teses). O propósito de fazer esse levantamento não era a uma simples descrição, mas, centrou-se na busca de entender, preliminarmente, qual tem sido o movimento das ciências da educação e da análise das políticas sociais sobre a REP. Com isso, intentamos compreender o movimento de transformação que está sendo registrado nas escolas e propor soluções para essa nova população escolar. Queríamos apontar lacunas, apresentar os limiares de um campo de saberes conexos em processo de (re) definição e fortalecer o estudo da REP. O que comprovamos é que, em grande medida, não há grandes novidades nessa área, mas como diria Castel (2010) uma metamorfose8, uma recomposição da paisagem, sem constituir uma novidade absoluta.
Os delineamentos da área A partir dessa etapa exploratória da pesquisa, buscamos tentar definir os delineamentos da área, como campo do saber, ou seja, quem estuda (autores, grupos de pesquisa, áreas do conhecimento, regiões geográficas com maior número de produções), quando estuda (períodos com maiores números de produções) e de que forma se estuda a REP (assuntos, conceitos, temas de maior concentração). Apresentaremos a seguir esses delineamentos. Inicialmente, verificamos que o número de autores envolvidos nesse conjunto de produções era de 173 ao total, vinculados a 107 grupos de pesquisas, com vários deles pertencentes ao mesmo grupo de pesquisa. Foram recuperados os curriculum vitae correspondentes aos 173 autores. Em casos, onde um mesmo autor fizesse parte de dois ou mais grupos de pesquisa, consideramos apenas aquele no qual o pesquisador atua como líder, ou, em caso de não ser líder, considera-se o grupo no qual se inscreve a produção selecionada. 8 Segundo Castel (2010) a metamorfose abala certezas e recompõe a paisagem social e política. Mas, não se constituí como novidade absoluta por estar inscrita no contexto de uma mesma problematização (no caso, a Questão Social). Política educacional e situação de pobreza: explorando novas respostas para problemas antigos
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O período analisado, que registrou acentuada concentração de artigos, teses e dissertações ocorreu entre 2007 e 2008 (42 de um total de 140 produções). Essa concentração indicaria um aumento, relativamente recente, no interesse sobre o tema. O crescimento também pode ser explicado pela expansão e consolidação dos programas de pós-graduação na última década, pois a maioria das produções selecionadas mantém algum vínculo com esses programas (SANTOS; AZEVEDO, 2009). Sobre as regiões com maiores números de trabalhos publicados, identificamos o predomínio por parte da região Sudeste. Por outro lado, não localizamos um único trabalho científico, para o período todo, na região Norte. Não temos, até o presente momento, uma resposta para essa questão, ou se é apenas um reflexo da maior produtividade científica que se registra, historicamente, na diferença existente entre as regiões brasileiras com o predomínio de publicações e programas de pós-doutoramento no Sul e no Sudeste e uma baixíssima participação no Norte e de alguns estados do Nordeste. Pode ser um reflexo dessa tendência mais geral, mas achamos também que pode ter relação com alguma especificidade educacional entre o âmbito rural e o urbano, mas não tivemos condições de aprofundar a pesquisa para verificar, ou não, essa possível especificidade. Sobre as áreas do conhecimento das instituições publicadoras das produções (das revistas onde foram publicados os artigos, ou dos programas onde foram aprovadas as dissertações/teses), encontrou-se uma concentração nas Ciências Sociais e Humanas, com ênfase especial na área educacional (70 das 140). Outras áreas disciplinares com significativa incidência foram Economia (29) e Serviço Social (15). Localizamos também publicações na área da saúde, mas que não dialogam, diretamente, com o enfoque da pesquisa sobre a REP. Na realidade, essas pesquisas centram-se em estudar de que maneira a saúde das crianças é afetada pela baixa escolaridade das mães. Nesse caso, não é central a REP em si, mas sim os impactos da baixa escolaridade das mães. Então, talvez, essa pulverização entre as disciplinas seja explicada pela característica do tema, que é, essencialmente, interdisciplinar e não consegue ser explicado, totalmente, por uma única abordagem. São necessárias diversas abordagens para conseguir uma compreensão mais profunda e complexa da relação. 36 |
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Já sobre os assuntos mais discutidos nas produções analisadas foram, nesta ordem, programas de transferência de renda (25 produções do total de 140 selecionadas) e exclusão social e desigualdade social (16 produções). Durante a etapa de coleta de dados da pesquisa, notou-se uma dificuldade com a localização dos conceitos procurados, muitas vezes, estando dispersos pelo texto, sem uma clara definição. Localizamos uma multiplicidade de expressões e termos, por vezes, utilizados ingenuamente e que remetem a uma pluralidade de conceitos e enfoques teóricos muito distantes da unanimidade. Verificamos também, não apenas a multiplicidade temática, mas também a falta de especialização no tema. Não localizamos grupos de pesquisa, ou universidades que apresentem trajetórias acadêmicas individuais ou grupais construídas sobre esse tema. Isso pode estar relacionado à alta rotatividade de autoria e à baixa frequência que o autor foi registrado, isto é, os autores encontrados com publicações sobre o tema da REP, esporadicamente ou eventualmente, desenvolveram alguma pesquisa sobre a REP, mas o tema não é mantido como preocupação ao longo de uma década, por exemplo. Em consulta realizada aos sites da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss, agosto de 2012), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped, agosto de 2012), e da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec, outubro de 2012), constatamos que não há grupos temáticos constituídos especificamente para tratar da REP. A consulta realizada às associações científicas que representam as grandes áreas do conhecimento diretamente envolvidas no estudo dessa relação, conforme número de produções e de autores anteriormente citados, indica que não há uma preocupação significativa quanto às reflexões sobre a REP (Abepss, 2007 e SANTOS; AZEVEDO, 2009). Entretanto, é necessário destacar que há um tratamento indireto da REP em três dos grupos temáticos da Anped e que os grupos temáticos da Abepss estão em processo de definição. No caso da Anpec, não há estrutura de grupos temáticos permanentes, sendo constituídas comissões para elaborar trabalhos específicos conforme requerimentos. Na Anped, identificamos três grupos que fazem, indiretamente, essa discussão, que é o Grupo de Educação e Trabalho, Grupo de Sociologia do Política educacional e situação de pobreza: explorando novas respostas para problemas antigos
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Trabalho e o Grupo de Política Educacional, mas o enfoque não está centrado da discussão da pobreza. No caso da Abepss, observarmos que as reflexões sobre a REP são comparativamente poucas. Isso pode ser explicado, em grande medida, pela incipiente inserção das Assistentes Sociais no âmbito da Educação. Ainda está em fase de discussão no Congresso Nacional o projeto de lei da Camara (PLC) nº 060/2007.9 Ainda há poucas assistentes sociais debruçadas em pensar a problemática educacional e, aquelas que o tem feito, costumam apresentar os seus trabalhos em eventos sobre políticas sociais e não sobre políticas educacionais.
Categorização temática Nós nos perguntávamos qual o motivo para esse aumento de interesse pelo tema na última década. Possivelmente, isso pode estar relacionado com a emergência e consolidação dos programas de transferência de renda condicionada no sistema de proteção social brasileiro. Vários programas sociais, anteriormente pulverizados, foram assumindo configuração própria. Conforme, SILVA; YASBECK; DI GIOVANNI (2007), a implementação desses programas é acompanhada da necessidade de avaliação e estudos de impacto desses programas sociais, o que, em alguma medida, contribuiu para novos estudos sobre a REP, ainda que por meio de perspectivas teóricas e metodológicas distintas. Paralelamente, observamos uma retração das políticas e programas de trabalho ou para o trabalho (educação e qualificação profissional), como se o Estado abandonasse ou renunciasse à meta do pleno emprego e ao trabalho como vínculo social fundamental e o substituísse pela garantia de renda e potencial consumo. Iremos discutir neste capítulo uma tentativa de sistematização sobre o tema. 9 Segundo SOARES e SOUZA (2013), o projeto de lei nº 3688/2000 foi transformado no PLC nº 060/2007 no Senado (dispõe sobre a prestação de serviços da Psicologia e do Serviço Social em escolas públicas da educação básica). Outros projetos de lei que versam sobre o assunto são a Proposta de Emenda à Constituição nº 13/2007 (que visa acrescentar o inciso ao art. 208 da Constituição Federal de 1988 e prevê a garantia do atendimento aos estudantes de equipe de psicólogos e assistentes sociais), o projeto de lei nº 6478/2009 (que teve rejeição ao substitutivo, pois houve incoerências conceituais no texto desse PL) e o projeto de lei nº 6874/2010 (o qual também ou por considerações relativas ao texto substitutivo e propõe a alteração da LDB com vistas à existência de núcleo psicossocial nas escolas públicas de nível fundamental para intervir em situações de risco).
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Uma primeira organização dos dados coletados por ocasião da pesquisa apontou para uma classificação em 12 maneiras diferentes de entender a REP. Principalmente, foram expressivas as alegações que colocam a educação formal como estratégia para a ruptura do círculo da pobreza (20 de 140 produções), ou como mecanismo de manutenção da ordem constituída (também 20 de 140 produções), resultando na manutenção dos polos opostos em torno do poder da educação formal: antídoto contra os males da pobreza no polo positivo, reprodutora da ordem social estabelecida e criadora da pobreza no polo negativo. Outra parcela importante considerou a educação formal como uma das condições para a transformação social, para além da sua limitação à questão da pobreza (também 20 registros). Após, a análise dessas produções recentes, a nossa tentativa foi a de sistematizar os principais resultados encontrados nas produções científicas recentes e propor outra ordem classificatória, que seria, basicamente: A REP segundo o o dos estudantes pobres à escola (prisma da pobreza), a REP segundo a permanência dos pobres na escola (prisma do sistema escolar) e a REP segundo o futuro dos estudantes pobres (prisma do mercado de trabalho). A primeira estaria mais centrada no o dos estudantes pobres à escola. Seria a tentativa de entender a REP pelo prisma da situação de pobreza, ou seja, consideramos como ponto de partida a situação que o aluno pobre (denominado também nas publicações analisadas de “bolsista” ou “necessitado”) carrega para o interior da escola. A REP é analisada a partir das históricas articulações entre as políticas educacionais e outras políticas sociais, especialmente saúde e assistência social. A escola é vista como o local da provisão de serviços sociais. O tema da tensão entre a universalidade das políticas educacionais e a focalização dos programas de assistência estudantil é muito relevante nesse enfoque. Nesse sentido, destacamos, respectivamente, os trabalhos da pedagoga Campos (2003), da assistente social Soares (2011) e da economista Lavinas (2007). Para Campos (2003), esse espaço de intersecção entre a política de assistência social (focalizada nos mais pobres) e a política educacional (universalista) não se expressa de forma clara. Campos (Idem) destaca que Política educacional e situação de pobreza: explorando novas respostas para problemas antigos
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os programas da política de assistência social selecionam como público-alvo as parcelas mais pobres da população (os miseráveis) e qualquer melhoria da renda familiar é motivo para desligamento do programa. Já a política educacional é pautada, ainda que de forma controversa, no o universal da população-alvo. A interface entre essas duas políticas se coloca quando existem os programas de transferência de renda para segmentos mais pobres da população e executados por meio da escola (por meio do acompanhamento da frequência escolar). Além disso, para essa autora, outro problema da REP e da intersecção entre as duas políticas sociais, estaria na nula participação do corpo docente na formulação dos programas sociais veiculados por meio da escola, bem como na nula participação dos assistentes sociais nas escolas. As intersecções entre as políticas assistenciais (focalizadas nos segmentos mais pobres da sociedade) e as políticas educacionais (universalistas, em tese, abertas para toda a sociedade) denunciam uma convivência pouco clara e uma tensão permanente entre as diferentes lógicas (focalizada e universalista). Mesmo atendendo faixas etárias incluídas na obrigatoriedade escolar, os programas assistenciais são paralelos às redes escolares, isto é, em grande medida, utilizam a escola como meio de execução desses programas. Soares (2011 e 2013) retoma a questão da relação entre programas de transferência de renda e escola, desde a perspectiva qualitativa, apontando as percepções dos vários atores envolvidos na trama que reúne, no mesmo espaço escolar, funções derivadas das políticas educacionais e assistenciais.10O estudante pobre é visto, pelas professoras entrevistadas, por Soares (2011), segundo o ponto de vista das carências anteriores, as quais ele traz desde a sua origem familiar e que existem antes mesmo de chegar à escola. Por isso, é necessária a provisão das necessidades materiais dos estudantes, por meio da transferência de renda e dos outros programas educacionais, da merenda escolar, do uniforme, do transporte e outros. Por outro lado, as professoras e gestoras escolares, entrevistadas por Soares (Idem), consideram que a pobreza não é um impedimento para a 10 São poucos os estudos que abordam a questão da REP desde o ponto de vista dos beneficiários, excluídos ou desiguais. Destacamos: Frigerio (1992), Heckert (2004 e 2010), Naiff. (2008) e Soares (2011).
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aprendizagem dos alunos. A pobreza pode até ser uma variável que dificulta a permanência desse estudante na escola, mas não é determinante para o grau de aprendizagem do mesmo. A resposta para o bom desempenho escolar, não estaria no enfrentamento da pobreza ou em modificações da estrutura escolar, mas sim, no esforço individual desse estudante e da sua família em obter bons resultados escolares. A condição de pobreza não seria impedimento para ocorrer aprendizagem e, também, não seria fator para modificar alguma composição pedagógica. A exigência da condicionalidade se faz necessária para permitir o acompanhamento do estudante segundo sua presença na escola ou aos serviços de saúde de atenção básica. A leitura dos condicionantes socioeconômicos do fenômeno educacional se completa com as análises estatísticas que correlacionam política educacional e política de assistência social. A economista Lena Lavinas (2007) comenta um segundo aspecto problemático relativo às contrapartidas: a exigência do cumprimento de obrigatoriedades como condição para o exercício de um direito social fere os próprios princípios de cidadania. Essa cobrança se torna ainda mais problemática se considerarmos que não há outros mecanismos de acompanhamento das famílias além da cobrança de contrapartidas. Para a autora, o gasto social compensatório (transferências de renda) não tem condições de alterar o padrão de desigualdade do país. Em contraposição, são os fatores que elevam os rendimentos do trabalho das mulheres pobres – o que reduz significativamente os níveis de pobreza é a provisão de serviços públicos. Essa primeira proposta de ordem classificatória evidencia, portanto, que a REP pode ser estudada a partir da interface entre política de assistência e a política de educação, as definições de pobreza e cidadania atuam como delimitação do patamar mínimo de direito à educação no contexto do conjunto das necessidades a serem satisfeitas. O foco da crítica dessas pesquisas estaria no estabelecimento de linhas de pobreza e na determinação da quantidade e da qualidade de educação a ser recebida pelos pobres e garantida pelo Estado. Uma segunda forma de sistematização é a que estuda a REP segundo a permanência dos pobres na escola (prisma do sistema escolar), que seriam “os fracassados”, “os excluídos” os “desiguais”. A atenção está centrada no entendimento do percurso que esses alunos fazem dentro do sistema Política educacional e situação de pobreza: explorando novas respostas para problemas antigos
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educacional ou como transitam pela escola. Nesse caso, destaca-se a análise do desempenho escolar desses alunos, quais são as suas aprendizagens escolares. Há, portanto, uma preocupação maior com os aspectos educacionais do que com as condições socioeconômicas de o ao sistema escolar. Os estudos, dessa ordenação temática, analisam como ocorrem os mecanismos de seleção e discriminação ao interior da instituição escolar. Os autores se perguntam os motivos pelos quais a expansão do sistema escolar não resultou nas mudanças almejadas. O fato de focarem no sistema escolar não significa que esses estudos não interpretem o conjunto de relações sociais que atravessam a escola. Os autores incluídos no segundo grupo de estudos analisam os mecanismos específicos que atuam na REP. Estudam como operam os mecanismos de discriminação, seleção e exclusão com base na classe social no interior da instituição escolar, na perspectiva da sociologia da experiência escolar (DUBET, 2003, 2008). Também se perguntam por que a expansão do sistema escolar não resultou nas mudanças almejadas? Por que a suposta igualdade de oportunidades não levou a uma igualdade de resultados? Destacamos o estudo de Peregrino (2010) que foca seu olhar nas trajetórias percorridas pelos jovens pobres na escola, fundamentalmente, a partir das desigualdades que marcam seus percursos. A pesquisadora utilizou fontes de pesquisa diversas, como as fichas dos estudantes matriculados desde a criação da escola, a observação no corredor da escola, os recreios no pátio, a praça próxima, entre outros espaços que fazem parte da dinâmica escolar. A pesquisa objetivou mostrar os nexos entre a reprodução das relações sociais de produção e as atuais políticas de expansão da escola com suas consequentes formas de escolarização degradadas. Influenciada teoricamente por Bourdieu, a autora procurou desvendar as manobras pelas quais a instituição escolar atual, que permite às camadas populares o o e a permanência prolongada, transforma os diferentes em desiguais num processo sutil e de degradação contínua do sistema educacional, utilizando-se para tanto do denominado efeito turma.11 11 Sobre o efeito turma ver o verbete de Lafontaine (2011).
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Os estudos sobre os mecanismos de seleção e discriminação ao interior da instituição escolar valem-se de conceituações que permitem captar os circuitos educacionais segmentados (níveis do sistema), diversificados (especializações ou tipos de estudo) e fragmentados/segregados (instituições fechadas com relativa homogeneidade cultural e social) com base na classe social e a raça/ etnia dos frequentadores, ou o estudo das trajetórias educacionais diferenciadas em função do gênero do corpo discente. No primeiro caso, estamos falando de atingir patamares de escolaridade diferentes ou frequentar instituições distintas em função da origem racial e de classe. No segundo caso, estamos afirmando que é possível aprender coisas diferentes e transitar entre o sistema educacional e o mercado de trabalho de maneiras até opostas quando se é membro de um ou de outro gênero, ou ainda segundo a escolaridade (anos e tipo) dos pais (TIRAMONTI, 2008). Por fim, a terceira forma de sistematização, seriam os estudos preocupados com o futuro, ou seja, com a saída desses alunos do sistema educacional. É central nesses estudos a identificação da REP pelo prisma do mercado de trabalho. Nesse caso, os autores analisam como operam os mecanismos de seleção do mercado de trabalho com base na certificação educacional e observam as adaptações ou modificações do sistema educacional ao sistema produtivo e ao mercado de trabalho. Nessa terceira categoria, registramos um número sensivelmente menor de produções12, o que pode ser um indicativo da menor preocupação cientifica pelo (futuro) trabalho e da maior preocupação com a (presente) renda, um deslocamento da preocupação pela escolaridade (individual e coletiva) como fator influente no mercado de trabalho, para uma preocupação com as maneiras em que acontece e se desenvolve a escolaridade no caso dos grupos desfavorecidos, e também com as influências dos programas de transferência de renda (positivas e negativas) nas escolaridades dos pobres. Esse deslocamento não é uma transformação absoluta ao interior das ciências da educação, seria uma metamorfose porque habilita e legitima uma lógica diferente para lidar 12 Seguindo o texto que origina este artigo (YANNOULAS, 2013a), não há um detalhamento e/ou exemplificação das produções bibliográficas que tratam da REP pelo prima do mercado de trabalho. Isso ocorre porque se trata de categorização temática com baixo número de trabalhos acadêmicos recuperados, selecionados e analisados. Política educacional e situação de pobreza: explorando novas respostas para problemas antigos
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com a escolaridade dos pobres, mas ainda não constitui uma ruptura absoluta ao interior do campo da REP. Existiria, então, um reordenamento entre as políticas sociais porque a a existir uma centralidade na renda, em detrimento do trabalho. Cada vez mais, verificamos a perda da utopia da escola como meio ou instrumento de mudança do país, das pessoas e dos grupos ou coletivos. E cada vez menos, registramos a meta do vínculo com o mercado de trabalho e do emprego formal pleno. Há um movimento de perda de relevância e de aposta no trabalho (futuro de relação social) para a aposta na renda (presente de consumo).
Conclusão Realizamos um esforço no sentido de localizar e analisar as produções acadêmicas recentes sobre a REP. Depois, mapeamos os assuntos nela envolvidos, bem como relacionamos as categorizações temáticas possíveis da REP. Nesse sentido, realizamos uma sistematização que considera as abordagens segundo a perspectiva ou prisma pelo qual a REP é observada: se é desde o ponto de vista do fenômeno educacional (os fracassados, os excluídos e os desiguais) ou, desde o ponto de vista dos seus condicionantes (os pobres, os necessitados e os bolsistas) ou ainda desde o ponto de vista do mercado de trabalho (os trabalhadores e os desempregados do futuro). A nossa aposta com a apresentação realizada no contexto do seminário, assumindo o risco de nos repetirmos, foi a de divulgar os resultados e achados de pesquisa, chamando à reflexão e dando destaque ao estudo da REP, na medida em que são indicados os projetos societários em disputa por detrás das maneiras de classificar as produções. O estudo da temática da pobreza e a sua invisibilidade no espaço escolar não deveria ocorrer no sentido de escamotear uma parte da realidade social, com uma finalidade intrínseca de dominação de uma classe sobre a outra, mas sim, como um processo social, cultural e político mais amplo com vistas a um novo formato escolar, e até mesmo, um novo modelo societário. Essa invisibilidade do tema da situação de pobreza no âmbito da educação nos leva, por vezes, a considerar que o fracasso escolar está centrado no indivíduo 44 |
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pobre, o qual, em grande medida, é culpabilizado por essa situação, que tem origem na forma desigual como o sistema escolar se estrutura. Verificamos, de acordo com o levantamento realizado, que há um predomínio das políticas focalizadas para atendimento da população em situação de pobreza por meio dos programas de transferência condicionada. Entendemos que essas ações e programas ainda estão centrados no o dessa população à educação formal, mas pouco se relacionam com a dimensão de futuro e de garantia de o ao mercado de trabalho. As alternativas para a ampliação do papel dessas políticas sociais e da garantia do direito à educação por parte da população em situação de pobreza são complexas, mas podem adotar o caminho que enxerga a multideterminação da pobreza e do sentido da educação escolar. Não compete à escola a responsabilidade pela mudança social, mas é preciso considerar o papel da escola como promotora da cidadania, tendo em vista, que uma sociedade que valoriza e reconhece o papel das professoras e professores, das trabalhadoras e dos trabalhadores da educação e da escola pública como espaço de cidadania, será hábil em questionar a ordem vigente e propor novas formas de sociabilidade.
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3 OS EFEITOS DAS AVALIAÇÕES EXTERNAS SOBRE AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO GOVERNO FEDERAL DO BRASIL João Luiz Horta Neto13
Introdução Avaliar é um conceito em si mesmo polissêmico, algumas vezes confundido com os instrumentos usados para medir resultados educacionais, geralmente por meio de exames ou testes. Um teste, instrumento utilizado para medir a aprendizagem, faz parte de um conjunto de instrumentos empregados em um levantamento periódico de informações, com o objetivo de captar a evolução do quadro educacional, que tem como principais usuários, mas não únicos e exclusivos, os gestores dos sistemas educacionais. Como a atividade de avaliar vai além de simplesmente medir e divulgar os resultados, neste trabalho será usada a expressão teste avaliativo com referência ao instrumento de medida utilizado em avaliações educacionais. Discutir o desempenho dos sistemas educacionais a partir de testes aplicados exige clareza sobre todo o processo de sua realização e aplicação e qual seu sentido. Essa não é uma discussão trivial, pois discute a função 13 Doutor em Política Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep. Esse trabalho, fruto da pesquisa de doutorado elaborado pelo autor sob a orientação da Professora Silvia Cristina Yannoulas, recebeu apoio da Capes dentro do programa Observatório da Educação. Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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social da escola e as modificações pelas quais ela vem ando ao longo do tempo e o papel do Estado nesse processo. Discute, também, as razões que estão levando cada vez mais os governos a se interessarem pelas avaliações educacionais (HORTA NETO, 2010). No Brasil, nos últimos anos, tem-se ampliado o número de governos, municipais e estaduais, e de gestores das redes privadas de ensino que utilizam testes externos cada vez mais sofisticados para medir o desempenho dos estudantes. Para se ter uma ideia desse aumento, construiu-se o Gráfico 1, que retrata o avanço do número de governos estaduais que contam com avaliações próprias no período entre 1992 e 2012. Gráfico 1 – Quantidade de governos estaduais, por ano, que contam com testes avaliativos próprios – 1992 a 2012
Fonte: HORTA NETO, 2013.
Em 1992, os Estados de Minas Gerais e Ceará começaram a aplicação dos testes avaliativos. Nos dois anos seguintes, 1993 e 1994, além dos dois Estados, desenvolve-se o teste em Mato Grosso do Sul e, em 1995, em São Paulo (BROOKE; CUNHA; FALEIROS, 2011). Em 2012, 18 dos 27 Estados da Federação aplicavam testes cognitivos a seus alunos e esse número tende a crescer mais. Com os desempenhos obtidos pelas escolas em mão, alguns governos começaram a utilizar estratégias de premiação com o objetivo declarado de estimular resultados escolares cada vez melhores. Baseados, também, nos resultados das avaliações am a ser instituídos programas de incentivos e 52 |
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pagamento de bônus para a equipe escolar, quando a escola alcança metas fixadas, normalmente de forma unilateral, pelo órgão gestor do sistema. Outras estratégias conhecidas são a distribuição de prêmios e o sorteio de brindes aos alunos. No caso do governo federal, desde 1988, ano dos primeiros estudos para a aplicação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), utilizado desde 1990, vem aumentando a quantidade de testes aplicados e o número de alunas e de alunos testados, tanto em nível nacional como subnacional (HORTA NETO, 2006). Depois do Saeb, criaram-se a Prova Brasil, em 2005, a Provinha Brasil, em 2008, e a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), um novo teste ligado ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), criada em 2013. Outros exames foram sendo criados e aprimorados: o Exame Nacional dos Estudantes do Ensino Médio (Enem) e o Exame Nacional de Certificação de Competências da Educação de Jovens e Adultos (Encceja), o primeiro voltados para o ensino médio e o segundo para os ensinos fundamental e médio, e o Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade), voltado para a educação superior. Como se percebe, é uma quantidade significativa de instrumentos que o governo federal tem a sua disposição, gerando grande volume de dados sobre o desempenho dos alunos, todos produzidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia ligada ao Ministério da Educação (MEC). Além dos instrumentos listados, existem outros para medir a evolução dos cursos de pós-graduação mediante a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Além de criar testes avaliativos externos próprios, o Brasil vem participando de alguns estudos internacionais como o Programme for International Student Assessment (Pisa), patrocinado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Laboratório Latino Americano de Evaluación de la Calidad de la Educación (LLECE), programa coordenado pela Oficina Regional de Educación para América Latina y El Caribe (Orealc), entidade ligada à Unesco. Nessa profusão de testes nacionais e internacionais, pode acontecer de uma mesma escola ter seus alunos avaliados, por diversas vezes ao longo do Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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ano, envolvendo pré-testes, utilizados para avaliar a qualidade dos itens que comporão os testes, e testes municipais, estaduais, nacional e internacionais. Junto com essa quantidade de testes, cria-se, também, um mercado da avaliação educacional que está em franco desenvolvimento, oferecendo livros e consultorias com o objetivo de preparar as escolas para a participação nesses testes. Para compreender melhor esse movimento na direção do incremento do número de testes, é importante discutir dois conceitos que se entrecruzam: o direito à aprendizagem e o ability.
O direito à aprendizagem e o processo de ability A educação, como um direito social, está presente na Constituição brasileira de 1988, por ser inerente à cidadania e aos direitos humanos, tendo sido declarada como direito do cidadão e dever do Estado. A educação, além de estar vinculada a um direito, é também uma obrigação, pois ninguém pode deixar de frequentar a escola entre os 4 e 17 anos de idade. No entanto, não é possível haver garantia do direito à educação sem que seja assegurado que sua oferta atenderá às necessidades dos beneficiados, e isso implica o papel ativo e responsável do Estado, formulando políticas e obrigando-se a oferecer ensino em igualdade de condições para todos. Aliás, a própria Constituição prevê que essa igualdade de condições se materialize, garantindo-se um padrão de qualidade. Apesar de presente em nossa Constituição, o termo qualidade nunca foi explicitado. Dado à polissemia do termo, pode-se observar que com o ar do tempo, no Brasil, vários foram os significados que lhe foram sendo atribuídos: associada à ampliação da oferta de vagas, acarretando, a partir dos anos 1940, a construção de prédios escolares, a partir do final de 1970 e durante os anos 1980, começou a ser compreendido como permanência com sucesso na escola, a partir dos anos 1990, a qualidade a a ser entendida como melhoria do desempenho cognitivo dos alunos, medida pela aplicação de testes avaliativos (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005). Nesse último período, o centro das atenções tem sido aumentar a quantidade de testes avaliativos, como se, a partir deles, toda a comunidade escolar se mobilizasse por si e nenhuma outra ação do 54 |
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poder público fosse necessária para garantir o direito à educação, a não ser utilizar os resultados obtidos para fixar metas de desempenho e expô-las ao escrutínio público. No contexto das reformas educacionais pós-burocráticas, a avaliação perde seu sentido como instrumento da prática pedagógica e apequena-se. Como o desempenho ganha a centralidade, o próprio direito à educação, envolvendo a garantia de o e permanência para todos e ensino de qualidade uniforme também para todos, traz em seu bojo o potencial de emancipar o indivíduo e de nivelar as desigualdades dos que frequentam a escola e acaba também se apequenando. Nesses novos tempos, o lema é o direito à aprendizagem, expressão que parece ter sido primeiramente utilizada pelo Unicef em duas publicações (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA et al, 2008; MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO et al, 2007). Pouco tempo depois, a a ser utilizada pelo MEC quando lança documento sobre os direitos de aprendizagem para o ciclo de alfabetização (MEC, 2012). Dessa forma, algo que no espírito da legislação educacional se relaciona com a formação básica do cidadão, em íntima relação com o direito à educação, transmuta-se para o direito à aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, prioritariamente. Na realidade, a aprendizagem não pode ser compreendida fora do direito à educação, assim como o ensino de qualidade e outros fatores que permitem garantir esse direito. No entanto, reduzir um direito tão amplo e fundamental à construção da cidadania a algo é um equívoco conceitual e político. Conceitual porque o direito à educação é muito mais amplo que a aprendizagem e político porque ainda inexistem condições iguais para todas as escolas brasileiras e retirar o foco disso é como aceitar a imensa desigualdade existente. Mesmo que o objetivo fosse usar uma expressão forte para dar visibilidade a um problema que merece ser atacado, isso não justificaria a interpretação reducionista dada à Lei. Independentemente das razões que levaram a essa formulação do direito à aprendizagem, o fato é que através dela se justifica, pelo menos em parte, o aumento dos testes. Isso porque, dentro da lógica expressa pelo MEC, a aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo é um direito, os testes para Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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medir a aprendizagem seriam os instrumentos para verificar o cumprimento do direito à aprendizagem. Assim, a aprendizagem escolar fica restrita àquilo que pode ser medido pelos testes, novamente uma redução de um tema tão amplo. Medido, através dos testes, se o direito à aprendizagem está ou não sendo atendido, o o seguinte é expor publicamente os resultados da medida, premiando aquelas instituições e seus profissionais que realizam bem seu trabalho ou apontar aqueles que não o fazem, na esperança de que nas próximas medidas, apenas por conta da pressão dos resultados, os resultados sejam melhores que os anteriores. Deixando, assim, a escola e seus profissionais expostos à própria sorte, como se não necessitassem de apoio para desenvolver suas atividades. Essa lógica perversa, que faz parte do ability, se espalha por todo o mundo. A esse fenômeno, Sahlberg (2011) dá a sugestiva alcunha de Germ (germe), abreviatura de Global Educational Reform Movement (Movimento Global de Reforma Educacional). Segundo o autor, esse germe viaja com os especialistas, a mídia e os políticos se espalhando pelo mundo, trazendo como consequências mal-estar entre os professores e menor aprendizagem para as crianças. Entre os sintomas causados pelas doenças causadas por esse germe, duas se destacam: a maior competição na educação, baseado na crença de que a educação se aprimora quando as escolas competem entre si, criando o que Afonso (1999, 2005) chamou de Quase-Mercado; a forte responsabilização das escolas e a busca da efetividade do professor, ambos tendo por base os testes avaliativos aplicados aos estudantes. Diversos autores sustentam que o aumento dos testes avaliativos têm causado efeitos danosos e indesejados, como o aumento do ensino focado nos testes, o estreitamento do currículo para priorizar a Leitura e a Matemática e aproximação da Pedagogia a uma instrução mecânica (RAVITCH, 2010; SAHLBERG, 2011; HORTA NETO, 2013). Sahlberg (2011) afirma que existe outra forma de aprimorar a aprendizagem, e cita o exemplo da Finlândia. Segundo o autor, o país se fixa em um ensino e aprendizado customizados, ao invés de modelos 56 |
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estandardizados; tem como foco o aprendizado criativo, envolvendo, além de das diferentes áreas do conhecimento humano, as habilidades necessárias para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo, ao invés de um ensino com foco em leitura, matemática e ciências; estimula um currículo baseado na escola e desenvolvido pelas professoras, em que os riscos e as incertezas quanto ao ensino e à aprendizagem são aceitáveis, ao invés de um currículo escolar prescritivo; baseia suas ações na responsabilidade compartilhada e na confiança ao invés de ability baseado em testes e controle. No caso brasileiro, parece que os esforços do governo federal nos últimos anos têm sido orientados pela crença da existência da bala de prata, materializada pelo aumento da abrangência e do número de testes. Para justificar essa afirmação, optou-se por acompanhar, tomando por base o ensino fundamental, a evolução do Saeb, a criação de novos testes, algumas das ações desenvolvidas pelo governo federal e seus impactos sobre os sistemas de ensino e as escolas.
O governo federal e a organização dos testes avaliativos Entre os anos 1960 e 1980, uma série de acontecimentos no Brasil contribuiu para o desenvolvimento de expertise na área de avaliação educacional. O primeiro deles, sem dúvida, foi o surgimento dos vestibulares unificados nos anos 1960 em São Paulo . Esses vestibulares unificados alteraram a lógica anterior dos vestibulares, que exigiam uma nota mínima para o ingresso na faculdade, criando o que ficou conhecido como candidatos excedentes, aqueles que, apesar de terem atingido a nota mínima, não conseguiam matrícula, pois os aprovados excediam o número de vagas. A nova lógica era a da seleção de candidatos até o limite do número de vagas. O sucesso desse modelo e a utilização dos testes objetivos fizeram com que os itens de múltipla escolha assem a ganhar destaque nos livros didáticos e começassem a ser amplamente utilizados pelos educadores (GATTI, 2002). Para elaborar instrumentos cada vez mais sofisticados e confiáveis, capazes de dar conta do desafio de selecionar, entre milhares de candidatos, aqueles mais bem preparados para enfrentar a educação superior, foi necessário o Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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desenvolvimento de equipes, com o objetivo de criar instrumentos de medida mais sofisticados e aprimorar a elaboração dos testes. Criavam-se, assim, as bases de conhecimento para as etapas seguintes.
Da criação do Saeb até a Prova Brasil Pode-se classificar o Saeb pelas três fases que o modificam substancialmente, apesar de outros autores proporem divisões diferentes (BONAMINO e SOUZA, 2012). A primeira fase, a de sua implantação, entre 1988 e 1993, começa, com a aplicação piloto de 1988, e envolve as aplicações que ocorrem nos próximos dois ciclos, de 1991 e 1993. A segunda fase, entre 1995 e 2003, envolvendo o começo do uso da TRI, no ciclo de 1995; a construção das Matrizes de Referências, no ciclo de 1997 e nos três próximos ciclos entre 1999 e 2003. A terceira fase se inicia no ciclo de 2005, perdurando até os dias de hoje, com a transformação do teste amostral em censitário. O que chama a atenção nesse processo é que não houve descontinuidade no desenvolvimento e no amadurecimento do Saeb, processo esse iniciado na época do regime militar, durante o governo de João Figueiredo (1979-1985), e que atravessou os governos José Sarney (1985-1990), Fernando Collor (19901992), Itamar Franco (1992-1995), os dois governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), os dois governos Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e o atual governo Dilma Rousseff. Foram governos com diferentes orientações políticas, mas em todos privilegiou-se a realização de medidas de desempenho educacional como uma das estratégias para aprimorar a qualidade da educação. O que foi mudando ao longo do tempo foram a abrangência da avaliação e os usos de seus resultados. Das três frases, observa-se claramente uma modificação com relação à preocupação com os usos dos resultados e sua divulgação (HORTA NETO, 2013). Na primeira, sob a coordenação do Professor Heraldo Vianna e com a participação da Professora Bernadete Gatti, a maior preocupação era envolver os professores nos processos, desde a elaboração dos itens e na discussão dos resultados obtidos. Por causa disso, apesar do Professor Heraldo Vianna reconhecer a importância do usos da TRI, utilizou-se a Teoria Clássica dos Testes para apresentar os resultados dos testes. Além disso, a escolha dos anos 58 |
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escolares a serem testados recaiu sobre aqueles em que reconhecidamente os alunos apresentavam maiores problemas que precisariam ser melhor investigados. A segunda fase, inaugura a busca pela excelência da medida, abandonando progressivamente a preocupação com a compreensão dos resultados. A fase seguinte, inaugura o processo de ability, quando os testes são aplicados de forma censitária a todas as escolas públicas, a Prova Brasil, e seus resultados am a compor um índice destinado a aferir a qualidade da educação básica, o Ideb.
A evolução do desempenho do sistema educacional Os Gráficos II e III mostram como variaram as proficiências médias em Língua Portuguesa e Matemática, no Saeb e na Prova Brasil, entre 1995 e 2011, respectivamente.
Gráfico II – Evolução da proficiência média em Língua Portuguesa no Saeb/ Prova Brasil – escolas públicas – 1995 a 2011
Fonte: INEP, com elaboração do autor.
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Gráfico III – Evolução da proficiência média em Matemática no Saeb/Prova Brasil – escolas públicas – 1995 a 2011
Fonte: INEP, com elaboração do autor.
Nos dois gráficos, é possível perceber os diversos momentos da variação da proficiência obtida através dos testes. Para começar a análise das proficiências dentro do contexto em que foram colhidas, é preciso ter em mente que em toda a média podem se esconder muitas disparidades, portanto ela não é a medida mais transparente de todas. Serão discutidos três períodos: o que vai de 1995 a 2001, o ano de 2003 e o que vai 2005 a 2011.O período entre 1995 e 2001 foi marcado pela queda constante das proficiências em todos os anos escolares e nas duas áreas. Coincidentemente, com os dois governos Fernando Henrique Cardoso e foi marcado por uma grande discussão envolvendo a queda da qualidade da educação pela significativa inclusão das camadas mais pobres da população na escola. Apesar de ser uma hipótese plausível, não se sabe de nenhum estudo que tenha feito essa análise. No entanto, isso poderia explicar a queda da proficiência nos anos iniciais do ensino fundamental, mas não a queda nos anos finais, a menos que se imagine que o movimento de entrada na escola foi acompanhado por outro de retorno a ela. Em 2003, já no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o teste não sofre nenhuma alteração. Nos anos iniciais do ensino fundamental há uma melhora, que é prontamente creditada ao novo governo. Mas como 60 |
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explicar ter havido, também, melhoras no outro ano escolar testado? Em 2005, começa a Prova Brasil, marcando o início da trajetória ascendente nas proficiências para os anos iniciais e finais do ensino fundamental, apesar de nos anos finais o crescimento ser de magnitude menor. Em 2007, entra em cena o Ideb e o MEC divulga em seu site um simulado para ajudar as professoras e as escolas a se prepararem para o teste, e os gestores recebem, meses antes da realização do teste, o valor do Ideb de 2005 das redes e das escolas e as metas que deveriam ser atingidas no Ciclo de 2007. O que esse aumento das proficiências está significando? A escola estaria melhorando a qualidade do ensino oferecido e isso se refletiria na elevação das proficiências medidas? O que pode estar ocorrendo? Sem pretender aqui ser exaustivo na discussão sobre o que de fato pode estar ocorrendo, algumas hipóteses podem ser levantadas. A primeira é que, encerrado o fluxo acelerado de entrada na escola, tenha havido uma acomodação e com isso tenha sido possível melhorar o atendimento aos alunos. Outra é que o aumento no valor dos programas de transferência de renda, capitaneados pelo Bolsa-Família, e o aumento das famílias beneficiadas tenham contribuído para retirar da miséria muitas crianças e jovens, com a consequente melhoria na aprendizagem. O mesmo pode ter acontecido devido ao aumento da renda da população, fruto do período de crescimento econômico vivido nos últimos anos. Até aqui, referimo-nos aos efeitos externos que impactam a aprendizagem, positivos e desejáveis. Outra hipótese é que o aumento da escolaridade para nove anos, começado em 2006, por colocar a criança mais cedo em contato com um ambiente de aprendizagem, possa também estar contribuindo para o aumento da proficiência, mas, nesse caso, por ser uma medida recente, a contribuição ainda deve ser mínima. Pode ser também que estivesse havendo um problema de gestão nas redes e nas escolas e, com o impacto das pressões por melhores desempenhos, os gestores tenham desenvolvido estratégias para dar mais apoio às escolas, e esse apoio tenha chegado até os professores, estando, assim, mais preparados para melhorar a aprendizagem de seus alunos. Por fim, uma hipótese, que se lê nas entrelinhas das matérias jornalísticas e nas declarações de alguns gestores educacionais, é a de que os gestores escolares e as professoras estivessem fazendo Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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“corpo mole”, algo que o Ideb estaria denunciando, e, a partir da divulgação do fato, eles começaram a se esforçar mais, redundando em melhores resultados. Até aqui todas as hipóteses levantadas refletiriam em benefício das crianças e dos jovens. Mas existem também hipóteses que trariam prejuízos ao ensino. Pode ser que por conta da pressão por melhorais dos indicadores das escolas, esteja havendo uma redução do currículo, que estaria se moldando às Matrizes de Referências dos testes. Além disso, por conta dessa mesma pressão, pode estar levando as escolas a se preparar para o teste, principalmente através da aplicação de simulados, aproveitando os modelos disponibilizados pelo MEC. Esses dois fatores também podem estar na raiz da explicação para o crescimento mais acelerado nos anos iniciais do que nos finais. Como nos anos iniciais funciona a unidocência, é mais fácil para o professor organizar seu tempo e, dessa forma, preparar melhor seus alunos para o teste, algo mais complicado na etapa seguinte, com vários professores de diferentes áreas. Essas práticas, além de não colaborarem para a aprendizagem, estariam contribuindo para a homogeneização do ensino.
Provinha Brasil A Provinha Brasil, aplicada pela primeira vez em 2008, testa os alunos no segundo ano de escolaridade, nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, no início e no final de cada ano, utilizando os chamados Testes 1 e 2, respectivamente, em cada um desses momentos. A primeira medida é diagnóstica, e a segunda mede o progresso obtido ao longo do ano. Juntos com os testes são entregues vários materiais informativos destinados aos gestores. Para os professores, existem materiais que tratam da aplicação do teste e de sua correção e outro com reflexões sobre a prática docente. O Ministério da Educação encaminha os dois testes, conforme o número de matrículas constante no Censo Escolar, e os materiais que os acompanham diretamente para todas as Secretarias de Educação que manifestarem interesse em aplicá-los. O teste é composto, em sua maioria, por itens de múltipla escolha, divididos em três tipos: aqueles em que o professor lê totalmente o item e os alunos marcam a alternativa correta; outros, em que o professor lê uma 62 |
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parte do item, o aluno a outra e, a partir daí, assinala a resposta correta; por fim, itens que o aluno lê sozinho e marca a alternativa correta. Além desses, são usados três itens, sendo que em dois deles o professor faz um ditado de palavras e no último item um ditado de uma frase. Para os itens de múltipla escolha foram fornecidos os gabaritos e para os três itens relativos ao ditado foi fornecida uma grade de correção com seis possibilidades, em que três delas indicavam possibilidades consideradas corretas. Foram definidos cinco níveis de proficiência, utilizados para classificar os alunos segundo seu estágio de alfabetização, numerando-os de 1 a 5, e a cada um deles estava associado um número de acertos apenas para os itens de múltipla escolha. Para auxiliar a compreensão dos professores sobre os resultados do teste, foi apresentada uma interpretação pedagógica, baseada nos itens utilizados nos testes (HORTA NETO 2013). Mas esse processo traz inúmeras preocupações. Primeiramente, o problema de uma classificação como essa é enquadrar um processo tão dinâmico e complexo, como é a alfabetização, em uma determinada categoria, descrevendo-o a partir de itens construídos com base em uma Matriz de Referência que não necessariamente reflete o currículo praticado na escola e aquele definido pelo sistema de ensino em que a escola está inserida. Além disso, o processo, para o professor, parece uma mágica: como associar um número de acertos de itens, independentemente do item que o aluno acertou, com uma etapa do processo de alfabetização que apresenta uma descrição tão fechada? Assim, apesar de na Provinha Brasil o próprio professor aplicar a prova, ficar com esta para compreendê-la melhor, corrigi-la e iniciar um processo de análise sobre o significado do desempenho dos seus alunos, tudo isso é feito a partir de um planejamento que não foi realizado por ele, a partir de itens que ele não criou e usando uma interpretação apresentada a ele de forma incompleta. Ou seja, os professores se encontram tão à margem desse processo quanto daquele utilizado pelo Saeb. Novamente os professores aparecem como coadjuvantes nesse processo. A forma como a Provinha Brasil é utilizada depende de cada rede. Em algumas, assim que os instrumentos são recebidos, eles são enviados para as escolas, que decidem quando devem aplicá-los e como utilizam seus resultados. Em outras redes, repete-se o que o governo federal faz com o Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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Saeb: a Secretaria marca a data de aplicação, percorre as escolas aplicando os testes, coleta as folhas de resposta, faz a correção, analisa os resultados e só depois discute com as escolas os resultados, normalmente fixando metas que devem ser atingidas. Assim, um instrumento que deveria ser autonomamente utilizado pelas escolas pode, em alguns casos, repetir o esquema do Saeb e se transformar em mais um teste avaliativo externo, com o objetivo de controlar a escola e suas professoras. Com o Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), que será discutido mais à frente, a Provinha Brasil a a ser obrigatória em todos os municípios que aderiram ao Pacto. Além disso, os resultados de cada rede devem ser inseridos em um software que será disponibilizado pelo Inep e que permitirá ter um panorama, escola por escola, do desempenho dos alunos. Aumenta-se a pressão por resultados envolvendo crianças muito jovens, sem que se tenha estudado os impactos que isso podem trazer ao seu desenvolvimento.
As ações do governo federal que utilizam os resultados das avaliações Nos dois próximos tópicos, discutem-se o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o principal programa do governo federal e um de seus componentes, o Pacto Nacional para a Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), buscando compreender como os resultados dos testes avaliativos os influenciaram.
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) O PDE constitui-se de um conjunto de ações e programas voltados para a educação básica e superior, desenvolvidos pelo MEC. Lançado em 2007, o programa possui seis pilares (MEC, 2011), destacando-se dois deles: responsabilização, que o texto apresenta como uma tradução de ability, afirmando que se a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, deve-se responsabilizar os que não garantem esse direito, sobretudo a classe política; a mobilização social, fundamental para acompanhar e fiscalizar as ações educacionais, sendo que para isso aconteça deve haver transparência 64 |
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no trato das questões ligadas à educação e nas políticas destinadas a seu desenvolvimento. O instrumento legal que normatizou o PDE foi o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, objeto do Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007. O Plano de Metas nada mais é do que a explicitação de como ocorrerão as transferências voluntárias da União para os Estados e os municípios e em que áreas o MEC prestará assistência técnica e financeira. Sob a justificativa da necessidade de implementar o regime de colaboração entre os entes federados, é estabelecido um compromisso, de que tomam parte a União, os Estados e os Municípios, em torno de 28 diretrizes definidas pelo governo federal que garantiriam a melhoria da educação básica (BRASIL, 2007). Claramente, o documento impõe aos sistemas de ensino uma série de atribuições que lhes deveriam ser próprias e sobre as quais a União não deveria ter nenhuma ingerência. Além disso, acaba associando o Ideb ao leme que deve guiar as ações desses sistemas, tornando-se, assim, o indicador da qualidade educacional, quando se refere apenas às medidas de desempenho de Língua Portuguesa e Matemática na Prova Brasil, e do fluxo escolar, uma parcela importante, mas não determinante, no conjunto de fatores que impactam uma educação de qualidade. Com relação a aspectos educacionais propriamente ditos, das 28 diretrizes, apenas três se relacionam com o tema, com destaque àquela que estabelece uma meta para que a alfabetização esteja concluída até os oito anos de idade, equivalente ao final do 3º ano do ensino fundamental, algo que Soares (2010) considera possível e que garantiria, em tese, a possibilidade de desenvolvimento de novas habilidades nos anos seguintes a essa etapa de ensino. No entanto, a diretriz impõe a realização de um exame para aferir se a alfabetização ocorreu ou não, uma prática pedagógica condenável, principalmente por envolver crianças de tenra idade. Essa imposição é colocada parcialmente em prática com o lançamento do Plano Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), a ser comentado adiante. Observa-se que fixam-se atribuições, diretamente para a escola, que estão longe de ser de responsabilidade da União. Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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O que impressiona no Decreto é que por trás de um compromisso, um simples acordo envolvendo os Entes da Federação, seja imposta a seus signatários uma série de obrigações fixadas pela União. Poder-se-ia argumentar, que como o compromisso é de natureza voluntária, quem estiver em desacordo com seus termos tem a opção de não o . No entanto, o art. 8º do decreto abre a possibilidade para que a União, unilateralmente, se exima de colaborar com o ente que deixar de firmá-lo. O fato é que todos os Estados e Municípios, sem exceção, firmaram esse compromisso. Mesmo porque nenhum ente da Federação tem condições de dispensar os recursos federais que podem vir a ser transferidos, nem tampouco deixar de assumir o compromisso público de melhorar a educação sob sua responsabilidade.
O Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) O Pacto, lançado em julho de 2012 e com investimentos previstos de R$ 3,3 bilhões, é um programa com o objetivo de garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental. O Pacto tem dois componentes principais: um curso de formação em serviço para cerca de 360 mil professores em atuação no chamado ciclo de alfabetização, aquele que compreende do 1º ao 3º ano do ensino fundamental, e a aplicação de testes para verificar o sucesso da alfabetização. Os Entes da Federação que quiseram aderir ao pacto am compromisso envolvendo as duas ações do programa. No total, segundo o MEC, todos os Estados e os 5.540 Municípios concluíram, até dezembro de 2012, o processo de adesão ao pacto. O curso de formação em serviço, primeiro componente do Pacto, ocorreu em diversos momentos de 2013 e 2014, com ênfase em Língua Portuguesa, no primeiro ano, e em Matemática no segundo ano. O segundo componente do pacto são dois testes para acompanhar a evolução da aprendizagem. O primeiro ocorreu no início e no final do 2º ano do ensino fundamental e foi produzido pela Provinha Brasil. Até 2012, esses testes eram utilizados apenas por aquelas redes que o quisessem, mas, a partir da adesão ao pacto, todas são obrigadas a realizá-lo, enviando seus resultados ao Inep, como já comentado 66 |
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antes. Além disso, em 2014, haverá avaliação externa conduzida pelo Inep, para testar os alunos no final do 3º ano do ensino fundamental, último ano do ciclo de alfabetização, nomeada de Avaliação Nacional de Alfabetização - ANA. Com o Pacto, os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, de duração de cinco anos, serão testados três vezes pelo governo federal: no 2º ano, por duas vezes, e nos 3º e 5º anos, todos de forma censitária! Um enorme esforço que vai mobilizar toda a comunidade escolar, com o objetivo de classificar as escolas e pressionar seus professores a apresentarem resultados considerados adequados, baseados em metas estipuladas, unilateralmente, pelo governo federal, sem que a comunidade de professores participe do processo. Outra inovação do Pacto é a instituição da premiação por desempenho, estando previstos recursos da ordem de R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais), para premiar as escolas que apresentarem os maiores progressos, podendo uma parte desse valor ser destinada à premiação da equipe escolar. Assim, o governo federal aproxima-se de outras iniciativas que também premiam a performance das escolas, na expectativa de que, com esse bônus, os professores se esforcem mais para conseguirem que seus alunos obtenham desempenhos melhores, como se antes eles não estivessem fazendo isso. O governo parte da mesma lógica empresarial de oferecer bônus financeiro para alavancar desempenhos, na crença de que os incentivos são a mola propulsora do desenvolvimento das organizações. Alguns aspectos com relação ao programa de formação continuada desenvolvido pelo governo federal merecem ser discutidos. Primeiro é um programa pontual, que tem por objetivo alinhar os docentes com as “últimas decisões em matéria de política educacional dos governos” (LUCIO, 2010, p. 51). O segundo aspecto, relacionado a uma possível razão para que programas federais de formação continuada sejam pouco efetivos, tem relação com a elevada rotatividade da carreira docente. Existem estudos (HORTA NETO, 2013) mostrando uma rotatividade média, de um ano para outro, de 30% da equipe docente das escolas públicas de ensino fundamental, ou seja, de cada 10 professoras que estão cadastradas em um determinado ano em uma escola, somente sete serão novamente docentes nessa mesma escola no ano seguinte. Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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Em alguns Estados e em algumas redes, essa rotatividade supera 60%. Essa rotatividade chega a ser maior na rede privada, mostrando tratar-se de um problema envolvendo a carreira docente como um todo, e não problemas com a rede pública. Quando, em vez de compararmos ano a ano, comparamos um intervalo de tempo de cinco anos, entre 2007 e 2012, a rotatividade nacional média dos docentes nas escolas atinge patamares alarmantes: 43% para a rede estadual e 66% para a municipal. Com relação à rede privada, a rotatividade das professoras é de 93%. Quando a rotatividade apresentada nesse estudo é comparada com estudos produzidos para a realidade americana, a rotatividade de professoras nas escolas brasileiras impressiona. As pesquisas nos EUA mostram que 30% das professoras novas abandonam a profissão depois de cinco anos (INGERSOLL, 2001) e que em Estados como o Texas, anualmente, entre 11% e 18% das professoras deixam a profissão e entre 6% a 10% mudam de escola, sendo que a maior porcentagem refere-se a professoras com até dois anos de formadas (HANUSHECK; KAIN; RIVKIN, 1999). Com uma rotatividade nos patamares em que se encontram, os programas de formação continuada de professores, complexos e de longa duração, não podem se limitar a um único ciclo, pois sempre haverá um novo contingente de professores que não participaram desses programas. Dessa forma, os mesmos programas federais teriam que ser oferecidos por vários anos, ou então, deveriam ser de tal forma estruturados que permitissem às Secretarias continuar essa tarefa por conta própria. Nesse caso, esbarra-se em problemas de falta de pessoal especializado para levar a cabo essa tarefa. Ao analisar o material desenvolvido pelo Pacto, ele nada mais é que um curso sobre o processo de alfabetização, com suas técnicas e estratégias, algo que deveria fazer parte de qualquer curso de formação de professores. Como os professores em formação não têm a possibilidade de aprofundar esse tema durante a graduação, devido a problemas estruturais de seus cursos, fica a lacuna. Não seria mais produtivo o MEC atuar mais fortemente nos cursos superiores de formação de professores? Se isso fosse feito, a lacuna seria diminuída, permitindo a discussão com outros entes da Federação, de programas mais simples, mas nem por isso de menor qualidade, voltados a 68 |
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temas específicos que pudessem ser desenvolvidos localmente. Da forma como os programas estão atualmente estruturados, a formação continuada está voltada para a complementação de falhas na formação inicial, não havendo um esforço consistente para melhorá-la.
A discussão da qualidade educacional na mídia eletrônica escrita Como uma das premissas do ability é que, mediante a exposição pública dos resultados dos testes de desempenho, haja uma mobilização da sociedade em busca da melhoria da escola, uma das dúvidas era como a mídia eletrônica estava tratando os resultados dos testes de desempenho aplicados aos alunos. Para isso, entre 10 de janeiro de 2009 e 11 de outubro de 2012, foram sendo colecionadas matérias disponibilizadas na internet, como artigos de jornais, revistas, sites e blogs. Isso foi feito com a utilização da ferramenta “Alerta”, do Google, em uma pesquisa com as seguintes expressões-chave: avaliação educacional, avaliação da educação, educational evaluation, evaluación educativa, evaluación de la educación, Prova Brasil, Provinha Brasil, sistema nacional de avaliação da educação básica, Saeb. Além disso, foi utilizado também o clipping de notícias do Movimento Todos pela Educação e o do Inep. No total foram analisados 2.100 links, dando origem ao Quadro II, no qual estão classificados os textos coletados em quatro categorias: avaliações, julgamento do resultado obtido, responsável pelo resultado obtido, preparação para o teste e relação entre os resultados e a pobreza.
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Quadro II – Tabulação das matérias coletadas no período entre 10 de janeiro de 2009 e 11 de outubro de 2012, utilizando a ferramenta “Alertas do Google”, classificadas em temas gerais e específicos e a frequência com que foram tratados.
Fonte: HORTA NETO, 2013
Note-se que, como um mesmo texto poderia tratar de diferentes temas, a frequência total foi de 2.387, superior aos 2.100 links analisados. Por questão de espaço, apenas parte do Quadro II será tratado, existindo uma discussão mais detalhada em HORTA NETO (2013) A primeira observação, é que dos 2.100 links nenhum deles apresentava 70 |
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críticas à avaliação externa no Brasil. No máximo, o que se encontrou foram sugestões de aprimoramento ao sistema adotado, ando uma imagem de que existiria uma unanimidade com relação a ela. O tema mais citado tratou das avaliações em geral, recebendo 1.553 registros e, dentro deles, os mais tratados referiram-se ao Ideb, ao Saeb ou à Prova Brasil, recebendo 635 referências. A maior parte desses registros trata do Ideb, informando o resultado alcançado, comparando-o com os anteriores e tecendo comentários sobre os desempenhos em Língua Portuguesa e Matemática. Quanto ao Saeb e à Prova Brasil, a maior parte dos textos trata da preparação para a aplicação dos testes e de suas realizações. No geral, a principal característica dos textos desse tema é ser de natureza informativa. Sobre a Provinha Brasil, que recebeu 174 citações, apesar de ser um teste, à época da pesquisa, que permitia a cada escola aplicá-lo e corrigi-lo e a partir daí discutir internamente as melhores estratégias para superar os problemas encontrados, as matérias produzidas pelas diversas mídias mostram que, gradativamente, as Secretarias de Educação assumem o controle da aplicação, da apuração e da divulgação dos resultados, utilizando para isso julgamentos de valor e o ranqueamento de escolas, tendo por base os níveis definidos pelo Inep para classificar os desempenhos dos alunos. No caso das avaliações próprias, além dos testes elaborados pelos Estados, as matérias apontaram o crescente número de municípios que utilizam essa estratégia a partir de 2011. Juntamente com os testes, os municípios desenvolvem também indicadores, tomando como base o Ideb. Além dos testes produzidos pelas Secretarias Municipais, empresas privadas também estão produzindo testes e vendendo esse produto para as prefeituras ou para as escolas privadas, todos com características semelhantes aos testes da Prova Brasil. Apesar das notícias tratarem de um número pequeno do total de 5.568 municípios brasileiros, o que se percebe é um crescente desenvolvimento e a aquisição de testes para medir o desempenho dos alunos. O tempo gasto nas escolas, para aplicar os testes do município, do governo estadual e do federal, e na preparação dos alunos, para aumentar seu desempenho nesses testes, principalmente na forma de simulados, vem aumentando significativamente, e deve estar tomando uma parcela importante do tempo que deveria ser dedicado à aprendizagem. Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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Com 345 referências, encontram-se as matérias que mostram quais seriam os responsáveis pelos resultados, fossem estes bons ou ruins. Atribuise, em sua maioria, aos professores e à equipe escolar a responsabilidade pelos bons resultados, associando a função docente, normalmente, a uma imagem messiânica, relacionada a um dom para educar, e à escola como o templo sagrado do saber, não como um local de disputas e conflitos. As matérias ressaltam a dedicação e o empenho dos professores e o espírito de equipe dos profissionais da escola em torno do objetivo de garantir a aprendizagem dos estudantes como responsáveis pelo sucesso da escola. Esses fatores superariam todo tipo de obstáculos, principalmente a falta de recursos, os baixos salários e as condições sociais adversas das famílias dos alunos. O tema preparação para os testes envolveu matérias que tratavam explicitamente de estratégias utilizadas pelas Secretarias ou pelas escolas, para melhorar o desempenho dos alunos na Prova Brasil, com isso aumentar o Ideb. O total de referencias coletadas, representaram redes de ensino que congregam, no ensino fundamental regular, 4.300 escolas de ensino fundamental onde estão matriculados quase 1,5 milhões de alunos, representando 6% do total de alunos matriculados nessa etapa de ensino e que estão localizadas nas regiões geográficas mais pobres do Brasil. Fica patente nos textos que a preocupação não é com o aprendizado das crianças e dos jovens e, sim, elevar o valor do Ideb para, dessa forma, demonstrar que o que vem sendo feito em matéria educacional pelos governos está dando resultado. Essa preocupação com o Ideb demonstra que, de certa forma, o governo federal está conseguindo mobilizar, pelo menos, a classe política, para melhorar os indicadores educacionais. No entanto, da forma como isso parece estar sendo feito, a melhora no indicador não estaria significando uma melhoria na aprendizagem, muito menos garantindo que ela esteja sendo significativa, no sentido de garantir a autonomia e o desenvolvimento dos alunos como seres sociais ativos na sociedade. Parece que a preocupação é adestrá-los para o teste. É preciso deixar claro que é possível, em algumas situações específicas, utilizar simulados como uma das possíveis estratégias que a professora tem a seu dispor, que, como o nome bem diz, simulam determinada situação, para trabalhar alguns aspectos de determinada disciplina. Mas essa estratégia, para ter algum sentido e fazer diferença em aprimorar determinados aspectos do 72 |
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que se quer desenvolver, tem de ter relação com a realidade de sala de aula: deve ser preparada pela professora, dentro de determinado contexto, e tendo por base os conhecimentos que ela tem sobre o conjunto de seus alunos. Caso contrário, o teste acaba tendo o mesmo caráter dos simulados utilizados para preparar os alunos do ensino médio para o Enem, em seu papel de vestibular nacional. Nesse caso, os alunos buscam individualmente estratégias para obter uma classificação mais alta que seus concorrentes, garantindo, assim, uma vaga no curso e na universidade escolhidos. ada essa situação, e tendo sucesso em seu intento, muito pouca coisa fica do que foi estudado, e o jovem, em muito pouco tempo, esquece grande parte daquilo que utilizou para se preparar para o exame. Nesse caso, não houve aprendizagem significativa, pois tudo o que foi estudado só fazia sentido para garantir a vaga. No caso de testes como a Prova Brasil, o que seria de se esperar não é a busca de uma melhor classificação, mas sim recolher informações que ajudassem a desenhar um quadro representativo da realidade educacional brasileira, para assim poder agir no sentido de melhorá-la. Da forma como parece que os simulados estão ocorrendo, o quadro pode até parecer bonito, mas não representa, fidedignamente, a realidade que se quer conhecer. Assim, como no caso das Secretarias de Educação, algumas escolas também desenvolvem, por iniciativa própria, simulados para preparar seus alunos para o teste nacional. No caso das escolas, as matérias são mais escassas e foram colhidas, na maior parte das vezes, de blogs mantidos por elas ou por alguma professora. Um dos casos descreve uma escola, em um pequeno município do Estado de Santa Catarina, onde os professores afirmam que realizaram simulados a cada 15 dias. Nesse caso, em especial, existe grande possibilidade de o ensino estar todo centrado na preparação para o teste. Mesmo que se considere que seja necessário relativizar as informações obtidas a partir de matérias publicadas na internet, já que poderiam não apresentar dados fidedignos, a quantidade de alunos envolvidos no processo e a quantidade de depoimentos em favor da preparação para o teste não podem esconder que essa realidade é mais presente do que se poderia imaginar. Esse fato, além de representar uma corrida atrás dos números, pode ser também uma tentativa de burlar o processo que se está querendo medir. Os efeitos das avaliações externas sobre as políticas educacionais do governo federal do Brasil
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Considerações finais Este trabalho analisou a centralidade que os testes avaliativos foram ganhando nas ações desenvolvidas pelo governo federal, no Brasil, em um contexto de mudanças quanto ao papel do Estado (regulação pós-burocrática). Desde os primeiros testes, geraram-se números. Esses números, isoladamente, não têm significado algum para a escola, pois seu objetivo é buscar alternativas para garantir a aprendizagem de seus alunos, a qual depende de outros fatores, que não apenas um número que reflete o resultado de um teste, limitado àquilo que pode ser medido para algumas, não para todas áreas do conhecimento do currículo escolar e dentro de um subconjunto de possibilidades para se elaborar um item, cada uma delas trazendo diferentes dificuldades. Assim, como parece pouco provável que a totalidade das escolas consigam se apropriar dos resultados, apesar dos mais de vinte anos de tentativas para melhor expressá-los no Brasil, provavelmente o problema esteja com o uso inadequado dos resultados dos testes avaliativos. Isso porque, inicialmente, esses instrumentos foram desenhados para avaliar políticas educacionais, evoluíram para avaliar sistemas educacionais e, sem que se alterassem seus instrumentos nem a forma como eram desenvolvidos, ou-se a querer que as escolas utilizassem seus resultados para orientar seu trabalho pedagógico. Talvez os testes avaliativos possam ser úteis para a comunidade escolar, caso haja ativa participação dela no desenvolvimento dos instrumentos e na análise dos resultados obtidos. Existe uma forte mensagem, que tem sido veiculada nos últimos anos, mostrando que aumentar o número de testes é o melhor e único caminho para aprimorar as aprendizagens. A prova disso é o aumento crescente do número de Estados que estão testando seus alunos, quase todos repetindo o mesmo formato dos testes usados pelo governo federal e desenvolvendo indicadores baseados no Ideb para estipular metas para suas escolas. Por que repetir os mesmos procedimentos sobre as mesmas escolas? A única justificativa é a de aumentar a pressão em busca de desempenhos maiores. Outrossim, todas essas ações fazem sentido dentro da perspectiva da regulação e do modelo do Estado Avaliador, em que se busca centralizar 74 |
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ações, ter o direto às escolas, fixar metas para cada uma e apontar aquelas que apresentam superação de seus resultados. Busca-se, em nível nacional, responsabilizar a escola e sua equipe, apesar de o governo federal ter poucos mecanismos para ajudá-las a superar seus problemas, pois não tem a responsabilidade constitucional direta de mantê-las, além de não contratar suas professoras e nem definir seus currículos. De fato, espera-se que a escola se mobilize por si só para superar suas dificuldades. Como o desempenho é o foco das ações dos governos, o próprio direito à educação, envolvendo a garantia de o e a permanência para todos, e de mesma qualidade também para todos, independentemente da origem socioeconômica e da localização da escola, acaba se apequenando.
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4 OS RUMOS DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL14 Rosylane Doris de Vasconcelos15
Introdução O tema da Educação integral no Brasil, envolvendo questões circundantes, é pautado com maior ênfase, nos últimos anos, em espaços acadêmicos e institucionais. Ao tempo em que as políticas públicas no Brasil retomam a proposta da ampliação da jornada escolar, em outra face de um mesmo movimento do real, as pesquisas na área, multiplicam-se, ensejando um cenário privilegiado para estudos, pesquisas e práticas na área, de extrema riqueza educacional e avanço para este campo de pesquisa. Tal perspectiva, contemporânea, após anos de ausência do tema no Brasil, apresenta-se em vários matizes e dimensões de abordagem. Porém, a centralidade do debate que as pauta, tem sido a extensão da jornada escolar e seus desdobramentos nas escolas que a adotam como sua organização de trabalho pedagógico. A proposta de Educação Integral que sofre críticas desde seus primórdios, tem na atualidade, um grande desafio, pois ao ser ampliada enquanto oferta, busca proporcionalmente seu avanço qualitativo, superando as consolidadas barreiras pedagógicas, políticas e infraestruturais que impedem seu aprimoramento na área da educação. 14 Texto produzido para o I Fórum e III Seminário Internacional em política e governança educacional: novas arenas da pesquisa em política e gestão e financiamento da educação. Realizado em 26 e 27 de setembro de 2013. 15 Doutora em Educação e Professora Adjunta da Universidade de Brasília. Atua como docente na Licenciatura em Ciências Naturais, no Campus Planaltina. Os rumos das políticas de educação integral no Brasil
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O cenário das políticas públicas de educação integral e a compreensão da educação onilateral, como horizonte formativo de um ser humano integral, apresentam-se como possibilidades dissonantes no Brasil? Esta foi uma das questões discutidas por este trabalho de tese de doutorado, que ora se apresenta.
Apresentando o trabalho A tese “As políticas Públicas de Educação Integral, a Escola Unitária e a Formação Onilateral” foi defendida em 2012 no âmbito do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade de Brasília. O trabalho apresentou uma proposta de reflexão crítica sobre o tema da escola de tempo integral no Brasil e buscou oferecer uma análise circunstanciada do Programa interministerial Mais Educação, considerando sua identidade, origem histórica e execução no País, mais especificamente no Distrito Federal. A pesquisa foi desenvolvida, no período de 2008 a 2011, no Distrito Federal, com base em subsídios coletados por pesquisa de campo, tendo como sujeitos centrais os gestores responsáveis pelo Programa em nível federal e local, cujo diálogo transversal com o referencial teórico foi enriquecido pelo exercício profissional realizado na Assessoria Especial do Gabinete da Secretaria de Educação do Distrito Federal em 2011, o que oportunizou a outra face do trabalho de campo, por meio de visitas a escolas, de conversas com professores e gestores, e da participação no trabalho de construção coletiva do Programa Formação Integral em Jornada Total para o Distrito Federal. O trabalho objetivou revelar o decurso de construção e composição do Programa Mais Educação, considerando suas contradições e mediações em processo e compreendendo-o como produto da práxis político-pedagógica, no contexto das políticas públicas de educação, consideradas em sua especificidade local. A questão central, que configurou a pesquisa, discute a “integralidade” da educação integral em consonância com a perspectiva da “escola unitária”, referenciada nas premissas de Antonio Gramsci para, a partir delas, analisar as aproximações e distanciamentos da proposta de escola de tempo integral, consubstanciada no Programa Mais Educação e em sua estratégia indutora de 80 |
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ampliação da jornada escolar no Brasil. O horizonte de pesquisa foi dado pela dialética materialista como método, em uma perspectiva qualitativa, pautada fundamentalmente pela categoria reflexiva da totalidade como instrumento de desvelamento do real em movimento, processo este que se discute a seguir.
O circunstanciamento do percurso de definição do problema de pesquisa A educação brasileira foi cunhada pela escola de turnos, com tempo diário reduzido, intensificando seu formato no contexto do projeto desenvolvimentista brasileiro e acelerando o aprofundamento das diferenças sócioeconômicas entre esta Nação e os países inseridos no capitalismo central, mais precisamente, os da Europa e os Estados Unidos que, no mesmo período, apresentavam um movimento de ampliação da oferta escolar. A existência da escola de turnos legitimou a opção do Estado brasileiro pela expansão descompromissada com a qualidade, não apenas pela diminuição da carga horária escolar, como também por todos os outros encaminhamentos de política pública, frutos desta decisão. As ideias pedagógicas, os programas e projetos governamentais, que se ampliaram no Brasil, com o intuito de compensar esta fragmentação, elegeram como direção, o atendimento para situação de vulnerabilidade social. Incluir os excluídos, focar as ações educativas na população carente, buscar ressarcir dívidas históricas com populações alijadas de seus direitos, tem sido a grande proposição das políticas públicas modernas. A cisão da jornada escolar significou a fragmentação da política pública, materializada na organização do trabalho pedagógico escolar, em todos os sentidos. Um dos sinais da fragmentação dos processos educativos é o fato do País ainda conviver com o “turno da fome”, como também é conhecido no Brasil, o período escolar que funciona das 11h da manhã às 3h da tarde. Além de ter uma hora a menos que o turno padrão, o “turno da fome” é totalmente improdutivo para crianças e professores, em todos os sentidos. Sua instalação no Brasil foi fruto deste mesmo rearranjo da jornada escolar, para atender a grande demanda por escola, quando nem a quebra da Os rumos das políticas de educação integral no Brasil
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jornada em dois turnos foi suficiente. O argumento que sustentou a manutenção deste terceiro turno, a falta de condições de oferta, de professores, de espaço físico, enfim, a opção pela expansão sem qualidade, hoje já não se sustentaria, mesmo sabendo-se das dificuldades de governos estaduais e prefeituras em dispor de espaços escolares adequados para atendimento. A luta pelo direito à escola de qualidade tomou configurações variadas ao longo da história no Brasil, porém, antes do recente Programa Mais Educação, a última tentativa nacional de retomada, pela via dos CAIC’s, já ultraa seus vinte anos, sofrendo a descaracterização da proposta do início do século, fundamentalmente defendida por Anísio Teixeira Os grandes programas nacionais, pautados na defesa e recuperação da educação integral, apresentam seus elementos constitutivos com a intenção de superar a baixa qualidade educacional e a exclusão social, porém a objetivação da escola revela incoerência. A mesma escola, a partir da qual se semeia a contestação que leva à possível ruptura para a transformação, reproduz as relações de classe, reflexo das contradições sociais em um movimento dialético de busca de superação da contradição entre alienação e emancipação.
O processo de construção da pesquisa e a opção pela dialética materialista como orientação teórico-metodológica. A opção pelo método de pesquisa na perspectiva dialética iniciou-se antes mesmo do curso de doutorado. Compreendendo-se que tal concepção supera o entendimento pelo qual venha a ser apenas um método de pesquisa, e sim a relação com a reflexão dialética como práxis pedagógica e profissional. Tal compreensão acompanha esta pesquisadora desde o início da vida acadêmica, cuja gênese confunde-se com o início da vida acadêmica e militância em educação. Desse modo, buscar compreender a realidade, em sua totalidade, é um exercício desafiador constante em um mundo essencialmente compartimentalizado e produtor de individualismos e insolidariedade. Para Freire (2003, p. 117), “o ser humano é uma totalidade que se recusa ser dicotomizada, é como uma inteireza que operamos o mundo enquanto 82 |
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cientistas ou artistas, enquanto presenças imaginativas, críticas ou ingênuas”. Na totalidade torna-se possível perceber as contradições do real. Fazer das categorias deste método, instrumentos dialógicos entre teoria e práxis, permitiu o fortalecimento do percurso de pesquisa, em idas e vindas, que quando avistadas da realidade, permitiam a compreensão dos esforços teóricos na área e quando miradas do ponto de vista do arcabouço que sustentava a caminhada, davam sentido às aproximações sucessivas que resultaram no trabalho de tese. Muitas foram as contribuições que permitiram aproximações ao objeto de tese. O tema da Educação Integral já fazia parte da área de estudos desta pesquisadora, desde sua graduação, em experiência de monitoria acadêmica, em experiências profissionais, consultorias em Universidade pública, acompanhamento de Programas como o PRONAICA e depois o Mais Educação em seu escopo nacional e distrital, incluindo as experiências profissionais no Ministério da Educação e Secretaria de Educação do Distrito Federal. Dos anos 1990 até o início do doutorado, uma parte do percurso de investigação na área, que foi percorrido, oportunizou um reencontro com o tema, a partir de 2008 no trabalho de construção da tese. Tal reencontro possibilitou o diálogo entre os conhecimentos anteriormente acumulados e os desafios que ora se colocariam no período de quatro anos de pesquisa. Além disso, a fecunda fase de vivências, na pós-graduação em educação da Universidade de Brasília, por si só, pela intensidade na disciplina de estudos, oportunizou riquíssimos momentos de aprofundamento, reflexão e práxis. As disciplinas, os eventos e encontros acadêmicos e institucionais provocaram a percepção de questões secundárias de pesquisas, que foram enriquecedoras para a busca do desvelamento do objeto. Os eventos institucionais na área de educação também poderiam entrar nesta categoria de experiências, subsidiando a pesquisa, uma vez que o fato de conhecer e acompanhar o desenvolvimento dos programas na área de Educação Integral, em desenvolvimento, oportunizou o confronto entre os saberes acadêmicos e as propostas de ampliação de jornada escolar e Educação integral, no atual cenário das políticas públicas brasileiras. Os rumos das políticas de educação integral no Brasil
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Não há trabalho de pesquisa que se faça sozinho. Ele é fruto de múltiplas determinações. Dele muitas pessoas participam de um modo ou de outro. Esta pesquisa contou com a contribuição de professores da rede pública do Distrito Federal, com gestores e profissionais da educação de várias escolas, de dirigentes distritais e nacionais, que atuam na execução de políticas públicas, de outros pesquisadores colegas que em outras Universidades, mesmo distantes, fisicamente, colaboraram sobremaneira com as reflexões e aproximações aos resultados de pesquisa. O trabalho dialogou com vários autores, que por meio de seus livros, artigos e escritos diversos protagonizaram as necessárias provocações acadêmicas para que a pesquisa avançasse em seu propósito. Mas como lume deste processo existe uma figura estratégica, que impulsiona e direciona o percurso feito pelo pesquisador. Trata-se do orientador. O docente pesquisador que assume a tarefa de orientar na pósgraduação tem um grande desafio pela frente. Seu papel é imprescindível e sua contribuição é fundamental para o sucesso do trabalho. Neste caso, esta pesquisadora teve o privilégio de contar com a competente e compromissada orientação de dois grandes pesquisadores brasileiros em educação: Regina Vinhaes Gracindo e Célio da Cunha. Ambos e cada um a seu modo, dialogicamente e respeitosamente, oportunizaram uma experiência autônoma de pesquisa, ao tempo que rigorosamente acompanharam o encaminhamento metodológico e o desenvolvimento do trabalho para que na medida certa, a experiência do doutoramento fosse além de, academicamente, formativa, também privilegiasse um aprendizado pessoal, de crescimento e de caráter único, em relação ao seu aspecto humanístico. Nesse sentido, é possível afirmar que o momento de doutorado só é único para o pesquisador quando essa experiência acadêmica aproxima-o mais um pouco de sua possível onilateralidade e dialeticamente. A pesquisa realizada, por sua vez, possa, também, contribuir de algum modo com a melhoria da qualidade da educação e a construção de um mundo mais humano e justo.
Aspectos teórico-metodológicos da pesquisa: a estratégia de leitura do real
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Considerar e discutir as premissas ontológicas de pesquisa e suas conexões com seu aspecto de encaminhamento metodológico diferencia as pesquisas entre si e revela convicções e opções de pesquisadores e seu relacionamento com o objeto – dinâmico e produto social. Um produto que [...] se expande ou muda continuadamente, da mesma maneira que se transforma a realidade concreta e como ato humano não está separado da prática; o objetivo último da pesquisa é a transformação da realidade social e o melhoramento da vida dos sujeitos imersos nessa realidade (SÁNCHEZ GAMBOA, 2007, p.29).
E é esta realidade que a ciência procura revelar e compreender por meio de seus instrumentos e estratégias de interpretação do real. Os graus de conhecimento da realidade humana, que possibilitam seu exame crítico, são determinados pela práxis humana. Ou seja, o ser humano é um ser que age como um [...] indivíduo histórico que exerce a sua atividade prática no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais. Portanto, a realidade não se apresenta aos homens à primeira vista, sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente, cujo polo oposto e complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe fora do mundo e apartado do mundo; apresenta-se como o campo em que exercita a sua atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática da realidade [...]. A práxis utilitária imediata e o senso comum a ela correspondente colocam o Homem em condições de orientar-se pelo mundo, de familiarizar-se com as coisas e manejá-las, mas não proporcionam a compreensão das coisas e da realidade (KOSIK, 2002, p. 13-14).
O objetivo de revelar uma política pública, compreendendo suas contradições dentro do movimento do real e localizando-a como produto da práxis político-pedagógica no contexto brasileiro, fez com que a dialética Os rumos das políticas de educação integral no Brasil
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materialista, que é a filosofia da práxis, estabelecesse a base do quadro de referência teórico-metodológica de pesquisa, o que revelou o alinhave das categorias utilizadas. O quadro de referência, deste modo estabelecido, propiciou o diálogo permanente entre o encaminhamento metodológico e as categorias de reflexão, fazendo-as emergirem do real ao longo da pesquisa, em um movimento entrelaçado, que permite a análise crítica pela qual, novas aproximações se constituem, gerando práxis em forma de um “cordão” que permeia o trabalho. Nesse sentido, categorias de método e conteúdo, mais que instrumentos de compreensão do real, são elementos orientadores orgânicos deste quadro de referência, que é a filosofia da práxis. Por categoria, a presente pesquisa compreende os instrumentos dinâmicos de leitura do real, pertencente à totalidade, em seu movimento sincrônico e diacrônico ao processo histórico real. As categorias são objetivas, reais (pertencem à ordem do ser – são categorias ontológicas); mediante procedimentos intelectivos (basicamente a abstração), o pesquisador as reproduz teoricamente (e, assim, também pertencem à ordem do pensamento – são categorias reflexivas). Por isso mesmo, tanto real quanto teoricamente, as categorias são históricas e transitórias (PAULO NETTO, 2011, p. 46).
As categorias se constroem ao longo da história. Seu papel analítico em um objeto de estudo não pode ser mecanicamente transposto, sob o risco de inferir em sua “plena validez”. O movimento das categorias aparece como o ato verdadeiro de produção [...] cujo resultado é o mundo e isso é exato porque [...] a totalidade concreta, como totalidade de pensamento, como uma concreção de pensamento, é, na realidade, um produto do pensar, do conceber; não é de nenhum modo o produto do conceito que se engendra a si mesmo e que concebe separadamente e acima da intuição e da representação, mas a elaboração da intuição e da representação em conceitos. (MARX, 2008, p. 259).
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Para Kuenzer (1998), as categorias metodológicas de pesquisa dialética e as de análise conteudística dialogam permanentemente a fim de revelar as aparências que envolvem o real, possibilitando sua compreensão. As primeiras, compreendidas como histórico-filosóficas, são orientadoras deste percurso de compreensão e diálogo com a realidade, que precisa ser a pesquisa em educação. O encaminhamento metodológico objetiva-se pelo diálogo entre a expressão das leis universais, que seriam as categorias metodológicas, e a sua aplicação ao estudo do objeto, mais particularmente as categorias de conteúdo, fazendo uma mediação entre o universal e o particular. As segundas, de conteúdo, emergem da configuração e do percurso de pesquisa, são únicas em cada trabalho, buscando problematizar o objeto localizado em suas circunstâncias históricas, com a intenção de responder às perguntas de pesquisa propostas no início do percurso e que, como parte do próprio trabalho reflexivo de tese, em articulação e orientadas pelas primeiras. O caminho dialético de ida e volta, percorrido pela pesquisa, considerando a observação crítica do empírico, o retorno às categorias metodológicas de reflexão originadas no método e as categorias analíticas de conteúdo, e o diálogo constante da realidade apreendida com os elementos filosóficos, à luz da base teórica, fizeram com que o método de pesquisa adotado neste estudo apontasse para a organização de um método de exposição de resultados. (MARX, 2010a, p.28).
A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e perquerir a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descrever, adequadamente, o movimento do real.
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A pesquisa de campo e o trabalho de investigação participante O caminho de investigação percorrido incluiu especialmente os estudos organizados e propostos pelas atividades acadêmicas do doutoramento, mas não se deteve a este universo. Duas importantes experiências profissionais dialogaram com o percurso de pesquisa, trazendo relevantes resultados para uma melhor compreensão do objeto. Por ocasião de ambas, a visão de pesquisa já estava subsidiada fazendo com que o aprendizado e a aproximação, por diferentes ângulos do Programa Mais Educação, já pudessem servir como subsídios orgânicos do estudo. A primeira experiência importante no transcurso da investigação foi aquela vivida no Ministério da Educação, com duração aproximada de seis anos (2004-2009), parcialmente paralela ao doutorado, e tornou possível o acompanhamento dos primórdios do Programa até o seu segundo ano de desenvolvimento, como também possibilitou testemunhar sua gênese, formulação e expansão. Os dois últimos anos coincidiram com o período do doutorado, e isso fez com que, pela atuação profissional, percebesse ainda mais intencionalmente o Programa em questão. A participação em processos de avaliação, monitoramento e planejamento do Mais Educação, assim como o acompanhamento de reuniões técnicas dos fóruns, com os Estados, compõem a totalidade de uma experiência marcante para este percurso acadêmico. Verificar em tempo real o panorama nacional da política pública em execução foi uma situação que contribuiu para revelar a origem, os limites, possibilidades de sua execução e sua capilaridade, inclusive em Brasília. A segunda experiência de destaque, neste período de estudos, aconteceu em pleno período de trabalho de campo, após exame de qualificação, e incorporou-se efetivamente a esta pesquisa. Tratou-se da experiência no Gabinete da Secretaria de Educação do Distrito Federal. O convite para a atividade de assessoria de gabinete, com especial atenção para o Projeto da Educação Integral na Secretaria, foi uma oportunidade de participar ativamente e de observar intencionalmente a aparência, a estrutura e a dinâmica do Programa Mais Educação em sua capilaridade local, em seu desdobramento 88 |
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em Brasília; desta vez, na ótica local, experimentando, inclusive, as relações institucionais entre o Poder Executivo Distrital e o Federal do ponto de vista da gestão local. O cotidiano de acompanhamento das ações e de participação ativa possibilitou o processo de aproximações sucessivas ao objeto. Do ponto de vista da pesquisa, a experiência na Secretaria transformou-se em observação participante. A pesquisa contou também com análise bibliográfica sobre o tema, cercando-se de elementos teóricos que sustentaram a tese, e de pesquisa documental, complementando o diálogo entre todos os elementos teóricopráticos da investigação.
Os procedimentos, os instrumentos e as referências de análise O caminho de volta da singularidade para a totalidade (MARX, 1977) fez parte de um exercício reflexivo que preparou a abordagem no campo, dando sentido ao contexto atual pela compreensão histórica do Programa e sua constituição no quadro da educação brasileira. O diálogo teórico prático de pesquisa objetivou subsidiar a apresentação do contexto da resposta em um conjunto formado pelos depoimentos dos gestores, índices, indicadores, relatos de experiências e diálogos, obtidos na imersão empírica. Pela análise documental foi possível a apropriação dos aspectos técnicopedagógicos, institucionais, operacionais e legais do Programa Mais Educação, além da apreciação sobre os documentos oficiais de orientação técnicopedagógica, relatórios, publicações do Programa, notas técnicas, entre outros. O conjunto de entrevistas teve relevância na metodologia. Considerada em uma perspectiva reflexiva, constituiu-se em uma técnica de operacionalização da abordagem que proporcionou o dialógico com os entrevistados e, estrategicamente, contribuiu para transpor a aparência do real. A prática de entrevista reflexiva pode estabelecer uma maior interatividade de pesquisa, provocando a “descoberta da capacidade do sujeito participar na própria investigação de que é objeto, constituindo-se como investigador do seu próprio real.” (ESTRELA, 2001, p. 224). Pelas entrevistas, foram identificados, basicamente, dois níveis de participação. O primeiro expressa a estrutura verticalizada do Programa: são os Os rumos das políticas de educação integral no Brasil
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gestores e técnicos que atuam ou atuaram no Mais Educação desde sua pauta na agenda pública brasileira até a sua execução, ando pelas instâncias de controle social, avaliação e monitoramento da política. Os entrevistados foram os técnicos, os gestores e dirigentes do Ministério da Educação, do Programa em nível federal. Na segunda perspectiva participativa, esteve o nível local de gestão do Programa em Brasília, representado pelos dirigentes e técnicos da SEDF, compreendendo a gestão do Programa em sua intermediação entre MEC e as escolas que o recebem e executam. No caso do Distrito Federal, 253 até 2011. As entrevistas foram conduzidas com base em roteiros construídos de modo a contemplar uma série de elementos elencados como pauta de diálogo com cada um dos grupos de entrevistados, considerando a natureza de seu papel no processo e, ainda, a abordagem de questões relevantes à pesquisa. Tal exercício possibilitou a captura de categorias emergentes do real, o ensaio de sínteses provisórias. A interpretação, segundo uma abordagem materialista, possibilita analisar o conjunto dos discursos em sua totalidade. Considerando que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo, ou de um sentido ideológico ou vivencial” (VOLOCHINOV, 2004, p. 95), há que se observar este seu sentido político e ideológico, mais do que propriamente o seu conteúdo, levando em conta que o entrevistado fala de uma determinada posição discursiva que é legitimada socialmente e a produção deste sentido se dá historicamente, objetivada pela ideologia. “A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material [...], é a linguagem da vida real” (MARX; ENGELS, 1980, p. 25). Este entendimento tem como suposto que a ideologia se localiza no signo. “Tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia [...] Um signo é um fenômeno do mundo exterior. O próprio signo e todos os seus efeitos [...] aparecem na experiência exterior” (VOLOCHINOV, 2004, p. 31-33). Os signos são a “materialização da consciência” e são criados no processo de interação social. Na “filosofia marxista da linguagem, o signo é visto como um fragmento material da realidade” (RESENDE; RAMALHO, 2011, p. 16). 90 |
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Para Marx e Engels (1980, p. 36): A linguagem é tão velha como a consciência — a linguagem é a consciência real prática que existe também para outros homens e que, portanto, só assim existe também para mim, e a linguagem só nasce, como a consciência, da necessidade, da carência física do intercâmbio com outros homens. Onde existe uma relação, ela existe para mim, o animal com nada se “relaciona”, nem sequer se “relaciona”. Para o animal, a sua relação com outros não existe como relação. A consciência é, pois, logo desde o começo, um produto social, e continuará a sê-lo enquanto existirem homens.
A resposta teórico-metodológica a esta reflexão filosófica foi dada pela análise crítica do discurso, na perspectiva da filosofia da práxis, compreendendo “a enunciação como realidade da linguagem e como estrutura sócio ideológica, de sorte que prioriza não só a atividade da linguagem, como também sua relação indissolúvel com seus usuários.” (RESENDE; RAMALHO, 2011, p. 15). Seguindo pela análise crítica do discurso, que compreende um “evento discursivo” como “texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 22), adotando-a como horizonte interpretativo, interpôs-se para a pesquisa e pressupôs uma conexão entre os resultados da análise dos conteúdos de respostas de pesquisa e a “análise crítica em diálogo com a base teórica” apontada como fonte. Tal conexão, estabelecendo uma relação lógica entre afirmação, negação e negação da negação, dará à pesquisa o movimento necessário e o instrumental de compreensão crítica da realidade, ou na afirmação de Gamboa, o que se chamaria de processo do conhecimento que: [...] parte do real objetivo percebido através de categorias abstratas para chegar à construção do concreto no pensamento. A própria ciência é uma construção histórica, e a investigação científica é um processo contínuo incluído no movimento das formações sociais, uma forma desenvolvida da relação ativa entre o ser humano e a natureza, na qual o ser humano como sujeito constrói a teoria e a prática, o pensar e o atuar. (SANCHEZ GAMBOA, 2007, p. 89). Os rumos das políticas de educação integral no Brasil
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O encaminhamento metodológico que procurou um diálogo entre a realidade histórica, a finalidade do estudo e o processo de mediação entre realidade e análise dos vários elementos componentes do objeto, contemplando, assim, os objetivos da investigação, envolveu ainda o exercício de análise dos resultados da pesquisa. O exercício de elaboração teórica seguinte àquele de saturar de determinações o objeto foi o que deu o movimento de pesquisa; a luta entre aparência e realidade, constituindo a problematização; o embate entre problematização e descoberta; o enfrentamento entre conclusões provisórias de pesquisa e reflexões teóricas iniciais, o confronto construtivo, enfim, entre o concreto e abstrato, na busca da essência, movendo-se pela práxis de pesquisa. O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e portanto igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação. (MARX, 1977, p. 218-219).
E foi esse o exercício de pesquisa: extrair da totalidade, considerando-a, um elemento em particular para analisá-lo, para chegar ao conhecimento do concreto. Assim a organização do conjunto de evidências do campo empírico, que entrou em conversação com o campo teórico, só foi possível a partir de um planejamento de pesquisa, que sofreu alterações desde seu início, pela força da realidade. Ele partiu da proposta de um estudo de caso, o encaminhamento metodológico que melhor responderia aos objetivos da investigação e consolidaria o processo de pesquisa em seu conjunto. Vista de forma panorâmica, a opção da pesquisa pelo estudo de 16 caso tornou-se relevante na medida em que contribuiu para descobrir as 16 Partindo de Yin (2010, p. 70), o presente estudo de caso constitui-se como ‘integrado’ uma vez que reúne unidades múltiplas de análise, considerando um contexto único. O Programa Mais Educação é uma unidade que precisa ser analisada de forma contextualizada dentro das políticas educacionais brasileiras na perspectiva social e econômica e possui múltiplas determinações dadas a partir de sua gênese, seu desenho de programa e sua dinâmica de funcionamento intersetorial, desdobrada na capilaridade local nas escolas brasileiras, no caso específico, as localizadas no Distrito Federal, que por sua vez, são organizadas e orientadas pela política local de Educação Integral, da qual o Programa Mais Educação em sua execução na Capital Federal é parte integrante.
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circunstâncias presentes do fenômeno social eleito como objeto de investigação que o adota como estratégia. Nesta perspectiva, segundo Yin (2010, p. 40), a investigação do estudo de caso: [...] enfrenta a situação tecnicamente diferenciada em que existirão muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados e como resultado conta com múltiplas fontes de evidência, com os dados precisando convergir de maneira triangular, e como outro resultado beneficia-se do desenvolvimento anterior das proposições teóricas para orientar a coleta e a análise de dados.
Enfim, a operacionalização metodológica foi dada pela natureza do objeto e é orientada filosoficamente pelo método, neste caso, o dialético, e este por sua vez, pela concepção de ciência, pela ontologia e pela concepção de mundo do investigador. Em suma, todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um ‘filósofo’, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção de mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar (GRAMSCI, 2000, p. 52-53).
Compreendendo-se que a ciência não é neutra, esta pesquisa foi movida pelo compromisso com a busca de contribuir para o avanço do conhecimento e para que estas reflexões possam de alguma maneira suscitar debates e processos formativos junto aos gestores, profissionais da educação e estudiosos do tema da Educação Integral.
Os resultados e desdobramentos Os resultados da pesquisa, evidenciados pelo caminho dialógico entre as categorias analíticas, as categorias reflexivas e o movimento do real, subsidiaram uma análise que foi consolidada pela revelação dos avanços e recuos do Programa, como política pública no contexto brasileiro, em sua localização Os rumos das políticas de educação integral no Brasil
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capitalista periférica. O Programa Mais Educação foi compreendido como estratégia indutora, procurando cumprir o objetivo de construir a Educação Integral, por meio do fortalecimento da escola de tempo integral, em meio a um movimento social crescente que segue na direção da superação da escola de turnos. A capilaridade do Programa no Distrito Federal foi compreendida de forma circunstanciada, a partir do diálogo que recupera o percurso da experiência de escola com ampliação de jornada, desde a mudança da Capital Federal, no cerne do projeto de nacional-desenvolvimento brasileiro. A educação integral, como categoria base, foi compreendida e trabalhada como uma mediação possível entre a escola alienadora e a emancipatória. Seu consubstanciamento como política pública foi traçado no Brasil por meio de recuos e alguns avanços históricos, que não foram suficientes para criar hegemonia no pensamento educacional brasileiro. Discutiu-se que a qualidade da escola, marcada pela perspectiva emancipatória, é que pode traçar a diferença entre educação de tempo integral e educação integral. Esta se une no caminho da superação dos antagonismos existentes na escola, é construída historicamente pelos vários matizes e compreensões do que seja a formação completa do homem, dados pela escola unitária e produzidos pelos e para os homens e mulheres, coletivamente. O tema da escola integral contempla várias abordagens que se configuram em formas de compreensão e experiências de escola de dia inteiro no Brasil. Cada uma dessas experiências reflete, em seu interior, concepções mais amplas sobre o mundo, o papel da educação na sociedade e a organização da escola. Discutí-las, amplamente e criticamente, é o compromisso que precisa ser assumido como parte dos processos formativos iniciais e continuados em educação, constantemente revitalizados pelas pesquisas realizadas nas universidades brasileiras. Os desdobramentos da pesquisa materializaram-se na continuidade do trabalho. A investigação continua viva e em movimento. Hoje, seus resultados subsidiam as aulas na graduação da Universidade de Brasília, onde atualmente sou professora, ingressante após o término do doutorado em educação. 94 |
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O número de alunos da graduação e pós-graduação interessados no tema é crescente nos últimos anos. São estudantes, profissionais de educação em formação continuada, que buscam compreender criticamente e avaliar muitas vezes os próprios programas os quais estão inseridos; e pesquisadores das universidades brasileiras, que em rede ou não, tem feito avançar o conhecimento na área. Este novo tempo para o debate na área prenuncia considerável salto de qualidade de reflexão, aperfeiçoando antigos e atuais pontos de pauta como a contradição quantidade x qualidade, duração da jornada escolar x qualidade de oferta, a formação humana integral, o projeto político-pedagógico e organização do trabalho escolar na Educação Integral, entre outros. É visível a curiosidade epistemológica em torno do tema em estudantes que estão nas salas de aula da licenciatura, desenvolvendo e apresentando seus trabalhos finais de curso ou então se preparando para ingressar na pósgraduação. A atuação docente em três cursos de licenciatura na UnB oportuniza atualmente, assim como a participação em outros espaços acadêmicos e de pesquisa, que o debate em torno do tema continue pleno, profícuo e aprofundese cada vez mais. São oportunidades de discussão que ficam registradas e podem ser multiplicadas em artigos, eventos acadêmicos e projetos de pesquisa, dando real sentido ao movimento intenso que a Universidade brasileira deve provocar na sociedade, buscando a unidade entre ensino, pesquisa e extensão no sentido da construção de uma sociedade mais justa.
Referências ESTRELA, Maria Teresa. O lugar do sujeito na investigação qualitativa: algumas notas críticas. In LINHARES, Célia; FAZENDA, Ivani; TRINDADE, Vitor. Os lugares dos sujeitos na pesquisa educacional. Campo Grande: UFMS, 2001. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: UnB, 2001. FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 2003.
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GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular, 2008. MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1977. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I [1867]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010a. MARX, Karl; FRIEDRICH, Engels. A ideologia alemã. Brasil: Martins Fontes; Lisboa: Presença, 1980. PAULO NETTO, José. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011. RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane. Análise do discurso crítica. São Paulo, Contexto, 2011. SANCHEZ GAMBOA, Silvio. Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 2007 VASCONCELOS, Rosylane Doris de. As políticas públicas de educação integral, a Escola Unitária e a Formação Onilateral. (Tese de Doutorado). Brasília: UnB, 2012. VOLOSHINOV, Valentin. Nikolaevich. Marxismo e filosofia da linguagem. [1929] São Paulo: Hucitec, 2004. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2010. 96 |
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5 OS GRUPOS DE PRESSÃO DA EDUCAÇÃO E A LEI DE GESTÃO DEMOCRÁTICA Nelson Adriano Ferreira de Vasconcelos17
O presente artigo tem como propósito apresentar alguns elementos teórico-metodológicos da pesquisa, integrante do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB), na Linha de Pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação, intitulada “Os grupos de pressão e a Lei de Gestão democrática”. A dissertação de mestrado tomou por objeto a participação de grupos de pressão na formulação da Lei de Gestão Democrática da Educação no Distrito Federal, propondo analisar a participação de grupos de pressão e suas relações na tramitação do Projeto de Lei de Gestão Democrática do Sistema de Ensino Público do DF (PL 588/2011), e suas possíveis determinações na redação final da Lei, compreendida como política pública de gestão da educação básica no DF. Caminhou-se pela senda marxista, tendo a dialética materialista como método, e a análise crítica do discurso como procedimento de análise dos debates entre parlamentares, sindicatos e associações de professores, diretores, estudantes e pais em três audiências públicas realizadas pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, em 201, que tiveram como temática a gestão democrática do Sistema Público de Ensino do Distrito Federal. 17 Mestre em Educação pela Universidade de Brasília.
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O início da inquietação temática Desde 2006, como servidor da Câmara Legislativa do Distrito Federal, tive oportunidade de trabalhar na organização de audiências públicas, momentos de conflito e entendimento entre representantes do Estado e de grupos de pressão. Em meio à convivência com formuladores de políticas e lobistas em audiências públicas e sessões legislativas, houve a oportunidade de observar a relação entre parlamentares e es públicos, empresas, sindicatos, e outros grupos de interesse e de pressão. Em meio a estas circunstâncias, houve a aprovação da Lei de gestão democrática da Rede Pública de Ensino, matéria sempre polêmica e de difícil conciliação na curta, porém intensa, história da nova Capital. O processo de construção da dissertação, orientada por seu objetivo geral, amparada pela dialética materialista, seguiu um rigoroso percurso metodológico, no qual minha orientadora, a professora Dra. Maria Abádia da Silva, da Universidade de Brasília, desempenhou um papel fundamental. Nosso grupo de pesquisa atuou intensamente. Foram momentos promovidos pela orientadora e diversos outros tantos, de reflexão e de eventos promovidos pela linha de pesquisa e pelo PPGE, como o Fórum de Políticas Públicas, os lançamento de livros, seminários, defesas, qualificações, monitoria e ricas oportunidades para compartilhar reflexões e experiências educacionais, junto aos colegas de mestrado, que certamente foram imprescindíveis para a construção do texto final. O momento de ingresso em um programa de pós-graduação traduz-se em esperança, desafio, empenho, vontade e convicção. Este tempo traduz-se em esperança de principiar no mundo da pesquisa, de modo e ao mesmo tempo, como estudante, contribuir com a academia e a sociedade. Há a esperança de, se preparados, contribuirmos efetivamente com a transformação da sociedade. O percurso de pesquisa até o momento da defesa consolida essa possibilidade e oferece oportunidade para o prosseguimento de estudos e o diálogo entre os resultados da pesquisa e a realidade.
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A pesquisa e seu processo de construção: as circunstâncias da investigação e a definição do problema. No dia 7 de fevereiro de 2012, o médico baiano Agnelo dos Santos Queiroz Filho, Governador do Distrito Federal (DF), do Partido dos Trabalhadores (PT), promulgou a Lei nº 4.751, que instituiu a gestão democrática do Sistema de Ensino Público do Distrito Federal. A Lei teve origem no Projeto de Lei 588/201118 de autoria do Poder Executivo, enviado para apreciação do Poder Legislativo, no dia 5 de outubro de 2011, em consonância com a Constituição Federal de 1988, que elevou a gestão democrática a princípio do ensino nacional: “[...]Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei.” (BRASIL, 1988). Em 2011, na Câmara Legislativa do Distrito Federal19 (CLDF), foram apresentados outros dois projetos de lei sobre a matéria da gestão da educação (PL 34/2011 e PL 164/201120), ambos de autoria da professora baiana Rejane Pitanga, Deputada Distrital do PT. Durante o transcurso, o substitutivo do Projeto 588, que foi aprovado em 2011, recebeu 94 emendas, de Deputados situacionistas e oposicionistas, antes de ser sancionado e tornar-se Lei. Além das emendas, o tema do projeto foi discutido em audiências públicas com a participação de representantes de grupos de pressão dos vários segmentos interessados. Tanto as audiências públicas21 quanto os dois projetos de lei e a quantidade de emendas parlamentares, e mesmo a redação final da lei, expam uma série de conflitos de interesses que peraram a formulação desta política pública numa teia de relações e pressões que constituíram a lei de gestão democrática (Lei 4.751/2012). 18 Doravante, nesta exposição, chamado Projeto 588. 19 A Câmara Legislativa do Distrito Federal é o órgão que representa o Poder Legislativo do Distrito Federal, equivalente às Assembleias Legislativas dos Estados e às Câmaras Municipais dos Municípios, acumulando suas competências. Dela se tratará mais detidamente no capítulo 2. 20 Ambos os projetos foram arquivados, por vício de iniciativa, visto que a matéria só pode ser fruto de autoria do Poder Executivo. 21 Na primeira delas, em 28 de fevereiro de 2011, os participantes lotaram o Auditório da CLDF (com 491 lugares), como também os corredores, galerias, escadarias e várias pessoas ficaram em pé. Os grupos de pressão da educação e a lei de gestão democrática
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Ao tomar por objeto a participação dos grupos de pressão na configuração dessa política pública de gestão da educação básica, a investigação buscou empreender novas aproximações na compreensão das dinâmicas da sociedade e Estado capitalistas na área educacional. Desse modo, as primeiras aproximações ao fenômeno suscitaram o seguinte problema de investigação: como os grupos de pressão participaram, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, da formulação da Lei 4.751/2012, que dispõe sobre o Sistema de Ensino Público do Distrito Federal e sua gestão?
Do método de pesquisa Esta investigação filiou-se à tradição marxista22. Nesse sentido compreendeu-se a história como processo diacrônico e sincrônico do movimento real e material da humanidade, consideradas as suas contradições e mediações numa perspectiva dialética, que entende indissociáveis a singularidade e a universalidade da essência ontológica humana, compondo um todo articulado, um complexo de complexos, a unidade do diverso. A categoria metodológica23 da totalidade, em Marx, permitiu um exercício reflexivo que buscou compreender o real a partir de um movimento de múltiplas determinações e aproximações sucessivas em direção à apreensão crítica da realidade. “A totalidade concreta, como totalidade de pensamento, como uma concreção de pensamento, é na realidade, um produto do pensar, do conceber.” (MARX, 2008, p. 259). Nesta investigação, a apreensão crítica da realidade, aproximando compreensões em torno do objeto de pesquisa, foi mediada por supostos ontológicos e categorias reflexivas de análise. Desse modo, a dialética materialista é o exercício de reflexão crítica que se coloca como fonte de compreensão da realidade. É um método de investigação que, a partir de todos os pressupostos ontológicos, apropria-se críticocientificamente da realidade para explicá-la e explanar sua análise. (VASCONCELOS, 2012, p. 39). 22 Esta exposição compreende-se, entretanto, como um exercício de aproximações à dialética materialista, guardadas as limitações próprias ao tempo e possibilidades do mestrado acadêmico. 23 Kuenzer (1998) compreende que há categorias de conteúdo e categorias de método, entendidas estas como categorias da dialética materialista, enquanto aquelas se referem ao fenômeno investigado e aos objetivos do estudo, circunstancialmente determinado.
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A dialética materialista apreende a realidade como concreto pensado, elevando ao nível ideal o movimento do real, a unidade da diversidade. O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e portanto igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação. (MARX, 1977, p. 218-219).
Desse modo, orientada pela dialética materialista, esta investigação buscou descrever o movimento do real no plano do pensamento, perquirindo a dinâmica e a essência do fenômeno a partir de sucessivas aproximações, procurando compreendê-lo como síntese de múltiplas determinações, como unidade do diverso e como produto de Homens reais no movimento do real, considerando as dimensões diacrônica e sincrônica do processo histórico, partindo-se das categorias mais simples às mais complexas, compreendidas na totalidade do real e do concreto pensado. “[...] O método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado.” (MARX, 2008, p.259). Ensina Marx (2002) que os Homens fazem a história, não como querem, mas sob condições herdadas pela própria história, ressaltando que o ado dos mortos ecoa como um pesadelo no cérebro dos vivos. Trata-se, por tal razão, de considerar o movimento e as circunstâncias sócio-históricas para perceber a constituição dos fenômenos e interagir com a história. Partiu-se do pensamento marxiano que propõe a superação da visão linear do movimento do real e a necessidade de perceber as contradições dos fenômenos, e suas mediações, no sentido da agem transformadora do imediato em mediato, investigados em processo e considerados parte do todo, como indicador que revoluciona a interpretação da história e põe diante do investigador o desafio de perceber nas ações humanas a complexidade de sua objetivação no mundo.
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Nesta reflexão, a singularidade humana foi coletivamente compreendida e o movimento do real ocorre na totalidade, constante e intrinsecamente conexa às singularidades pessoais, sociais e históricas. Compreendeu-se o singular inserido na totalidade, compreendida e permeada pelas singularidades de autonomia circunstancialmente determinadas. Essa práxis investigativa ocorre no movimento de sucessivas aproximações e da saturação de determinações. Desse modo, a análise dialética permite apreender as tendências estruturais do movimento do objeto (PAULO NETTO, 2002). A investigação, situou-se no campo da Educação e, emprestando ferramentas de ciências sociais, procurou compreender o fenômeno do lobismo nos trâmites do projeto da gestão democrática com os préstimos destas ciências, mantendo como fulcro contribuir com o entendimento sobre a formulação de políticas públicas de educação. Deste modo, partiu-se da dialética materialista e da concepção ontológica de Homem e de educação que compreende aquele como ser social fundado no trabalho e que neste processo cria, adquire e desenvolve cultura; e da educação como processo onilateral (ENGELS, 1980) de socialização do conhecimento, histórica e coletivamente, produzido pelo Homem de modo a produzir no ser singular o desenvolvimento genérico. A educação vinculada ao trabalho desde os primeiros anos (MARX, 1980) desenvolve nos seres humanos condições para a emancipação coletiva. Formase assim a indissociabilidade entre ciência, cultura e trabalho (KUENZER, 2000), base fundamental da educação emancipatória, compreendendo, ainda, que a educação não é suficiente para a transformação social, mas fundamental elemento desse processo (FREIRE, 2006). O método apontou procedimentos que consubstanciaram a metodologia empregada, considerando as categorias que emergiram do real durante o trabalho de investigação. Para percorrer o percurso do geral ao particular, é preciso que haja uma focalização metodológica quanto ao exame das categorias que emergem ao longo do caminho de investigação. A direção de volta, das especificidades
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ao panorama geral, enriquecido de determinações, permite ao pesquisador aproximações à totalidade do fenômeno que possibilitam a reprodução, no plano ideal, do movimento do real. (VASCONCELOS, 2012, p. 40).
Desse modo, os supostos iniciais do percurso foram reconstituídos com base no entendimento entre os elementos teóricos e a realidade concreta, forjando dialeticamente uma compreensão crítica da política pública e da inserção do lobismo como elemento constitutivo de sua formulação e execução. Para que o processo de conhecimento seja dialético, a teoria, que fornece as categorias de análise, necessita no processo de investigação, ser revisitada, e as categorias reconstituídas. Ou por acaso a ‘totalidade”, as contradições e as mediações são sempre as mesmas? (FRIGOTTO, 2001, p. 81).
Destarte, elegeu-se como categoria fundante desta investigação a contradição (MARX, 2002) interpretada a partir do interesse público (universal) e do privado (singular). Procurou-se, assim, questionar a participação de grupos de interesse e de pressão na formulação de políticas públicas a partir da compreensão marxiana de emancipação (MARX, 2009), partindo-se da compreensão de que o lobismo expressa uma contradição da democracia24 liberal, pois eleva o interesse privado em detrimento do interesse público, neste caso, da educação pública. Prossegue-se pela lógica marxiana (MARX, 2009; COUTINHO, 2011) de que, sob a máscara ideológica de democracia, a prática de pressionar decisores públicos para contemplação de interesses privados fragmenta a luta política classista e, em verdade, nega o governo popular e retarda a emancipação coletiva. As categorias de conteúdo, emersas do real, estabeleceram a direção de análise orientando a sequência de encaminhamentos do método de pesquisa. Configuraram-se deste modo os procedimentos de coleta de dados, de análise crítica e de exposição. 24 Nesta exposição, distingue-se a democracia liberal, compreendida tanto como sufrágio ou liberdade de mercado, da democracia operária, compreendida como ditadura do proletariado, conf. entendimento de Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista de 1948. Os grupos de pressão da educação e a lei de gestão democrática
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A estratégia de coleta de dados possibilitou o conhecimento do concreto, da dinâmica e estrutura do real, cuja análise crítica exigiu, para o compartilhamento de resultados, um método de exposição. Para Marx (2010a, p. 28) há que, didaticamente, se estabelecer a diferenciação entre método de pesquisa e método de exposição. É mister, sem dúvida, distinguir, formalmente, o método de exposição do método de pesquisa. A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descrever, adequadamente, o movimento do real. Se isto se consegue, ficará espelhada, no plano ideal, a vida da realidade pesquisada, o que pode dar impressão de uma construção a priori. (MARX, 2010a, p. 28).
Em sintonia com essa diferenciação, estabeleceram-se, para os fins da presente investigação, os procedimentos de pesquisa e de exposição.
Dos procedimentos de investigação Os procedimentos de investigação obedeceram a fases processuais e ocorreram em sucessivas aproximações. A primeira delas foi a do levantamento de dados que resultou, sobretudo, nos registros das audiências e dos documentos referentes ao processo legislativo da Lei de gestão democrática. Inicialmente, foi realizado o rastreio de registros, na Câmara Legislativa do Distrito Federal - CLDF, que possibilitasse aproximações ao objeto. Após isso, procedeu-se à análise dos dados coletados para, então, reiniciar a busca de documentos relativos aos sujeitos históricos envolvidos nas audiências. A análise dos documentos dos grupos de interesse e demais sujeitos históricos (Executivo - DF, CLDF) permitiu o retorno aos registros da CLDF em nova aproximação, enriquecida com os dados dos grupos, dos parlamentares e dos documentos legislativos. Assim, o levantamento de dados foi processual e também ocorreu em sucessivas aproximações, que possibilitaram a coleta de novos dados ou revelaram caminhos para buscá-los. 104 |
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Esta primeira fase da investigação contou com o levantamento documental do percurso da Lei de gestão democrática, incluindo o conjunto de documentos do Processo 588, as audiências públicas, cujos arquivos de áudio foram degravados, e outros documentos públicos dos grupos de pressão que manifestaram suas posições frente ao tema da gestão democrática, além das estratégias e táticas de atuação destes grupos de pressão. Fizeram parte deste conjunto de dados, projetos e propostas das instituições, bem como notícias e pequenos artigos veiculados em meios próprios de divulgação e no sítio da CLDF. Além destes, procurou-se levantar outros documentos relativos às entidades, organizações e seus representantes que participaram dos eventos oficiais que tomaram lugar na Câmara Legislativa, interessados no tema da gestão democrática. A segunda fase da investigação foi a análise crítica dos documentos, que iniciou com uma leitura inicial genérica, cuja organização e sistematização em temas obedeceu ao exercício de fazer emergir as categorias vindas do movimento do real. Para tanto, partiu-se da análise preliminar do campo empírico, procurouse fazer um reconhecimento dos registros documentais relativos a três eventos sobre a gestão da educação ocorridos, em 2011, na CLDF. Deste modo, nesta primeira aproximação procurou-se conhecer as fases do processo legislativo, o funcionamento das audiências públicas, assim como o funcionamento da Comissão de Educação, Saúde e Cultura (Cesc) da CLDF e das sessões plenárias. O procedimento central empregado para a análise dos dados levantados nas audiências foi a análise crítica do discurso, que orientou a apreciação dos resultados obtidos no campo empírico partindo-se da premissa de que a força da palavra, da comunicação humana, não está dissociada da base material. Para Brandão (2002, p.10) “[..] a linguagem não pode ser encarada como uma entidade abstrata, mas como o lugar em que a ideologia se manifesta concretamente, em que o ideológico, para se objetivar, precisa de uma materialidade”. Os grupos de pressão da educação e a lei de gestão democrática
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Neste sentido, os discursos proferidos espelham relações, concepções e manifestam a superestrutura ideológica dos processos advindos da infraestrutura material. A realidade ideológica é uma superestrutura situada imediatamente acima da base econômica. A consciência individual não é o arquiteto dessa superestrutura ideológica, mas apenas um inquilino do edifício social dos signos ideológicos. (VOLOSHINOV, 2004, p.36).
O sentido de cada discurso, de cada palavra dita está ligado ao seu contexto. A palavra toma sentido conforme o contexto em que é dita. Esse mesmo contexto é responsável, no percurso da comunicação humana, por forjar a palavra dita e, com isso, o sentido empregado. Há uma relação dialética entre o contexto mais imediato e os interlocutores, ou seja, uma situação de comunicação social vivenciada e o meio social mais amplo (VOLOSHINOV, 2004), ou seja, as circunstâncias sócio-históricas que contribuem historicamente para as aproximações sucessivas que teceram as práticas discursivas dos sujeitos históricos. A palavra como instrumento de comunicação em sociedade está presente nas diversas situações sociais e é reveladora dos processos ideológicos, das tramas, articulações e táticas presentes na vida em sociedade. A palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais. (VOLOSHINOV, 2004, p.41).
Considera-se ainda que, no campo da política pública, como em outros espaços sociais, a palavra tem um papel e significado estratégico. Os discursos proferidos em situações, tais como as que foram analisadas nesta investigação devem ser considerados como atuação de agentes públicos e representantes 106 |
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dos grupos lobistas, agindo em uma arena plena de disputas, no intento de defender os interesses de seus representados, disputarem espaços, construírem hegemonia em seu grupo e, em muitos casos, reafirmar a necessária legitimidade de sua representação. Como pano de fundo deste cenário encontra-se a luta de classes, velada no contexto sócio-histórico atual pela ideologia da pós-modernidade. Em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes. [...] o signo se subtraído às tensões da luta social, se posto à margem da luta de classes, irá infalivelmente debilitar-se. (VOLOSHINOV, 2004, p.46).
Partindo-se dos supostos da filosofia da linguagem em Voloshinov, buscouse uma estratégia de análise consubstanciada na ideia de que a linguagem humana é objetiva. Cada discurso, ainda que carregado ideologicamente, traduz o real, a síntese de múltiplas determinações. “A língua não é o reflexo das hesitações subjetivo-psicológicas, mas das relações sociais estáveis dos falantes, conforme a língua, conforme a época ou os grupos sociais”. (VOLOSHINOV, 2004, p. 147). Para tanto, a abordagem escolhida foi a da análise crítica do discurso. O termo “análise crítica do discurso” foi cunhado pelo linguista britânico Norman Fairclough, da Universidade de Lancaster, em um artigo publicado em 1895 no periódico Journal of Pragmatics. (RESENDE; RAMALHO, 2011, p. 20). Segundo Fairclough (2001, p. 275), “não há procedimento fixo para se fazer análise de discurso; as pessoas abordam-na de diferentes maneiras, de acordo com a natureza específica do projeto e conforme suas respectivas visões do discurso.” Entretanto, levam-se em conta nesta investigação as condições de produção do discurso, considerando as circunstâncias em que os discursos foram produzidos e que, por isso, constituem a materialidade discursiva. Seguindo tais orientações, a análise dos dados foi contínua e processual, e ocorreu entremeada pelo percurso de captação de outros registros que permitiram análises mais complexas e que suscitaram novas buscas acerca do objeto. Os grupos de pressão da educação e a lei de gestão democrática
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A análise documental foi realizada, concomitantemente, à revisão bibliográfica relativa à prática histórica do lobismo no Brasil e à formação e comportamento dos grupos de interesse ligados à educação no processo legislativo do DF. Ainda como elemento metodológico, o procedimento de exposição dos resultados de investigação foi organizado a partir de etapas entrecruzadas. Primeiramente, foi realizada a apresentação dos sujeitos históricos: deputados da Cesc, deputados da CLDF, na sexta legislatura, e grupos de interesse participantes das audiências públicas. Em seguida explicitaram-se o processo das audiências e dos autores e eventos que nelas tiveram lugar, gerando uma análise circunstanciada da conjuntura que envolveu o processo legislativo em torno da Lei. A exposição dos dados e análises levou em conta a historicidade dos fenômenos, suas contradições e mediações dentro do movimento do real em um permanente diálogo entre os dados e o real. A exposição temática dos elementos discursivos, de acordo com sua relevância relacionada à investigação, esteve em diálogo com a análise crítica dos discursos e os demais documentos analisados.
Resultados e desdobramentos Os resultados da pesquisa permitiram evidenciar as formas de participação dos grupos de pressão no processo legislativo de gestão do Sistema Público de Ensino do Distrito Federal, tanto pela via eleitoral, elegendo parlamentares representantes de categorias, como na organização e presença massiva nas Mesas e auditórios de audiências públicas e nos discursos, e ainda na corrida a gabinetes, reuniões reservadas e mobilização das bases das entidades participantes. Evidenciou-se que também abaixo-assinados contendo demandas foram entregues a parlamentares de modo a lhes persuadir as decisões. As relações entre os grupos de pressão e o Poder Legislativo evidenciaramse tanto por falas de deputados que afirmavam ser representantes dos grupos e de suas demandas, assumindo a eleição de interesses peculiares a 108 |
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categorias, como também nas falas de representantes de grupos de pressão que identificavam-se com este ou aquele parlamentar. As práticas de pressão foram tanto facilitadas, quando as portas de gabinetes estavam abertas a grupos, como foram dificultadas ou impedidas, quando estas estavam cerradas ao recebimento das demandas de setores específicos. Para a formulação da Lei, sindicatos e trabalhadores da educação, converteram-se em grupos de pressão, objetivando persuadir parlamentares para o atendimento de interesses peculiares corporativos ou de associados. Evidenciou-se que a disputa de interesses reproduz as práticas capitalistas e o interesse de cada grupo submete os demais. A análise crítica desta realidade mostrou que, se ainda que separados, os grupos de trabalhadores da educação conseguiram alguns avanços em relação à democratização das unidades escolares e do Sistema de Ensino do DF, é provável que unidos, com bandeiras mais universais, o interesse público fosse alcançado com melhores e mais duradouros resultados. Essa fragmentação da classe trabalhadora, aprofundada pelo neoliberalismo e consequente individualismo e pragmatismo sindical, apontam antagonismos das organizações de defesa dos trabalhadores e alcança o Parlamento. Efetivamente, o lobismo ocorreu. Sua práxis foi evidenciada por meio dos discursos e registros da CLDF, resultando em alterações no Projeto 588 enviado pelo Executivo. Também resultou em aprofundamento da crise do movimento operário, no fortalecimento do Estado capitalista e do clientelismo, que convertem a democracia representativa em teatro de jogos de pressão e poder. O movimento contraditório revisto apresenta-se, pelo lado do Estado pela desresponsabilização, descentralização e publicização da coisa pública, e pelo lado dos sindicatos pelo fracionamento, pela concorrência, pela defesa corporativa de interesses privados e pelo lobismo. O Estado neoliberal produz e é produzido também pelas contradições do mundo sindical. A deterioração ocorre lá e cá, num movimento dialético. A redução de sindicatos a lóbis ocorre junto à redução do Estado a manutenção do mercado financeiro. À medida que o Estado transforma-se em quase Os grupos de pressão da educação e a lei de gestão democrática
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mercado, também os sindicatos transformam-se em entidades privadas em defesa de interesses imediatos. Na balança está a educação pública, o direito fundamental que todos têm à formação e à emancipação. A gestão democrática como produto da luta pela emancipação pode ser a chave para a escola do Homem novo, como produto do lobismo, pode ser a chave do aprofundamento da crise do Estado, da sociedade e da formação humana. Superar a contradição entre a escola que queremos, enquanto grupo de interesse, e a que temos direito, como seres humanos, a pela suplantação da competição entre trabalhadores pelas migalhas do banquete estatal. Mas a emancipação humana só estará plenamente realizada quando o Homem individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ente genérico na qualidade de Homem individual na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o Homem tiver reconhecido e organizado suas “forces propres” como forças sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força social na forma da força política. (MARX, 2010b, p.54).
Pode-se afirmar que o lobismo é decorrente da reprodução na formulação das políticas públicas da lógica da concorrência do mercado. O Estado capitalista, segundo a ideologia neoliberal, atende sua clientela segundo a qualidade do lóbi, em concorrência com outros demandantes. Foi e sempre será atendido o lóbi que melhor sustentar as necessidades estatais. Não são as necessidades públicas as prioridades de atendimento, mas o interesse de agentes públicos e de grupos de pressão, conforme a conveniência para os decisores do Legislativo e do Executivo. Estes, por sua vez, agem em conformidade com os interesses capitalistas de manutenção da ordem e da divisão social do trabalho, da conservação da propriedade, da acumulação e da paz social. Foi possível compreender que a balança opera com pesos como a governabilidade, o consentimento, os interesses privados nacionais e internacionais, a concorrência, a ambição política, o egoísmo e a concertação de interesses. O lobismo faz sentido no capitalismo. A eficiência do grupo de 110 |
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pressão, como associação de interesse privado, equivale à eficiência empresarial na busca da acumulação capitalista. A ideologia da democracia liberal é utilizada para a manipulação social, para a cooptação das entidades classistas, tornadas representações de interesses privados, corporativos. A interferência desta prática na política pública de educação e na vida escolar é a reprodução da lógica do mercado, da concorrência de interesses privados, da submissão dos trabalhadores às regras da democracia burguesa, da competição entre iguais em torno de pequenas concessões do capital. O pragmatismo, cerne do capital, tornou-se prática fundante do movimento sindical, apontando a alarmante crise da classe trabalhadora e de suas instituições. Uma outra consequência dessas transformações no âmbito sindical foi a intensificação da tendência neocorporativa, que procura preservar os interesses do operariado estável, vinculado aos sindicatos, contra os segmentos que compreendem o trabalho precário, terceirizado, parcial etc., o que denominam os subproletariado. Não se trata de um corporativismo estatal, mais próximo de países como Brasil, México, Argentina, mas de um corporativismo societal, atado quase que exclusivamente ao universo categorial, cada vez mais excludente e parcializado, que se intensifica frente ao processo de fragmentação dos trabalhadores, em vez de procurar novas formas de organização sindical que articule amplos e diferenciados setores que hoje compreendem a classe trabalhadora. (ANTUNES, 2002, p.64).
O desejo de gestão democrática das estruturas, atualmente sob o domínio da lógica do capital, exige a retomada da luta pela emancipação em todos os caminhos, provocando a redescoberta da real democracia, a participação popular não reduzida à gestão da miséria pública, mas na resistência ao avanço neoliberal, na mobilização popular, na união dos “segmentos” escolares para a superação das diferenças. A gestão democrática pode ser o caminho para a reinvenção da escola para além do capital, mas precisa ter como horizonte a emancipação humana e como práxis a união e a luta.
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Enfim, os resultados da investigação permitiram evidenciar práticas de lobismo por parte dos grupos de pressão, além do acolhimento de demandas em emendas parlamentares, e o atendimento de interesses corporativos na redação final da Lei 4.751/2012, concluindo que o pragmatismo empregado pelos movimentos sociais de trabalhadores da educação contribuiu para a cisão da classe trabalhadora quando os grupos de pressão agiram, competitivamente para o atendimento de seus interesses peculiares em detrimento de lutas universais em direção à emancipação coletiva. Quanto aos desdobramentos da pesquisa, a fase consecutiva à defesa tem sido muito produtiva, possibilitando muitos debates, escritos, participação em eventos acadêmicos e convida à continuidade de estudos na área e novas possibilidades de compreender tais fenômenos de modo mais aprofundado, considerando o contexto das políticas públicas em educação e a dinâmica do mundo acadêmico, processo em articulação e em movimento.
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6 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS RECONHECEDORAS DA DIFERENÇAS: DESAFIOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA NO DISTRITO FEDERAL.
Vanessa Terezinha Alves Tentes25 Andreia de Lima Campos Rocha 26
Introdução Um dos grandes desafios da escola hoje é receber com qualidade estudantes que guardam características tão distintas, quanto são as suas próprias identidades. No entanto, a diversidade na prática tem sido constituída segundo pressupostos, que fazem com que o sistema educacional organize seus estudantes por grupos normativos rígidos, tendo característica principal dessa organização a idade, ou faixa etária. Neste ponto, aparecem várias situações conflituosas, porque embora os estudantes – crianças, adolescentes, adultos – estejam assim agrupados, os mesmos não atenderão a norma estabelecida e assim, ao contradizerem esta organização exigirão respostas do sistema de ensino, que na maioria das vezes, atuará na conformidade desse problema ao invés de enfrentar e responder à diversidade das necessidades dos estudantes. 25 Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB e diretora da Escola de Educação. 26 Mestranda em Educação da UCB.
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Neste todo, estarão presentes aqueles estudantes que possuem necessidades educacionais especiais, atendidos pela Educação Especial. Essa modalidade de ensino, de natureza complementar ou suplementar ao currículo, deve acontecer, preferencialmente, no ensino regular e permear todos os níveis, etapas e demais modalidades, que estruturam a oferta educacional como dever do Estado brasileiro indicado na Constituição de 1988 (inciso III do Artigo 208). O objetivo deste capítulo é discutir a perspectiva inclusiva da educação no Distrito Federal, no âmbito da Educação Especial, contextualizando a oferta dessa modalidade de ensino em um momento histórico, no qual a educação mundial se concretiza ordenada por um discurso hegemônico, fortalecido por uma política educacional distanciada da dimensão humana, crítica e emancipatória. Adentrar essa temática educacional, buscando espaços e possibilidades para acolher a diversidade das pessoas, significa também romper com a lógica da padronização, cuja marca é a exclusão de várias ordens, conforme se pode evidenciar ao longo da história da educação no mundo e fortemente no Brasil (MAZZOTTA, 1996; MATISKEI, 2004). A Educação Especial, modalidade de ensino complexa, que não pode ser substitutiva ao ensino comum, deverá assegurar o atendimento educacional especializado aos estudantes com necessidades educacionais especiais, públicoalvo dessa modalidade, ou seja, pessoas com deficiências, transtorno global do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação. A análise da trajetória do atendimento a estes estudantes, no Brasil, indica mudanças na oferta educacional ao longo da história, no que concerne a forma, a concepção, aos normativos e a regulação, bem como as políticas públicas que norteiam e fundamentam as propostas educacionais, tanto no cenário nacional, quanto internacional (BRASIL, 2009; STAINBACK; STAINBACK, 1999). Ressalta-se que tais mudanças são marcadas pela luta em busca da garantia do direito de todos estarem na escola juntos e caracterizamse por conquistas fomentadas pelas famílias, por grupos organizados da sociedade, por desdobramentos empíricos de trabalhos de pesquisa, ou seja, tais mudanças são efetivadas pelas novas configurações sociais e políticas da contemporaneidade. No entanto, apesar das mudanças significativas 116 |
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ocorridas principalmente a partir da década de 1970, o território da Educação Especial continua configurado como um campo agitado por insatisfações e anseios, os mais distintos, para fazer valer o direito universal à educação. Há ainda, a presença forte de sentimentos de frustração e dúvidas diante das inconsistências e descontinuidades em relação às políticas educacionais de governo, em detrimento de políticas de Estado, para as quais, os analistas mais pessimistas consideram que a educação, de modo geral, vivencia as angústias e os reflexos negativos de um tempo confuso de um Estado ausente. Acompanhando o movimento nacional de atenção ao estudante da Educação Especial, o Distrito Federal, desde a década de 1970, tem formulado ações dirigidas àqueles que exibem deficiências físicas, sensoriais e intelectuais. Desde esse período, há registros de normativos que asseguram práticas educacionais de atendimento aos estudantes com necessidades educacionais especiais. À época, a orientação desse atendimento era concebida em uma proposta vinculada aos princípios da individualização, segregação, normalização e integração das pessoas com deficiência. Na rede pública de ensino do Distrito Federal, o início da escolarização dos estudantes com deficiência acontecia nas instituições especializadas, denominadas de Centro de Ensino Especial - CEE, com a possibilidade de vir a ser atendido em classes especiais em escolas comuns, cujas turmas eram reduzidas em número de estudantes e organizadas segundo o tipo de deficiência. A formação dessas turmas tinha como objetivo preparar os estudantes para a integração total, ou seja, a inserção em classes comuns do ensino regular. Muito embora, a intenção do processo de integração estivesse norteando as ações educativas, o modo de atendimento, e muitas vezes a cultura em torno da diferença e da diversidade, fortaleciam o regime de atendimento pautado pela segregação dos estudantes, ao espaço pedagógico e social do coletivo da escola. A ineficiência dessa política educacional gerou evasão, repetência e o retorno de muitos estudantes as instituições especializadas (DISTRITO FEDERAL, 1979; 2008). Na década seguinte, a Constituição Federal de 1988 sinalizou para a efetivação da educação fundamentada no paradigma da inclusão, nos direitos humanos e na articulação entre o direito à igualdade e à diferença, buscando Políticas públicas educacionais reconhecedoras da diferenças: desafios da educação especial inclusiva no Distrito Federal
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desta forma concretizar o direito de todos à educação, rompendo com uma trajetória de exclusão e segregação das pessoas atendidas pela Educação Especial. Deste modo, o sistema educacional brasileiro iniciou um processo de transformação para um sistema educacional inclusivo, mas a repercussão dessas transformações dentro dos espaços escolares foi bastante morosa e em muitos casos incipientes. Na capital do país, a então Fundação Educacional do Distrito Federal (FEDF), atualmente Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF), iniciou um processo de estudo e de reorientação do atendimento aos estudantes com necessidades educacionais especiais, publicou um conjunto de orientações pedagógicas para a Educação Especial (Distrito Federal, 1979), e propôs um modelo de atendimento que corroborasse propostas inclusivas de ensino. Movimentos sociais que exigiam a implantação de ações e políticas pautadas na concepção de educação inclusiva, marcaram a década de 1990, a fim de garantir o rompimento com o paradigma de segregação e exclusão e possibilitar práticas pedagógicas efetivas na igualdade de o e permanência do estudante da Educação Especial na escola, frequentando classes comuns do ensino regular. Em 1994, a comunidade global concordou que as escolas regulares, de orientação inclusiva, se constituem como os meios mais eficazes para combater atitudes discriminatórias, construir uma sociedade inclusiva e alcançar educação para todos (UNESCO, 1994). Entendendo-se por inclusão educacional a articulação de um conjunto de estratégias pedagógicas, políticas e sociais que deverão responder às demandas da diversidade educativa e das realidades pessoais objetivas e subjetivas, que emanam nos contextos escolares. O desenvolvimento progressivo da educação inclusiva deve ser extensivo a todo e qualquer estudante segundo as suas especificidades, de modo a garantir a participação ativa na sociedade, contribuir para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem, bem como avalizar a conquista de altos níveis de realização para todas as crianças, jovens e adultos, que materializam a escola em seus espaços e tempos. Nesta mesma direção, a SEDF, ainda nesta década, revisou a política de integração dos estudantes com necessidades educacionais especiais em face de uma perspectiva de inclusão, acompanhando uma proposta defendida por 118 |
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vários setores da sociedade civil organizada e comunidade internacional de direitos das pessoas com deficiência. Neste processo inclusivo, a instituição educacional deveria acolher o estudante e proporcionar-lhe a possibilidade de o à aprendizagem e ao seu desenvolvimento global, buscando respeitar suas especificidades. No entanto, a SEDF naquele momento, ainda não conseguia avançar na direção do processo inclusivo. O atendimento aos estudantes com necessidades educacionais especiais permanecia sob o enfoque e organização pedagógica da integração, que condicionava o o às classes comuns do ensino regular somente àqueles que demonstrassem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os demais educandos, reforçando-se assim o paradigma da normalização. Apesar de assistir ao estudante, esse modelo de educação especial não provocava reformulação das práticas educacionais de maneira que fossem valorizados os diferentes potenciais para a aprendizagem no ensino comum, mantendo a responsabilidade da educação desses alunos, exclusivamente, no âmbito da Educação Especial (DISTRITO FEDERAL, 1979; TENTES, 2011). Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN 9.394/96 (BRASIL, 1996) que preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades; assegura a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências e; a aceleração de estudos aos estudantes superdotados para conclusão do programa escolar e ainda, diante das exigências sociais pautadas pela comunidade escolar e a sociedade em geral (MAZZOTTA, 1996). Com esse direcionamento, a SEDF disparou novo processo de reorganização da Educação Especial, a fim de tornar o sistema de ensino inclusivo, no sentido de avaliar, desenvolver e instituir políticas educacionais e de ibilidade que eliminassem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas de desenvolvimento e de aprendizagem, em atendimentos educacionais especializados que complementam e/ou suplementam a formação dos Políticas públicas educacionais reconhecedoras da diferenças: desafios da educação especial inclusiva no Distrito Federal
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estudantes especiais, com vistas à autonomia e independência na escola e na vida (DISTRITO FEDERAL, 2010). Guiada por uma perspectiva de inclusão educacional ampliada, a SEDF adotou em seus documentos a terminologia – Necessidades Educacionais Especiais - NEE. Esta nomenclatura está associada às dificuldades de aprendizagem, no modo particular da pessoa ser e estar no mundo, de vivenciar e de responder aos desafios apontados no cotidiano escolar, e não essencialmente vinculado às deficiências, aos transtornos ou às altas capacidades (OUROFINO, 2007). Essa concepção proporciona uma modificação na compreensão do direito à educação e fomenta práticas que venham garantir a aprendizagem por meio da valorização das diversas formas de aprender, de apreender o mundo e de dar significados a ele. Nos anos seguintes, o movimento mundial pela educação inclusiva se fortaleceu como ação política, cultural, social e pedagógica. O marco regulatório, histórico e normativo da educação nacional absorve o ideário da concepção de educação inclusiva, num processo de democratização da escola impelindo, os governos, as Secretarias de Educação, os Conselhos de Educação, a gestão escolar, as organizações da sociedade civil, os operadores do direito e demais setores da sociedade a estruturar a Educação Especial na promoção da inclusão educacional. Assim, a elaboração do Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº 10.172/2001, estabeleceu objetivos e metas para que os sistemas de ensino se organizassem para favorecer o atendimento às necessidades educacionais especiais dos estudantes. Neste mesmo ano, a Convenção da Guatemala (1999) é publicada no Brasil, pelo Decreto nº 3.956/2001, afirmando os mesmos direitos humanos e liberdades para as pessoas com deficiências. Este Decreto impactou, positivamente, a educação exigindo que a Educação Especial fosse compreendida no contexto da diversidade e diferenciação e que fossem adotadas as ações de eliminação de barreiras à escolarização (GONZÁLEZ, 2002). Nesta perspectiva, vários decretos, resoluções e portarias foram publicados pelo Ministério da Educação (MEC) dirigidos às pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, objetivando desenvolver ações afirmativas 120 |
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que possibilitassem o o e permanência do estudante na Educação Básica e Superior (BRASIL, 2012). O que se constatou, nos anos que sucederam a publicação do PNE, foram dificuldades em garantir a concepção sistêmica da transversalidade da Educação Especial nos diferentes níveis, etapas e modalidades da educação, não superando a dicotomia educação regular e educação especial, limitando o princípio constitucional que prevê a igualdade de condições de o e permanência e a continuidade nos níveis mais elevados de ensino (BRASIL, 2012). A rede pública de ensino do Distrito Federal incorporando em seus normativos e prática pedagógica, o paradigma da inclusão educacional, por meio da Lei nº 3.218/2003 (DISTRITO FEDERAL, 2003), instituiu que todas as escolas do sistema ariam a ser inclusivas e que o o da população, público alvo da Educação Especial, na escola comum estaria assegurado. Nesta direção, todas as dimensões pedagógicas, como o currículo, a avaliação, os métodos e as técnicas de ensino aram a ser aplicados também à Educação Especial, em movimento de transversalidade, com o objetivo precípuo de garantir o direito à educação. Houve neste momento, um olhar mais específico aos estudantes matriculados nos Centros de Ensino Especial, com vistas ao processo de inclusão na escola comum. Assegurar esse direito implicou em ampliar a discussão acerca de limites e possibilidades da escolarização desses estudantes em escolas comuns, buscando a construção de práticas pedagógicas que contemplem o respeito à diversidade humana (PEREIRA, 2007). Como todo movimento de mudança, esse especificamente causou muitos questionamentos por parte das famílias, professores e gestores, uma vez que a organização do tempo e do espaço escolar, bem como a formação continuada dos professores, o atendimento educacional especializado e a implantação das salas de recursos não acompanhavam em qualidade e eficácia as determinações dos normativos, corroborando o pensamento de Imbernón (2000) de que a escola não foi e não é planejada para acolher a diversidade de indivíduos. Os desdobramentos dessas mudanças mostraram que cultura inclusiva nas escolas era incipiente e os professores e profissionais da educação demonstravam dificuldades na compreensão e operacionalização das demandas do processo Políticas públicas educacionais reconhecedoras da diferenças: desafios da educação especial inclusiva no Distrito Federal
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inclusivo, evidenciadas na prática pedagógica e nas atitudes promotoras de barreiras à inclusão (OUROFINO, 2007). Por outro lado, tornar todas as escolas da rede pública inclusiva por força de lei fortaleceu o debate em torno da temática no âmbito das escolas, da comunidade, dos serviços de atendimento e dos colegiados responsáveis pela formação de professores. Neste cenário de mudanças, de sucessos e de retrocessos, o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE é lançado pelo Decreto nº 6.094/2007 estabelecendo o Compromisso Todos pela Educação, e no que diz respeito à Educação Especial reafirmou a garantia do o e permanência no ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais. Assim, essas garantias se configuraram em eixos de ação voltados à formação de professores, a implantação de salas de recursos multifuncionais, ibilidade arquitetônica dos prédios escolares, o à Educação Superior e ampliação e monitoramento do Benefício de Prestação Continuada – BPC (BRASIL, 2007b). Neste mesmo ano, o MEC apresentou à sociedade a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Este documento representou uma resposta aos anseios das lutas sociais e das áreas de estudo em educação, uma vez que acompanhava os avanços do conhecimento, trazendo em seu cerne, a possibilidade de políticas públicas de educação de qualidade para todos. Planos de formação continuada foram efetivados em todo o território nacional, privilegiando o entendimento da Política e a formação para atuação profissional no Atendimento Educacional Especializado - AEE. Os princípios norteadores da política de educação especial, que em um primeiro momento trouxe consigo os ares da inovação e das múltiplas possibilidades de fomentar processos inclusivos, nos anos seguintes, ou a assentar-se muito especificamente no pilar AEE, deixando, desta forma, lacunas nos espaços constituídos nas classes comuns que é por concepção o contexto privilegiado do processo inclusivo. Esse movimento trouxe angústias e infinitos questionamentos dos profissionais do ensino regular e da escola comum face às carências, obrigações e responsabilidades que estes contextos vivenciavam. Aspectos negativos para o processo inclusivo foram evidenciados, com a publicação do Decreto nº 6.571/2008, que dispunha sobre o AEE, e que financiava por meio do duplo cômputo no FUNDEB, a escolarização dos 122 |
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estudantes da Educação Especial, somente nas escolas comuns e ainda fazia a previsão de apoio técnico e financeiro, somente aos sistemas públicos de ensino, definindo que o AEE tem a função de identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de ibilidade que eliminem barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas necessidades específicas. De acordo com este decreto a oferta do AEE devia ser efetivada, segundo o modelo de salas de recursos multifuncionais. O fato do direcionamento da política pautar e beneficiar exclusivamente as escolas comuns, e apenas o sistema público, gerou um colapso na rede de instituições especializadas e conveniadas que atendiam o público mais específico e fragilizado dessa modalidade de atendimento. Os estudantes com necessidades educacionais especiais, que necessitavam de adaptações de grande porte, atendimento individualizado e que recebiam atendimento em instituições especializadas como os Centros de Ensino Especial, constituia o grande desafio daquele momento, não só em relação à escolarização em si, mas também quanto ao financiamento educacional. Com as determinações deste Decreto muitas instituições se viram obrigadas a reverem suas propostas de trabalho e, em muitos casos, suspenderem o atendimento aos estudantes, o que trouxe muita polêmica e mobilização por parte de vários atores envolvidos com essa temática, para discutir, operacionalizar e fazer compreender as reais possibilidades de implantação desse modelo de inclusão. Mudanças nesta perspectiva surgiram com o Decreto Presidencial nº 7.611/2011 que dispõe sobre a Educação Especial, o AEE e dá outras providências, revogou o Decreto nº 6.571/2008 e abriu a possibilidade de que as instituições especializadas devidamente credenciadas junto aos sistemas públicos de ensino pudessem receber financiamento pela escolarização de estudantes da Educação Especial. A orientação deste normativo enfatizou em seu artigo segundo, que a Educação Especial deve garantir o AEE, explicitando as complementações e suplementações curriculares desse atendimento (BRASIL, 2011a). Também, o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Viver sem Limite, Decreto nº 7.612/2011, lançado com o objetivo de programar e articular novas iniciativas e intensificar ações que, atualmente, já são desenvolvidas pelo governo em benefício das pessoas com deficiência (BRASIL, 2011b). Políticas públicas educacionais reconhecedoras da diferenças: desafios da educação especial inclusiva no Distrito Federal
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Este último normativo, embora se reporte no eixo educação, ao público-alvo da Educação Especial, enfatiza as pessoas com deficiência, deixando nebulosa e em algumas ações até ausente às especificidades da política em atenção às pessoas com transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/ superdotação. Com isso, o que se observa nesta perspectiva histórica é que o impacto positivo da Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, proposta em 2007, não foi conquistado nos normativos subsequentes a este documento, que apesar de manterem suas linhas gerais não conseguiram avançar com a proposta inovadora de educação inclusiva, pelo contrário, avalia-se que houve um recuo na concepção de inclusão consubstanciada na tradição dos movimentos que defendiam a diversidade, a cidadania plena, a ruptura com mitos e preconceitos e a valorização das diferenças. Tais documentos, decretos, resoluções e portarias, de modo limitante, aram ressaltar o AEE, que embora, organizado como um conjunto de serviços e estratégias importantes no processo de escolarização do estudante público-alvo da Educação Especial, não pode ser confundido com a própria Educação Especial. A sala de aula do ensino regular representa o espaço real da inclusão no contexto da escola, uma vez que é neste lugar que as diferenças se apresentam como fatores que contribuem para a convivência com a heterogeneidade, em um ambiente protegido e de enriquecimento. Por sua vez, o atendimento educacional especializado não pode ser às salas de recursos, considerando sua natureza abrangente em termos de estratégias pedagógicas, ações políticas e diversidade de recursos íveis, didáticos e pedagógicos, que juntos possibilitam a efetivação da proposta curricular para este grupo de estudantes. Neste sentido, a inclusão educacional não pode significar a substituição da educação especial, que tem sua população-alvo bem definida. Ocorre que, o paradigma da inclusão, cria uma modificação na compreensão do direito à educação e na forma de concretização dos espaços e tempos escolares, o que não é exclusivo da modalidade Educação Especial. O alinhamento da política de educação inclusiva dos sistemas de ensino dos Estados Municípios e do Distrito Federal, orientado pelo Ministério da Educação fundamenta-se em três eixos estratégicos: (a) institucionalização – 124 |
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constituição de um arcabouço político e legal; (b) financiamento – recursos e serviços para a eliminação de barreiras no processo de escolarização, tais como adaptações do espaço físico, materiais, mobiliário, equipamentos e sistemas de comunicação alternativos; e (c) orientações específicas para o desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas (BRASIL, 2010). A incorporação destes eixos nas políticas educacionais e a gestão do sistema de ensino procuram garantir que os pressupostos inclusivos cheguem à sala de aula comum, mas a maneira tímida com que estes eixos estão incorporados e operacionalizados nas políticas, estaduais e distrital, dificulta consolidar a afirmação do direito de todos à educação, tão pouco a Educação Especial como uma política de Estado. Mesmo com uma diretriz mais sistematizada, desde 2007, o sistema de ensino público do Distrito Federal, dada sua a característica de conjugar todas as etapas e modalidades da Educação Básica, não apresentou ainda uma formulação consistente em termos de políticas que garantam a transversalidade do ensino, a qualidade e a atenção às pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, de modo mais objetivo e continuado. O cenário atual mostra que ainda não foi possível transcender a uma política de Estado. A organização da Educação Especial no Distrito Federal não aderiu integralmente à proposta orientada pelo Ministério da Educação MEC e prevê atendimento aos estudantes com deficiência física, intelectual, auditiva, visual, surdocegeira, deficiências múltiplas, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, mas manteve algumas estruturas de funcionamento herdadas do sistema de segregação e integração, que a rigor e por concepção, não atendem ao processo inclusivo, como os centros e as classes especiais. Os estudantes da Educação Especial estão matriculados em turmas do ensino regular ou, em decorrência de suas necessidades, em caráter temporário, em turmas de atendimento exclusivo, ou ainda nos Centros de Ensino Especial, além de outras formas de atendimento, inclusive com instituições conveniadas. Talvez este, tenha sido desde sempre, o grande desafio da gestão dessa modalidade de ensino. De acordo com o Censo Escolar de 2013, o Distrito Federal possui 471.724 matrículas da Educação Básica, nas quais Políticas públicas educacionais reconhecedoras da diferenças: desafios da educação especial inclusiva no Distrito Federal
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são computados os estudantes inclusos, havendo 5.604 matrículas de caráter exclusivo, na modalidade Educação Especial, ofertadas em classes especiais, classes de integração inversa, centros de ensino especial, classes hospitalares (Distrito Federal, 2014). Se por um lado a SEDF não conseguiu a inclusão plena de seus estudantes da Educação Especial, por outro, transcorridos 20 anos da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), a educação pública tem organizado suas ações e políticas educacionais, fundamentadas no princípio da inclusão de todos os estudantes com necessidades educacionais especiais em classe comum, subsidiado pelo caráter multifuncional, diversificado e extensivo do atendimento educacional especializado, embora as especificidades de desenvolvimento e de aprendizagem de alguns estudantes indiquem a necessidade de permanência em acompanhamento em instituição especializada. A SEDF – personificada por seus gestores, educadores, estudantes, comunidade escolar – se viu diante de um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola. Como desafio a garantia dos direitos fortalecida pelo paradigma da inclusão, na atualidade, a política educacional deverá extrapolar a demanda do o à escolarização, na direção das demandas relacionadas à trajetória de sucesso desses estudantes no ambiente escolar, garantindo-lhes condições reais, complementares ou suplementares ao currículo, para o desenvolvimento pessoal e para as aprendizagens equivalentes aos demais estudantes. O novo olhar, para a educação da pessoa com necessidades educacionais especiais, exigido pelo paradigma inclusivo foi recentemente confirmado pelo relatório de monitoramento da educação realizado pela UNESCO – Teaching and learning: achieving quality for all, EFA global monitoring report, 2013-2014 (UNESCO, 2014). O documento Ensinar e Aprender: Alcançar qualidade para todos, afirma que as crianças com deficiências e outras condições de necessidades educacionais especiais são propensas a enfrentar discriminações mais graves e a exclusão educacional. O relatório reconhece que estes estudantes enfrentam desafios para 126 |
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serem itidos pelos sistemas de ensino e para obter o apoio necessário para permanecer no espaço da escola e aprender com qualidade. Segundo o documento faltam informações acerca de quantos são estes estudantes, de como eles estão se desenvolvendo e aprendendo. Do mesmo modo, ressalta a formação dos professores como uma barreira no processo inclusivo. De modo geral, as ações necessárias a garantir a qualidade no ensinar e aprender propostas pelo relatório criam impactos diretos na Educação Especial e inclusiva, que se constituem como desafios à educação mundial na atualidade e com prospecção para os anos seguintes de um século para o qual se anunciou como o século da informação e do conhecimento. Estes desafios estão presentes de algum modo na pauta da Educação Especial do Distrito Federal, portanto é importante considerar, por exemplo, as seguintes proposições do Relatório: (a) garantia de que pessoas que foram marginalizadas por um processo histórico e cultural sejam beneficiadas pela educação; (b) retomada da ênfase no currículo e na avaliação da aprendizagem, com a possibilidade de estruturação de adaptações curriculares, que criem oportunidades para as aprendizagens; (c) maximização do potencial de todos os alunos; (d) formação de professores com qualificação e expertise para apoiar estudantes com necessidades mais desafiadoras de aprendizagem, tanto nas deficiências, quanto nas potencialidades; (e) desenvolvimento de diretrizes avaliativas, procedimentos e instrumentos que auxiliem o professor avaliar com qualidade, identificar, monitorar e apoiar os estudantes com riscos de baixo desempenho escolar; (f ) apoio adicional aos estudantes com diferentes necessidades de aprendizagem (UNESCO, 2014). Por assim dizer, problemas antigos, desafios recorrentes, recomendações recentes de uma agenda, que se propõe a ser inovadora, e o desejo atual, de todos que se dedicam a educação, de que esse ciclo de difícil ruptura possa ser quebrado por políticas educacionais eficazes, distanciadas da lógica de mercado e do empoderamento das grandes instituições mundiais que determinam e controlam a educação. Compreender Educação Especial, atualmente, requer o resgate das transformações nas relações sociais de produção, dos avanços científicos e tecnológicos e das modificações políticas ocorridas, sobretudo após a década de 1980, que culminaram no movimento de inclusão social apoiado na Políticas públicas educacionais reconhecedoras da diferenças: desafios da educação especial inclusiva no Distrito Federal
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compreensão da diversidade como constituinte das diferentes sociedades e culturas. Tratamento mais humanitário e proteção dos direitos das minorias, com os avanços da democracia, exigiram da sociedade uma nova maneira de se relacionar e acolher as demandas dos grupos estigmatizados socialmente. O avanço no reconhecimento político dos direitos é inegável, como dito anteriormente, no plano legal, progrediu-se em relação aos normativos, mas a aceitação abstrata da igualdade, a crença ingênua de equidades de direitos ainda precisa ser repensada pela sociedade, no que se refere ao processo de inclusão educacional. A educação inclusiva fundamenta-se nos princípios da equidade, do direito à dignidade humana, na educabilidade de todos os seres humanos, independentemente de comprometimentos que possam apresentar em decorrência de suas especificidades, no direito à igualdade de oportunidades educacionais, à liberdade de aprender e de expressar-se e no direito a ser diferente. Desta forma, a modalidade de Educação Especial deve estar apoiada em políticas públicas educacionais reconhecedoras da diferença e em condições distintas para a efetivação do processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, problematizando a homogeneidade das práticas escolares que operam a partir da concepção do estudante ideal, que aprende de uma mesma forma, em um mesmo tempo e com a mesma lógica.
Considerações Finais A questão que se apresenta em torno dos desafios das políticas educacionais reconhecedoras das diferenças é que os discursos, que circulam no campo da Educação Especial, na contemporaneidade, são formados por um conjunto de enunciados, que por sua vez se apoiam na formulação discursiva da educação inclusiva, criando relações que funcionam como regras dentro de uma proposta homogênea, sem levar em consideração as distintas peculiaridades das regiões brasileiras, no caso do Distrito Federal, às várias realidades em que apresentam as necessidades educacionais especiais. A terminologia educação inclusiva, em si paradoxal, reforça a necessidade de garantias de direitos para 128 |
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essa população. Deste modo, os termos, inclusivo e inclusão, são usados com esta intencionalidade e por outro lado, pelo modismo presente nos discursos. Entendendo que toda educação em si deveria ser inclusiva e que a LDBEN traz a nomenclatura Educação Especial para se referir a esse grupo de estudante e a essa modalidade de ensino, considera-se adequada à utilização do termo educação inclusiva para se referir ao respeito dirigido ao direito constitucional da pessoa com necessidades educacionais especiais e de suas famílias, na escolha da forma de educação que se ajusta melhor às suas necessidades, condições e aspirações, pontuadas por Matiskei (2004) como a inclusão responsável e cidadã, vivenciada dentro da escola pública de qualidade, que acolha todos os estudantes, para além dos variados modelos e concepções que circundam a Educação Especial (GONZÁLEZ, 2002). Finalizando na direção dos múltiplos desafios inclusivos, as premissas e diretrizes, que norteiam a Educação Especial, Inclusiva serão legitimadas somente se concretizadas no âmbito do projeto político-pedagógico da escola, na dimensão de culturas inclusivas fomentadas pela comunidade escolar e sociedade civil; na elaboração de políticas inclusivas orientadas pela SEDF; e na dimensão das práticas inclusivas conduzidas por professores e equipe técnico-pedagógica com plena participação dos estudantes.
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7 POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NAS ARENAS DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL: O PAPEL DO EDUCADOR José Ivaldo Araújo de Lucena27 Maria de Lourdes de Almeida Silva 28 Wellington Ferreira de Jesus29
Introdução Diante do atual mundo globalizado30, enquanto cidadãos e educadores brasileiros, cumpre-nos refletir sobre as políticas públicas educacionais no contexto das ideologias neoliberais, como forma de melhor compreensão das idéias, que fundamentam essas políticas para entendermos como as políticas educacionais globais interagem com as políticas educacionais locais. A partir dessa premissa, vamos dialogar sobre esses fenômenos emergentes 27 Pedagogo com Habilitação em Gestão Educacional, Mestrando em Educação da Universidade Católica de Brasília, especialista em Direitos Humanos e Ensino Religioso; 28 Pedagoga com Habilitação em Orientação Educacional, Mestranda em Educação da Universidade Católica de Brasília, especialista em Supervisão Escolar e Orientação Educacional. 29 Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB. 30 O termo globalização enquanto fenômeno hegemônico está fundamentado no pensamento neoliberal que defende a supremacia do mercado como principal produtor de riquezas e a redução da influência do Estado nas políticas econômicas, sociais, culturais, educacionais entre outras. Essa ideologia tem sido desenvolvida por meio da unificação dos países do mundo numa mesma agenda econômica, de certo modo imposta a estes pelo controle que um grupo limitado de países (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá [G7], mais a Rússia [o G-8]) exerce sobre o mercado internacional. Esses países têm como instrumento para propagação de suas decisões a Organização das Nações Unidas - ONU (OLIVEIRA, 2014).
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nas pautas dos debates da educação na atualidade. Buscamos, ainda, melhor compreender os aspectos, que fundamentam esses fenômenos, e ao mesmo tempo, sinalizamos para algumas das implicações dessas ideias no âmbito da formulação e implementação das políticas educacionais na perspectiva global e seus reflexos nas políticas educacionais locais. Este estudo visa, ainda, contribuir para a compreensão de como essas ideias vem se dando nas arenas da globalização neoliberal. Atentos às contradições que permeiam o termo globalização, ressaltamos a importância do entendimento desse termo não apenas no sentido da prevalência das ideias hegemônicas em detrimento às ideias contrahegemônicas, assim como postula Dale (apud TEODORO, 2012), sobre a globalização vista como o reforço da capacidade coletiva de respostas às questões que não podem ser respondidas individualmente pelos Estados. Segundo o autor, a globalização do ponto de vista da hegemonia está centrada na fixação de agendas pelos organismos internacionais de controle, sobretudo da educação. Para fundamentar a análise, buscamos apoiar nossas ideias sobre políticas públicas nos estudos de Secchi (2013) e Oliveira (2011). O termo globalização é apresentado a partir do referencial teórico de Abid (2012), Santos (2002), Santos (2010), Akkari (2011), Oliveira (2014) e o conceito de neoliberalismo está baseado nos aportes de Ball (2012) e Rizvi e Lingard (2010). Esses conceitos são imprescindíveis para o entendimento dos processos que envolvem a globalização na perspectiva local e global, bem como orienta para a compreensão da sua influência no âmbito das ideias neoliberais no contexto educacional, a saber: O neoliberalismo, segundo Ball (2012), é o conjunto de ideias políticas econômicas capitalistas, que defende a não participação do Estado na economia. De acordo com esta doutrina, deve haver total liberdade de comércio (livre mercado). Na visão de Rizvi e Lingard (2010), no neoliberalismo o Estado deve favorecer o desenvolvimento econômico (livre mercado), mas contraditoriamente, às vezes, é chamado para regular o mercado. Nesse contexto, o modelo neoliberal e o Estado tornam-se duas faces de uma mesma moeda. 134 |
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Sobre a conceituação de políticas públicas optamos pela abordagem proposta por Secchi (2013). Segundo o referido autor uma política pública possui dois elementos fundamentais: intencionalidade pública e resposta a um problema público, porém “[...] qualquer definição de política pública é arbitrária” (SECCHI, 2013, p. 2) em virtude, segundo o autor, de um ‘nó conceitual’, que dá margem à diferentes abordagens: estadista ou estadocêntrica; multicêntrica ou policêntrica. Porém, este estudo não objetiva aprofundar esses conceitos, mas evidenciar a importância de se perceber as variáveis, que envolvem essa temática. Conforme Oliveira (2011), existem dois tipos de políticas: de governo e de políticas de Estado. Políticas de governo são aquelas que o Executivo decide o processo elementar de formulação e implementação de determinadas medidas e programas, visando responder as demandas da agenda política interna, ainda que envolvam escolhas complexas. Já as políticas de Estado são aquelas que envolvem mais de uma agência do Estado, ando em geral pelo Parlamento ou por instâncias diversas de discussão, resultando em mudanças de outras normas ou disposições preexistentes, com incidência em setores mais amplos da sociedade. Considerando os conceitos citados acima, podemos refletir, preliminarmente, que as políticas de governo podem se tornar políticas de Estado se houver mobilização social no sentido da garantia dos direitos da maioria da população. Nessa perspectiva, vamos dialogar a seguir sobre os cenários de hegemonia e contra hegemonia, bem como o papel do educador nesse contexto da globalização neoliberal e suas implicações nas políticas públicas de educação.
Políticas educacionais globais: algumas implicações nas políticas educacionais locais O fenômeno da globalização contemporânea, em voga, no contexto das políticas educacionais, econômicas e sociais, pode nos parecer recente, porém por evidenciar a necessidade humana de interação entre os grupos e os meios, aos quais estão interligados, a globalização se apresenta como aspecto intrínseco da evolução humana. Políticas públicas de educação nas arenas da globalização neoliberal: o papel do educador
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Para Abdi (2012), o ato de globalizar deveria ser, nesse contexto, um traço primordial humano acerca dos nossos desejos e expectativas a respeito do ambiente físico e social. Segundo o autor, as civilizações antigas devem ter sobrevivido através da manutenção da coesão da sua unidade como sendo diferente de todos os outros grupos, próximos ou afastados. Porém, estas diferenças levaram também ao que Abdi (2012, p. 47), denominou de ‘superioridade presumida’, quando um grupo se colocou em um patamar de maior importância em relação a outros grupos, e o ato de influenciar a realidade dos outros, tornou-se dominação. Dessa forma, o colonialismo de territórios e mentes, presente desde os primórdios da nossa história, atualmente se repete, com outras roupagens. Segundo Akkari (2011), a globalização evoca a universalização dos desafios nacionais e o advento de um mundo de interdependências econômicas, sociais, culturais, financeira, energética, climática etc. Nessa perspectiva, Shultz (2012) afirma que a globalização e as políticas de redes transnacionais veem a autoridade dispersada, além do Estadonação, e legitimam conhecimentos políticos e interesses, não necessariamente localizados dentro do Estado-Nação ou da comunidade local. Teodoro (2011) afirma que o projeto de desenvolvimento principiado depois da Segunda Guerra Mundial, pautado na modernização e tendo no Estado-Nação o seu espaço privilegiado, sinalizava para o desenvolvimento econômico nacional pautado em programas de assistência de caráter bi e multilateral em que os planos nacional e internacional se apresentavam interligados e a unidade política era constituída pelo espaço nacional como força mobilizadora das populações para o alcance dos ideais da modernização (grifos do autor). Ainda segundo o autor, esse projeto de desenvolvimento nacional culminou por conduzir a uma “[...] integração econômica global, a partir da crise da dívida pública dos anos 1980, fez deslocar os termos do desenvolvimento de uma questão dominantemente nacional para uma questão progressivamente global” (TEODORO, 2011, p. 23) (grifos do autor). Shultz (2012) contribui ainda, postulando que as pressões para a globalização mudaram os arranjos de governança e com elas mudaram também 136 |
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a noção de Estado-Nação e do cidadão, desestabilizando a legitimidade estável do Estado enquanto promotor da justiça e do desenvolvimento social. Esta desestabilização tem como consequência a abertura de espaços para a autoridade externa, por meio de agências e tratados internacionais. Estes organismos internacionais fortalecem a ideia de hegemonia, em nome de uma harmonização, porém desconsideram o contexto local nas suas mais elementares diferenças e necessidades. O que é considerado solução parte do exclusivo interesse dos atores hegemônicos, tendendo a participar de sua própria natureza e de suas próprias características. A tirania do dinheiro e a tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. Essas tiranias conduzem à aceleração dos processos hegemônicos, legitimados pelo “pensamento único”, enquanto os demais processos acabam por ser deglutidos ou se adaptam iva ou ativamente, tornando-se hegemonizados (SANTOS, 2002, p. 91-92).
No contexto educacional, essa tendência está presente como, por exemplo, no atual sistema de ranqueamentos educacionais, dentre eles, o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA), no contexto global e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e a Prova Brasil, entre outros, no contexto local. Diante do exposto, a educação, vista anteriormente como um projeto da sociedade, ou a ser vista apenas como espaço para se construir as capacidades dos indivíduos (OLSSEN; CODD; ONEIL, 2004 apud GUIMARÃES-IOSIF, 2012). No Brasil muitas têm sido as influências dos organismos internacionais no sentido da implementação de políticas voltadas para o setor mercadológico e da formação para a mão de obra, em detrimento à formação para o exercício pleno do direito e da cidadania. A expansão dos sistemas de ensino é resultado de política cuja finalidade maior era formar mão de obra especializada para trabalhar no setor industrial que despontava como única alternativa para o desenvolvimento econômico do país. Infelizmente, a escola pública se expande no
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Brasil com o propósito de colonização de mentes e uniformização do pensamento – e não de promoção da autonomia e da emancipação. (GUIMARÃES-IOSIF, 2012, p. 59)
Nessa perspectiva, os sistemas de ensino tendem a reproduzir as relações de poder entre as classes sociais, proporcionando uma educação meramente instrumental e profissionalizante para a maioria da população em detrimento de uma educação mais abrangente para uma minoria privilegiada. Santos (2002) afirma que corremos o risco de ver o ensino reduzido a um simples processo de treinamento, a uma instrumentalização das pessoas, a um aprendizado que se exaure precocemente ao sabor das mudanças rápidas e brutais das formas técnicas e organizacionais do trabalho exigidas por uma implacável competitividade. Daí a difusão acelerada de propostas que levam a uma profissionalização precoce, à fragmentação da formação e à educação oferecida segundo diferentes níveis de qualidade, situação em que a privatização do processo educativo pode constituir um modelo ideal para assegurar a anulação das conquistas sociais dos últimos séculos. Dessa forma, “A escola deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos” (SANTOS, 2002, p.151). É nesse cenário que a participação política, a mobilização pela garantia dos direitos e da cidadania emergem como forças contra-hegemônicas e, mesmo diante de um mundo globalizado, em que a comunicação é mediada pelos avanços tecnológicos, minimizando as barreiras entre as fronteiras, as ideias contra-hegemônicas precisam estar cada vez mais nas pautas locais. É preciso pensar na formulação de políticas públicas no âmbito global, considerando a dimensão do contexto local.
Ideias contra-hegemônicas e o papel do educador Autores como Dale (2001), Afonso (2001; 2003), Ravitch (2011), Guimarães-Iosif (2009), Freire (2000), Maguire (2013) dentre outros, dialogam sobre a necessidade de uma tomada de decisão do ponto de vista político frente às questões, que envolvem o processo de formação, sobre a prática pedagógica, seus fundamentos, concepções e ideologias. 138 |
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Nesse contexto, Dale (2004) afirma que a globalização representa a ideia do progresso, no sentido da homogeneidade cultural, enquanto um conjunto de forças que tornam os Estados-nação obsoletos e que pode promover como resultado algo parecido como uma política mundial, pautada pelo crescimento irresistível da tecnologia da informação. Segundo o referido autor, para os institucionalistas mundiais, principais defensores dessa ideologia, tanto os Estados-nação, quanto os próprios Estados, devem ser moldados por normas e cultura universais. De acordo com esta perspectiva, a educação de massas e os currículos da escola de massas estão estritamente ligados aos modelos emergentes de sociedade e de educação que se tornaram relativamente padronizados em nível mundial. Estes modelos padronizados ou ideologias criaram efeitos culturais homogeneizantes que minam o impacto dos fatores nacionais e locais ao determinarem a composição do currículo (DALE, 2004, p. 432).
Nesse cenário, Afonso (2001) afirma que a principal intervenção do Estado na atualidade diz respeito ao seu caráter avaliador, promovendo assim um ethos competitivo que se explicita na pressão exercida sobre as escolas nos Ensinos Fundamental e Médio, através da avaliação externa (exames nacionais, provas aferidas ou estandardizadas), e através do predomínio de uma racionalidade instrumental e mercantil que tende a sobrevalorizar indicadores e resultados acadêmicos quantificáveis e mensuráveis, sem levar em consideração as especificidades dos contextos e dos processos educativos locais. Neste sentido, Ravitch (2011) chama a atenção sobre a relação Estado e mercado, relação esta que se estabelece com base na crença de que o Estado trará melhorias diante de um quadro de fracasso da escola e diante da sua baixa performance em relação ao sistema de ranqueamento. Dessa forma, a escola a a ser vista como obsoleta e ineficaz, sem incentivo para se aprimorar, reforçando a ideia do mercado enquanto força propulsora da inovação e da eficiência na educação. Políticas públicas de educação nas arenas da globalização neoliberal: o papel do educador
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Segundo Guimarães-Iosif (2009), na visão dos professores, as atuais políticas de avaliação educacional têm sido conduzidas de forma a não contribuir para a melhoria da qualidade do ensino, uma vez que apenas constatam o fracasso e reduzem a autonomia docente. Os professores acreditam que uma das grandes falhas das atuais políticas de avaliação é que elas não se preocupam se as escolas vão discutir os resultados com seus professores em sala de aula. Os professores só tomam conhecimento do processo quando seus alunos têm que responder aos testes ou quando a direção da escola os pressiona para que diminuam o número de reprovações e, assim, melhorarem os dados da escola na próxima avaliação (GUIMARÃES-IOSIF, 2009, p.141).
Algumas implicações tendem a surgir nesse contexto, tais como a desmobilização da classe de educadores, a fragilização do fazer e do pensar docente, a fragmentação do conhecimento, implicações essas que comprometem uma prática educativa que promova a cidadania emancipada, tornando o educador vulnerável aos interesses de políticas que, utilizandose desse sistema de ranqueamento, nutrem a competição e os impulsos mercadológicos, comprometendo os processos democráticos, tal como nos afirma Freire (2000, p. 24), “[...] uma democracia fundada na ética do mercado que malvada e só se deixando excitar pelo lucro, inviabiliza a própria democracia.” [grifos do autor], Nesse contexto, Maguire (2013) sinaliza para um olhar crítico sobre as novas exigências de políticas de avaliação, sobretudo em termos globais, em que “A educação tem sido reposicionada como um instrumento vital para criar e manter a prosperidade econômica e para reter uma margem competitiva nos mercados mundiais” (p. 78). Ainda com base na autora, a formação inicial dos educadores, a a ser regulada e controlada com base em listas de competências, com ênfase na experiência bem sucedida, através de métodos centralmente prescritos, tornando a formação de professores construída como uma habilidade sem qualquer vínculo com a complexidade política (MAGUIRE, 2013), 140 |
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desmobilizando quaisquer ações direcionadas para a ressignificação da docência numa perspectiva de participação política e democrática. Nesse sentido, Guimarães-Iosif (2009, p. 95) afirma que “[...] não há dúvidas quanto a necessidade de uma política de Estado que brote da realidade brasileira [...]”, especialmente no campo educacional, porém o que constatamos atualmente é que “[...] o Estado está cada vez mais distante das funções de bem-estar social e das obrigações que assumira quando era o principal provedor e fornecedor de bens e serviços educativos” (AFONSO, 2001, p. 27). Em oposição a ideologia neoliberal, Afonso (2003), afirma que no âmbito da educação, comparativamente com outras áreas, parece ocorrer uma “globalização de baixa intensidade” em decorrência da resistência em relação ao impacto da globalização, pois os efeitos nesse campo não parecem tão diretos e profundos quanto em outros setores. Essa resistência ao impacto da globalização pode ser explicada, numa análise preliminar, por ser a escola uma instituição de, pelo menos, duas faces; uma predominantemente reprodutora (BOURDIEU; ERON, 1975), na qual as ideologias hegemônicas encontram espaço para se difundir, e outra marcadamente transformadora, na qual outras formas de gestão educacional são desenvolvidas numa perspectiva contra-hegemônica e emancipatória (FREIRE, 1983), pois “[...] é preciso não esquecer que a Educação e as políticas educacionais também devem ser pensadas e equacionadas como parte integrante dos processos de globalização contra hegemônica” (AFONSO, 2003, p. 45). Nesse sentido, quando nos reportamos a globalização, também pode se ter em mente, quer a expressão de movimentos sociais de resistência, quer as experiências e iniciativas concretas de mudança social, muitas vezes iniciadas localmente e ampliadas globalmente (AFONSO, 2001), pois “[...] em tempos de crise, a Educação continua a ser a única esperança dos grupos sociais para ter uma chance de ascensão social” (AKKARI, 2011, p. 51). Nessa perspectiva é possível analisar a globalização enquanto arena de disputa entre as ideologias que pautam as políticas externas e internas dos Estados-nação. Por arena entende-se o campo da ação política onde diferentes Políticas públicas de educação nas arenas da globalização neoliberal: o papel do educador
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agentes políticos estão lutando para alcançarem suas metas e interesses. O Estado, as Organizações Internacionais, o Mercado e a Política Educacional, são exemplos de arenas de disputa no âmbito da governança internacional (LEUZE; MARTENS; RUSCONI, 2007). É o equilíbrio ou a tensão entre as forças hegemônicas e contra- hegemônicas que pode oferecer condições para que haja justiça social para todos. A promoção da justiça social não pode mais ser vista como responsabilidade exclusiva do Estado. Se aceitarmos, por exemplo, que a justiça social requer o reconhecimento de diversas identidades e modos de associação inclusiva e não marginalizadoras, somos, de fato, todos responsáveis pela promoção da justiça social (GEWIRTZ; CRIBB, 2011, p. 132).
A justiça social no contexto global parece um horizonte distante e utópico 31, principalmente por causa das desigualdades econômicas mundiais e da estrutura e do poder dos organismos internacionais que manipulam as políticas de acordo com os interesses das nações mais poderosos, mas não pode deixar de ser uma meta a ser perseguida, localmente, e exigida globalmente. Para tanto, faz-se indispensável “[...] reconvocar a comunidade para protagonizar uma nova proposta de regulação social, mais justa, capaz de repor a equação entre regulação social e emancipação social” (AFONSO, 2003, p. 39). O processo de formulação e implementação de políticas públicas pode sofrer transformações no seu decorrer, devido a alterações que ocorrem nas arenas políticas. “É preciso levar em conta o caráter dinâmico ou a complexidade temporal dos processos políticos” (SILVA, 2012, p. 19). Enfatizamos, porém, a necessidade de estarmos mais atentos às ideologias que permeiam os processos, sobretudo aqueles que pautam a construção e implementação das políticas educacionais. Enquanto educadores, precisamos refletir sobre as nossas responsabilidades diante desses processos. Numa 31 Adotamos aqui o conceito desenvolvido por Eduardo Galeano, escritor Uruguaio, “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois os, ela se afasta dois os. Caminho dez os e o horizonte corre dez os. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Disponível em: http:// pensador.uol.com.br/frase/ODczMTQ/ o em 9 fev. 2014.
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perspectiva global precisamos acompanhar efetivamente o avanço dessas políticas e a influência das agências internacionais no âmbito da educação, com foco na nossa realidade local.
Considerações Finais As idéias, aqui apresentadas, continuam provocando reflexões e inquietações acerca das questões que envolvem a sociedade no contexto da globalização neoliberal. Queremos, contudo, evidenciar o quanto o processo de globalização pode ser propulsor de conhecimento e desenvolvimento social, fomentador de diálogos, de disseminação de ideias multiculturais, ampliando as fronteiras físicas através do avanço tecnológico, tão necessário e evidenciado nos dias atuais. Diante do exposto, faz-se imprescindível a articulação em grupos de estudo, a participação e o diálogo entre as organizações globais e locais, com vistas à ampliação da discussão sobre as ideias contra-hegemônicas como forma de enfrentamento dos desafios impostos pela globalização neoliberal. As ideias trazidas, à baila neste artigo, complementam-se no sentido de sinalizarem para as muitas possibilidades de transformação do atual quadro em que se encontra a educação, no contexto das políticas educacionais neoliberais. A responsabilidade do poder público, do Estado, não fica à margem dessas ideias. Esses aparelhos constituem forças imprescindíveis, cuja responsabilidade, além de fundamentadas nos textos legais, são também a garantia da manutenção do Estado Democrático de Direito. Para além das nossas responsabilidades, enquanto cidadãos e educadores, queremos enfatizar a importância, nesse contexto, do sonho e da utopia. São muitas as contribuições dos autores citados, pois essas ideias dialogam com o cosmopolitismo subalterno e insurgente, Apesar de todas estas dificuldades, o cosmopolitismo subalterno e insurgente tem tido êxito em demonstrar credivelmente a existência de alternativas à globalização hegemônica, neoliberal. Por esta razão, o que denominamos de global e globalização não pode ser concebido senão como o resultado provisório, parcial e reversível da luta permanente entre dois modos de produção de globalização, ou seja, entre duas globalizações rivais. (SANTOS, 2010, p. 441) Políticas públicas de educação nas arenas da globalização neoliberal: o papel do educador
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Acreditar nas muitas possibilidades, diante desse quadro de dificuldades, é fator imprescindível para avançarmos nas proposições para uma educação que de fato possibilite o livre pensar, que exercite a crítica reflexiva e que permita um posicionamento político frente às opressões advindas dos fenômenos da globalização neoliberal. No âmbito da participação social, Silva (2012) afirma que o governo não é o único ator no desenvolvimento e implementação de política públicas. Vários atores participam desse processo, como associações, organizações não governamentais, empresas, instituições públicas e privadas, entre outros, são considerados importantes agentes de políticas, embora “a relação entre estado e sociedade civil nos países em desenvolvimento não esteja articulada e nem funcionando de maneira apropriada” (SILVA, 2012, p. 35). Nessa direção, os movimentos sociais, enquanto organizações locais de resistência às pressões advindas das forças hegemônicas, atuam como forças de empoderamento dos atores locais, considerando as especificidades e as necessidades a estes pertinentes. Para Gohn (2003), a prática cotidiana das lutas dos movimentos sociais leva à formação de uma contracultura, que contribui com a ruptura da alienação promovida pela cultura dominante, em que os indivíduos desenvolvem os no sentido de tornarem-se sujeitos de sua própria história, numa perspectiva de cidadania coletiva que reivindica direitos sobre a forma de concessão de bens e serviços e não apenas a inscrição desses direitos em lei, bem como reivindica espaços sociopolíticos, sem com isso perder a sua identidade cultural. Nesse contexto, a escola pública, enquanto direito e bem comum, construída e constituída historicamente através do apelo e da mobilização dos atores sociais, tem uma grande contribuição nesse sentido, pois pode se tornar um espaço de discussão sobre as pautas que permeiam as políticas públicas educacionais e sociais, a partir do ‘local’, numa perspectiva ‘global’. Considerando as contradições sobre globalização, é preciso buscar uma melhor compreensão da ação dessas ideias nas pautas que determinam as políticas de educação, cujo debate precisa avançar em relação à superação da cultura do conformismo, em que os atores, nesse contexto, os educadores, se veem desacreditados da força de articulação das ideias contra-hegemônicas 144 |
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como forma de minimização dos efeitos que restringem os avanços para uma educação transformadora. Nessa perspectiva, a participação para Bordenave (1994, p. 8), amplia a significação de democracia para além de um método de governo onde existem eleições “[...] é um estado de espírito e um modo de relacionamento entre as pessoas. Democracia, portanto, é um estado de participação.” Freire, (2000, p. 118-119), nos fala de um “[...] pensamento profético, que é também utópico, implica a denúncia de como estamos vivendo e o anúncio de como poderíamos viver.” Nesse sentido, o autor ressignifica a prática de profetizar, pois não apenas falando do que pode vir, mas falando como está a realidade, denunciando-a, anuncia um mundo melhor. Nessa direção, Guimarães-Iosif (2009, p. 206) nos fala do sonho de uma escola pública ética como um sonho urgente e viável. Para Abdi (2012, p. 63), “[...] a rota mais saudável pode ser a de humanizar a globalização mais ativamente, para que assim, ela alcance contextos educacionais mais significantes e mais viáveis localmente” [grifos do autor]. Diante destas ideias, fica o chamado para um olhar sobre as muitas possibilidades de mudança, a partir de um “[...] processo de permanente “emersão” no hoje, “molhados” do tempo que vivemos, tocados por seus desafios, instigados por seus problemas [...]” (FREIRE, 2000, p. 117). Enquanto educadores, pautados na ética, precisamos atender a este chamado, não podemos apenas esperar. Estamos todos, indignados, inquietos. Façamos desses sentimentos forças propulsoras para a transformação da nossa sociedade, com vistas à justiça e ao desenvolvimento social. Inspirados em Paulo Freire (2000), estamos convictos de que é preciso denunciar, de que é necessário tornar visíveis os indivíduos invisibilizados pelas políticas excludentes, forjadas pelas elites dominantes, que podem e devem ser questionadas e repensadas a partir da nossa capacidade de mobilização e articulação, conscientes do nosso processo de formação histórica, considerando as experiências, as ideias dos nossos anteados, cientes da nossa responsabilidade e da nossa capacidade de aprender e de superar a força de uma ideologia, neste contexto, da globalização neoliberal. Diante do exposto, o educador, não é o ator exclusivo, mas a depender de seu compromisso com a transformação da sociedade pode ser o protagonista Políticas públicas de educação nas arenas da globalização neoliberal: o papel do educador
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na promoção de “[...] uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política” (FREIRE, 1967, p. 19). A ação educativa numa perspectiva política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação sob pena de se fazer “bancária” (FREIRE, 1987). É essa crítica que contribui para que o professor tenha uma atuação diferenciada, que favoreça a promoção da cidadania dos educandos.
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Políticas públicas de educação nas arenas da globalização neoliberal: o papel do educador
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8 A POLÍTICA EDUCACIONAL NO CONTEXTO NEOLIBERAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA Isabela Cristina Marins Braga 32 Juliana Lacerda Machado33 Ranilce Guimarães-Iosif 34
O presente capítulo discute a questão da profissionalização docente diante da reconfiguração das políticas públicas educacionais sob a égide neoliberal. O discurso predominante, ressalta que os problemas sociais, dentre eles a precarização da escola, com destaque para a falta de o e qualidade, só podem ser resolvidos com a adoção de modelos educacionais estandardizados, que se ancoram numa avaliação produtivista, cujo ator principal é o EstadoAvaliador (AFONSO, 2001; 2003) que se ocupa de mostrar os resultados ao mercado, mas desvencilha-se da sua responsabilidade enquanto provedor da sociedade. As consequências da nova postura das políticas educacionais recaem principalmente sobre o docente, que muitas vezes encontra dificuldades de investir em sua formação e de ter seu trabalho reconhecido e valorizado. Apesar da profissionalização docente ser alvo de vários debates no meio acadêmico (AKKARI, 2011; BARBOSA, 2011; SILVA, 2012), verifica-se uma distância 32 Mestre em Educação pela UCB. 33 Mestranda em Educação da UCB. 34 Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB e professora adjunta do Departamento de Estudos de Política Educacional da University of Alberta, Canadá.
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entre o discurso e a prática, especialmente no que se refere às condições de trabalho, carreira e remuneração.
A reconfiguração das políticas educacionais e o novo papel do Estado diante da educação Recentemente foi divulgada uma pesquisa realizada com alguns países sobre a valorização do professor35 . O Brasil, um dos países participantes, ocupou o penúltimo lugar, evidenciando um resultado preocupante, e que mais uma vez coloca em cheque o sistema educacional. A profissionalização docente, ou melhor, a necessidade de uma definição clara do papel do professor, especialmente no campo da educação básica, surge como a pedra angular das atuais políticas educacionais. A ascensão do modelo capitalista, especialmente a partir da década de 1990, aponta o neoliberalismo como uma solução imediata para os problemas sociais, dentre eles, a dificuldade de prover uma escola pública de qualidade e ível a todos (AKKARI, 2011). A relação público-privado, cada vez mais estreita, surge como uma panaceia para os problemas educacionais, reconfigurando o papel do Estado, que a de provedor da sociedade, para exercer seu novo papel de Estado-avaliador (AFONSO, 2001; 2003) das políticas públicas educacionais com vistas à atender às demandas mercantis. Para iniciarmos uma discussão acerca das mudanças sofridas no contexto educacional, por força do neoliberalismo, é importante tecermos o conceito de política educacional, que para Santos (2012), esta, como qualquer outro tipo de política, está alicerçada no exercício de poder na sociedade, constituindo-se como: [...] toda e qualquer política desenvolvida de modo a intervir nos processos formativos (e informativos) desenvolvidos em sociedade (seja na instância coletiva, seja na instância individual) e, por meio dessa intervenção, legitima, constrói ou desqualifica (muitas vezes de modo indireto) determinado projeto político, visando a atingir determinada sociedade. (SANTOS, 2012, p. 3, grifo do autor). 35 Reportagem exibida no jornal Bom dia Brasil, no dia 04 de outubro de 2013, disponível no site:
. o em: 09 out. 2013.
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Nesse sentido, é prudente questionarmos alguns pontos centrais desse conceito, como por exemplo, que tipo de formação é buscada pelas atuais políticas educacionais? Até que ponto o mercado sinaliza o tipo de educação que devemos ter? Como a profissão docente tem sido compreendida frente às mudanças estruturais do Estado, por força da globalização hegemônica? Independentemente do nível de ensino, esses questionamentos estão cada vez mais latentes, reconfigurando mais do que o aspecto istrativo, com a presença cada vez maior de instituições de ensino privadas, mas sobretudo, trazendo um novo viés sobre a educação, como aponta Shultz (2012, p. 32, grifo da autora): Aprender e ensinar se tornaram commodities dentro do sistema econômico global. Essa “comodificação” é parte do projeto de se criar um sistema econômico e educacional global harmonizado, como um serviço que pode ser comprado, e isto se tornou a ferramenta primordial para se criar esse sistema.
Há portanto, uma distorção do verdadeiro sentido da educação, em que, a formação para a cidadania emancipada, dá lugar a um rentável investimento, que aposta na racionalização do Estado, na internacionalização da educação, na qualidade da educação expressa em números, e, principalmente na avaliação meritocrática, com enfoque produtivista (BRAGA, 2012; CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2001; TAVARES, 2011). Para o trabalho docente, as consequências das alterações políticas na educação, apontam a necessidade de um profissional cada vez mais flexível, capaz de assumir vários papéis, uma vez que precisa dar conta das exigências da sala de aula, além de assumir algumas tarefas ou funções istrativas, por força da descentralização escolar. (MICHELS, 2006). Em nome da lógica global, em detrimento das particularidades sociais e culturais de cada nação, instaurou-se a necessidade de promover mudanças no sistema educativo, com enfoque na economia internacional, afetando direta ou indiretamente o trabalho e a função dos educadores. Sobre essa situação, Rodríguez e Vargas (2008, p. 44) argumentam que: A política educacional no contexto neoliberal e suas implicações na profissionalização docente da educação básica
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Neste período, se verificou um aprofundamento do processo de globalização, acompanhado por uma intensa exclusão de alta percentagem da sociedade mundial. Predomínio da lógica do mercado nas relações sociais, flexibilização e precarização do emprego. Incremento das desigualdades sociais, da pobreza, e do empobrecimento de vastos segmentos da população que os colocam em situação de miseráveis.
O resultado dessas contradições é a falta de tempo e incentivo para a dedicação da prática social do trabalho docente, seja na educação básica, seja no ensino superior, uma vez que isso não faz parte das prioridades da atual política educacional (BRAGA; GUIMARÃES-IOSIF, 2012). A globalização hegemônica prega um modelo estandardizado de avaliação, em que a qualidade social da educação é transformada em um enfoque produtivista, que visa o ranqueamento entre as instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas, de modo a oferecer um ao mercado (GUIMARÃES; CHAVES, 2011; DOURADO, 2002). Dentro dessa concepção mercadológica, a lógica istrativa na escola, prega uma eficiência baseada na lucratividade, em que pese a necessidade de cortar gastos (especialmente no que se refere à pesquisa e à extensão) e, é claro, subjugando o trabalho docente e a necessidade de investir na formação deste importante profissional. (BRAGA, 2012; CHAVES, 2006). A presença de outros atores no campo educacional (Banco Mundial e OCDE) e a reconfiguração do Estado para contemplar as exigências neoliberais, reforça a necessidade imperiosa de buscar medidas efetivas para lutar por uma educação contra-hegemônica (SANTOS, 2010), para que, situações como a desvalorização docente, citada no início deste capítulo, dê espaço para políticas públicas educacionais, que primem pela qualidade da educação e pela dignidade da profissão docente, a começar com a adoção de estratégias efetivas voltadas sua para formação, especialmente no campo da educação básica, conforme analisaremos a seguir.
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A formação docente para a educação básica: perspectivas e contradições Há uma forte tendência internacional, na formação de professores, que se refere ao processo de universitarização ou terceirização da formação, como expõe Akkari (2011). O autor aponta que este processo foi precoce na América do Norte, ocorrendo nos anos de 1950 e 1960; na França ele ocorreu até os anos de 1980 e, já na Suíça e no Brasil, só a partir de 2000, é que se vê o princípio da universitarização da formação de professores ser adotado. Seguindo essa tendência internacional, a formação de professores para a educação básica no Brasil a a ser realizada na educação superior como estabelecido na Lei 9.394/1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, BRASIL, 1996). Devido aos graves problemas em torno do processo de ensino-aprendizagem e qualidade da educação básica, tem-se intensificado a preocupação e discussão em torno dos cursos de licenciatura, já que estes são responsáveis pela formação inicial de professores. Contudo, mesmo a referida Lei (BRASIL, 1996) elucidando a necessidade de formação de nível superior para os professores da educação básica, o caminho a percorrer ainda é grande. Peixoto (2012) mostra que em 2010, cerca de 50% dos professores da educação infantil não tinham titulação de nível superior. Em relação aos professores de toda a educação básica, esse percentual também se mostra elevado, com aproximadamente 30% dos docentes sem graduação. A política educacional, ao confiar a formação de professores a instituições de nível superior, procurou oferecer aos futuros docentes uma formação mais científica e menos centrada em fórmulas prescritas, como destaca Akkari (2011). O autor faz ainda uma afirmação preocupante, já que ele evidencia o fato de que as universidades têm tido certa resistência ao oferecer formações profissionais, com exceção daquelas consideradas de prestígio como medicina, direito, engenharia, entre outras, sem contar na distância existente entre a universidade e a escola. Silva K. (2012) ressalta que o modelo que inspira a universidade brasileira, ensino-pesquisa-extensão e que promove a formação de professores traz algumas contradições, já que a formação docente tem ocupado um lugar A política educacional no contexto neoliberal e suas implicações na profissionalização docente da educação básica
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bastante secundário nele. “Este fato é explicado por múltiplos determinantes, entre eles, o campo de atividade da ciência que, então, se evidencia pela luta em torno da autoridade científica, das instâncias legitimadoras do poder e distribuidoras do seu capital social” (SILVA, K., 2012, p. 202). Dessa forma, os resultados das atividades científicas vão depender das condições iniciais de cada uma. Não dá para pensar a formação de professores apenas na perspectiva da universidade como produtora de saber frente à escola, pois como destaca a autora supracitada, a escola também produz saberes essenciais na constituição da formação inicial e continuada dos professores. Segundo Zeichner (1998) muitas vezes o conhecimento produzido pela universidade não faz sentido na escola e o conhecimento produzido na escola não é valorizado pela universidade, assim percebe-se um desencontro entre universidade e escola, e tem-se, portanto, uma dicotomia entre teoria e prática. Outro aspecto importante a ser discutido são as deficiências que acompanham a formação de professores da educação básica, sendo estas consideradas uma das questões básicas a serem debatidas quando se pensa na educação brasileira, como afirma Severino (2004). O autor ressalta que se pode considerar as deficiências que assolam a formação de professores a partir de três aspectos, sendo eles: o institucional (ao se referir às más condições do trabalho docente, ineficiência de uma política de financiamento e gestão mais arrojadas), o pedagógico (considerando a fragilidade do caráter de pesquisa dada a formação de professores e a insuficiência da prática durante o processo formativo do professor, sem falar na formação disciplinar que colabora com uma visão de um mundo fragmentado, que não dá conta da complexidade que cerca o trabalho docente), o ético-político (já que a formação não é capaz de desencadear no futuro professor a decisão ética de ajudar na promoção da construção da cidadania discente). Observa-se que esses três aspectos são centrais ao se discutir formação de professores. Muitos estudos têm sido realizados e tem contribuído para essa discussão, como é o caso do estudo de Gatti (2010) que traz questões relevantes a respeito da formação de professores na atualidade. Nele a autora aborda as características e problemas da formação de professores na atualidade, e fica 156 |
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evidente que a situação retratada não demonstrava avanços significativos. O estudo da autora se baseou na análise de projetos pedagógicos de cursos de licenciaturas de instituições públicas e privadas das cinco regiões do País, e ficou evidente que as condições dos cursos de formação de professores para a educação básica necessitam de reestruturação, pois segundo a autora, falta um eixo formativo para a docência, o que acaba acarretando uma formação frágil, distante das necessidades exigidas pela educação básica. Sobre a formação de professores, a fragmentação é clara. Segundo dados do Censo da Educação Superior (BRASIL, 2011) é o setor privado responsável pela formação de 78,5% das matrículas em cursos de graduação presenciais no Brasil, a maior parte em instituições não universitárias e em cursos noturnos. Essas instituições têm demonstrado situações precárias para a oferta dos cursos, porém, os mantém pelo fato de as licenciaturas serem cursos, que apresentam menor custo de oferta, assim acabam sendo privilegiados por essas instituições. Portanto, a formação de professores, no Brasil, dá-se em grande parte em instituições privadas, não universitárias e em cursos oferecidos no período noturno, conforme destaca Scheibe (2010). O País carrega, ainda, uma tradição disciplinar de não privilegiar o caráter mais interdisciplinar na formação relacionado ao campo da prática curricular da educação básica. A formação de professores para a educação básica deve partir de seu campo de prática e agregar, a ele, conhecimentos que vão além do pedagógico, que partam do princípio da educação cidadã, que tenham um caráter mais humano, social e político, pois, como ressalta Gatti (2010) o trabalho docente deve ter fundamentos e mediações considerados valorosos, por se tratar de formação voltada ao trabalho educacional com crianças e adolescentes. Por isso, Brzezinski (2007, p. 232) reforça a importância de alguns aspectos na formação, tais como “[...] a polivalência e a especificidade, a participação e a individualização, a liderança e a cooperação, a abstração e as práticas concretas, a detenção do conhecimento e o domínio das tecnologias, a decisão do trabalho em equipe”. Todos esses conhecimentos, saberes e habilidades resultam em uma nova maneira de entender a educação, expressa por Santos (1996, p. 17) como “[...] educação para o inconformismo, para um A política educacional no contexto neoliberal e suas implicações na profissionalização docente da educação básica
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tipo de subjetividade que submete a uma hermenêutica de suspeita a repetição do ado”, o que acaba representando o conhecimento para a emancipação, representada pela pedagogia da autonomia defendida por Freire (2011). Destacamos como alternativa para a questão da formação docente, uma ampla integração da pós-graduação stricto sensu da área de Educação, com a educação básica, por ser esta área a responsável pela formação de futuros professores e pesquisadores para todos os níveis educacionais. A universidade tem o compromisso com a indissocialibilidade entre o ensino-pesquisaextensão, delineamento este, que foi dado pela pós-graduação na década de 1970 (SEVERINO, 2011; WEBER, 2012). Portanto, a pesquisa, tão importante para a construção do conhecimento, deve abrir espaço também para a prática social, especialmente no que se refere à formação dos professores da educação básica, que, constantemente tem sua qualidade questionada em consequência da desvalorização deste profissional.
Profissionalização docente: o discurso e a prática Considera-se, entre outros aspectos, que a docência é resultado de um processo histórico carregada de elementos de natureza liberal do profissionalismo e elementos do ideário religioso da vocação. Como resultado desse processo, verifica-se que o profissionalismo docente no Brasil foi pouco alcançado, porém ele existe na forma de discurso, como um ideário prometido, sempre renegado ao futuro distante e indeterminado. Ao se discutir a posição das licenciaturas, é necessário analisar o lugar que vem ocupando a profissão docente na sociedade, como mostra Silva, K., (2012). Observa-se a precarização da docência por meio do aviltamento salarial e precariedade das condições do trabalho, o que muitas vezes justifica o desinteresse dos jovens pela profissão. Gatti (2000) também aponta que o modo como tem-se dado a configuração da docência, bem como os baixos salários dos professores têm contribuído para a não atratividade da careira, pois conforme a autora isto se dá tanto pelas condições de formação oferecidas quanto pelas condições de exercício e precarização em que se encontra a profissão docente. 158 |
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Segundo Freitas (2011) a questão fundante ao se falar da ocupação de professor é analisar se está ou não diante de uma profissão. Para tanto, o autor cita um estudo de Wilensky (1964) que procurou entender as profissões em geral, traçando alguns estágios do desenvolvimento destas. Ele apontou cinco estágios que caracterizam o desenvolvimento das profissões mais estruturadas: ocupação em tempo integral; estabelecimento de uma agência de formação, que prepara o profissional para uma ocupação específica; fundação de uma associação profissional; agitação política desenvolvida pela associação com a finalidade de encaminhar as reivindicações e interesses dos profissionais; e por último a adoção de um código formal para a profissão. Ao relacionar os estágios de desenvolvimento de uma profissão estruturada com a profissão docente no Brasil, Freitas (2011) fez uma análise minuciosa e apontou que falta pelo menos uma dessas características citadas, anteriormente, à ocupação de professor, a do exercício em tempo integral, já que no Brasil se convive ainda com a professora de séries iniciais do ensino fundamental trabalhando meio período e o professor horista nos anos finais e no ensino médio, sendo que este pode chegar a atender 400 alunos na semana por ministrar aulas em diferentes instituições de ensino. Outra característica das profissões desenvolvidas é a criação de uma associação profissional, seus sindicatos, por exemplo. Segundo Webb e Webb (1973, p. 1) “[...] um sindicato é uma associação contínua de assalariados com o objetivo de manter ou melhorar as condições de suas vidas”. Assim, observa-se que o sindicato é uma associação de lutas, e quaisquer formas de reivindicações isoladas contra a exploração do trabalho não representam sindicatos. Freitas (2011) contribui com essa discussão ao afirmar que certas teses que pretendem destruir o sindicato têm, na verdade, a intenção de destruir a profissão. Os sindicatos sofrem ataques, já que participam do controle da profissão, disputando espaço com o Estado e o mercado. Para que as teses de mercado sejam aplicadas no campo da educação, é necessário acabar com a atuação do sindicato, e em seguida, retirar os direitos trabalhistas. Em países em que o mercado exerce grande influência sobre a profissão, os sindicatos, ou são aliciados ou acabam perdendo a força, persistindo uma permanente discussão e disputa pela privação de direitos trabalhistas. A política educacional no contexto neoliberal e suas implicações na profissionalização docente da educação básica
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Também, as teses que defendem que qualquer um pode ser professor e ser formado em qualquer instituição, estão seguindo a linha de destruição da profissão, como afirma Freitas (2011). Para o autor, as teses baseadas no controle da profissão pelo mercado pretendem também eliminar as instituições formadoras específicas do professor, observando-se assim, uma grande flexibilização de locais de formação do profissional, rapidez nessa formação, o que acaba provocando aumento do número de profissionais disponíveis no mercado. Além do mais, verifica-se a redução ou contenção de salários, o que acaba afetando os lucros nos processos de privatização da educação. A respeito da questão salarial do professorado brasileiro e suas implicações na prática docente, Barbosa (2011, p.137) publicou um estudo intitulado Os salários dos professores brasileiros: implicações para o trabalho docente, em que constatou que os salários dos professores brasileiros são baixos, “[...] principalmente se comparados aos de outras profissões com a mesma exigência de formação”. Esta afirmação serve para evidenciar mais um elemento da precarização e intensificação do trabalho docente, pois se a qualidade do trabalho docente é prejudicada, diversos setores da sociedade sofrerão consequências, visto a importância que é dada à educação na contemporaneidade. O referido estudo mostrou que os baixos salários provocam implicações, tanto sobre a profissão docente quanto sobre o professor. As implicações relacionadas à profissão seriam o baixo interesse na carreira e a dificuldade de reter os bons professores. Já as implicações sobre o professor como sujeito se referem “[...] a redução do seu poder aquisitivo e o sentimento de desânimo e insatisfação por pertencer a uma profissão pouco valorizada”, como aponta Barbosa (2011, p. 139). A precarização e a intensa jornada de trabalho dos professores para minimizar os danos dos baixos salários sobre a profissão e o sujeito professor dificultam cada vez mais o reconhecimento do trabalho docente como uma profissão bem estruturada. Para elucidar as contradições presentes na profissão docente, apresentaremos alguns dados de uma pesquisa em andamento36, que discute a 36 Projeto de Dissertação de Mestrado, do programa de Educação, da Universidade Católica de Brasília qualificado 09 de agosto de 2013 de Juliana Lacerda Machado (2013), intitulado: A educação superior e as políticas de formação docente: estudo sobre representações sociais em licenciaturas; orientado por Ranilce Guimarões-Iosif e co-orientado por Divaneide Lira Lima Paixão, em fase de análise dos dados.
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formação inicial de professores. Os dados da referida pesquisa foram coletados em uma Universidade Pública Estadual, localizada no Estado de Minas Gerais. Os cursos escolhidos, foram os de licenciatura, devido a importância que lhe é atribuída ao formar profissionais, cuja função é colaborar com a aprendizagem e construção da cidadania dos estudantes da educação básica. Apesar dos dados encontrarem-se em fase de análise, eles já apontam problemas referentes à precarização, intensificação e profissionalização do trabalho docente. Os estudantes foram questionados a respeito das expectativas com relação à atuação profissional, e a maioria afirmou que: “Para ser professor tem que realmente gostar da profissão, porque os profissionais da educação enfrentam muitos problemas na sala, problemas com os alunos, então é para quem realmente gosta. Na verdade pretendo me formar, mas não penso em exercer” (ESTUDANTE 14). “Não pretendo atuar como professora devido à falta de valorização deste profissional” (ESTUDANTE 25).
De acordo com as falas dos estudantes citadas acima é possível evidenciar uma preocupante realidade: a precarização da profissão docente, percebida pelos estudantes de licenciaturas, antes mesmo deles começarem a exercer a profissão na educação básica. Segundo Silva, A., (2012) o desprestígio da profissão professor, a pauperização, as precárias condições de trabalho, bem como a projeção na carreira e o salário, fazem com que os jovens se sintam desestimulados a seguirem a essa profissão. A autora aponta ainda que falta uma política de incentivo a carreira docente, o que acaba fazendo com que muitos jovens de talento para os estudos busquem seguir outras carreiras, que tenham maior reconhecimento social, melhor remuneração e condições de trabalho melhores. “Na falta de opção em outras licenciatura”(ESTUDANTE 21).
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O relato supracitado evidencia que alguns estudantes dos cursos de licenciaturas veem a docência como um ‘seguro desemprego’, ou seja, estão finalizando o curso e não pretendem exercer a carreira docente devido à precarização desta. Porém, caso não encontrem espaço no mercado de trabalho para exercerem outra profissão, aceitarão ministrar aulas, a fim de atender suas necessidades financeiras. Quanto a uma perspectiva mais positiva da profissão, uma minoria de estudantes veem a carreira com um olhar diferente, conforme verifica-se na fala abaixo: “Apesar das dificuldades já vivenciadas no estágio, e do baixo salário, tenho boas expectativas, pois pretendo fazer pós-graduação para lecionar no ensino superior, pois acho o salário melhor e as condições de trabalho mais gratificantes” (ESTUDANTE 10).
Neste relato, apesar do estudante afirmar querer seguir a carreira docente, mesmo reconhecendo as “dificuldades” e o “baixo salário” presentes na profissão, a escolha pela carreira está mais relacionada à pesquisa e a ser professor na educação superior, pois como o estudante acima afirma, nesse nível de ensino o salário é “melhor e as condições de trabalho mais gratificantes”. Dessa forma, percebe-se que a precarização da carreira docente é mais acentuada na educação básica, o que acaba distanciando os estudantes que ainda se interessam em cursar as licenciaturas desse nível de ensino. Silva, A., (2012) mostra que é nesse conjunto de complexidade que cerca a profissão é que ela deixa de ser atrativa aos jovens que têm um perfil mais acadêmico e voltado a pesquisa. A referida autora ainda expõe que não há motivação por parte da sociedade no sentido de estimular o jovem brasileiro a desejar ser professor, e falta também políticas de valorização da carreira. Portanto, a a ser cada vez mais difícil avançar em relação à melhoria da sua qualificação. É premente a adoção de medidas eficazes por parte do Estado, para que este retome sua responsabilidade e seu compromisso com a qualidade do ensino e com a oferta de professores qualificados e profissionalmente valorizados para atuarem na educação básica. 162 |
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Algumas considerações Diante da complexidade das questões que envolvem a profissionalização docente, não apresentaremos aqui uma conclusão sobre o assunto, mas sim, temos o propósito de instigar novas reflexões sobre as mazelas que assolam o contexto educacional, em decorrência da globalização hegemônica, e seus reflexos sobre os alunos, e, principalmente sobre os docentes. Vimos que a ideia de uma educação de qualidade, está atrelada às demandas mercantis e busca atender a um modelo de educação imposto por atores internacionais, que, com o discurso de buscar o desenvolvimento econômico e tecnológico do País, racionalizam cada vez mais o papel do Estado e comprometem o verdadeiro sentido da educação, que deveria voltarse para a formação de cidadãos críticos e emancipados. Na berlinda dessa nova ordem vigente, especialmente no campo da Educação Básica, estão os docentes, que buscam constantemente um reconhecimento do seu trabalho e uma definição clara da sua função. Conhecer o professor, identificar seu perfil social, cultural e econômico é essencial para ajudar na estruturação de políticas que promovam a formação de professores para a educação básica, de forma que tornem a profissão docente mais atrativa e valorizada e que propicie uma educação com qualidade, pois como foi mostrado na pesquisa em construção de Machado (2013), há ainda muito descrédito por parte dos próprios alunos, sobre a profissão docente. O processo de valorização do profissional da educação, segundo Silva (2011) pera pela formação e pelo processo de profissionalização, o que evidencia a necessidade de uma sólida formação teórica, em que os futuros professores em a conhecer as matrizes do conhecimento e produzi-las. Isso será possível apenas em cursos que assumam a licenciatura como projeto específico de curso.
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PARTE II AS PESQUISAS EM POLÍTICAS EDUCACIONAIS: ARENAS E PERSPECTIVAS
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9 A PESQUISA NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: INVESTIGANDO O IMPACTO DA POLÍTICA DE AVALIAÇÃO NA APRENDIZAGEM E CIDADANIA DOCENTE Isabela Cristina Marins Braga37 Ranilce Guimarães-Iosif 38
Introdução Quem são os docentes que atuam na pós-graduação em educação no Brasil? Como estão suas condições de trabalho, de aprendizagem e de exercício da cidadania? Como lidam com as pressões oriundas dos órgãos governamentais que regulam seu campo de atuação? Qual o apoio institucional para o desempenho de suas funções na pós-graduação em educação? Foi com base nessas questões que começamos a rabiscar as primeiras linhas desse capítulo, que, na verdade, faz um recorte de uma pesquisa de mestrado39, o qual teve por finalidade investigar como a atual política de avaliação da pós-graduação e as Instituições de Ensino Superior – IES, no Brasil, concebem e promovem a cidadania e a aprendizagem dos docentes que atuam em programas da área de Educação. 37 Mestre em Educação. Professora do ensino superior na cidade de Unaí-MG. 38 Professora do Programa de Pós-graduação em educação da UCB e professora adjunta da University of Alebrta, Canadá. 39 BRAGA, Isabela Cristina Marins. A política de Avaliação da pós-graduação: contradições diante da aprendizagem e cidadania docente. 2012. 204f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Católica de Brasília, 2012. Pesquisa financiada pela Capes.
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Apesar da consolidação, nacional e internacional, da política de avaliação da pós-graduação brasileira, no processo inicial de orientação para a delimitação do problema de pesquisa, constatamos que havia uma lacuna na área de estudos voltados para as questões de aprendizagem e cidadania docente na pós-graduação em Educação. Na fase de revisão de literatura, identificamos alguns estudos sobre o nível stricto sensu no Brasil (DANTAS, 2004; DUARTE, 2006; HORTA, 2006; HOSTINS, 2006; MOREIRA; HORTALE; HARTZ, 2004; SPAGNOLO; SOUZA, 2004), todavia, nesse estudo, procuramos inovar ao analisar a política de avaliação da pósgraduação, sob o olhar do professor, ou seja, quem de fato é afetado por ela. Além disso, fizemos essa análise à luz de uma literatura pertinente na área de aprendizagem e cidadania. Da mesma forma, contatamos que a maior parte das pesquisas sobre aprendizagem e cidadania se concentrava na educação básica (DEMO, 1991; 2003; GUIMARÃES-IOSIF, 2007). Falar de cidadania e aprendizagem na educação superior, principalmente na pós-gradução, ainda representava um campo a ser melhor explorado por pesquisadores da área de Educação.Essa constatação nos deixou a segurança de que estávamos no caminho certo. Partindo do princípio que a pesquisa no mestrado resulta da intereção dialógica e autônoma entre orientador e orientando, entendemos que o problema de pesquisa era relevante para ambas as pesquisadoras, mas, principalmente, para a própria área de Educação, uma vez que ainda há poucos registros de trabalhos sobre essa problemática. Diante da relação educação/cidadania, houve um interesse inicial em pesquisar as condições de trabalho docente na Educação Superior, sob o viés da globalização de cunho neoliberal, conforme aponta Braga (2011). Todavia, a vivência das pesquisadoras, enquanto docentes, em um curso de formação de professores e a interação entre elas, enquanto orientanda/orientadora, no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília, culminaram para uma melhor delimitação do tema de pesquisa, que se direcionou para a investigação da política de avaliação da pós-graduação stricto sensu e sua relação com a aprendizagem e cidadania docente. Assim, apesar dos questionamentos apresentados, logo no parágrafo introdutório do texto, o estudo se voltou para a análise da seguinte questão problema: como a 172 |
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atual política de avaliação da pós-graduação stricto sensu em Educação lida com a aprendizagem e a cidadania docente? Para realização da pesquisa, optamos pelo estudo de caso qualitativo, sem entretanto, desconsiderar dados quantitativos. Os protagonistas do estudo foram ao todo, 20 docentes da pós-graduação em Educação, de dois programas distintos, sendo um pertencente a uma IES pública e outro a uma IES privada confessional, ambos da região Centro-Oeste do País. Como instrumentos para coleta de dados, foi aplicado um questionário a todos os docentes, permanentes de cada programa, e selecionados 12 professores para a realização das entrevistas, incluindo os gestores. Os dados foram coletados no período de abril a junho do ano de 2012. Utilizamos, também, a análise documental com o intuito de buscar informações sobre a atual política de avaliação da pós-graduação no Brasil, para melhor compreender a dinâmica do trabalho docente, consultando documentos tais como: Plano Nacional de Pós-Graduação (2005-2010, BRASIL, 2004); Plano de Carreira das instituições selecionadas ou documentos equivalentes, que tratem da carreira; Regulamento do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação das instituições selecionadas; Documento de área da avaliação trienal, da CAPES 2007/2009 (BRASIL, 2009) e Relatório da área da última avaliação trienal 2007/2009, da Capes (BRASIL, 2010). Ressaltamos que, apesar dos resultados levantados contribuírem para uma importante análise da política de avaliação da Pós-Graduação em Educação, reconhecemos a limitação do estudo e por trazer um número reduzido de casos, não podem ser generalizados. O capítulo está dividido em três partes: a primeira parte trata da política de avaliação da pós-graduação stricto sensu em Educação, a segunda analisa a percepção docente sobre a política de avaliação da pós-graduação em Educação: intensificação e quantificação do trabalho, e, por fim, a terceira discute o impacto da política de avaliação da pós-graduação sobre a aprendizagem e a cidadania docente.
A política de avaliação da pós-graduação stricto sensu em Educação A década de 1960, registrou um importante período para a história da educação brasileira, com o advento da pós-graduação stricto sensu. Movido A pesquisa na pós-graduação em educação: investigando o impacto da política de avaliação na aprendizagem e cidadania docente
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pelo discurso de modernização do País, na reforma universitária de 1968, o regime militar contribuiu para o fortalecimento deste nível do ensino, tendo em vista a necessidade de aperfeiçoar a pesquisa nas universidades, para então, alcançar o sonhado desenvolvimento tecnológico. A partir daí, com o objetivo de zelar pela qualidade das pesquisas e dos cursos oferecidos, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) implementou em 1976, o Sistema de Avaliação da Pós-graduação, regulamentado pelos Planos Nacionais de Pós-graduação (PNPG) (KUENZER; MORAES, 2005). Nesse sentido, é fundamental tecer uma reflexão sobre a política de avaliação protagonizada pela Capes, que, como qualquer outra política educacional na atualidade, é influenciada, direta ou indiretamente, por um discurso globalizante de desenvolvimento econômico e tecnológico, que tem como pano de fundo, uma avaliação meritocrática, com vistas ao controle, perfomatividade e padrozinação. A partir da década de 90, com o advento dos princípios da globalização neoliberal no campo da educação, a avaliação ou a se caracterizar como um instrumento que legitima as políticas educacionais, especialmente no contexto da educação superior (AFONSO, 2003). No que se refere à pósgraduação, por exemplo, o eixo central da política de avaliação, concentra-se em manter a qualidade da produção científica e tecnológica dos programas, com vistas a fomentar as exigências do mercado, o que tem provocado tensões entre o meio acadêmico (BRAGA; GUIMARÃES-IOSIF, 2012; SEVERINO, 2011). Todavia, não se nega a consolidação nacional e internacional da pósgraduação brasileira, e sua importância para o desenvolvimento da sociedade, como retrata Severino (2011, p. 49): [...] a pós-graduação é um dos melhores segmentos do sistema educacional brasileiro, sob o critério do nível de qualidade alcançado, e vem contribuindo significativamente para a construção de um retrato mais fiel da realidade nacional, graças à sistematização e à institucionalização da prática científica de investigação, ao mesmo tempo que forma novas gerações de pesquisadores.
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A necessidade de instituir a pesquisa na universidade, trouxe em 1965, o Parecer nº 977, elaborado por Newton Sucupira, apresentando um delineamento inicial do que seria a pós-graduação, conforme é relatado por Weber (2012). A princípio, a Capes era conhecida como Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal para o Ensino Superior e buscava formar professores competentes para contribuírem com o desenvolvimento da Universidade (KUENZER; MORAES, 2005). Mas foi na década de 1970, que a pós-graduação tomou forma, com a definição dos PNPGs, que instituíram em seguida, o sistema de avaliação, conquistando desde então, qualidade e credibilidade. (KUENZER; MORAES, 2005; WEBER, 2012). Destacamos neste estudo, o PNPG 2005-2010 (BRASIL, 2004), que regulamentou a avaliação trienal 2007-2009 do nível stricto sensu. As diretrizes estabelecidas neste plano, para a política de avaliação da pós-graduação, são importantes para a qualidade do curso, e, como aponta Severino (2011), a maior duração de um documento como este, permite não apenas um minucioso delineamento, como também sua implementação e avaliação. A expansão da pós-graduação stricto sensu, pode ser observada por meio dos números, que evidenciam um crescimento sifnificativo dos programas no Brasil, ando de 3.096, no ano de 2011, para 3.342, em 2012, de acordo com o GEOCAPES (201240). Das áreas que compõem esse sistema, a Educação é uma das maiores, e atualmente, conta com 121 programas, que se dividem em: 51 de Mestrado, 61 de Mestrado/Doutorado e 09 de Mestrado Profissional (GEOCAPES, 2012). A criação de sociedades científicas em diversas áreas, também, contribuíram para fortalecer a pesquisa e promover a expansão da pós-graduação, atendendo as expectativas da Capes. (WEBER, 2012). A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação -ANPEd, criada em 1978, não só representou um marco histórico para a área, como também foi importante para o desenvolvimento da pós-graduação. Hoje, a ANPEd41 ocupa um lugar de destaque nacional e internacional, 40 Informações no aplicativo de estatísticas da Capes, o Geocapes, pelo seguinte endereço eletrônico:
o em 16 ago. 2013. 41 Informações obtidas no site institucional da ANPEd:
. o em: 06 out. 2012. A pesquisa na pós-graduação em educação: investigando o impacto da política de avaliação na aprendizagem e cidadania docente
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em virtude das relevantes pesquisas produzidas por seus membros, além de representar a área na atuação política, em prol de uma educação mais justa e de qualidade acadêmica. A associação também promove importantes debates sobre as políticas educacionais em suas reuniões regionais e nacionais. Por outro lado, Ferraro (2005) nos mostra que a trajetória da ANPEd também foi regada à desafios, dentre eles, o de conseguir professores doutores para formar os mestres, que na maioria das vezes tinham pouca produção científica, o que se tornava outro agravante. Destacava-se também não só a escassez de trabalhos por parte dos docentes, mas a má qualidade destes. Com o tempo, a ANPEd se consolidou, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, que foram traduzidos pela criação da Revista Brasileira de Educação, no ano de 1995, importante veículo para divulgação das pesquisas realizadas. Contudo, mesmo com todas as prerrogativas de êxito inerentes à pósgraduação, estudos apontam que esse sistema também é ível à limitações, sendo primordial refletirmos tanto sobre os aspectos políticos, quanto os metodológicos, que envolvem sua avaliação. Horta (2006) ao analisar um estudo sobre a avaliação da pós-graduação no Brasil, destaca alguns elementos críticos desses aspectos, tais como: caráter homogeneizador do sistema, ênfase nos indicadores quantitativos e produção bibliográfica e ausência da valorização em relação à dimensão social e inserção internacional. Estas constatações, certamente, comprometem o desenvolvimento da pesquisa na área de Educação, uma vez que a política de avaliação adotada pela Capes, ao focar mais nos produtos do que nos processos, pode dificultar uma análise mais crítica e sistemática da qualidade acadêmica e científica dos programas (CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2001; SEVERINO, 2011). Nesse sentido, Severino (2011, p. 66) destaca que: [...] como se um Programa que não tiver, todo o tempo, um acervo de produtos para apresentar necessariamente não seja um programa qualificado, sério e competente. Daí a pressão que o processo avaliativo faz para que todos os envolvidos produzam como se estivessem numa linha de montagem industrial.
A adoção de critérios quantitativos, no atual modelo de avaliação da pósgraduação, faz parte da reconfiguração do Estado, o qual encontra na avaliação 176 |
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uma maneira segura de controlar a oferta de produtos ou serviços,neste caso, a educação, com o intuito de flexibilizar e liberar a expansão das IES, e ao mesmo tempo, favorecer a um ranking entre elas. Tudo aquilo que não se encaixa nesse modelo, acaba não sendo levado em consideração. (SEVERINO, 2011; SOUSA, 2011). Partimos do princípio que a pesquisa desenvolvida pela pós-graduação stricto sensu em Educação deve estar alicerçada a uma teoria e prática educacional comprometida não apenas com a produção acadêmica, mas também com as questões sociais mais prementes, no sentido de procurar refletir e buscar respostas para os problemas educacionais que afetam as instituições de ensino e a sociedade de um modo geral. A importância da área para o desenvolvimento do país se destaca pela formação continuada de professores e futuros pesquisadores, que vão atuar em instâncias, governamentais ou privadas, ligadas à educação no Brasil. Portanto, é importante investigar como os atuais critérios de avaliação contemplam os aspectos qualitativos e sociais. Na nossa perspectiva, deveriam permear a prática do docente/pesquisador da pós-graduação.
A percepção docente sobre a política de avaliação da pósgraduação em Educação: intensificação e quantificação do trabalho Este tópico apresenta parte dos resultados mais relevantes apontados pelo estudo. A análise dos dados, contou com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para tabulação dos dados quantitativos e com a Análise de Conteúdo de Bardin (1977), para os dados qualitativos. No total, foram recolhidos e tabulados 20 questionários e realizadas 12 entrevistas, selecionadas a partir da aplicação do questionário, sendo 6 em cada instituição. Dentre os 20 sujeitos da pesquisa, 11 foram da IES privadas e 9 da IES Públicas. Os dados foram divididos em cinco categorias principais de análise, sendo: Professor da pós-graduação: identidade, desafios e expectativas; A Política de Avaliação da Pós-graduação Stricto Sensu: quantificação do trabalho docente; O papel da gestão: democracia, submissão e controle; Cidadania docente: um mar de contradições e; Aprendizagem docente: uma via de mão dupla. A pesquisa na pós-graduação em educação: investigando o impacto da política de avaliação na aprendizagem e cidadania docente
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Quanto ao perfil dos docentes investigados, a maioria é do sexo masculino (55%); um número significativo possui pós-doutorado (65%) e; 75% participaram da avaliação da Capes no triênio 2007-2009. Além do mais, 55% trabalham na instituição há mais de 20 anos e 45% atuam no programa de Educação há mais de 3 anos. A fim de preservar a identidade dos protagonistas da pesquisa, todos os entrevistados foram identificados pela expressão Docente IES Pública ou Docente IES Privada e enumerados de 1 a 6, sendo que o número 1, corresponde aos gestores de cada programa. Na avaliação trienal 2007-2009 (foco deste estudo), os programas das duas universidades investigadas obtivem nota 4 da Capes42. A maioria dos docentes, de ambos os contextos, compreende bem como funciona a política de avaliação da pós-graduação em educação e, apesar desta ser feita por pares, apenas um professor da IES pública, já atuou diretamente como avaliador. Mesmo concordando que a avaliação é necessária para manter a organicidade do sistema, todos destacaram que há muitas contradições nos critérios da avaliação da Capes, os quais impactam diretamente no seu trabalho. Uma das maiores críticas dos docentes se refere ao fato de a avaliação valorizar, demasiadamente, os aspectos quantitativos da produção intelectual. Sobre esse aspecto, os docentes afirmaram que: “[...] a política de pós-graduação no Brasil, ela vem cada vez mais estreitando os seus mecanismos, no sentido de criar um grupo muito seleto, onde não cabe todos os pesquisadores da Educação desse país, então cada vez mais a política vem estreitando os seus mecanismos de tal forma que vai ficar um grupo muito pequeno, dentre desse universo [...] digo isso porque cada vez mais, os critérios de avaliação estão desenhados em forma de medidas, né, de quantitativo, e muitas pessoas, muitos pesquisadores estão ficando de fora desse universo, porque são critérios que indicam um modelo de avaliação, embora eles tenham outras maneiras de avaliar, a nossa Capes, fez a opção por um modelo de avaliação.” (DOCENTE 5, IES PÚBLICA).
42 Dados obtidos no site:
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“Na verdade a dinâmica parece muito mais de controle do que de motivação, de promoção, de incentivo, não é? Eu não sou desfavorável ao controle, só acho que, às vezes, o controle unilateral ou o controle, digamos, como fator preponderante [...], pode comprometer, né? Porque na verdade o controle deveria vir aliado a uma dinâmica de motivação, de fomento, de estímulo, não é? De premiação, uma coisa muito mais prospectiva, do que só de encaixar, a vida acadêmica de uma instituição dentro de critérios tão rígidos, tão matemáticos [...] como acontece nos dias de hoje. (DOCENTE 3, IES PRIVADA).
O modelo retratado, acima, promove não apenas um ranqueamento entre as IES, como também evidencia a tendência neoliberal ao adotar o controle como um mecanismo de legitimação do Estado (DIAS SOBRINHO, 2003). O trabalho docente é intensificado, com o discurso de que é necessário tornarse flexível para acompanhar as mudanças, sobretudo corresponder à demanda de produção exigida pela política de avaliação. (GUIMARÃES; CHAVES, 2011). Com o intuito de promover o desenvolvimento econômico e tecnológico do País, o atual sistema de avaliação prima pelo controle e rigidez em seus critérios, o que cada vez mais, foge à própria dimensão social da educação superior. No cenário marcado pelos princípios economicistas da governança corporativa, percebe-se que tanto a pesquisa como a extensão devem procurar render lucros para suas instituições. O docente/pesquisador, para se manter no mercado, se vê forçado a transformar-se no docente/empreendedor. Na área de Educação, a situação não é diferente. Os dados apontaram que os docentes mostram-se preocupados com esta situação e questionam a intervenção do mercado nas políticas educacionais, como aponta a fala abaixo: “[...] até que ponto que o mercado sinaliza os parâmetros de avaliação, seja da Capes, seja do CNPq, seja de fundações de apoio à pesquisa, por exemplo, até que ponto as demandas de pesquisa que o mercado considera mais legítima ou mais urgentes, ele de fato não induz a isso? (DOCENTE 3, IES PÚBLICA, grifo nosso).”
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Verifica-se um modelo de avaliação voltado para os resultados, que, de acordo com Catani, Oliveira e Dourado (2001), prioriza instrumentos estandardizados, com a finalidade de promover a regulação e o controle. Há uma preocupação em estabelecer uma interação cada vez maior entre a pósgraduação e as demandas mercantis, o que sugere que a cada dia, a educação se assemelhe a uma commodity, carregada de valor econômico (AFONSO, 2001; 2003; SEVERINO, 2011). O próprio PNPG 2005-2010 (BRASIL, 2004) destaca a necessidade de se formar profissionais para atender as áreas vitais para o desenvolvimento da economia. O documento propõe a realização de parcerias empresarias para fomentar a criação de novos cursos, além de buscar flexibilizar o mestrado, a partir da adoção do mestrado profissional (SEVERINO, 2011). Tudo isso converge para uma constante pressão vivida pelos docentes, que devem dar conta de todas as exigências de produção da Capes, que se refletem na intensa preocupação dos programas em elevarem sua nota para se manterem no ranking. “A meta é ar a cinco. E pra isso nós fizemos tudo que tínhamos que fazer. Temos projetos de pesquisas com muitas parcerias externas, todos eles, dezesseis no momento, temos um corpo docente altamente produtivo em termos de produção intelectual [...] temos três convênios de pesquisa hoje, aliás, quatro convênios de pesquisa com universidades importantes de outros países, e temos mais de vinte parcerias de pesquisa em andamento, nós somos um programa genuinamente internacionalizado [...] Então temos realmente condições singulares para alcançar um cinco”. (DOCENTE 1, IES PRIVADA).
Fica evidente nesta fala, a ênfase dada pela avaliação e reada pelos programas, aos critérios quantitativos. Mesmo a nota de ambos os programas sendo considerada boa (nota 4), o objetivo é sempre elevar essa nota, até porque ela influencia, por exemplo, no ree de financiamento para projetos de pesquisa para as instituições. Todavia, a maioria dos docentes investigados, não concorda com a nota que os programas receberam na última avaliação, e acreditam inclusive, que há um certo marketing ou manipulação por parte 180 |
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da Capes ao aferir a nota. Os docentes da IES privada, sentem-se ainda mais prejudicados com a nota, uma vez que precisam trabalhar muito mais, por serem em menor número e terem menos o à financiamentos para suas pesquisas. “Eu entendo, por um lado, essa demanda dos sistemas de avaliação. Por outro lado, eu vejo uma injustiça [...]. Uma coisa é o sistema de ensino superior privado, outra coisa é o sistema de ensino superior governamental, aqueles federais, estaduais. Então o que eu vejo que existe é essa política que privilegia, não na hora de votar os resultados, mas na hora de votar os critérios, não é?!” (DOCENTE 5, IES PRIVADA).
No próprio documento de avaliação trienal 2007-2009 (BRASIL, 2009), observa-se que a composição da Comissão de Avaliação da área, é formada sem se preocupar com as especificidades, tendo em vista que uma minoria de membros representam as IES Privadas, o que pode favorecer a uma avaliação extremamente homogênea e que não atenta para as particularidades existentes entre um ente público e um privado. Além disso, dos 36 consultores, que compam a comissão de avaliação do último triênio, menos de 10 (dez) deles representam instituições da região norte e nordeste do Brasil. Os demais se concentram principalmente nas regiões Sul e Sudeste. A avaliação deve levar em consideração as especificidades de cada área e de cada IES. Não se trata de um processo neutro e por isso se assenta em um julgamento, que não pode ter apelo pessoal (ARRETCHE, 2009). Adotar uma metodologia adequada é fator primordial para que a avaliação deixe de contemplar apenas o produto, mas foque de maneira eficaz, no processo (CANTANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2001; SEVERINO, 2011). Os docentes colocaram que, além dos desafios que enfrentam pela cobrança por produção intelectual, também precisam escolher um veículo de publicação, que seja bem avaliado. Para isso, a Capes adota o aplicativo Qualis Periódico, que tem como finalidade aferir a qualidade da produção intelectual acadêmica dos programas de pós-graduação, classificando-os em estratos A, B, C e observando quesitos como circulação, ou seja, se sua
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divulgação é local, nacional ou internacional. Para a maioria dos docentes, o Qualis dificulta a publicação, pois limita a escolha de revistas ou periódicos, afetando a autonomia do professor para escolher onde deseja publicar sua pesquisa. Sobre as incoerências do sistema, os docentes afirmaram que: “É um sistema Capes (cioso) e Capes (talista). Controla os vínculos acadêmicos e a autonomia universitária (própria do professor), impondo uma produção e uma divulgação em lugares (revistas) onde não há lugar para todos. Ou seja, na origem, classifica, discrimina e exclui, criando uma falsa (e alienada) noção de qualidade.” (DOCENTE DA IES PÚBLICA, EXTRAÍDO DO QUESTIONÁRIO). “Não concordo com este modelo porque ele limita demais as escolhas de espaços para publicação e os critérios adotados pela Capes para a classificação não são claros. Essa “Qualisação” está prejudicando a qualidade do nosso trabalho.” (DOCENTE DA IES PRIVADA, EXTRAÍDO DO QUESTIONÁRIO).
De modo geral, os docentes atribuem a ênfase quantitativista do Qualis, em detrimento da qualidade, ao sistema capitalista, que configura a competitividade desse tipo de avaliação, buscando essencialmente o controle e a hierarquização das revistas e periódicos. A “qualisação” a que alguns docentes se referem, evidencia a ênfase num modelo de avaliação meritocrático, que elitiza os veículos de publicação, uma vez que, um trabalho que é publicado numa revista A1 ou A2, será lida por um grupo muito de pessoas, o que, de certa maneira, comprometerá seu valor social. Mas, o fato é que, quanto mais publicações em periódicos bem avaliados pelo Qualis, maiores são as chances daquele programa receber certos tipos de verbas ou financiamentos para pesquisa (SILVA, 2009). Isso acaba favorecendo a uma cobrança cada vez maior, por parte dos programas, para que seus docentes publiquem em veículos bem conceituados. A pesquisa, assim como a publicação resultante da mesma, são, indiscutivelmente, fontes fundamentais para a construção do conhecimento na pós-graduação. Todavia, essas atividades precisam fazer parte da proposta de trabalho do docente, que deve utilizar-se da prática e dos resultados de seus 182 |
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estudos para melhor fundamentar suas atividades enquanto docente (aulas, orientação, etc) e ampliar as possiblidades de inserção social, elementos tão necessários para a melhoria da qualidade da educação na pós-graduação, seja no campo da educação ou em qualquer outra área de conhecimento. (MOREIRA, HORTALE; HARTZ, 2004). É evidente que a pós-graduação, também, precisa estar atenta para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. Deve contribuir com a formação de profissionais e pesquisadores, que atuem na linha de frente das novas descobertas e na gestão de órgãos governamentais e também de empresas nacionais e internacionais. Entretanto, esse setor educacional estratégico não pode jamais se tornar apenas mercadológico, utilizando-se de questões sociais somente para o bem do mercado e não para o bem comum. Eis uma encruzilhada que precisa ser melhor discutida diante dos novos desafios que se apresentam para a pós-graduação em educação no Brasil.
O impacto da política de avaliação da pós-graduação sobre a aprendizagem e a cidadania docente Diante das pressões advindas da política de avaliação da pós-graduação, sobre o trabalho docente, o exercício da cidadania e a prática do aprendizado, mais do que desafios, tornam-se primordiais para o desenvolvimento da sociedade. Entretanto, o relatório de avaliação trienal (BRASIL, 2010) e o Documento de área (BRASIL, 2009) apontam que a prioridade da avaliação concentra- se na quantidade da produção intelectual e publicação, dando-se pouca atenção à atuação social dos programas. Os dados apontaram que as atividades de extensão e os projetos sociais ficaram em segundo plano, uma vez que os docentes, no intuito de responder às demandas da avaliação, acabam restringindo o tempo para realização de atividades que não se relacionam com a produção intelectual, como, por exemplo, projetos de inserção social. Dessa forma, o próprio exercício da cidadania dos docentes acaba sendo limitado, uma vez que a tendência é que se isolem em seus escritórios para elaborar projetos e artigos, ao invés de estarem imersos em projetos sociais, que poderiam não apenas fornecer dados de pesquisa, mas, principalmente, promover uma transformação social. Apesar disso, os docentes de ambos os A pesquisa na pós-graduação em educação: investigando o impacto da política de avaliação na aprendizagem e cidadania docente
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contextos investigados, compreendem a dimensão da cidadania e acreditam exercê-la por meio da pesquisa que realizam. Mas, reconhecem que a atuação social na pós-graduação, muitas vezes, é limitada em função da influência neoliberal nas políticas educacionais, como pode ser visto na fala abaixo: “E aí como é o cidadão professor? Eu vejo isso na atuação responsável em sala de aula, com compromisso com minhas pesquisas, na produção [...] isso dentro do âmbito acadêmico, porque eu não posso ser cidadão aqui na academia, mas estar fora desse ambiente, de ser e viver a minha cidadania, e é nesse espaço profissional que eu atuo no cotidiano. [...] de fazer com que os que atuam comigo sejam professores, sejam estudantes, também cresçam na sua autonomia, e na sua responsabilidade, mas o grande exercício do professor, é justamente ajudar os estudantes e a gente também a pensar de forma diferente, e educar de maneira diferenciada, para sair dessa lógica meio mercantil, e meio tradicional da educação.” (DOCENTE 2, IES PRIVADA).
Como se vê, o neoliberalismo em muito afeta a educação e seu compromisso com um modelo de cidadania democrática e emancipatória (SIMÕES, 2008). Apesar de a maioria dos docentes acreditar que a política de avaliação da Capes e as IES promovem sua cidadania, no momento em que lhe possibilita realizar pesquisas que contribuem para a construção de novos conhecimentos, alguns docentes afirmaram que não há espaço para a promoção da cidadania na pós-graduação e as políticas de avaliação se preocupam, efetivamente, com a produtividade e com os resultados: “É! De um modo geral essas políticas de avaliação, elas dizem que primam, mas na verdade elas não primam. Quando se estabelece um número de 2 artigos por ano, para se manter na pós-graduação, e no triênio de 6 artigos por publicações para estar no doutorado e 5 pra estar no mestrado, isso já coloca um [...], um [...], cadê a cidadania? [...] isso é tudo transformado em número, e quando se transforma em número, isso não está, a meu ver, e de vários autores, condizente com a cidadania, porque transforma tudo em quantidade, e não em qualidade cidadã, numa qualidade social, que é o que se discute hoje na avaliação”. (DOCENTE 6, IES PÚBLICA).
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“Eu penso que uma das coisas que a universidade pode fazer é criar, gerar conhecimento, nos módulos de aplicação do conhecimento, e assim por diante, mas há outras instituições e organizações que também fazem. A universidade pode ter espírito público, um alto espírito público e prestar serviços à comunidade e a sociedade. Na, verdade em princípio, ela está a fazer isso. Mas pode fazer mais diretamente. Mas hoje, a universidade caiu na mesma esparrela da avaliação. A performatividade. Ou seja, você vale se gera dinheiro, se gera resultados. Se um desses resultados é um número anual ou trienal de publicações, é a performance. Compreende? (DOCENTE 4, IES PRIVADA, grifo nosso)”.
Observamos que há uma contradição entre os princípios norteadores da avaliação e o papel social do docente-pesquisador. A ênfase na performance e na quantidade de produção intelectual retratada pelos docentes, evidencia que ao invés das políticas de avaliação e as instituições oferecerem condições para o docente exercer sua cidadania, acabam oprimindo seu trabalho, sobrecarregando-o com uma série de exigências, ao mesmo tempo em que ele procura buscar sua realização profissional. (BITTAR, 2008). Além do mais, os docentes apontaram outros aspectos importantes que comprometem sua cidadania, como falta de recursos e equipamentos adequados de trabalho, remuneração justa e ausência de um plano de carreira voltado para a pós-graduação, que valorize o trabalho deste profissional. Apesar de todos esses elementos terem sido questionados, tanto no programa da IES pública quanto da IES privada, os docentes desta última, preocupamse ainda mais com o fantasma de um vínculo empregatício precário, que não garante estabilidade e segurança. Esse fator acaba também interfirindo na própria autonomia docente para realizar suas pesquisas e projetos sociais. Em relação à aprendizagem, as dificuldades enfrentadas pelos docentes da pós-graduação também são inúmeras. Observa-se que a política de avaliação protagonizada pela Capes, considera um bom professor, aquele que publica mais e que mais consegue financiamentos para seus projetos. Desconsiderase a subjetividade da relação aluno/professor e destes com a sociedade. Nesse sentido, Demo (1994) lembra que os títulos são importantes, mas não suficientes. Para o autor, o verdadeiro aprendizado do professor somente A pesquisa na pós-graduação em educação: investigando o impacto da política de avaliação na aprendizagem e cidadania docente
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acontecerá a partir da troca de vivências e experiências com seus alunos, tanto como pesquisador, como também enquanto orientador. Portanto, a qualidade do ensino não pode ser medida, essencialmente, pelo número de publicações em um periódico de nota superior no Qualis. O conhecimento científico, tornou-se um símbolo da globalização hegemônica (SANTOS, 2010), desvalorizando o papel social da educação. E para reverter essa situação, é fundamental que o docente esteja inserido no processo de aprendizagem, para que possa intervir na realidade a sua volta e, assim, posicionar- se como sujeito autônomo e cidadão (DEMO, 2001; FREIRE, 1996). Os professores destacaram que a pesquisa que produzem e o contato com o aluno (tanto na sala de aula, como na orientação de trabalhos), são mecanismos de intenso aprendizado. Contudo, o tempo disponível para a docência, propriamente dita, fica comprometido, já que as demandas de produção acadêmica são maiores e priorizadas pelos gestores dos programas. Mesmo assim, reconhecem que em todas essas atividades, a aprendizagem não é neutra, e que esta deve ser capaz de promover uma mudança de comportamento social e profissional para alunos e professores. (DEMO, 2001). As contradições presentes na política de avaliação da pós-graduação em Educação, em relação à aprendizagem, também foram destacadas pelos docentes, ao afirmarem que: “[...] cadê a aprendizagem, isso é tudo transformado em número? [...] Avaliar é medir juízos para atestar a qualidade. Quando essa qualidade é reduzida a número e não se traduz em qualidade social [...] como se traduz apenas em números, quantidade de computadores, quantidade de patentes, quantidade de, é, papers publicados, quando tudo isso se traduz para aumentar o capital e não para aumentar o desenvolvimento humano e social isso é uma falácia, isso acaba alimentando a própria economia capitalista e não o desenvolvimento da sociedade. “(DOCENTE 6, IES PÚBLICA).
A informação acima pode ser confirmada pelo próprio relatório de avaliação trienal da área (BRASIL, 2010), no quesito corpo docente, uma vez 186 |
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que a aprendizagem é contemplada de forma muito limitada. Seria necessário que a CAPES cobrasse que as instituições avaliadas realmente tivessem uma política clara de valorização do corpo docente, que incluísse incentivos para formação continuada e participação em eventos na área ou áreas afins. Os professores da pós-graduação, também, precisam continuar aprendendo, isso é fato! A aprendizagem também está relacionada com as oportunidades e incentivos dados aos professores para se qualificarem cada vez mais. Quando questionados se a IES incentiva a sua participação em eventos ou cursos de aperfeiçoamento, a maioria dos docentes disse que sim, todavia esse incentivo é muito mais moral, sem contar com a ajuda financeira tanto por parte do Estado, quanto pela IES, conforme mostra a tabela abaixo: Tabela 1: Em caso positivo, marque de que forma é esse incentivo.43
Fonte: Dados da pesquisa
Observa-se que, mesmo a qualificação e participação em eventos, sendo muito valorizado pela avaliação da Capes (BRASIL, 2009), tanto as IES, quanto o Estado se furtam dessa responsabilidade, exigindo cada vez mais dos docentes, uma constante capacitação, mas sem lhes oferecer o devido 43 A frequência dessa opção foi maior entre os docentes da IES Privada, que explicaram que dependendo do evento ou participação, às vezes recebem uma ajuda de custo, mas normalmente há apenas um incentivo moral e não apoio financeiro. A pesquisa na pós-graduação em educação: investigando o impacto da política de avaliação na aprendizagem e cidadania docente
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apoio. A regulação das políticas educacionais, sugere que a responsabilidade pela eficácia da avaliação é muito mais do professor, do que dos próprios programas. E como toda lógica mercantil, há uma premiação ou punição pelo resultado alcançado, sem, entretanto, preocupar-se com as condições adequadas de aprendizado e cidadania. (SEVERINO, 2011; BITTAR, 2008). De modo geral, a pesquisa mostrou que os docentes da pós-graduação stricto sensu em Educação, valorizam e reconhecem a importância do seu trabalho para o desenvolvimento da sociedade. Contudo, compreendem que as mazelas que assolam sua profissão, são reflexos da influência capitalista na política de avaliação da Capes, e, com isso, comprometem sua própria identidade. Resgatar o papel do docente da pós-graduação em Educação, mais do que um desafio, deve ser um compromisso do Estado com o desenvolvimento da sociedade, pois conforme Demo (2010, p. 9) “[...] a maior glória do professor é inventar um aluno que sabe pensar.” E a maior glória das políticas educacionais deve ser criar condições para uma atuação social dos seus docentes.
Conclusão A política de avaliação da pós-graduação brasileira tem-se mostrado sólida e consolidada, tanto no território nacional quanto internacional. A pesquisa realizada, por este nível de ensino, visa o desenvolvimento econômico e tecnológico do País. Contudo, a pós-graduação também tem sofrido com as influências da globalização neoliberal, que impactam diretamente no tipo de pesquisa realizado e também no trabalho docente. Esse capítulo evidencia que, apesar das limitações do estudo de caso realizado, a ênfase quantitativista, no atual modelo de avaliação da Capes, compromete a aprendizagem e a cidadania dos docentes, que atuam na pós-graduação em educação no Brasil. O estudo mostrou que os docentes se ressentem dos critérios estabelecidos pela política de avaliação, especialmente no que se refere à quantificação do seu trabalho, à “qualisação” dos veículos de publicação, homogeneidade dos critérios de avaliação e falta de critérios mais qualitativos e voltados para a imersão social, que realmente contribuam para o desenvolvimento da cidadania e aprendizagem de alunos e professores. 188 |
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Há uma distância entre o que é estabelecido pela política e o que é praticado pelas IES e pelo Estado, no que se refere, por exemplo, à capacitação dos professores. Apesar de ser um dos itens avaliados pela Capes, os dados apontaram que na maioria das vezes não é disponibilizado aos docentes, recursos ou incentivos para tal finalidade. É urgente uma reestruturação dos critérios de avaliação, no sentido de contemplarem os aspectos qualitativos do trabalho docente, e incentivar a prática da pesquisa, como verdadeiro caminho para o desenvolvimento humano e social dos indivíduos. Como sugestão para futuras pesquisas, destacamos a necessidade de ampliar o foco do estudo, buscando investigar qual a contribuição dada pela pós-graduação stricto sensu da área de Educação à Educação Básica, e o impacto dessa relação no trabalho docente. Sugerimos, também, a realização de pesquisas relacionadas à intensificação e precarização do trabalho docente, com foco nas mulheres que atuam nessa área, especialmente aquelas que já constituíram família, que por vezes tem sua vida pessoal comprometida e subjugada. Por fim, destacamos que a realização desta pesquisa, fruto de um trabalho coletivo entre orientanda e orientadora, contribuiu de maneira ímpar para o crescimento pessoal e profissional de ambas as partes, uma vez que foi possível lançar um olhar além dos desafios enfrentados pelos docentes da pósgraduação, e perceber que, apesar das inconsistências da política de avaliação, devemos lutar por uma educação mais humanizada e socialmente engajada.
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10 A EDUCAÇÃO SUPERIOR E O TRABALHO DOCENTE ENQUANTO OBJETO DE ESTUDO: CAMINHOS DA PESQUISA Aline Veiga dos Santos44 Ranilce Guimarães-Iosif 45
Qual é o impacto das fusões institucionais na gestão da educação superior brasileira? Quais as sobreimplicações da formação de oligopólios no trabalho docente? Quais são os princípios e prioridades do modelo contemporâneo de governança na educação superior privada? Com base nessas questões, este capítulo apresenta parte das etapas, reflexões e processos desenvolvidos na dissertação de mestrado intitulada – A governança da educação superior privada: sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente46. A origem da pesquisa surgiu em 2011, na disciplina – “Política Educacional Internacional, Governança Global e Desenvolvimento Social” ministrada no mestrado em Educação da Universidade Católica de Brasília (UCB), pelos professores Ali Abdi47, Lynette Shultz48 e Ranilce Guimarães44 Doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). 45 Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB e Professora Adjunta do Departamento de Estudos da Política Educacional, University of Alberta (UofA), Canadá. 46 SANTOS, Aline Veiga dos. A governança da educação superior privada: sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente. Brasília, 2012. 161f. Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012. – Trabalho orientado pela professora Ranilce Guimarães-Iosif. 47 Professor da University of Alberta (UofA), Canadá e Professor visitante do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB 48 Professora da University of Alberta (UofA), Canadá e Professor visitante do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB.
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Iosif. Foi nesse período que começou uma sólida parceria acadêmica entre as duas autoras deste texto, àquela época, orientadora e orientanda, a qual se fortaleceu nos estudos realizados no Grupo de Pesquisa do Programa de Pósgraduação em Educação da UCB, intitulado: “Políticas Públicas, Governança Educacional e Cidadania”. Essas experiências evidenciaram que a pesquisa realizada no mestrado exige um alto grau de cooperação e diálogo durante seu processo de construção. Partimos do pressuposto de que o respeito e a confiança, entre orientador e orientando, são fundamentais e que ambos precisam participar de forma autônoma do processo de decisão em relação a cada o do estudo. Nossa caminhada se embasou nessas percepções e práticas. Destarte, apresentamos alguns os percorridos durante a realização da pesquisa49. Ao constatarmos que o modo de gerir, ou seja, governar as instituições de ensino superior privadas (IESPs) havia mudado e na literatura ainda havia poucos trabalhos na área, decidimos investigar os contornos da “governança” na educação superior privada, que reflete diretamente no processo de formação dos oligopólios. Segundo Silva (2009, p. 77), “como nos demais setores, também nesse se instalaram oligopólios. Grupos empresariais disputam preço no mercado, oferecendo ‘serviços educacionais’ de qualidade duvidosa, fruto de um mercado de trabalho fragmentado, ‘flexibilizado’ pelas novas relações de trabalho”, que resultam em uma crescente precarização do trabalho docente. Diante do novo modelo de política e governança da educação superior, corremos o risco de que a educação superior seja direcionada apenas aos interesses do mercado (nacional e internacional), o que compromete diretamente o projeto democrático e emancipatório do país. A falta de uma política pública, que regule as fusões e aquisições50 institucionais no setor, contribui para que a governança do setor fique nas mãos de grandes grupos, cuja preocupação maior é o lucro e não a qualidade e o compromisso social da universidade. 49 Pela complexidade inerente ao processo de construção da pesquisa, destacamos que esses os não seguem uma dinâmica linear e cronológica. 50 Fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações; aquisição é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, sucedendo-lhe em todos os direitos e obrigações (BRASIL, 1976).
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Nesse contexto, os professores ficam a mercê dessas empresas, visto que a legislação em vigor não estabeleceu critérios que amparem o trabalhador docente frente ao sistema mercantil, tampouco critérios para a elaboração dos planos de carreira (PCs). Com o domínio desses grupos, o ensino superior foi submetido a uma certa padronização, sendo o valor das mensalidades o principal fator de competição. Tendo esse cenário como pano de fundo, o presente capítulo está estruturado em quatro os: o primeiro descreve a construção do objeto de estudo, o segundo discorre sobre a fundamentação teórica – conceitos e pontos mais importantes, o terceiro apresenta o delineamento metodológico e o quarto aponta as sobreimplicações no trabalho docente e analisa os resultados.
Primeiro o: a construção do objeto de estudo O interesse em comum pelos temas voltados para o estudo da política e da gestão educacional na educação superior, somado às discussões, em sala e no grupo de pesquisa, contribuíram para que o objeto de estudo a ser investigado no mestrado fosse delimitado logo nos primeiros meses de orientação e interações acadêmicas entre orientanda e orientador. Após uma ampla revisão de literatura sobre o contexto atual da educação superior no cenário nacional e internacional, constatamos que havia uma grande carência de estudos críticos que procurassem compreender o envolto campo de contradições e desafios que cerca a dinâmica da governança e da formação dos oligopólios na educação superior privada. Dentro desse contexto, optamos por investigar, em particular, as sobreimplicações do novo modelo de governança da educação no trabalho docente. Para tanto, como ponto de partida, investigamos como são formuladas, implantadas e supervisionadas as políticas públicas no cenário contemporâneo. Também, procuramos compreender como são geridas as empresas de ensino, quais são os seus objetivos e as suas relações com o Estado e o mercado. A problemática da formação de oligopólios ainda é pouco explorada e discutida no campo das pesquisas nacionais em educação, haja vista a reduzida
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bibliografia relacionada ao assunto. Chaves (2010), uma das primeiras pesquisadoras do Brasil a discutir essa questão, aponta que o processo de mercantilização do ensino superior brasileiro adquiriu nova configuração com a formação dos oligopólios, a partir das aquisições e fusões de instituições e da abertura de capital na bolsa de valores. Oliveira (2009) conclui que é cabível falar em financeirização da educação, visto que o setor financeiro assumiu a hegemonia na educação privada no país. Portanto, observa-se que no ensino superior privado há um processo intenso de concentração, que caracteriza a oligopolização. Sendo assim, cabe ressaltar que não encontramos na literatura estudos que remetam às sobreimplicações da formação de oligopólios no trabalho docente privado. Na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e em outros domínios foram encontrados trabalhos que discutem o processo de mercantilização e financeirização da educação superior privada e as condições do trabalho docente, mas nenhum que discuta o tema em foco (DIAS, 2006; SIQUEIRA, 2006; NONNENMACHER, 2008; SILVA, 2009; VALE, 2011). Dada a pertinência do estudo, entendemos que seria de grande importância discutir o desenvolvimento do processo de formação dos oligopólios e as sobreimplicações no trabalho docente, principalmente por se tratar de trabalhadores, que atuam na formação e emancipação do cidadão e para o desenvolvimento do país. Cabe ressaltar, que mais da metade das funções docentes, no ensino superior brasileiro, estão no setor privado, o que corresponde a 214.546 (62,12%) dentro de um contexto de 345.335 (BRASIL, 2012). Portanto, o objetivo principal da pesquisa foi investigar as sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente privado no contexto do atual modelo de governança da educação superior brasileira. Visando alcançar o objetivo geral, foram constituídos os seguintes objetivos específicos: a) Identificar as concepções e práticas de política e governança educacional adotadas pelo Estado brasileiro na condução da educação superior e como essas concepções e práticas se relacionam com os interesses de mercado.
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b) Identificar os grupos que estão formando os oligopólios na educação superior privada e quais são os seus interesses prioritários. c) Identificar a percepção dos docentes em relação às fusões e aquisições institucionais e a abertura de capital na bolsa de valores. d) Analisar a percepção dos docentes no que tange as suas relações e condições de trabalho, bem como compreender a visão desses trabalhadores em relação à atuação do sindicato que os representa.
A forma com que as políticas e os acordos são estabelecidos, diante da governança educacional global, é que vai determinar a direção da educação superior no país. A formação dos oligopólios na educação superior privada é um processo recente, que trouxe uma nova configuração para a governança do setor e precisa ser investigada para saber quais os impactos no trabalho docente, na qualidade do ensino e na autonomia universitária. Na pesquisa, o enfoque se voltou para a questão do trabalho docente, por considerar que esta é estratégica para as demais.
Segundo o: a fundamentação teórica A revisão de literatura, processo fundamental durante a pesquisa, consistiu em uma etapa trabalhosa e criteriosa que requereu muita reflexão. Hart (1998) ressalta que a revisão bibliográfica busca compreender as fundamentações teóricas e metodológicas da pesquisa científica. É o momento em que o pesquisador confronta os conhecimentos teóricos existentes, procurando dar respostas às lacunas encontradas e ampliando estudos anteriores. O posicionamento crítico nesse processo foi preponderante, fomos em busca da variedade de definições e abordagens sobre o assunto em tela. A privatização da educação superior no Brasil intensificou-se a partir da reforma gerencialista impressa na década de 1990. “Pode-se detectar que, a partir daí, profundas modificações ocorreram na cultura e no cotidiano das instituições [...], sobretudo, no trabalho do professor e do pesquisador” (MANCEBO, 2011, p. 34). Para Mancebo, atualmente, o trabalho docente efetiva-se no sentido de conferir qualidade à mão de obra, que equivale à mercadoria básica na produção de valor. O modelo de governança vigente, A educação superior e o trabalho docente enquanto objeto de estudo: caminhos da pesquisa
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por suas novas características, tem se expandido e mudado os rumos das políticas nacionais. A submissão da educação à lógica mercadológica é fruto do modelo de governança neoliberal instalado no país a partir da década de 1990. Essa nova forma de gestão pública permite a presença marcante do mercado no processo de elaboração e implementação das políticas públicas (GUIMARÃES-IOSIF; SANTOS, 2012). Mais do que a transformação da educação em mercadoria, o que se observa é um processo intenso de concentração de poder nas mãos de um pequeno grupo de empreendedores da educação. “O número de fornecedores tende a se concentrar ainda mais nos próximos anos e uma fatia significativa do mercado tende a ficar com os maiores grupos” (OLIVEIRA, 2009, p. 754). Poucas instituições serão capazes de manter as condições atuais de sustentação, exclusivamente, por mensalidades, sendo assim, apenas um grupo conseguirá ocupar nichos específicos no mercado sem ser acossado pelas instituições mais fortes. Esse novo processo se caracteriza como a formação dos oligopólios. Chaves (2010, p. 491) ressalta que “além das fusões, que têm formado gigantes da educação, as ‘empresas de ensino’ agora abrem o capital na bolsa de valores, com promessa de expansão ainda mais intensa e incontrolável.” O primeiro grupo de educação a inaugurar o processo de abertura de capital na bolsa de valores foi a Anhanguera Educacional em 2007. O grupo deu início à primeira Oferta de Ações Primárias (Initial Public Offering – IPO) do setor. Para uma instituição realizar a IPO, é necessário renunciar a condição de entidade filantrópica, pois ará a assumir a condição de uma empresa de negócios. A inserção de grupos educacionais no mercado de capitais atraiu um considerável aporte de recursos, o que lhes propiciou condição absolutamente privilegiada e supremacia no setor, constituindo verdadeiros conglomerados. A CM Consultoria51 (2012, p. 2) aponta que o “setor tem se pautado cada vez mais pela inteligência de mercado, ofertando cursos que realmente 51 Empresa de consultoria para instituições de ensino superior (http://www.cmconsultoria. com.br/).
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apresentem demanda para a região, com mensalidades apropriadas, além do posicionamento definido de cursos e programas”. A empresa apresentou uma tabela ilustrativa das fusões e aquisições no ensino superior privado, com base em informações divulgadas na imprensa e em sites de relacionamento dos investidores. Nos períodos compreendidos entre 2007 e 2011, ocorreram 91 transações, representando uma movimentação financeira superior a R$ 5 bilhões. As empresas de ensino exibem características comuns: a) gestão financeira profissional, b) modelo acadêmico padronizado, c) grande volume de capital, d) gestão de marcas, e) tempo mínimo de maturação dos investimentos, f ) diferenciais mínimos de competitividade de mercado. Essas particularidades se apresentam dentro de uma rede ideológica tecida para a reprodução do capitalismo flexível e atuam em consonância com a economia de larga escala, afetando a universidade, os professores e os alunos. Chaves (2010) esclarece que este modelo organizacional baseia-se na ideologia do valor econômico e do marketing e nos princípios neoliberais como flexibilidade, racionalidade, competitividade e produtividade. A atuação em larga escala permite que essas “redes” adquiram materiais e equipamentos em grande quantidade, reduzindo os custos operacionais e ampliando as margens de lucro. Tendo essas características como pilares, os grupos de educação se preparam para atuar em um mercado altamente competitivo focado na eficiência e no resultado. O novo modelo de gestão, denominado governança corporativa, fez com que as instituições empreendessem novas estratégias financeiras e práticas organizacionais: mudança da natureza jurídica, reformulação dos currículos, marketing educacional, expansão das atividades, investimento na educação a distância e em recursos tecnológicos. No Brasil, a governança corporativa adentrou no ambiente educacional, a partir da expansão das instituições de ensino superior com fins lucrativos na década de 1990. As mantenedoras, visando à consolidação no mercado, “aram a se preocupar com os riscos do negócio e com a necessidade de assegurar sustentabilidade e retorno sobre o capital investido numa perspectiva de longo prazo” (TAVARES, 2009, p. 232). A educação superior e o trabalho docente enquanto objeto de estudo: caminhos da pesquisa
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A governança se refere às regras e aos procedimentos que estruturam as relações de poder ao redor do mundo, imbricados por diretrizes hegemônicas e neoliberais. Por exemplo, as companhias, os serviços de fundos de investimentos e as instituições multilaterais são agora atores políticos no cenário educacional não apenas global (SHULTZ, 2012). Desse modo, as regras do mercado entraram no campo da governança educacional, criando uma competição mundial dirigida economicamente para alunos, pesquisas e empresas de consultoria (LEUZE; MARTENS; RUSCONI, 2007). A Lei de Diretrizes e Bases – LDB – instituída em 1996 (BRASIL, 1996) caracterizou-se como a reforma mais marcante para o ensino superior. O art. 19 classificou as instituições de ensino superior em duas categorias: públicas, criadas e mantidas pelo poder público; e privadas, mantidas e gerenciadas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. O art. 20 enquadrou as instituições privadas em três tipos: particulares, em sentido estrito, com fins lucrativos; comunitárias, sem fins lucrativos, que incluam na entidade mantenedora representantes da comunidade; e confessionais e filantrópicas, sem fins lucrativos. A LDB permitiu a fragmentação do sistema e estabeleceu uma diversidade de cursos de nível superior. A diversidade de cursos e de instituições abertas incidiu na ampliação significativa do o, por outro lado, a qualidade e a permanência no ensino não acompanharam o novo ritmo. As mudanças na configuração do ensino superior permitiram a consolidação da iniciativa privada e uma maior atuação do mercado na organização do setor. Chaves (2010) ressalta que o discurso de que o mercado é bom empreendedor e que via de regra a privatização deve ser o eixo central a ser adotado, foi expresso na LDB, que acabou sendo decisiva para a criação do mercado educacional. As diretrizes expressas nesta lei impulsionaram a mercantilização do sistema de ensino superior no País. Segundo Oliveira (2009), estamos diante de uma situação em que não é possível frear o avanço do mercado educacional por formulações compartilhadas por parte da sociedade. Mesmo com a previsão legal no texto constitucional de que a educação é um direito social e dever do Estado, o mercado avançou vertiginosamente. Assim, a favor dos poderosos atores 202 |
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privados, foram instaladas novas formas de organização das políticas públicas, de oferta da educação superior, de financiamentos e de fomento à pesquisa. O governo ou a investir na formação de um sistema de ensino superior voltado para as necessidades do mercado, distanciando-se da formulação de projetos nacionais, estratégicos e de longo prazo, promotores da democratização da sociedade e de um desenvolvimento mais autônomo do País. Utilizando-se da estratégia de redução dos financiamentos públicos nos setores públicos, o governo criou bases legais para a expansão de provedores particulares.
Terceiro o: o delineamento metodológico Para a realização da pesquisa, adotamos o paradigma qualitativo, haja vista ser este um meio para entender o significado que determinado grupo ou indivíduos atribuem a um problema social, tendo uma estrutura flexível ao valorizar a importância da interpretação da complexidade de uma situação. A flexibilidade é uma característica marcante dos estudos qualitativos, as fases do processo são emergentes e podem mudar ou se deslocar a partir do momento que o investigador entra no campo e começa a coletar os dados. A ideia fundamental que está por trás do método qualitativo, conforme aponta Creswell (2010), é a de compreender o problema ou questão, com os participantes, e lidar com a pesquisa de modo a obter informações. Partimos do princípio que a pesquisa qualitativa, utilizando como estratégia o estudo de caso, era de grande relevância para compreender a questão em foco. Como técnicas de investigação, foram utilizadas a análise documental, as entrevistas individuais semiestruturadas e a observação assistemática. Conforme Bardin (2010), o propósito da análise documental é obter o máximo de informações (aspectos quantitativos), com o máximo de pertinência (aspectos qualitativos). A entrevista individual semiestruturada combina perguntas abertas e fechadas. Essa técnica, segundo Ludke e André (1986), permite que o entrevistado discorra sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada, pois não há a imposição de uma sequência rígida das questões. O ponto chave da entrevista é explorar o espectro de opiniões e as diferentes A educação superior e o trabalho docente enquanto objeto de estudo: caminhos da pesquisa
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representações sobre o assunto em questão. Por sua vez, a “observação assistemática” (BONI; QUARESMA, 2005) permite que pesquisador registre os fatos da realidade sem a utilização de meios e técnicas especiais, não é necessário que haja um planejamento a ser seguido. A análise de conteúdo “procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça” (BARDIN, 2010, p. 45). Portanto, se apresenta como um conjunto de instrumentos metodológicos, em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos extremamente diversificados. Este método oscila entre dois polos: o rigor da objetividade e a fecundidade da subjetividade, levando o pesquisador a desvelar o não aparente, o não dito. A instituição investigada pertence a uma companhia educacional brasileira, que figura como um dos maiores grupos educacionais do mundo. A instituição foi fundada em 1999 e localiza-se em uma das 31 Regiões istrativas do Distrito Federal (DF) e está entre as 5 unidades adquiridas pelo grupo no DF, no período compreendido entre 2008 e 2011. Apesar dos dados e resultados da Companhia serem divulgados, trimestralmente, nos domínios públicos, não tivemos o à quantidade de alunos e docente da instituição investigada. Comunello (2012) assinala que as companhias educacionais não divulgam números locais. Foram realizadas 15 entrevistas com os docentes que atuam e já atuaram no grupo. As entrevistas tiveram a finalidade de compreender a percepção dos docentes em relação ao novo modelo de governança da instituição, a partir da abertura de capital na bolsa, e as suas relações e condições de trabalho.
Quarto o: análise e discussão dos resultados Diante de tamanha lucratividade das companhias educacionais e do crescimento vertiginoso, optamos por investigar as condições de trabalho dos docentes em uma instituição do grupo educacional, que tinha a maior quantidade de instituições de ensino superior e alunos no DF, no período correspondente à pesquisa (2011-2012). Os dados coletados foram interpretados à luz da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2010) e discutidos em quatro categorias: política e governança da educação superior, aquisições institucionais e abertura de capital na bolsa de valores, relações e condições de trabalho dos docentes, consciência política dos docentes. 204 |
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Ao discorrerem sobre a governança da instituição em que atuam ou atuaram, os docentes relataram que é um modelo fechado, que vem pronto da mantenedora que fica em Valinhos, São Paulo, e que não há abertura. É um sistema vertical e centralizado, que pode ser melhor visualizado a partir do depoimento abaixo de um dos docentes investigados: “Ela [a gestão] é bem centralizada, por causa da mantenedora em São Paulo, então as coisas fluem de cima para baixo” (DOCENTE B).
Como aponta Shor (2006), o controle de “cima para baixo” é uma estratégia de modelo autoritário de educação, onde as diretrizes, as regras e os objetivos são impostos e não decididos democraticamente, cabendo aos docentes, funcionários istrativos e alunos somente cumprir as determinações. O que falta nas instituições é a qualidade democrática proposta por Demo (2001), esta se desenvolve de “baixo para cima”. No entanto, os discursos apontam que a governança corporativa, centralizadora e vertical é que rege a instituição. O relato seguinte nos dá uma ideia clara de como os docentes percebem o modelo de governança corporativa adotado pela instituição após o processo de fusão. “A gestão fica muito a cargo de São Paulo. A faculdade de Brasília, não tem poder de autonomia plena no exercício das funções” (EX-DOCENTE B).
De acordo com Ex-docente B, no final de 2011, no DF, a ordem foi muito concreta – todos os mestres e doutores deveriam ser mandados embora. “É aquela política clássica das instituições, que mandam os mestres e doutores embora e ficam só com os especialistas. Aí depois baixam o teto dos especialistas e tentam recontratar os mestres e doutores com o piso lá embaixo” (EX-DOCENTE B). Como a instituição manteve os contratos trabalhistas da instituição adquirida, agora ela está demitindo os professores que tinham os salários mais altos e contratando docentes com salários mais baixos. O relato do Ex-docente D descreve essa nova realidade. A educação superior e o trabalho docente enquanto objeto de estudo: caminhos da pesquisa
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“Quando o grupo assumiu, ela manteve o nosso salário até a demissão. Eu recebia R$ 7.980 reais por 40h, eu trabalhava em regime integral. Depois, eles me chamaram de volta só que para ganhar R$ 1.280 por 20h semanais. Não aceitei, pois eu ia ganhar menos da metade do que eu ganhava por hora/aula” (EX-DOCENTE D).
Segundo dados obtidos nas entrevistas, em uma instituição do grupo no DF, no curso de pedagogia, cinco professores foram demitidos; no curso de enfermagem foram mais de 30. Eles mandaram os professores embora e juntaram as turmas. Um curso que contava com a colaboração de 15 docentes, agora está com apenas quatro ou cinco professores. Podemos inferir que a instituição trabalha com o modelo de “gestão racionalizadora” (OLIVEIRA, 2009) – cortar gastos para aumentar o lucro. Esse processo de intensificação e exploração docente pode ser observada na fala abaixo: “Não pagar para fazer pesquisa, não pagar para orientar aluno e ainda você viver sob a ameaça de ser demitido, isso aí não é valorizar o profissional [...]. Além de tudo, depois que o grupo comprou a instituição, a ameaça de demissão sempre existiu “(EX-DOCENTE C).
Diante da desvalorização do profissional docente, que não é incentivada e/ou remunerada para fazer pesquisa, e que convive com a pressão da demissão, Demo (2002) afirma que a politicidade se põe como referência fundamental e pode ser vista também sob o signo da qualidade formal e política. Em relação à qualidade formal, o docente precisa de formação primorosa, “carece de capacidade inequívoca de pesquisa – para produzir conhecimento próprio – e de elaboração própria – para se tornar sujeito de ideias que possam vir de fora.” Em relação à qualidade política, “além da óbvia conveniência do exercício próprio da cidadania – participar do sindicato, por exemplo – torna-se crucial fazer aflorar no saber pensar o saber intervir.” (DEMO, 2002, p. 35). É por meio da politicidade que o docente será capaz de fazer história própria, individual e, principalmente, coletiva, transformando políticas de opressão em sua própria libertação. O problema é que uma das grandes questões que reprime o docente e o torna submisso às ordens vigentes é o 206 |
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desemprego. Para manter-se empregado ou readquirir seu emprego, o docente tem que se submeter às ordens da instituição, até mesmo, se conformar com a perda salarial. A fala a seguir explica bem essa constatação: “Eles [o grupo] mandaram quase todos os docentes embora, para reduzir o salário. Depois de 6 meses chamaram de volta. Vocês querem voltar? O salário agora é esse [...]. Muitas pessoas voltaram mesmo com o salário menor” (EX-DOCENTE A).
Segundo Guerón (2011), a possibilidade de demissão é um fator que abala o psicológico do profissional, que a a conviver pressionado, sem saber o que vai acontecer no dia de amanhã. Na instituição investigada, a demissão pode ocorrer a qualquer hora, com ou sem motivos. Quando os docentes não se adaptam ao sistema da instituição, só há duas soluções: ou pedem para sair por conta própria ou são demitidos, pois as decisões não são tomadas no ambiente interno da Instituição. A fala abaixo evidencia como a demissão tem sido usada como uma das soluções mais práticas para lidar com os docentes que não se encaixam no novo modelo de governança adotado pela instituição que a pelo processo de fusão: “Essa nova gestão é dinâmica, existe um protocolo, então se o docente não consegue se adaptar acaba saindo” (DOCENTE A).
Ao analisarmos o conteúdo da fala dos docentes, constatamos que eles se sentem desvalorizados diante da forma como são conduzidas as diretrizes dentro da instituição. Eles deixam subentendido que os seus anseios não são/ foram atendidos e que a gestão é extremamente empresarial. Tiradente (2011) é bem enfática, Esses grupos, por sua vez, quando lançam seu capital na bolsa de valores (financeirização), am a submeter-se ao controle de grupos de investimentos (vinculados a negócios em diversas áreas), que impõem padrões de produtividade e metas de lucratividade que envolvem
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demissões e desqualificação do trabalho docente, ‘pasteurização’ e ‘industrialização’ do projeto pedagógico (TIRADENTES, 2011, p. 17).
Nessa direção, o Docente E acrescenta, “A gestão tem que melhorar muito. Faltam investimentos para se ter uma boa governança, não é só ter uma sala de aula, um professor e um projeto institucional e empurrar goela abaixo aos professores e alunos, há uma desvalorização muito grande e não há uma satisfação de ambos. Se você tiver uma satisfação geral, você trabalha feliz [...]. Para trabalhar na área de educação você tem que gostar muito, caso contrário você ajuda a afundar o pouco que ainda tem” (DOCENTE E).
Shor (2006, p. 109) ressalta que “a educação não é engolir livros, mas é sim transformadora das relações entre alunos, professores, a escola e a sociedade.” Guimarães-Iosif (2011) complementa que as instituições de ensino superior não devem ser espaços de medo e opressão, mas sim um ambiente democrático, autônomo, dialético, de intervenção social e práticas coletivas. Um dos objetivos da educação superior é o desenvolvimento social e não o desenvolvimento de práticas opressoras que usurpam a autonomia discente e docente. As mudanças em curso trouxeram impactos negativos: diminuição do valor da hora/aula (os contratos novos já vêm com um valor reduzido); fim da orientação de trabalho de conclusão de curso, junção de turmas, redução das aulas de laboratório e trabalhos de campo ao mínimo possível, em determinados cursos (quando das aulas de laboratório, é preciso dividir a turma, pois não cabe todo mundo), padronização do sistema, bem como tantas outras. A fala do docente abaixo representa muito bem o impacto dessas novas práticas de gestão na educação superior: “Tem o choque da cultura, porque os grandes grupos querem tudo padronizado, sendo que os padrões não se adéquam as necessidades das regiões. E eles têm esse negócio de juntar turmas, turmas gigantes, e a gente não tem tempo para dar atenção para o aluno que está com dúvida.
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Em uma aula prática, como você enfia um monte de gente no laboratório, então às vezes é preciso dividir a turma, dividir também o tempo que você tem para dar a aula prática. É muito desgastante, principalmente por causa das turmas muito grandes” (DOCENTE C).
Frente a essas metamorfoses e pressões, Guerón (2011, p. 29) considera que é fundamental “buscar a instalação de conselhos acadêmicos nos quais possamos ter participação ativa na estruturação e na concepção dos currículos, indo além da lógica dos cortes de custos e do ‘treinamento’ para o ‘mercado’.” Mesmo sendo difícil, os docentes precisam resistir a toda forma de precarização, toda estratégia que vise dificultar, atrapalhar ou até mesmo impedir a produção cognitiva e criativa dos docentes, funcionários e alunos. Todas essas mudanças objetivam alcançar metas e obter resultados que se sintetizam em cifras. A “gestão por resultados”, como afirma Mancebo (2011), provoca mudanças organizativas no processo de trabalho que impactam diretamente no aumento da intensidade do labor docente e na qualidade do ensino. Assim, a função social das IES se esvae diante da voracidade financeira. A questão da mercantilização da educação é muito delicada, o aluno é visto como cliente e o professor como operário, que vende sua força de trabalho. Não se pensa em alcançar as metas propostas, no art. 43 da LDB (BRASIL 1996), para o ensino superior: estimular o pensamento reflexivo, incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, promover a divulgação dos conhecimentos culturais, estimular os conhecimentos do mundo presente, mas sim formar o profissional de uma forma que custe mais barato para a instituição e gere mais lucro para a mesma. Com base nos depoimentos, verificamos que alguns docentes têm consciência e entendem o conjunto de relações – jogo de interesses – que permeiam a governança privada da educação superior. Estes afirmam que a gestão da instituição, em que atuam/atuaram é centralizada (as ordens fluem de cima para baixo) e racionalizadora, focada em resultados e não em processos. A questão salarial é um aspecto chave na nova gestão. Com o objetivo de cortar gastos, a instituição está demitindo os professores mais antigos, que têm os salários mais altos, e está contratandoo novos contratos, com salários
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mais baixos. E, além disso, ou a não pagar por algumas atividades desempenhadas pelos docentes, como orientação de alunos e realização de pesquisa (quando ocorre).
Considerações Finais: desdobramentos da pesquisa O conhecimento da realidade não é sinônimo de transformação, porém, é necessário que este se reverta em estratégia para que ajam mudanças. A pesquisa nos despertou para a necessidade de uma responsabilidade social em informar, conscientizar e difundir os desdobramentos do novo modelo de governança da educação superior privada, que promove e intensifica a formação dos oligopólios e atinge diretamente o trabalhador docente. Sem pretensão de exaurir a complexidade temática, posto que os dados limitam-se ao contexto investigado, esperamos contribuir para um maior entendimento da atual condição de trabalho dos docentes, que atuam nas companhias educacionais, operadas pela lógica capitalista. Identificamos a importância de ampliar os estudos no sentido de compreender em maior profundidade os diferentes atores que compõem o campo da governança contemporânea da educação brasileira, seus interesses e campos de influência. Novas questões de pesquisas floreceram ao longo do estudo. Como os sindicatos, associações e demais organizações representativas da sociedade civil tem se posicionado diante do novo modelo de governança e do modo de se fazer política na área da educação superior no Brasil? Qual tem sido o papel assumido pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que na década de 60, mostrou engajamento político ao lutar por um Brasil mais justo e, hoje, praticamente desapareceu do campo de embates políticos por uma educação superior de melhor qualidade? Até que ponto é possível democratizar o o à educação superior no Brasil sem correr o risco de o Estado perder o controle das políticas que regulam o setor? A pesquisa realizada, apesar de suas limitações, enquanto estudo de caso, apontou que, da forma como vem sendo conduzida a governança das instituições privadas, o critério decisivo é descobrir o nicho de mercado que garante mais lucro. Os objetivos das empresas educacionais seguem as 210 |
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estruturas de mercado. Houve uma mudança radical no modelo pedagógico e institucional. Os grandes grupos estão instituindo um processo de padronização que se manifesta em aulas engessadas, que, em alguns casos, são programadas fora do contexto local. Os procedimentos adotados representam o controle ideológico da formação e a descaracterização do conhecimento científico, supondo sua neutralidade. Uma vez que o forte lobby dos empresários da educação inibe ou interfere cada vez mais nos processos de decisão do Estado. É fundamental que os docentes e discentes da pós-graduação em educação invistam em pesquisas, que explorem esses dois campos tão cercados de mistérios e contradições, que é a política e a gestão da educação superior no Brasil. Por ser uma área tão estratégica para o desenvolvimento social e econômico do país, há muitos atores (nacionais e internacionais) interessados em uma fatia desse “bolo”. A educação superior, assim como a educação básica, são etapas estratégicas para a formação do cidadão. Não podemos deixar que o mercado determine o tipo de cidadão que estará saindo desses níveis de ensino. Este estudo nos mostrou que o tema pesquisado é de grande relevância e, ainda, precisa ser mais explorado por pesquisadores das áreas sociais. Eis aqui a nossa pequena contribuição.
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11 PESQUISA QUALITATIVA DE TIPO ETNOGRÁFICA EM ESCOLAS PÚBLICAS: A TRAMA A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO Luciana Cordeiro Limeira 52 Wellington Ferreira de Jesus53
Introdução
A avaliação é uma prática humana surgida nas relações estabelecidas entre os sujeitos e suas ações nos diversos ambientes que vivem e se relacionam. Num contexto escolar, a avaliação da aprendizagem, desenvolvida em sala de aula, é o meio pelo qual o professor observa e analisa o desempenho dos estudantes a partir do currículo trabalhado, daquilo que aprenderam e do que ainda falta aprender. Nessa análise, o processo de ensino e de aprendizagem não está dissociado e deve servir de subsídio para redimensionar as ações e intervenções dos professores. Ampliando o conceito de avaliação do espaço da sala de aula para a escola como um todo, a avaliação escolar é um caminho para subsidiar o levantamento de informações sobre as ações, que promovem a aprendizagem 52 Doutoranda em Educação pela UCB. 53 Doutor em Educação pela UFG. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB.
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dos estudantes, considerando-se para isto o aspecto pedagógico do trabalho escolar. As informações geradas pela avaliação da aprendizagem constituem importantes dados também para avaliar o ensino desenvolvido pelo professor e qual a sua relação com a aprendizagem apresentada pelos alunos. Dessa forma, tanto a avaliação da aprendizagem quanto a avaliação escolar compõem a avaliação educacional. Trata-se de uma avaliação que reflete sobre os resultados obtidos pela instituição em conformidade com o seu Projeto Político-Pedagógico (PPP), pois, considera o currículo trabalhado pela escola e os projetos propostos nas políticas públicas educacionais. Ampliando cada vez mais os processos avaliativos relacionados à escola e ao sistema educacional como um todo, tem-se a avaliação institucional (interna e externa). Esse tipo de avaliação analisa a relação e possíveis influências e interferências de resultados aos sujeitos, processos e estruturas neles envolvidos utilizando-se como referência a própria escola. Dependendo da extensão do uso de seus dados, como bem esclareceu Afonso (2009), caracteriza-se como macro avaliação (quando compara escolas de um mesmo país) ou mega avaliação (quando compara resultados de escolas de países diferentes). Este é um grande desafio para as escolas. Avaliar-se e analisar-se a partir de processos internos e externos à escola, como propõem as políticas públicas educacionais ao estabelecerem a avaliação institucional como processos de levantamento de dados para uma avaliação sistêmica. Estas ações, desenvolvidas pela escola, demandam tempo, pessoas dispostas e disponíveis em fazê-lo, além de conhecimento específico e especializado para orientá-la e aplicá-la. Essa tarefa de avaliar e analisar-se recai diretamente sobre as funções exercidas pelos gestores escolares que, nem sempre se encontram preparados pela sua formação inicial para desempenhá-la. Diante de uma rotina atribulada de constante (re)organização do espaço escolar, mais uma tarefa lhe é destinada: promover a avaliação individual e entre pares de sua equipe gestora, dos colegas docentes, funcionários e especialistas, alunos, pais e comunidade, envolvendo a todos nesse processo de modo que realizem, simultaneamente, uma auto e heteroavaliação. No Distrito Federal, as avaliações institucionais na Educação Básica já fazem parte do calendário escolar, há algum tempo. No entanto, sua 218 |
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prática ainda está dentre as funções burocráticas que a escola deve cumprir. Há pouca clareza, por parte dos sujeitos que compõem as escolas, sobre sua função e sobre a possível utilização, na dinâmica escolar (processos avaliativos, planejamentos e ações), dos dados por elas gerados. Tais dados, gerados pelas avaliações (externas e internas), são relevantes para corrigir o planejamento e as ações desenvolvidas, seja pela escola como um todo, seja pelo professor em sala de aula. As escolas públicas do DF, em conformidade com as políticas públicas educacionais e com a legislação vigente, são geridas por equipes eleitas, democraticamente, pela comunidade escolar, que atendem e produzem, coletivamente, um PPP que as orientam em suas ações pedagógicas. Num contexto de distanciamento da comunidade escolar, como no caso das escolas pesquisadas, diante dos desafios apresentados às escolas, o PPP torna-se o reflexo direto da escassa participação dos diversos segmentos que as compõem. O desconhecimento dessa dinâmica escolar e dos processos avaliativos internos e externos, a ela relacionados, é evidente em muitos desses representantes. Muitas vezes, tais ações não condizem com as demandas da comunidade atendida e, também, com as expectativas criadas na escola por um modelo de gestão educacional de um Estado avaliador. Este trabalho54 analisou, por meio de uma pesquisa qualitativa do tipo etnográfica, as relações existentes entre a prática da avaliação institucional e o uso de dados por ela gerados na permanente construção do PPP de duas escolas públicas do Plano Piloto - Brasília. Como critério de escolha das escolas pesquisadas, utilizou-se dos dados gerados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) dos anos de 2005 a 2009, observando-se as escolas com maior crescimento no próprio desempenho nesse período. Partindo de um referencial teórico proporcionado por vários pesquisadores e estudiosos da área educacional de avaliação (da aprendizagem, escolar, educacional e institucional), de gestão escolar e educacional; das discussões sobre qualidade em educação, de políticas públicas educacionais (global 54 O presente artigo é um recorte da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, em agosto de 2012, de autoria de Luciana Cordeiro Limeira, intitulada Avaliação institucional e projeto político pedagógico - uma trama em construção. Pesquisa qualitativa de tipo etnográfica em escolas públicas: a trama a avaliação institucional e a construção do projeto político pedagógico
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e nacional), da filosofia e da sociologia buscou-se responder às questões propostas no problema da pesquisa.
A trajetória da pesquisa: a compatibilidade entre professor e pesquisador O interesse em estudar e pesquisar sobre a avaliação institucional surgiu de um trabalho desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal (SEDF), do Núcleo de Monitoramento Pedagógico (NPM) da Diretoria Regional de Ensino do Plano Piloto e Cruzeiro (DRE-PPC), por um período de três anos. A experiência vivida como professora de anos iniciais do Ensino Fundamental, exercida entre a sala de aula e a coordenação pedagógica em nível local e regional no DF foi de grande valia para o trabalho desenvolvido como articuladora pedagógica e para o trabalho de pesquisa aqui apresentado. A equipe de articuladoras pedagógicas do Centro de Referência em Alfabetização – CRA foi formada para a realização de um trabalho, cujo objetivo era realizar o acompanhamento de professores e gestores em suas funções, nas escolas. O trabalho desenvolvido por essa equipe teve como grande desafio dar e técnico-pedagógico ao trabalho desenvolvido por professores alfabetizadores do Bloco Inicial de Alfabetização - BIA55, aos coordenadores e supervisores pedagógicos e aos gestores escolares, que atendem aos anos iniciais, diretamente, em suas instituições de ensino. Como parte desse trabalho, constavam visitas periódicas às escolas para esclarecimentos e estudos sobre a Proposta Pedagógica do BIA . Estas visitas ocorriam nos horários de coordenação dos professores alfabetizadores e de coordenação coletiva da escola. Também, eram realizados encontros de estudo para todos os professores do BIA da DRE-PPC, coordenadores e supervisores pedagógicos, e Fóruns de Desempenho para gestores. Nos Fóruns de Desempenho eram utilizados dados levantados sobre o desempenho apresentado pelos estudantes em avaliações locais e pelas escolas nas avaliações em larga escala. As avaliações aplicadas no DF eram Prova 55 O documento oficial de homologação da Proposta Pedagógica do BIA pelo Conselho de Educação do DF encontra-se disponível em: www.conselhodeeducacao-df.com.br/ documentos/.../212-080.02046. o em 18/02/2012.
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e Provinha Brasil, Sistema de Avaliação do Desempenho das Instituições Educacionais (SIADE) – Avaliação Externa própria, desenvolvida no DF – e, principalmente, do desenvolvimento do processo de alfabetização dos estudantes, observado por meio de testes periódicos da psicogênese56 da escrita, este último em nível regional. Para a realização desse trabalho, foi necessário aprender a lidar com todos esses dados, transformá-los em informações relevantes de modo que os gestores observassem e analisassem o desempenho de suas escolas, no decorrer do ano. Assim, de posse dessas informações, esperava-se que os gestores buscassem junto à sua equipe pedagógica um direcionamento para atingir os objetivos propostos pela escola em seu PPP e o alcance de melhores resultados no desempenho apresentado pelos estudantes, conforme metas previstas nas políticas públicas educacionais. Após algum tempo vivenciando a elaboração de diagnósticos e levantamento de necessidades e expectativas junto às escolas, a aceitação desse trabalho foi muito boa. Mesmo que, inicialmente, houvesse desconfiança e resistências por parte de alguns gestores e professores sobre as reais intenções de um articulador pedagógico na escola. A presença periódica da equipe do CRA nas escolas e a abertura de um espaço para as discussões e esclarecimentos sobre o trabalho de alfabetização do BIA foi se consolidando e alcançando uma boa participação dos professores, gestores e coordenadores nos encontros. No trabalho de articulador pedagógico, eram frequentes as reuniões e encontros com outros articuladores pedagógicos das Diretorias Regionais de Ensino do Distrito Federal, promovidos pelos níveis centrais da SEDF. Essa aproximação com os assuntos referentes às políticas públicas de educação e os problemas apresentados pelas escolas, relativos ao desempenho dos estudantes, levou-me a desenvolver este estudo e a busca de esclarecimentos sobre o tema. 56 Os pressupostos da psicogênese da língua escrita foram estudados e publicados por Emília Ferreiro e Ana Teberosky nos anos 80 de acordo com a teoria desenvolvimentista de Piaget. Posteriormente, Esther Pillar Grossi, em seu trabalho com o GEEMPA, desenvolveu uma pesquisa de aprofundamento dos níveis psicogenéticos da escrita, criados e publicados por Emília Ferreiro. Esse trabalho foi bastante divulgado e consolidado como parte da Política Pública Educacional do DF nos anos 90, com a implantação da Escola Candanga. Recentemente, com a implantação do BIA, essa proposta de acompanhamento ao desenvolvimento do processo de alfabetização das crianças de 6 a 8 anos retornou com bastante força e se evidenciou como prática de acompanhamento para a maioria das Diretorias Regionais de Ensino do DF. Pesquisa qualitativa de tipo etnográfica em escolas públicas: a trama a avaliação institucional e a construção do projeto político pedagógico
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Como o trabalho de monitoramento pedagógico desenvolvido no CRA da DRE-PPC carecia do levantamento de dados para as análises do desempenho da alfabetização, houve também a oportunidade de o aos resultados da Prova Brasil e, por conseguinte, do IDEB do DF, DREs e Escolas do Plano Piloto. Por essa razão, a pesquisa aqui apresentada, utilizou-se desses dados para identificar as escolas que apresentaram um considerável crescimento, em seu desempenho no IDEB, no período de 2005 a 2009. Ao refletir sobre o bom desempenho apresentado pelas escolas e suas possíveis relações com as Políticas Públicas Educacionais e a Gestão Escolar instigou-me analisar qual a relação existente entre o bom desempenho apresentado pelos estudantes nas avaliações em larga escala (Prova e Provinha Brasil) e a atuação pedagógica da gestão escolar vigente. Como objetivo geral delimitou-se analisar de que forma a avaliação institucional (interna e externa), como parte de uma política pública educacional de gestão de desempenho, está presente no cotidiano escolar e como se dá a utilização de seus resultados/dados na permanente construção e condução do PPP das escolas pesquisadas. Como objetivos específicos para a pesquisa buscou-se analisar como a avaliação institucional está presente no cotidiano escolar identificando seus instrumentos, formas de divulgação dos resultados e utilização de seus dados na permanente construção do PPP; identificar o modelo de monitoramento desenvolvido pela SEDF, nas escolas, no sentido de orientá-las a fazer uso dos dados fornecidos pelas avaliações institucionais; e, identificar o que os representantes do conselho escolar sabem sobre a avaliação institucional e o projeto político- pedagógico de sua escola. Foram escolhidas duas escolas da Diretoria Regional do Plano Piloto e Cruzeiro. De posse de seus resultados no IDEB 2005 a 2009, por meio da análise do PPP, de entrevistas e da observação contínua de suas práticas, foi possível analisar como a avaliação institucional (interna e externa) está presente e influencia no cotidiano das escolas, qual a sua utilização na permanente construção do PPP. Em suma, nesse contexto de avaliação sistemática dos estudantes e, por conseguinte, das escolas e suas equipes de trabalho, na busca pela qualidade da educação e, dada a importância que o tema avaliação institucional tem para a 222 |
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construção e condução de um trabalho pedagógico de qualidade, é que surgiu o interesse por este tema de pesquisa. de forma mais específica, com a avaliação interna - Dia Temático de Avaliação nas escolas, com a participação da comunidade escolar. No DF, o modelo de gestão escolar que vigorou nesse período foi a Gestão Compartilhada (DISTRITO FEDERAL, 2007). Nele, conforme explica Mendonça (2011), o processo de seleção dos candidatos a gestores se dá por meio da aplicação de provas de conhecimentos específicos à área de gestão, seguida por processo eletivo, como forma de participação da comunidade escolar. Como crítica a esse modelo de gestão, o autor esclarece que tal processo, segundo os sistemas que o adotam, atende Os processos avaliativos permeiam as diversas práticas do cotidiano escolar. Eles fazem parte de um conjunto de ações no intuito de melhorar a qualidade do trabalho desenvolvido e, consequentemente, a qualidade do ensino e da aprendizagem. Estão presentes nos encontros de estudo e planejamento dos professores e gestores em coordenação pedagógica, no planejamento individual ou em grupos de professores, nas conversas dos professores e demais profissionais atuantes na escola, nos momentos de recreio (intervalo), na sala dos professores, nos corredores, nas reuniões formais e informais. De modo mais sistemático e formal, nas políticas públicas educacionais o tema avaliação tem cada vez mais se destacado como parte de um conjunto de ações para melhorar a qualidade do ensino público oferecido em todo o país. A constante prática da avaliação institucional externa, realizada nas escolas, vinculada à avaliação institucional interna dos processos e dos sujeitos que as compõem, constitui a avaliação institucional proposta por tais políticas. Para melhor compreender a influência exercida por tais políticas em nível local, é preciso esclarecer que as políticas públicas são ações de responsabilidade do Estado planejadas, como esclarece Höfling (2001), dentro de um “processo de tomadas de decisões” no qual participam diversos representantes da sociedade “relacionados à política implementada” (p. 31).
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A referida autora explica, ainda, que o Estado constitui um conjunto de instituições permanentes, que permitem a ação do governo. Os poderes legislativo, executivo e judiciário fazem parte dessas instituições. Já o Governo constitui um conjunto de projetos e programas que deriva da sociedade (representantes de categorias profissionais e grupos organizados da sociedade civil). Assim, o governo “assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período” (HÖFLING, 2001, p. 31). Nesse caso, a escola nem sempre se sente representada nas decisões tomadas pelos governos quanto às políticas públicas implementadas. Fica, por vezes, à margem dessas decisões, atuando apenas como mera cumpridora de tarefas a ela destinadas. Por tratar-se de uma ação intencional do Estado em relação à sociedade, a política pública, ao ser colocada em prática, necessita de acompanhamento e constante avaliação por parte dos diversos setores que constituem a sociedade. Para Belloni, Magalhães e Sousa (2007) a política pública “deve ser sistematicamente avaliada do ponto de vista de sua relevância e adequação às necessidades sociais, além de abordar os aspectos de eficiência, eficácia e efetividade das ações empreendidas” (p. 44). Isto também diz respeito às práticas relacionadas à avaliação institucional, da escolha de seus instrumentos e metodologia de aplicação. Seguindo essa tendência, a política pública de educação do Distrito Federal, implementada pelo governo no período de 2007-2010, previa a aplicação anual de avaliação institucional própria. Esse processo de avaliação ocorria em dois momentos distintos: em larga escala - Sistema de Avaliação do Desempenho das Instituições Educacionais (SIADE - Decreto nº 29.244/08) e, de forma mais específica, com a avaliação interna - Dia Temático57 de Avaliação nas escolas, com a participação da comunidade escolar. No DF, o modelo de gestão escolar que vigorou nesse período foi a Gestão Compartilhada58 (DISTRITO FEDERAL, 2007). Nele, conforme explica Mendonça (2011), o processo de seleção dos candidatos a gestores se dá por 57 O Dia Temático - Avaliação - foi estabelecido, em calendário escolar, como consta na Estratégia de Matrícula da SEDF desde o ano 2009, para que as escolas públicas do DF desenvolvam atividades de avaliação em todos os níveis e modalidades de Educação Básica, com a participação de todos os envolvidos no processo: professores, auxiliares de educação, equipe gestora, comunidade e alunos. 58 Lei nº 4.036 de 25 de outubro de 2007.
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meio da aplicação de provas de conhecimentos específicos à área de gestão, seguida por processo eletivo, como forma de participação da comunidade escolar. Como crítica a esse modelo de gestão, o autor esclarece que tal processo, segundo os sistemas que o adotam, atende à necessidade de superar os problemas de competência técnica dos candidatos. As críticas a esse mecanismo ressaltam o privilegiamento da competência técnica em detrimento da avaliação da liderança política, inclusive porque o professor, já teria tal competência quando ingressou na carreira por meio de um concurso público (MENDONÇA, 2011, p. 10).
Conforme Mendonça (2011), a importância da liderança política na escolha dos gestores se sobrepõe à de competência técnica, tida como referência para a gestão compartilhada. Os posicionamentos políticos dos governantes divergem sobre essa condução e, a cada novo governo, uma nova orientação é dada para a condução da escolha dos gestores escolares. Na gestão compartilhada, constam, como objetivos, a implementação e execução das políticas públicas de educação de forma a assegurar a qualidade, a equidade e a responsabilidade social e, entre outros, a garantia do processo de avaliação institucional mediante mecanismos internos e externos à transparência de resultados e à prestação de contas à comunidade (DISTRITO FEDERAL, 2007). Aos gestores, certificados mediante processo avaliativo e classificatório e eleitos democraticamente pela comunidade escolar, cabe vincular, aos objetivos, previstos em legislação, os objetivos propostos no PPP de suas escolas, além de acompanhar as ações didático-pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, orientadas pela dinâmica curricular, em permanente construção. Dessa forma, o modelo de gestão observado durante a realização da pesquisa, ainda se apresentava como gestão compartilhada, orientada por um modelo de gestão de resultados, onde os gestores se comprometiam, documentalmente, pela melhoria do desempenho das escolas.
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Metodologia de pesquisa No presente trabalho, a opção metodológica utilizada foi da pesquisa qualitativa, pois como uma ferramenta de analisar e interpretar fenômenos sociais caracteriza-se por descrever o comportamento humano em toda a sua complexidade. Desse modo, possibilita uma análise mais detalhada sobre os fenômenos estudados constituídos das investigações, atitudes, hábitos cotidianos e tendências comportamentais dos sujeitos e grupos. Sua finalidade é construir uma teoria, que explique ou possibilite a compreensão de um fenômeno social em um dado local e momento histórico. A utilização da abordagem qualitativa, com sua variedade de métodos para levantamento e análise de dados se destaca em pesquisas educacionais. O cotidiano escolar apresenta um vasto campo de pesquisa, onde o comportamento e as ações dos sujeitos envolvidos nos diversos processos que o constituem podem ser observados e analisados com diversidade de enfoques e temas. A presente pesquisa utilizou-se da metodologia qualitativa do tipo etnográfica onde os instrumentos para levantamento de dados foram: a observação das coordenações coletivas nos dias destinados aos “Dias Temáticos”, conforme calendário escolar da SEDF, e, de dias corriqueiros de coordenação coletiva; da observação contínua (manhã e tarde) por um período de tempo de duas semanas (a que antecedeu a aplicação da Prova Brasil e a semana em que a Prova Brasil foi aplicada); de análise documental do PPP das escolas; e de entrevistas semiestruturadas com os representantes de cada segmento do Conselho Escolar das escolas. As observações feitas durante a pesquisa tiveram o objetivo de acompanhar as coordenações coletivas das escolas nos dias estabelecidos em calendário escolar pela SEDF como “Dia Temático”. Nesses dias, as escolas deveriam organizar estudos e momentos específicos para autoavaliar-se e assim, dar um retorno aos setores responsáveis com o envio de relatórios sobre as atividades realizadas e os resultados alcançados. Além das observações dos dias temáticos, houve também observações esparsas do trabalho realizado nas coordenações coletivas em dias comuns. 226 |
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Esta pesquisa utilizou-se da entrevista semiestruturada como parte de seu instrumental para levantamento de dados. As entrevistas foram realizadas com representantes dos vários segmentos do Conselho Escolar de cada escola pesquisada. Os Conselhos Escolares são constituídos por representantes dos diferentes segmentos que compõem a comunidade escolar. De acordo com o artigo 2º do Decreto 29.207/08, que estabelece a composição do Conselho Escolar, este, poderá ser formado por “um membro nato (diretor da escola), e de, no máximo, 15 representantes eleitos dos segmentos da comunidade escolar, para mandato de dois anos” (DISTRITO FEDERAL, 2008). Esses participantes são representantes da Carreira de Magistério (Professor e Especialista de Educação), representante da Carreira de Assistência à Educação, representantes dos discentes (idade igual ou superior a dezesseis anos), representantes de pais ou responsáveis pelos alunos da instituição escolar. Por tratar-se de vários representantes em alguns segmentos, optou-se por escolher apenas um representante por segmento, sendo eles: o diretor, um professor, um especialista de educação, um funcionário da carreira de assistência à educação e um pai de aluno. Nos Conselhos Escolares das escolas de anos iniciais do Ensino Fundamental não existe representante de alunos. A escolha dos representantes, quando mais de um por segmento, deu-se por sorteio, com a participação do membro nato do Conselho Escolar (Diretor da escola). Na ausência ou impossibilidade de um desses representantes, optou-se por entrevistar mais um professor, também membro do Conselho Escolar. As entrevistas constituíram material de grande relevância para essa pesquisa dada dinâmica que proporcionam de estar mais atento e próximo dos sujeitos pesquisados. Nelas, pode-se perceber com mais objetividade o que a comunidade escolar sabe e pensa sobre as avaliações institucionais, sua importância e o uso de seus dados na construção do PPP das escolas, Também, com a análise documental, buscou-se responder às indagações provindas do problema de pesquisa, estando estas de acordo com os objetivos previstos. Os documentos aqui analisados constituem a essência do trabalho desenvolvido pelas escolas que é o Projeto Político-Pedagógico. Nele, Pesquisa qualitativa de tipo etnográfica em escolas públicas: a trama a avaliação institucional e a construção do projeto político pedagógico
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encontram-se os objetivos, ações, perspectivas de trabalho para a comunidade escolar. Dessa forma, a análise documental constitui uma importante fonte para levantamento de dados. Para que os dados levantados fossem analisados, adotou-se como técnica de pesquisa a análise de conteúdo. Com a definição clássica da análise de conteúdo, Bernard Berelson apud Fonseca Júnior (2006) a designa como uma técnica de pesquisa para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação (p. 281-282). A comunicação, aqui, descrita é gerada por meio do contato direto ou indireto do pesquisador em seu ambiente de pesquisa. As mensagens geradas sejam (orais, escritas, gestuais), compõem o arcabouço de materiais a serem analisados. Franco (2008) explica que o ponto de partida de identificação do conteúdo a ser analisado se dá por meio de diversos canais de comunicação. O que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado, e/ ou simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo, seja ele explícito e/ou latente. A análise e a interpretação dos conteúdos são os (ou processos) a serem seguidos. E, para o efetivo caminhar nesse processo, a contextualização deve ser considerada como um dos principais requisitos, e mesmo como o pano de fundo para garantir a relevância dos sentidos atribuídos às mensagens (p. 16).
Bauer (2008) esclarece que apesar de boa parte das análises clássicas de conteúdo terminar em descrições numéricas feitas de algumas características identificadas no corpus do texto, antes que qualquer quantificação seja feita, considerável atenção é dada aos “tipos”, “qualidades”, e “distinções” no texto. Deste modo, a análise de texto faz uma ponte entre um formalismo estatístico e a análise qualitativa dos materiais (p. 190). Tradicionalmente, a análise de conteúdo clássica trabalha com textos escritos, utilizados anteriormente para algum outro propósito. Bauer (2008) acrescenta que um procedimento semelhante pode ser aplicado também a imagens ou sons. Esclarece, ainda, que a análise dos textos escritos pode se dar 228 |
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também, além dos textos produzidos para outras finalidades como jornais, revistas ou documentos de corporações, nos textos que são construídos no processo de pesquisa, tais como transcrições de entrevista e protocolos de observação (p. 195). A análise documental, nesta pesquisa, possibilitou identificar quais as ações que estavam previstas pelas escolas, quais efetivamente eram desenvolvidas e quais eram realizadas, e que não constavam no PPP. Nos dois casos, as questões relacionadas às avaliações institucionais não estavam evidentes, de forma clara, como os projetos pedagógicos previstos para o ano. O PPP das escolas apresentavam estruturas parecidas, conforme orientações dadas pela SEDF na época do processo seletivo, quando as equipes gestoras apresentavam um projeto de trabalho e concorriam para cargos da istração das escolas. Esse projeto de trabalho transformou-se, nos dois casos, com as alterações devidas, no PPP das escolas. Foi muito interessante identificar tais características e poder remeter-se ao documento, diretamente aos sujeitos que o formularam (comunidade escolar). Dessa forma, a diversidade de instrumentos utilizados no trabalho colaborou significativamente no processo de análise qualitativa que a pesquisa se propôs a realizar.
O locus de aplicação da pesquisa Por tratar-se de uma pesquisa sobre avaliação institucional (interna e externa) e sua relação com a construção do PPP das escolas, a seleção de escolas para a aplicação da pesquisa partiu da análise dos resultados em avaliações externas, diagnosticadas pelo MEC/INEP, que constituem o IDEB dos anos 2005, 2007 e 2009. Como critério de seleção, buscou-se as escolas com maior crescimento nos índices, em relação a si próprias, nos dados da medição anterior. Foram selecionadas duas escolas com características semelhantes, quanto ao crescimento do índice, mas que se diferenciam quanto à estrutura física e de funcionamento dentro da DRE-PPC. A escola 1 (tabela 1) obteve o maior crescimento no índice em relação à medição anterior e entre às demais escolas do Plano Piloto. No entanto, a pontuação obtida não representa as maiores pontuações constatadas do Plano Pesquisa qualitativa de tipo etnográfica em escolas públicas: a trama a avaliação institucional e a construção do projeto político pedagógico
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Piloto e DF. A escola 2 (tabela 2) seguindo esse critério, também apresentou um desempenho positivo, assemelhando-se a algumas escolas do Distrito Federal que, como ela, apresentaram o mesmo crescimento no índice em relação ao ano anterior, conforme mostram as tabelas a seguir: Tabela 1 – Escola 1
Fonte: INEP, 2011. Disponível em: http://sistemasideb.inep.gov.br/ resultado/. o em: 16/04/2011.
Tabela 2 – Escola 2
Fonte: INEP, 2011. Disponível em: http://sistemasideb.inep.gov.br/ resultado/. o em: 16/04/2011.
A escolha por escolas que apresentaram grande crescimento no desempenho nas avaliações externas deu-se por acreditar que todo o esforço investido pelas escolas em buscar melhorias no seu trabalho, repercute diretamente na aprendizagem de seus estudantes. Nesse caso, utilizando-se dos dados do IDEB, considerei somente os referentes aos aspectos cognitivos da aprendizagem. Esse esforço a despercebido, por ser pouco considerado, do ponto de vista gerencial, que busca nos dados levantados, os resultados obtidos pelas escolas, que alcançaram as melhores notas. Desconsideram o grande crescimento constatado nas escolas com notas ainda inferiores, em relação as que já obtiveram ótimos resultados. Acompanhar essas escolas foi trazer informações importantes sobre a construção de um trabalho coletivo que traz bons resultados, do ponto de vista formal (crescimento no desempenho) e institucional (práticas exitosas na escola pública). 230 |
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O contexto da pesquisa A Escola 1 está localizada em Brasília, no Plano Piloto, Asa Sul, numa região de elevado status socioeconômico e boa infraestrutura local. Atende crianças dos 6 aos 12 anos, das séries iniciais do Ensino Fundamental de nove anos. Foi a primeira escola de alvenaria construída em Brasília e, posteriormente, tombada como patrimônio histórico. A estrutura física da escola é bem agradável, ótima manutenção e limpeza. Composta por sete salas de aula, uma biblioteca, uma sala de informática, uma cantina, além de sala dos professores/coordenação, secretaria, direção, banheiros para uso dos professores, banheiros para os estudantes (masculino e feminino) e área reservada aos servidores da limpeza e funcionários da escola. Apesar de estar bem dividida a escola apresenta algumas restrições de uso dos espaços, como no caso do recreio, onde não há quadras de esporte para uso dos estudantes e, estes, têm que se deslocar, com a supervisão dos professores e funcionários para as áreas externas da escola (quadra de esporte e pracinha em frente à escola). Também, para a realização do acompanhamento pedagógico individualizado ou estratégias didáticas como os reagrupamentos59 (distribuição de alunos em pequenos grupos), a escola encontra algumas dificuldades para alojar os alunos. São ao todo 43 funcionários, efetivos e contratados da SEDF, trabalhando na escola. Dentre eles professores, gestores, secretária e assistente, funcionários da limpeza terceirizados (empresas particulares), funcionários de portaria, vigilância e merenda. Dos 19 professores, 14 atuam em sala de aula, enquanto as demais estão assim distribuídas: uma professora da sala de recursos, uma diretora, uma vice-diretora, uma supervisora pedagógica e uma coordenadora pedagógica. Também, faz parte do quadro uma orientadora educacional. O tempo médio de experiência dos professores é de 15 anos e da equipe gestora de 12 anos. Dos professores, 8 possuem formação superior completa, 3 professores possuem pós-graduação e somente 1 com o curso de magistério (antigo 2º grau). 59 O reagrupamento é uma estratégia pedagógica adotada pelo BIA, no intuito de oferecer intervenções didático-pedagógicas à todos os alunos nos vários níveis de desenvolvimento cognitivo. Acontece periodicamente, uma ou duas vezes por semana, conforme o planejamento pedagógico da escola. Trata-se de uma ação de grande proporção que envolve todos os professores alfabetizadores, equipe gestora, pedagógica e de especialistas. Pesquisa qualitativa de tipo etnográfica em escolas públicas: a trama a avaliação institucional e a construção do projeto político pedagógico
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O número total de alunos é de 310, sendo a média por turma variável, mínimo dez – quando reduzidas por adaptação aos alunos com necessidades educacionais especiais (ANEE) e, máximo de 31 alunos. A comunidade atendida pela escola é provinda, em sua minoria, de crianças do Plano Piloto e em sua maioria de algumas Regiões istrativas do DF: Recanto das Emas, Riacho Fundo, Paranoá, Planaltina, São Sebastião, Núcleo Bandeirante, Guará, Cruzeiro, Samambaia, Gama, Taguatinga e cidades do entorno do DF: Águas Lindas, Valparaíso, Cidade Ocidental e Pedregal. A escola conta com uma boa participação dos pais no acompanhamento aos filhos (trazendo as crianças à escola, atendendo ao chamado de professores e equipe gestora e participação em reuniões bimestrais) e, contribuindo mensalmente, com a APM, existente desde 1997. A Escola 2 faz parte da DRE-PPC está localizada no Lago Sul, região muito privilegiada de Brasília do ponto de vista socioeconômico e habitacional. Atende crianças dos 6 aos 14 anos das séries iniciais do Ensino Fundamental de nove anos. A estrutura física da escola é agradável, bem cuidada e limpa, ventilada, com um pátio interno que oferece uma visão ampla de todas as salas. A escola é composta por nove salas de aula, uma cantina, uma secretaria, uma sala dos professores/coordenação, uma sala de direção, banheiros para uso dos professores, banheiros para os estudantes (masculino e feminino) e área reservada aos servidores da limpeza e funcionários da escola. A escola não tem um espaço adequado para a biblioteca, mas adaptou um pequeno espaço no final do corredor como área ambiente para leitura. Nele, foram organizadas estantes com livros infantis, pufs (almofadas de espumas), tapete emborrachado e conta com a presença de uma professora (readaptada) que acompanha os estudantes. São ao todo 44 funcionários, efetivos e contratados pela SEDF, trabalhando na escola. Dentre eles professores, gestores, secretário e assistentes (carreira de especialista de educação), funcionários da limpeza (empresas particulares – serviço terceirizado), funcionários de portaria, vigilância e merenda, dos quais alguns terceirizados. Dos 22 professores, 18 são atuantes em sala de aula, uma diretora, uma vice-diretora, uma supervisora pedagógica, uma coordenadora pedagógica e uma professora da sala de recursos e uma
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orientadora educacional. O tempo médio de experiência dos professores é de 16 anos e da equipe gestora de 15 anos, a exceção de uma professora, todos possuem formação superior completa e alguns destes possuem pós-graduação. O número total de estudantes é de 451. A média de alunos por turma é variável, mínimo 20 – quando reduzidas por adaptação aos alunos com necessidades educacionais especiais (ANEE) e máximo de 29 alunos. A comunidade atendida pela escola é constituída por crianças vindas de várias Regiões istrativas do DF: São Sebastião, Paranoá e condomínios próximos; cidades e vilarejos do entorno do DF: Jardim A,B,C e Jardim Edith. A escola conta a participação dos pais na APM e com várias parcerias do comércio e de colaboradores na realização de alguns projetos, manutenção de bens e melhorias do seu espaço físico. A experiência de estar nas escolas e observar seu funcionamento, com todas as suas diversidades e adversidades, auxiliou a compreensão que as escolas públicas do DF funcionam devidamente, conforme as orientações e demandas da SEDF. As equipes gestoras são comprometidas e responsáveis com o trabalho que desenvolvem e são respeitadas pelos professores, funcionários e pais e, o clima escolar é favorável para o desenvolvimento de atividades no coletivo de professores e estudantes. O público atendido, no entanto, não faz parte da localidade onde se encontram as escolas. A exceção de alguns, que moram nas quadras do Plano Piloto, estão distantes, físico e ideologicamente, do contexto socioeconômico, onde estão instaladas as escolas. Os pais têm interesses distintos em manter os filhos nelas estudando. Para alguns, as escolas do Plano Piloto são melhores, quanto ao trabalho pedagógico e à estrutura, e por isso matriculam seus filhos, para outros, é por estarem mais próximas de seu local de trabalho, para melhorar o deslocamento de ida e vinda para casa. Isto explica, em parte, o fato de não serem participantes e atuantes nos conselhos escolares, conforme a dinâmica da gestão democrática do DF prevê. A comunidade atendida não se sente parte da escola, está alheia a ela e não encontra tempo para estar mais ativa e presente nas decisões que dizem lhe respeito. Isto constitui tema de grande relevância para uma outra pesquisa que pretendo desenvolver.
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Considerações finais A escolha do tema, e os ajustes para chegar até ele, constituiu um grande desafio da pesquisa. Falar sobre avaliação institucional está muito em evidência, no entanto, adentrar na escola para analisar a sua realização e o uso de seus dados, tanto das avaliações externas quanto internas, identificando os sujeitos envolvidos e suas percepções e mobilizar os participantes a falarem sobre essa temática, mesmo quando não eram bem esclarecidos, tudo isto em seu cotidiano escolar é algo que mobilizou em mim a capacidade de uma escuta acadêmica mais “solidária”. Estar presente num espaço que a, professora atuante em escola pública, como pesquisadora, não fazia parte foi, de certa forma, desconcertante. Mesmo quando a equipe gestora é receptiva e atenciosa, existe sempre um ar de desconfiança sobre o que está sendo observado e registrado para a pesquisa. Talvez essa insegurança fosse somente da pesquisadora, no entanto, houve, em alguns momentos, adendos nas falas de professores, gestores e de outros profissionais que atuam na escola, quando diziam que comentariam qualquer fato, mesmo com a presença da pesquisadora. Era um pedido de “licença” para poderem continuar sendo sinceros, sem grandes ressalvas quanto ao que diziam. Os dados coletados foram imprescindíveis para minhas análises. A metodologia adotada, com os instrumentos escolhidos, ajudou a evidenciar melhor como as escolas se comportam diante dessas avaliações e o que fazem com esses dados na construção de seu PPP. Esse momento de organização dos documentos (relatório de observações – contínuas e periódicas), ocorridas num período de nove meses, leitura e identificação de itens comuns e diferentes nos PPP das escolas e, entrevistas transcritas (selecionadas as falas mais significativas e organização de categorias) foram momentos muito solitários onde, o olhar de pesquisador deve estar mais apurado e sensível às especificidades de cada escola, de sua realidade e história. A atuação do orientador foi fundamental e preciosa para fazer o filtro adequado dos materiais a serem analisados. As conversas e sugestões de
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leituras para melhorar as análises, assim como o retorno rápido dos materiais enviados com as considerações sobre os escritos diminuíam a insegurança e tornaram essa etapa menos árdua. Estar bem orientada possibilitou a segurança necessária para finalizar bem o trabalho. Essa foi uma experiência bastante significativa que auxiliou a compreensão de quanto falta ao cotidiano escolar, em que se participa ativamente seja como professores, coordenadores pedagógicos, gestores, reflexões apoiadas em estudos recentes e leituras recomendadas para melhor condução do trabalho pedagógico.
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. o em: 16/04/2011. DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 29.207, de 27 de junho de 2008. Dispõe sobre a composição e função dos Conselhos Escolares das escolas do DF. Diário Oficial do Distrito Federal, Ano XLII n.126: Brasília, 2008. ______. Lei nº 4036, de 25/10/2007. Dispõe sobre a Gestão Compartilhada como modelo de gestão para as escolas públicas do DF. Diário Oficial do Distrito Federal, Ano XLI n.207: Brasília, 2007.
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12 CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL, DEMOCRACIA E QUALIDADE NA EDUCAÇÃO: A REDESCOBERTA DESSES VALORES NA TRAJETÓRIA DE UMA PESQUISA Regina Tomás Blum de Oliveira 60 Wellington Ferreira de Jesus 61
INTRODUÇÃO
A raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesmo do ser humano, que se funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou consciente. Inacabado e consciente de seu inacabamento, histórico, necessariamente o ser humano se faria um ser ético, um ser de opção, de decisão. (PAULO FREIRE).
Em nossa trajetória de vida de educadores, nos tornamos “humanos” em nosso processo de educação, no qual, por sua natureza interativa – e, portanto, social – é um ato de ação política. No entanto, o processo de construção da nossa humanidade não é apenas um ato de ação política. É, também, um momento de epifania: descobrimonos, como os tão bem-construídos personagens de Clarice Lispector, sujeitos 60 Mestre em Educação pela UCB. 61 Doutor em Educação pela UFG. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB.
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de existência. E essa existência se dá em um mundo inacabado, que nos demanda, constantemente, a um processo de participação, de posicionamento e de politização. Este artigo62 foi construído, justamente, em um momento em que muitos brasileiros fazem sua epifania; tomam consciência de seu “estar no mundo” e posicionam-se como sujeitos “humanizados” politicamente: demandam-se, rebelam-se, lançam-se ao questionamento. Desse modo, pode-se observar que falar de participação social, cidadania, democracia e qualidade na educação, não é cair no lugar-comum das discussões não profícuas; ao contrário, buscar a discussão desses temas mostra-se algo atual, pulsante, necessário. A trajetória da realização da pesquisa constitui-se, também, em um revisitar da nossa própria história de vida, considerando, em momentos históricos mais recentes a retomada da participação popular a partir dos anos 1980; o retorno à liberdade de expressão e de pensamento, após o regime militar, em que a própria universidade foi palco de invasão tanto de tropas, quanto de elementos estranhos à sua autonomia (nesse sentido, podemos tomar como exemplo a eleição democrática, em 1984 do reitor da Universidade de Brasília), a Constituição de 1988, as eleições presidenciais diretas e tantos outros momentos históricos, que se refletem no momento atual, em novas manifestações da sociedade brasileira. Nada mais significativo do que uma pesquisa que ,neste momento, tem por referência um revisitar e um rediscutir conceitos como cidadania, participação social e qualidade da educação, pois é a partir deste processo que a pesquisadora e o pesquisador se redescobrem como ser político, atuante e que faz da educação seu espaço de intervenção, de crítica e de construção de um país justo e alicerçado em valores, realmente, compromissados com a conduta ética.
62 O recorte aqui utilizado é parte integrante da pesquisa que resultou na dissertação de mestrado intitulada Cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação: uma análise dos pareceres do Conselho de Educação do Distrito Federal de autoria de Regina Tomás de Oliveira Blum, cuja defesa ocorreu no Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, em junho de 2013.
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Iniciando a trajetória: orientador-orientanda e o tema de pesquisa Por vezes, ao lermos dissertação ou uma tese, falta-nos, muitas vezes, a real noção de como o pesquisador enveredou-se na seara de sua pesquisa. A escolha de um tema, o recorte de um objeto, as opções teóricas e metodológicas constituem-se em um momento fundamental e, por vezes, angustiante do processo de pesquisa. No caso específico da pesquisa “Cidadania, participação social, democracia e qualidade e: uma análise dos pareceres do Conselho de Educação do Distrito Federal”, o caminho percorrido mostrou-se, no mínimo, singular. A chegada a esse tema teve início com um acontecimento delicado: a orientanda acabara de ajustar com a saudosa Profª Drª Beatrice Laura Carnielli, que empreenderia um trabalho de pesquisa no mestrado, tendo-a no papel de orientadora, quando, poucos dias após, fomos surpreendidos com seu falecimento. O abalo pela morte da professora Beatrice deixou-nos em uma situação muito delicada: não havíamos amadurecido, ainda, nossas ideias; apenas o que tínhamos em mente era o interesse em pesquisar algo que tivesse relação com a gestão em educação, mas tudo ainda era especulação. ado esse abalo, buscamos novo orientador, o Prof. Dr. Wellington Ferreira de Jesus. Em nossos primeiros contatos, já ficou definido que a pesquisa seria orientada por ele, mas ainda havia o maior dilema a se resolver: qual seria o objeto de pesquisa? Em uma de nossas primeiras conversas, Professor Wellington sugeriu estudar o Conselho de Educação do Distrito Federal – CEDF. Imediatamente, surgiu uma inquietação desafiadora: mesmo tendo sido professora da rede pública do Distrito Federal, por mais de 20 anos, desconhecia o CEDF. Esse desconhecimento ava não apenas por suas atribuições ou composição, como também pela relevância e impacto desse órgão nas decisões que cercavam (e cercam) os rumos da Educação no Distrito Federal. Dessa feita, estudar o CEDF seria a oportunidade de mergulhar na análise de como são pensados e discutidos os aspectos políticos, legais e até mesmo ideológicos, que peram as decisões relativas à condução do ato educativo no Distrito Federal. Após essa definição do objeto, chegou-se a outro estágio do processo de Cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação: a redescoberta desses valores na trajetória de uma pesquisa
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pesquisa: a definição dos conceitos que deveriam balizar a análise pretendida para esse objeto. No caso do CEDF, órgão criado para situar-se como ponte entre a sociedade civil e o poder constituído, emergiram, naturalmente, os conceitos de “cidadania”, “participação social” e “democracia”. A esses, pela natureza do programa stricto sensu a que a pesquisa se vinculou, fez-se fundamental a presença do conceito de “qualidade na educação”. E eis que se fechou a pesquisa em torno da epígrafe proposta por Paulo Freire, ao definir esse objeto de pesquisa (CEDF), balizado nos conceitos apresentados, pude perceber-me inacabada como mulher, como pesquisadora, como educadora: meu trabalho estava dando-me a oportunidade de pensar a educação como ato político, um processo inacabado, dado que o sujeito, em sua interação como o meio, com os pares e com o momento, é um “todoinacabado”. Bastava, agora, lançar-me à pesquisa. O caminho, no entanto, não seria tão sereno como se imaginava.
Seguindo a trajetória: o desafio da metodologia No processo de pesquisa, confrotamo-nos com a velha dicotomia entre qualitativo e quantitativo, na consecução da investigação. Muitos ainda pensam no embate entre os dois processos como centro da questão, embora o mais coerente seja se perguntar: qual a metodologia mais adequada ao objetivo pretendido na pesquisa? Nessa perspectiva, observa-se que pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa não precisam ser encaradas como a única maneira de se produzir ciência. O que se deve ter em mente é que cada uma, de acordo com suas particularidades, apresentará caminhos mais viáveis ao que se pretende conhecer, pois, conforme postula Demo (1995), a pesquisa permite que se conheça a realidade, cientificamente. A pesquisa em Ciências Humanas lida com um tipo muito específico de conhecimento: aquele que é manipulado, influenciado pelo ser humano. Pesquisar nessa modalidade, antes de tudo, é levar em consideração a variante humana, que, por sua própria natureza, exige do pesquisador a plena consciência do método a ser utilizado, a fim de que o instrumento não se perca no alto grau de subjetividade, que pode vir a permear a pesquisa nessa área. 242 |
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Em razão disso, a pesquisa em Ciências Humanas, por sua natureza altamente subjetiva, lida com dados oriundos de elementos que também podem ser altamente manipulados pelo sujeito: as palavras (ROBSON, 1995). Ao lançar mão de uma pesquisa de cunho qualitativo, o pesquisador vê-se diante, muitas vezes, de um grande desafio: que estratégias utilizar para a análise dos dados oriundos de entrevistas, estudos de caso, pesquisas de campo e até mesmo questionários? O primeiro ponto a se levar em consideração é que, no dado qualitativo, o analista não é um software, um programa estabelecido que irá proceder à análise de maneira totalmente imparcial. Devido a isso, é fundamental que o analista dos dados mantenha a devida distância para que não se comprometa o processo e tenha bem claro em sua mente que qualquer análise qualitativa exige alto rigor para que não se caia nas teias do senso comum (FETTERMAN, 1989). Robson (1995) postula as deficiências ou desvios que podem comprometer a análise de dados qualitativos, tendo em conta que o processador da análise é o próprio pesquisador. Para o autor, esses desvios seriam: sobrecarga de dados, apego à primeira impressão sobre os dados, disponibilidade de informações, tendência a rejeitar dados, que entrem em conflito com a hipótese do pesquisador e inconsistência dos dados. A fim de que essas deficiências possam ser suplantadas, o autor apresenta algumas regras básicas para lidar com dados qualitativos: não acumular dados a serem coletados, proceder a uma análise preliminar; realizar uma seleção criteriosa de temas e categorias de pesquisa, criar hábito de leitura e reflexão sobre o dado que está sendo analisado, conscientizar-se de que não há somente um caminho certo na análise de um dado. O bom pesquisador abre-se as estratégias alternativas de análise. Ao delinear estratégias para a análise de dados qualitativos, Yin (2005) orienta que se embase a análise em proposições teóricas. É fundamental, que o pesquisador busque um alicerce teórico sólido que justifique suas escolhas e que tenha um alinhamento irrepreensível com a metodologia escolhida. Yin também concebe a análise baseada em quadros descritivos, mas deixa claro Cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação: a redescoberta desses valores na trajetória de uma pesquisa
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que considera essa análise inferior à anterior, justamente pelo fato de não atentar para o embasamento do recorte teórico. É importante ressaltar, também, que essa modalidade de pesquisa é mais participativa, portanto menos controlável. Os participantes da pesquisa podem direcionar o rumo da investigação em suas interações com o pesquisador. Ao invés de estatísticas, regras e outras generalizações, a pesquisa qualitativa trabalha com descrições, comparações e interpretações, dados fortemente atravessados por questões subjetivas. Ao definir que teria o CEDF como objeto de análise, escolheu-se a pesquisa qualitativa como método mais adequado para a consecução dos objetivos pretendidos. Nessa perspectiva, observou-se que o CEDF converterse-ia, portanto, no caso que pretendia analisar.Tendo, assim, um órgão, que estabelece ponte entre o poder constituído e o meio civil, como referencial de estudo. A opção para tal decisão deveu-se pelo fato de o CEDF configurar-se como ente privilegiado de análise e que possibilita a apreensão dos conceitos de cidadania, participação social e qualidade da educação, a partir de sua atuação (ou do que se espera dela). Definida a metodologia qualitativa, delineado o CEDF, como caso a ser investigado, mostrava-se necessária, agora, uma imersão nos conceitos teórico-histórico-filosóficos, que balizariam a pesquisa. Estudar cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação mostrava-se uma imersão na trajetória de consolidação das bases teóricas da civilização ocidental, a qual nos vinculamos. Nesse sentido, foi possível a identificação de que o conceito de cidadania já ou por uma série de modificações, determinadas pelos diversos momentos históricos vivenciados pelo ser humano. Marshall (1967) define a cidadania como um conjunto de direitos cuja organização está embasada em três elementos fundamentais: o aspecto civil, o político e o social. Torres (2011) amplia essa noção de cidadania apregoada por Marshall acrescentando à discussão as questões do multiculturalismo, tão pertinentes à construção de um conceito pleno de cidadania. 244 |
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Considerando esse mote teórico, a investigação buscou identificar, com base na análise de pareceres emitidos entre os anos de 2011 e de 2012 pelo Conselho de Educação do Distrito Federal (CEDF), como os conceitos de cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação comparecem nas decisões emanadas desse órgão e de que forma isso impacta na qualidade da educação no Distrito Federal. Para isso, foi utilizada a metodologia qualitativa, compreendendo o CEDF como um caso a ser estudado; e a observação de cinco sessões plenárias do órgão, com o intuito de verificar a dinâmica na condução dos trabalhos. Na sequência, a análise do conteúdo dos Pareceres emitidos, tendo como base teórica os pressupostos de Bardin (2011). Foram quatro categorias a priori que conduziram o processo de análise dos pareceres: participação social, democracia, cidadania e qualidade na educação.
Revisitando a Literatura: construindo conceitos e delineando objetivos Após a análise desses pareceres, verificou-se que o CEDF caracteriza como um órgão-chave para a compreensão e a difusão do conceito de gestão democrática. Nesse sentido, pressupõe em suas ações a participação da sociedade civil. No entanto, ainda não se configura, de forma concreta, para a sociedade como um todo de que modo o CEDF pode ser acionado para a resolução de questões atinentes à educação. Ainda é muito palpável que apenas cidadãos de médio ou elevado status socioeconômico têm demandado o CEDF com mais regularidade. Com isso, o órgão ainda necessita realizar algumas mudanças estruturais para se converter, plenamente, em um espaço de participação social e de promoção da cidadania. Somente dessa forma, serão empreendidas mudanças estruturais que sejam, de fato, substanciais na educação. Esta trajetória de pesquisa, aqui relatada, pode transmitir a ideia de que o processo mostrou-se muito tranquilo, mas percalços e sobressaltos fizeramse presentes durante a caminhada. O maior deles diz respeito à radical reorientação de diversos os metodológicos da pesquisa. Cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação: a redescoberta desses valores na trajetória de uma pesquisa
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A decisão do estudo de caso, partiu primeiro do interesse de verificar de que modo os conceitos-chave da pesquisa (cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação) eram concebidos pelos Conselheiros do CEDF. Desse modo, deveria partir de concepções de sujeitos, historicamente e culturalmente, determinados para empreender análise qualitativa. Nesse sentido, foi significativa a relação orientador/orientanda, direcionando as intenções de pesquisa para o foco, selecionando como instrumentos de coleta de dados a entrevista e a aplicação de questionários. A observação de sessões plenárias, até então, teria a função de apenas conhecer o funcionamento do CEDF. Ao chegar no CEDF para coletar os dados necessários para proceder à análise, foi comunicada a recusa do Presidente do CEDF para que houvesse o aos conselheiros para a realização das entrevistas e aplicação dos questionários. Com essa recusa, todo o caminho metodológico da pesquisa mostrava-se ameaçado. Essa decisão gerou um misto de desapontamento e preocupação. Desapontamento pelo fato de não poder empreender a investigação a partir das bases iniciais pensadas; preocupação pelo fato da percepção que o CEDF, órgão responsável por representar um locus para a discussão saudável, democrática e cidadã de elementos vinculados ao processo educacional no DF mostrava uma postura um tanto quanto retrógrada. Foi inquietante, também, a possibilidade de não poder apresentar à sociedade as funções, a ação e a importância de um órgão como o CEDF para a reflexão sobre a condução da Educação no DF. Em um primeiro momento, delineou-se a opção de mudar, radicalmente, de perspectiva e abandonar o CEDF como objeto de análise primária para ar a pesquisar como pais e alunos compreendem a ação desse órgão. No entanto, se não era possível contar com a fala dos conselheiros, existiam dois locus privilegiados, em que suas falas emergem materializadas em discurso: os pareceres e as sessões plenárias. E foi nessa linha que o trabalho prosseguiu. O eixo central da investigação ou a ser a análise dos pareceres emitidos pelo CEDF nos anos de 2011 e 2012. Desse modo, ganhou status privilegiado a análise do conteúdo, uma vez que se buscou – com base na redação dos 246 |
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pareceres – identificar as categorias que emergem da mensagem contida nesses pareceres. Ao se assentar em mensagens, a análise do conteúdo, a fim de ser legitimada como instrumento científico, solicita do pesquisador uma clara conceituação do que seja linguagem, inferência, significado e sentido. Franco (2008) define a linguagem como uma elaboração concreta e real de uma sociedade e, por extensão, de um grupamento humano, ao qual comumente chamamos de “sociedade”. A linguagem, nessa perspectiva, é instrumento no qual e pelo qual o ser humano se representa e estabelece. Sua interação e construção de fatos históricos e, consequentemente, estabelece sua humanidade, aqui entendida como sua singularizarão em um corpus social. Franco (2008, p. 13) assevera ainda que a linguagem deve ser entendida em uma concepção não formalista, na qual se deve levar em conta também “[...] a hermenêutica e toda a complexidade que acompanha a diferença que se estabelece entre significado e sentido” (grifo da autora). O significado de um objeto está ligado às suas características estruturais, as quais o define, e desse modo pode ser compreendido. O significado em uma acepção mais coletiva, uma vez que se trata de algo produzido a partir da relação do indivíduo com o meio social é, principalmente, histórico. Desse modo, o significado possui um corpus mais estabilizado, que “desaguará” nos sentidos (FRANCO, 2008). Além da análise dos conteúdos dos pareceres emitidos pelo CEDF ao longo dos anos de 2011 e 2012, também foi muito relevante para esta investigação a observação de algumas reuniões do Conselho de Educação do Distrito Federal. A observação do comportamento e do discurso produzido pelos conselheiros durante as reuniões foi de vital importância para que as inferências produzidas ao longo da análise do conteúdo dos pareceres pudessem emergir de forma mais embasada e, portanto, com maior rigor científico. Vianna (2007) preconiza que o grau de influência da presença do observador sobre o observado pode gerar distorções nos dados gerados durante a pesquisa de campo que se vale dessa técnica. No caso específico desta investigação, verificou-se que a presença de pesquisadores não impactou os conselheiros em suas falas. O trâmite das decisões permaneceu o mesmo, ao longo de todas as sessões assistidas. Cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação: a redescoberta desses valores na trajetória de uma pesquisa
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Para esta pesquisa foi utilizada uma observação semiestruturada, aberta (era de conhecimento dos pesquisados que a investigadora estava presente à sessão, com o objetivo de coletar dados para uma pesquisa acadêmica), alicerçada em uma perspectiva naturalista (os participantes foram observados em seu próprio ambiente de decisões em situações reais de interação) e baseada na observação do “eu-investigador/a” para o “eles-conselheiros”. Para a análise dos apontamentos foi produzido um diário de bordo e a gravação das reuniões. Esse percurso metodológico teve como base teórica as contribuições de Flick (2009).
A amplitude do caminho: o que desvela a pesquisa Para o alcance dos objetivos da pesquisa foram efetuadas observações em cinco sessões, realizadas na sede do CEDF,com duração média de três horas. Iniciando-se sempre às 14h, pontualmente, com distribuição de uma ordem do dia, a qual fornece uma ideia global dos assuntos a serem tratados naquela reunião. Em todas as sessões, as demandas discutidas eram alocadas de acordo com a temática. Em razão disso, a reunião era dividida em momentos em que os temas estavam vinculados à Câmara de Educação Básica (CEB), à Câmara de Educação Profissional (CEP), à Câmara de Educação Superior (CES) e à Câmara de Planejamento e Legislação e Normas (LN). A observação das sessões do CEDF apontou que o órgão, em razão das demandas que lhe são apresentadas, tem seu papel muito ligado à esfera de decisões burocráticas e relacionadas a aspectos técnicos da condução dos rumos da educação nas escolas do Distrito Federal. É interessante que se ressalte uma questão inusitada: entre as discussões das demandas específicas, de cada dia por vezes, são debatidas questões de interesse do público, justamente por sua vinculação a elementos dos processos de cidadania, de democracia e de participação social, além de questões vinculadas à diversidade e ao multiculturalismo. Ou seja, questões de grande relevância não emergem como foco das decisões, aparecendo apenas em momentos periféricos das falas dos Conselheiros ou em momentos da fala de alguém da assistência que traga alguma questão específica – mas sempre com o aval do CEDF. 248 |
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As observações demonstraram que o CEDF cumpre um papel importante como elo entre as ações do Estado e a sociedade civil. Todavia, talvez por desconhecimento da própria sociedade civil, questões relevantes para a construção de uma noção de cidadania, realmente vinculada à noção de democracia, ficam fora do foco de discussões desse órgão. Nesse sentido, essas discussões emergem de forma periférica ao longo das sessões, quando, na verdade, deveriam ocupar um espaço privilegiado que pudesse ser convertido em decisões que impactassem os rumos da educação no DF e, por consequência, os rumos da sociedade aqui constituída. Após a pré-análise dos pareceres do CEDF, emitidos em 2011 e 2012, foi possível uma discussão organizada em três categorias: participação social e democracia, cidadania e qualidade na educação. Posteriormente, a leitura exaustiva dos pareceres, fez-se a seleção dos mais representativos para a análise das três categorias definidas a priori. Com isso, demarcaram-se temas-chave que embasaram a discussão empreendida e a fixação de inferências que resultaram nas interpretações geradas. Foi com base nessas interpretações que se organizou a discussão e análise dos dados da investigação.
Considerações finais: “o caminho que se faz no caminhar” Após a análise dos pareceres emitidos pelo CEDF em 2011 e 2012 e, após a observação das sessões desse órgão, foi possível perceber, no entanto, que muito há de se pesquisar ainda para lançar luz às questões que envolvam cidadania, democracia e participação social discutidas em órgãos de representatividade da sociedade civil, como é o caso do CEDF. Vê-se, pois, que as mudanças empreendidas no seio da sociedade são de caráter social, uma vez que se realizam a partir da mudança de paradigmas na relação das pessoas, como seres sociais, com a realidade que as cerca. Tais mudanças, de fato, só são possíveis quando as pessoas, em uma postura participativa, deixam o simples status de indivíduos para alcançar a condição de cidadãos, ou seja, pessoas que têm consciência de sua função na organização da sociedade. Desse modo, somente quando a sociedade civil se apoderar, verdadeiramente, de seu status de “cidadão” é que o CEDF terá condições de Cidadania, participação social, democracia e qualidade na educação: a redescoberta desses valores na trajetória de uma pesquisa
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se organizar como um órgão em condições de discutir não apenas questões técnicas (que também têm sua importância), mas também questões capitais para a compreensão da educação como um locus de transformação social. Essa função certamente efetivar-se-á a partir de uma consciência política que se vincule à participação e compreenda a diversidade e o multiculturalismo como fatores de agregação e de riqueza em uma dada sociedade, e não como elementos de esfacelamento dessa consciência cidadã. Saindo agora do “espectro” da pesquisa e retornando ao status de cidadãos e de educadores, percebe-se, que é fundamental que nos reconheçamos como seres sociais e, por extensão, como seres políticos e inacabados em nossa humanização. Somente com essa visão é que teremos condições de não nos acomodarmos em conceitos pré-determinados, para nós lançarmos ao desafio de questionarmos as estruturas sociais e políticas postas e de nos posicionarmos como cidadãos críticos, conscientes e participativos. Essa tarefa concerne à Educação, e somente nessa perspectiva, é que nos tornaremos reais construtores e modificadores do momento histórico em que nos inserimos. A trajetória de uma pesquisa, como se sabe, não é um caminho fácil. Há necessidade de se reorientar, de rever onde quer e como se quer chegar, é preciso um processo de escuta interna. Nesse sentido, o diálogo franco e aberto orientador e orientando é um dos alicerces fundamentais. Uma pesquisa reflete as inquietações de um ser social, situada na complexidade, na trama e nas contradições da sociedade. Um pesquisador adentra a este universo de contradições, formula questões, indica caminhos e, com determinadas “ferramentas” metodológicas, expõe à sociedade os frutos de sua pesquisa. Trata-se de uma “porta estreita”, a exemplo do que relata o texto evangélico, no qual existe o momento da “solidão do deserto” (ou solidão pedagógica) e as “tentações” seja na forma do abandonar ou de recorrer a expedientes não éticos. A trajetória de um pesquisador é a ruptura com seus próprios limites, é a semente que germina e, paradoxalmente, os frutos da pesquisa devem pertencer à todos, e não se situarem no canto escondido de uma estante.
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13 GESTÃO ESCOLAR E PRÁTICA DOCENTE: INSERÇÕES NA TRAMA DA EFICÁCIA ESCOLAR Magali de Fátima Evangelista Machado63 Clélia de Freitas Capanema 64
Introdução Em geral, a mídia brasileira parece ter preferência por divulgar com ênfase somente os aspectos negativos, quando se trata da educação. Atos de violência, depredação do patrimônio público, doenças que acometem os professores em virtude das condições inadequadas do trabalho nas escolas, dentre outras, são algumas das notícias que, recorrentemente, ocupam as páginas de jornal, revistas e noticiários de TV. Além disso, observa-se um grande interesse nos índices de evasão dos alunos que, por diversas razões, mas, principalmente, pelo desapontamento em relação ao que lhes é oferecido pela escola, escolhem desistir de estudar ou fracassam no ensino fundamental por não alcançarem as competências mínimas exigidas em leitura e matemática. De acordo com Schwartzman, Torres e Kam (2010), “o Brasil chegou tarde ao mundo da educação e ainda está procurando seu rumo” (p. 21), talvez, por ter demorado cem anos mais que muitos países da Europa e Japão, para perceber a importância da educação. Os autores destacam, ainda, que, 63 Doutora em Educação pela Universidade Católica de Brasília - UCB. Professora Colaboradora Voluntária (Externo) do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da UCB. 64 Professora Associada do Doutora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado e Doutorado da Universidade Católica de Brasília (UCB) Brasília/DF.
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em 1950, enquanto metade da população brasileira sequer sabia ler e somente 26% dos jovens, com idade entre 5 e 19 anos, frequentavam a escola, grande parte dos países da Europa, além do Japão, “todas as pessoas já estavam alfabetizadas desde o início do século ou antes” (Ibid., p. 21). Dados como estes expressam o colapso de um sistema de ensino, que urge por encontrar mecanismos de superação da situação que está posta. A UNESCO, por sua vez, detecta que o Brasil posiciona-se entre os 53 países, que ainda não atingiram e nem se aproximaram dos objetivos de Educação para Todos até 2015, a despeito dos importantes avanços no campo da educação nas duas últimas décadas (UNESCO, 2012). Dados recentes divulgados sobre o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa/2012) destaca que, entre os 65 países participantes, o Brasil ocupa o 58º lugar em Matemática, o 55º lugar em Leitura e o 59º lugar em Ciências. De acordo com o relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2010), o Brasil apresentou, na última década (2000/2010), ganhos mais sólidos na área da educação. Porém, estes avanços ainda não representaram melhoria expressiva na aprendizagem. Daniel Cara (2013) esclarece que parte do problema brasileiro está relacionada ao baixo investimento em educação. Para o especialista, “o Brasil investe, segundo o relatório, em média US$ 26.765 por estudante entre 6 e 15 anos. Um terço da média dos demais países da OCDE, US$ 83.382” (p. 1). Além do baixo investimento, o Brasil apresenta disparidades entre os Estados e o Distrito Federal. Neste sentido, Cara aponta que cabe ao governo federal ‘diminuir e extinguir essas desigualdades’. No entendimento de Priscila Cruz (2013), diretora executiva do movimento Todos pela Educação, diz que “apesar de o posicionamento no ranking não ser bom, o país deve comemorar a inclusão de crianças e adolescentes na escola”. Para a Diretora, nos últimos anos, as taxas de escolaridade para os jovens vêm aumentando: saltou de 65% em 2003 para 78% em 2012.
Revisando a literatura Os estudos sobre eficácia escolar iniciaram-se nos Estados Unidos, em meados da década de 1960, com o controverso ‘survey’ conduzido por James 254 |
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S. Coleman e colaboradores. O estudo tinha por objetivo compreender de que forma eram distribuídas as oportunidades de aprendizagem na escola entre os alunos americanos. Nesse contexto, no ano de 1964, o Congresso Norte-americano apresentou um requerimento, solicitando a Coleman e colaboradores a realização de um estudo amplo, que pudesse envolver os 650.000 alunos oriundos de 4.000 escolas diferentes. O título IV da Lei de Direitos Civis de 1964 exige do Departamento da Educação (BROOKE; SOARES, 2008): Seção 402. O Comissário deve conduzir um ‘survey’ e fazer um relatório para o Presidente e para o Congresso, dentro de período de dois anos da promulgação da lei, sobre a falta de disponibilidade de oportunidades educacionais iguais para os indivíduos em função da sua raça, cor, religião ou origem nacional em todas as instituições de instrução e a todos níveis nos Estados Unidos, nos seus territórios e domínios, assim como distrito da Columbia (Ibid., 2008, p. 23).
No intuito de responder à solicitação feita pelo Congresso Norteamericano, Coleman e colaboradores consideraram o êxito escolar como critério de igualdade de oportunidade e atribuíram aos recursos materiais e humanos, assim como às características familiares das crianças, o estatuto de variáveis independentes. A metodologia utilizada no Relatório Coleman foi o modelo ‘input-output’, ou seja, entrada-saída, o qual procurava identificar se os recursos humanos, materiais e financeiros e as características dos alunos (entrada), eram capazes de acrescentar algo aos resultados escolares dos alunos (saída). Neste contexto, o Relatório constatou que as diferenças em relação ao sucesso acadêmico dos alunos guardavam maior proporção em relação às suas condições socioeconômicas do que com relação às variáveis, potencialmente, modificáveis pela escola. Em seus estudos, meados de 1972, Jencks e colaboradores reforçaram a concepção pessimista em seus trabalhos, com relação à função da educação e da escola na mudança social dos alunos. Para os autores, a school doesn´t matter, ou seja, “a escola não tem importância”, pois, na visão destes pesquisadores, as escolas exerciam pouca influência sobre o desempenho dos seus alunos. Gestão escolar e prática docente: inserções na trama da eficácia escolar
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No entendimento de Brooke e Santos (2008), Jencks corroboraram a teoria de Coleman, quando concluiu que a escola não faz diferença para o desempenho do aluno. Em suas investigações, os autores acrescentavam, ainda, que a escola americana tinha meramente a função de agência certificadora. Para Jencks, as escolas em nada contribuíam para a redução da desigualdade e os insumos, tradicionalmente considerados como indicadores de qualidade nas escolas, pouco ou nada influíam no sucesso escolar, em termos de seu aproveitamento educacional. Porém, vale mencionar que foi exatamente nestes estudos que surgiu a expressão “clima escolar”, servindo como ponto de partida para pesquisas futuras sobre as características comuns entre escolas que demonstram ter eficácia e aquelas que não manifestam tais características (BROOKE; SANTOS, 2008). No entanto, existe certo grau de convergência ao considerar o clima escolar como essencial na garantia do sucesso escolar dos alunos, sendo capaz de propiciar um ambiente favorável ao desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem (cf., p. ex., CASASSUS, 2002). Na concepção de Abramovay (2005), por exemplo, o clima escolar estaria relacionado à própria identidade da escola, revelando a forma de organização dos seus processos internos, incluindo as relações interpessoais entre seus atores. É preciso considerar, entretanto, que o clima escolar não pode ser tomado como único responsável pelo sucesso dos alunos, sobretudo quando se refere ao alcance da eficácia e efetividade por parte da escola. Neste caso, há muitos outros fatores envolvidos e que, de forma interligada, constituem- se, igualmente, elementos essenciais para responder a este desafio. Retomando os outros estudos paralelos sobre sucesso escolar realizados na França, destaca-se que estes sinalizaram para resultados similares aos estudos americanos e ingleses. Entre os mais conhecidos, incluem-se os trabalhos dos sociólogos Bourdieu e eron (1970) e de Berger e Luckman (1974). Nestes estudos, o sucesso acadêmico dos alunos estava diretamente relacionado ao resultado do capital cultural que herdavam por descendência familiar, portanto, mais uma vez, a escola ficava relegada a segundo plano, uma vez que a origem do capital cultural era atribuída à família. Assim, a escola nada fazia a não ser reproduzir a estrutura social vigente. 256 |
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Na intenção de desencadear uma discussão que começasse a sinalizar para a perspectiva de influência da escola sobre os processos que lhe dizem respeito, que são os de ensino e aprendizagem, Soares (2002) descreveu a situação remetendo à imagem de um enigma. Para tanto, o autor atribuiu a resistência em reconhecer a capacidade de influência da escola, por parte dos pesquisadores que o precederam à visão de uma “caixa-preta”, para dizer que esses pesquisadores insistiam em ignorar tudo o que ocorria em seu interior, ou seja, tanto os processos que levavam aos resultados dos alunos, quanto a organização de suas estruturas, eram simplesmente deixados de lado. Ao final da década de 1970, surgiram os primeiros estudos enfocando esta questão, alguns deles vindo da Inglaterra, os quais traziam, como principal objetivo, combater o lema imposto nos anos anteriores de que “a escola não fazia diferença” (BROOKE; SANTOS, 2008). Estes estudos partiam da premissa de que as escolas não podiam ser tratadas como se todas fossem iguais, além de afirmar que as pesquisas realizadas anteriormente não identificavam adequadamente suas diferenças e especificidades (CRAHAY, 2002). Nos estudos de Coleman, a ideia era tratar de modo igual indivíduos desiguais, por isso, na visão do autor, a distribuição uniforme dos recursos escolares pelo sistema educativo poderia gerar desigualdade de resultados. Ocorreram, ainda no final dos anos 70, outros estudos que buscavam compreender o modelo de abordagem entrada-saída (input-output) utilizado por Coleman e colaboradores, em sua metodologia. Com este modelo, foi integrada à metodologia das pesquisas sobre escolas eficazes a variável ‘processo’, a qual ou a exercer um efeito positivo sobre o aprendizado dos alunos, segundo Brookover (1979), em seu estudo Schools can make a difference. Desta forma, o autor constatou que as escolas podem, sim, fazer diferença se considerados os fatores chaves de eficácia na metodologia da investigação sobre o efeito escola (entrada-processamento-saída ou inputprocess-output). Na década seguinte, anos 80, autores como Madaus, Airasian e Kellaghan (1980) recomendaram uma releitura do Relatório Coleman, sugerindo que poderiam ter ocorrido equívocos na análise e interpretação dos dados. Para Brooke e Soares (2008), a pesquisa dos três autores configurava o estado da arte Gestão escolar e prática docente: inserções na trama da eficácia escolar
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ao tratar do ‘efeito escola’, uma vez que abrangia o conhecimento acumulado, até aquele momento, sobre as características da escola, do professor e do ensino, atribuindo-lhes maior responsabilidade sobre o desempenho dos alunos. O foco dessas pesquisas estava direcionado a comprovar que o sucesso escolar dos alunos poderia estar relacionado às características individuais de cada escola, fazendo referência à eficiência e eficácia como os fatores que influenciavam os seus resultados. A concepção de eficácia escolar, de acordo com Raczynski e colaboradores (2003), deve ser entendida como um sistema complexo, como um todo integrado, no qual as inter-relações entre as partes são mais importantes que as partes e os efeitos isolados. No entendimento dos autores, para que uma escola seja eficaz é necessário que todos os fatores escolares sejam analisados em conjunto a fim de garantir bons resultados de modo permanente. Raczynski e colaboradores partem, então, da concepção de Murillo (2005), que entende escolas eficazes como sendo aquelas que, [...] promovem de forma duradoura o desenvolvimento integral de todos e de cada um dos seus alunos, para além daquilo que seria previsível, levando em conta seu rendimento inicial e sua situação social, cultural e econômica (MURILLO, 2005, p. 25).
Nessa perspectiva, este entendimento elegeu como ponto de partida os estudos sobre eficácia escolar por James S. Coleman e colaboradores. Paralelamente aos estudos americanos, que investigavam o grau de influência da escola na vida dos alunos, no Reino Unido, foi publicado em 1967, o Relatório Plowden, intitulado “As crianças e suas escolas de ensino fundamental”. A despeito das polêmicas em torno de aspectos metodológicos dos estudos mencionados, uma das conclusões deste relatório foi considerar que as escolas não se mostravam efetivas, como se julgava, para extinguir o déficit de aprendizagem dos alunos, provocadas pelas desigualdades econômicas, sociais e culturais em suas famílias. No que concerne à sua relevância nos aspectos teóricos, o artigo reelabora o conceito de escolas eficazes e os fatores que as caracterizam, na perspectiva de ressignificar concepções e de resgatar a sua essência. Para tanto, entende-se 258 |
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ser necessário objetar o estigma da ênfase na quantificação, equivocadamente propagada ao longo dos anos, e sinalizar para uma visão inclusiva e integradora, a qual defende que múltiplos aspectos se unem para garantir o sucesso da escola e torná-la capaz de superar condições adversas e alcançar um desempenho satisfatório de todos os alunos, indistintamente. Assim, o esforço foi, ainda, de compreender em que medida o movimento que aponta para a existência de escolas eficazes poderia voltar a contribuir com alternativas de solução para os entraves ao progresso na área educacional. Cabe esclarecer, entretanto, que não se pretendeu, no estudo, desenvolver uma análise específica sobre a questão da educação de qualidade, uma vez que ainda há numerosas controvérsias a respeito do que significa a expressão ‘qualidade na educação’. Entende-se que o conceito de qualidade é multifacetado e mais amplo que o de eficácia, embora a concepção de qualidade da educação apareça em vários documentos do INEP (BRASIL, 2004), UNESCO (2002), Nóvoa (1999) e Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade de Educação (LLECE, 2002/2003). Em que pese a diversidade de concepções acerca dos dois termos, eficácia e qualidade, ambos apresentam alguns pontos em comum, como por exemplo, a vinculação com a ideia de medida, rendimento e a indicação da necessidade de a instituição criar e participar de programas de avaliação da aprendizagem, além de apontar alguns requisitos básicos para o alcance da qualidade pretendida. Frente às controvérsias, o artigo se limitou a refletir sobre a temática eficácia escolar vinculada ao discurso das escolas que apresentam resultados positivos de desempenho dos seus alunos e atendem às ações e mecanismos que as vinculam aos resultados de avaliações externas, em nível nacional. Para tanto, elegeu, como eixo orientador, investigar de que maneira os professores, alunos e equipe gestora das escolas pesquisadas elaboram seus processos de construção de práticas istrativas e pedagógicas, as quais possibilitam a eficácia escolar, tornando-se bem sucedidas.
Os caminhos trilhados na metodologia As escolhas metodológicas na pesquisa direcionaram-se às abordagens quantitativas e qualitativas de natureza descritivo-analítica, com base em Estudo de Caso. Gestão escolar e prática docente: inserções na trama da eficácia escolar
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A investigação teve com sujeitos participantes a equipe gestora de cada escola (diretor, vice-diretor, coordenadores, supervisor istrativo e pedagógico), os professores e os alunos das turmas do 9º ano. Para geração dos dados foram organizados cinco instrumentos: observação ‘in loco’, análise documental, questionários diferenciados para cada grupo de participantes e roteiros de entrevistas semiestruturadas para diretora e os três professores de cada escola pesquisada.
Seleção das escolas A seleção das escolas partiu de critérios que justificassem, de antemão, a escolha de duas entre 640 unidades que compõem a rede de ensino do Distrito Federal. O critério-núcleo foi: os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB 2009, indicador de qualidade desenvolvido pelo Ministério da Educação. Os demais critérios utilizados na investigação foram: escolas de ensino fundamental anos finais, as 30 primeiras escolas do Distrito Federal (classificadas no IDEB de 2009, que haviam participado das três edições mais recentes da Prova Brasil, nos anos de 2005, 2007 e 2009), escolas que estivessem localizadas em regiões de periferia (considerando uma distância superior a 20 km do centro istrativo do DF), escolas que estivessem localizadas em Região istrativa - RA (com renda per capita mensal, inferior à média do DF, de 2,4 Salários Mínimos); escolas cuja meta de crescimento do IDEB (variação entre o projetado e o obtido no ano de 2009) mostrava-se superior à meta do Distrito Federal (15%). E o último critério utilizado foi o de ‘disponibilidade’ da escola para participar da pesquisa. Duas escolas se dispam a participar da pesquisa e foram nomeadas Escola Maria (localizada na parte norte), e Escola Ana (situada na parte oeste) do Distrito Federal. A devolução dos questionários tanto na Escola Maria, quanto na Escola Ana foi considerada satisfatória. Todos os questionários da equipe gestora da Escola Maria foram devolvidos devidamente preenchidos, totalizando seis. Dos 26 questionários destinados aos professores, 25 retornaram e todos os alunos das três turmas do 9º ano responderam, espontaneamente, ao questionário. Na Escola Ana foram distribuídos seis questionários para equipe gestora, 260 |
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retornaram cinco. Dos 34 questionários distribuídos aos professores, 29 retornaram e os 224 questionários destinados aos estudantes das oito turmas da escola do 9º ano foram prontamente respondidos. No que diz respeito às entrevistas, dois grupos de cada escola compam a amostra. Foram entrevistados: a diretora de cada uma das escolas (2) e seis professores de áreas distintas do conhecimento, três de cada escola, sendo um de Códigos e Linguagens, um de Ciências da Natureza e Matemática e um de Ciências Humanas. Um segundo critério de recorte adotado foi o de selecionar professores que atuassem na escola pelo tempo, mínimo, de cinco anos.
Apresentando os resultados 1 - Escola Maria A Escola Maria está localizada na área urbana e, atualmente, atende em torno de 1.100 alunos distribuídos nas modalidades de Ensino Fundamental (Anos Iniciais e Finais) e Educação de Jovens e Adultos – EJA (1º e 2º Segmentos), no período noturno. Nas proximidades da escola há um posto policial, igrejas, comércio local e uma via pública movimentada. Quanto à sua estrutura física, o prédio possui 16 salas de aulas, duas salas de recursos (multifuncionais), sala de informática tendo mais de 30 computadores com o à internet (nesta parte a instalação elétrica, está sendo ampliada), sala de professores, biblioteca, cabana literária, espaço de descanso para servidores, espaço para área istrativa (sala da direção e sala das coordenadoras), biblioteca, secretaria e banheiros adaptados para atendimento aos Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (ANEE’s). Na área interna conta, ainda, com pátio coberto, na área externa tem quadra de esportes e parque infantil. A escola é toda murada, sobressaindo-se pela organização e limpeza do espaço físico. Quantos ao perfil da qualificação equipe gestora os dados revelaram que duas das seis participantes possuem ensino superior em Pedagogia e as demais gestoras possuem ensino superior em outras Licenciaturas. Todas possuem
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pós-graduação Lato Sensu (com mínimo de 360 horas) como a mais alta titulação. Instados a responder sobre o tempo de profissão na ‘educação’, duas gestoras (33,3%) trabalham na área entre 11 a 15 anos e as quatro demais (66,7%) há mais de 15 anos. Em relação aos 25 professores, inquiridos sobre sua graduação, 14 (56%) informaram possuir ensino superior em cursos de Licenciatura, sete (28%) disseram ser formados em Pedagogia, dois (8%) são formados em outros cursos e dois (8%) não responderam à questão. Os dados apontaram para um número significativo de professores que possuem a pós-graduação Lato Sensu (80%) e dois professores (8%) têm somente cursos de atualização de no mínimo 180 horas. Quanto às questões de gênero e faixa etária, os dados indicam que, dos 25 professores da Escola Maria que participaram da pesquisa, 23 são mulheres e dois são homens. Dois docentes (8%) informaram ter idade entre 50 e 55 anos. A maioria dos entrevistados, 14 professores, que representa 56,0% do total, informou ter idade entre 40 e 49 anos. Sete professores têm idade entre 30 e 39 anos, 28%, e dois professores, 8%, têm entre 25 e 29 anos. Sobre o perfil dos alunos, de 92 entrevistados, 40 são do sexo masculino e 52 do sexo feminino. Sete têm 13 anos de idade, 46 possuem 14 anos, 25 têm 15 anos e os 14 alunos restantes disseram ter 16 anos ou mais. Mortimore (1996) considera como ponto de convergência para a eficácia, a organização do ambiente de trabalho. Para o autor ela é responsável pela melhoria no desempenho e pela motivação dos agentes que atuam naquele ambiente. A equipe da Escola Maria se mostrou envolvida no processo de ensino e as ações desenvolvidas por todo grupo refletiram- se, positivamente e produtivamente, no processo de aprendizagem do aluno. Por esta razão, a participação se constitui um dos fatores discutidos neste estudo como favorecedores do sucesso escolar. Gadotti (2000) compõe o quadro de autores que concordam que quando uma “organização formal compõe-se de indivíduos que estão juntos para atingir objetivos previamente definidos, estes se tornam os objetivos da organização” (p. 25). 262 |
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O papel da gestão escolar foi fundamental para desenvolver uma relação respeitosa entre todos os agentes educacionais na escola. O fragmento da entrevista descreve a percepção da professora ressaltando a postura de respeito que se faz presente na Escola Maria: “Na escola tem a questão do respeito. Um respeito muito grande entre os colegas, entre a direção e também entre os funcionários. A mesma postura de respeito da direção com os professores acontece também em relação aos pais, aos alunos, enfim a todo ambiente escolar” (P1).
Outros fatores merecem destaque na Escola Maria como: boa infraestrutura, equipe gestora atuante, recursos físicos e pedagógicos disponíveis para professores, baixa rotatividade de professores, respeito e diálogo entre equipe gestora e professores, entre equipe gestora e alunos e entre equipe gestora e pais, projetos efetivamente desenvolvidos por todos e, por fim, o envolvimento de toda a comunidade escolar no processo de construção de aprendizagens significativas para os alunos. Ao perguntar aos alunos com que frequência seus pais ou responsáveis comparecem à reunião de pais da escola, mais de 90% dos alunos responderam ‘sempre’ ou ‘quase sempre’. Dentre todos os alunos entrevistados, não foi identificado nenhum que tivesse seus responsáveis ausentes nas reuniões de pais da escola (Gráfico 1). Se considerada a realidade contemporânea em que o apelo das escolas para que os pais compareçam à reunião grande parte das vezes se mantém sem resposta ao longo de todo um ano letivo, esse dado da Escola Maria, de fato, surpreende. A diretora informou em sua entrevista que a escola disponibiliza horários extras, após a reunião geral dos pais, para aqueles que porventura não puderam comparecer à reunião bimestral. É possível que a partir deste mecanismo de flexibilidade de outros horários para atendimento aos pais a escola tenha aumentado a participação deste segmento nas reuniões escolares e explique a totalidade de alunos informando que seus pais sempre comparecem.
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Gráfico 1 - Frequência dos pais ou responsáveis nas reuniões escolares
Das visitas à Escola Maria pode-se constatar que existe uma identidade visível do professor com a sua profissão. A palavra ‘identidade’, segundo o dicionário Michaelis (2006), reúne o conjunto de caracteres próprios de uma pessoa, aquilo que é considerado exclusivo dela, como esta deve ser reconhecida. Para pergunta formulada pelas pesquisadoras em relação aos sentimentos dos mesmos quanto à profissão, as respostas, tanto da diretora, como das professoras foram assertivas, confirmando estarem todas satisfeitas com a profissão e, em algumas entrevistas, expressaram essas falas até mesmo carregadas de emoção. Eu, particularmente, gosto muito da profissão, gosto também de ser diretora. Trabalho há 24 anos na área, nem tudo são flores na educação, gosto muito do que faço (D). Posso lhe dizer são 30 anos de sala de aula! O tempo ou muito rápido. Sou feliz por ter escolhido a profissão de professor! Hoje acho que fiz a escolha certa (P1).
Considerando as estratégias pedagógicas e istrativas desenvolvidas na escola, a participação de todos os segmentos no ambiente escolar e o envolvimento do corpo docente com a prática de projetos pode-se dizer que a Escola Maria é um espaço social privilegiado de aprendizagem e de exercício dos princípios democráticos, permitindo a contribuição daqueles que se propõem a colocar a serviço desse espaço suas aptidões cognitivas, intelectuais e sociais. Espaços assim ensinam o real significado da responsabilidade sociopolítica que deve ser exercida pela escola, além de refletir e estimular a construção de uma proposta que vem contribuindo na produção de uma prática escolar eficaz. 264 |
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2 - Escola Ana A Escola Ana contém em seu quadro de discente de, aproximadamente, 1.300 alunos, todos no Ensino Fundamental (Anos Finais), que é o único nível atendido pela escola. Sua estrutura física possui vinte salas de aula, um laboratório de informática, uma sala de leitura e uma sala de vídeo. A área istrativa é composta pela sala da direção e de coordenação, biblioteca, secretaria, banheiros, pátio coberto, quadra de esporte e sala de informática, com mais de 30 computadores com o à internet. A escola é toda murada e, assim como a Escola Maria, também chama a atenção pelo ambiente limpo e muito bem organizado. A equipe gestora é composta por seis profissionais, os quais cinco responderam ao questionário e, de acordo com as respondentes, todas possuem pós-graduação Lato Sensu (com mínimo de 360 horas) como a mais alta titulação. Em relação ao tempo de profissão na educação, três gestoras (60%) trabalham há mais de 15 anos e duas (40%) informaram que exercem a profissão de cinco a dez anos. Com relação à carga horária de trabalho na escola, as respostas das gestoras foram distintas: três (60%) alegaram trabalhar 40 horas semanais, uma gestora (20%) informou que trabalha mais de 40 horas e uma (20%) não respondeu à questão. Quanto aos professores inquiridos sobre sua graduação, uma professora (3,4%) informou ser graduada em Pedagogia; 22 docentes (75,9%) informaram possuir Educação Superior no nível de Licenciatura e dois (6,9%) em outros cursos superiores; e, quatro (13,8%) não responderam à questão. Os dados revelaram, ainda, que 20 professores (69%) possuem a pós-graduação Lato Sensu, seis (20,7%) não possuem ou não completaram a pós-graduação, um (3,4%) tem somente curso de atualização de no mínimo 180 horas e dois docentes (6,9%) não informaram. Com relação ao tempo de profissão, 12 docentes (41,4%) informaram que atuam de 15 a 20 anos, nove (31%) de 10 a 15 anos, quatro (13,85%) há mais de 20 anos, três (10,3%) de seis a nove anos e um professor (3,4%) informou que trabalha há quase cinco anos. Sobre o perfil dos 224 alunos entrevistados, 104 são do sexo masculino e 120 do sexo feminino. Em relação à idade, 17 têm 13 anos, 122 possuem
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14 anos, 69 têm 15 anos, 13 afirmaram ter 16 anos ou mais, e três não informaram a idade. Com a observação in loco, foi possível perceber como a comunidade era participativa e envolvida nas atividades escolares. Por esta razão, a participação, também na Escola Ana, se constitui um dos fatores discutidos neste estudo como favorecedores do sucesso escolar. Neubauer e Silveira (2009), referem-se à participação da comunidade como algo que não ocorre de imediato, pois a escola não se torna participativa num ‘e de mágica’. Trata-se, portanto, de um processo gradativo, construído num crescendo, em conjunto, a partir de ações que se tornam sistematizadas na medida em que, tanto os seus segmentos quanto a comunidade externa, abraçam a causa da escola. É necessário, contudo, que ambas sejam estimuladas a se integrar à escola e a participar de seu cotidiano, bem como a construírem uma imagem positiva das possibilidades efetivas e dos resultados dessa participação nas melhorias no ambiente escolar. As entrevistas, tanto da diretora quanto da professora, ratificaram o grau de confiabilidade e a força desse discurso naquele ambiente escolar: “Escuto as outras opiniões e a gente sempre procura seguir aquilo que vai ser melhor para todo grupo. Então eu não posso colocar a minha opinião porque sou a Diretora. Não! Então, vamos avaliar juntos e vamos ver o que vai ser melhor pra escola. Essa sempre foi a minha conduta na escola” (D1). “Aqui na escola a gente se envolve muito com os projetos. A equipe de direção também sempre está presente nas reuniões dos professores. Existe sim participação de todos, sim. Os alunos estes sim, se envolvem efetivamente, assim, nos projetos, enfim eles são muito participativos! Eles participam muito, eles gostam muito da escola” (P3).
Sammons (1999) observa que o papel da liderança em uma escola influencia as práticas escolares e se torna primordial para o desenvolvimento e sustentação de uma missão comum a todos. Com as visitas e observações in loco, as pesquisadoras tiveram oportunidade de presenciar, na rotina da Escola Ana, o respeito, o diálogo, o envolvimento da equipe gestora com a 266 |
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equipe escolar e a execução de alguns projetos que se desenvolvem, de forma efetiva, pela sua coletividade, rotina também observada na Escola Maria. As equipes gestoras estão à frente desse processo de dinamicidade com que são desenvolvidos os projetos e as ações nas duas escolas. Como resultado da análise, a partir de dados ilustrados na Tabela 1, identificou-se que, dos 29 docentes abordados, 25 deles (86,2%), afirmaram que a diretora: consegue desenvolver uma dinâmica escolar que impulsiona os professores a se comprometerem com a escola; 23 docentes (89,3%) informaram que a diretora estimula as atividades inovadoras; 22 professores (75,9%), atribuem importância aos aspectos relacionados à aprendizagem dos alunos; e, para 28 docentes 96%, ficou evidente que a diretora dá atenção especial aos aspectos relacionados com a manutenção da escola, dado obtido na soma das colunas Concordo totalmente e Concordo. Tabela 1 - A avaliação dos docentes da Escola Ana quanto ao envolvimento da diretora nos processos pedagógicos da escola.
Os resultados das questões oscilaram entre as respostas ‘concordo’, ‘concordo totalmente’ ou ‘neutro’. Embora a maioria dos professores questionados da Escola Ana também concorda ou concorda totalmente que o gestor escolar os estimula e os provoca ao comprometimento com a escola, e, para que busquem desenvolver atividades inovadoras, não se pode deixar de mencionar Gestão escolar e prática docente: inserções na trama da eficácia escolar
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a neutralidade de alguns professores em relação a essas questões. Essa neutralidade variou de três (10,3%) a seis docentes (20,7%) nas questões acima. No entanto, para a expressiva maioria dos docentes (96,6%), a direção da escola dedica atenção especial aos aspectos relacionados à aprendizagem e à manutenção da escola. Notou-se também que um docente não expressou sua opinião. Em face desses resultados, não há como desconsiderar a influência positiva das práticas da gestão escolar no desempenho da Escola Ana. Em relação aos questionários dos estudantes da Escola Ana, Mortimore et al. (1988), elucidam que alguns estudos sobre ‘escolas eficazes’, quando os alunos cumprem suas tarefas escolares e há uma cobrança sistemática por parte dos professores, uma série de resultados melhora nas escolas. Igualmente, perguntados a respeito das tarefas de casa que são readas pelos docentes e se são corrigidas, os alunos responderam, em sua maioria, 76,8%, que seus professores ‘sempre ou quase sempre’ as corrigem; 22,3% dos discentes informaram que as tarefas são corrigidas ‘de vez em quando’ e, somente dois alunos, 0,9%, responderam que ‘nunca ou quase nunca’. Como ocorreu na Escola Maria foi perguntado à diretora e aos professores da Escola Ana, nas entrevistas, sobre os sentimentos dos mesmos em relação à profissão. As respostas foram assertivas, e todos os inquiridos afirmaram estar realizados com a sua profissão e, em alguns momentos, estavam carregadas de alegria e de emoção: “Eu gosto muito de ser professora, hoje estou diretora, também gosto muito de estar na direção da escola. Acho que é um desafio ser diretora, mas acredito que cada ano que o no cargo de diretora aprendo mais. Gosto muito da escola, das pessoas que trabalham aqui, na minha equipe e também gosto muito dos alunos”(D). “A minha vida não foi nada fácil. Quando me tornei professora foi para mim uma realização de um sonho! Sou apaixonada pela educação. Você pode registrar aí, sou realmente apaixonada pela escola, pelos alunos e alunas e meus colegas professores e professoras. Acredito que todo mundo precisa sentir respeitado no local que trabalha e estuda” (P1).
Weber (2004, p. 47) fala da “vocação alicerçada na especialização e posta a serviço de uma tomada de consciência de nós mesmos e do conhecimento 268 |
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das relações objetivas”. Aplicando essa visão à Escola Ana, o que abrange também a Escola Maria, estima-se que sua equipe de profissionais parece ter construído uma prática especializada, no sentido de alcançar a necessidade de seus alunos e conseguir obter êxito nos resultados. À luz do pensamento de Weber, infere-se que esse alcance se deu com a tomada de consciência do sentido de sua profissão docente (o que pode ser concebido como encontro, identidade/identificação), levando à percepção da dimensão objetiva do que poderia ser alcançado, na prática, a partir de uma provável evolução no nível de maturidade profissional. Na Escola Ana, a união entre a equipe gestora, professores e alunos, a unidade de pensamento, de linguagem e de ação contribuíram para gerar o clima favorável parecendo se estender também para o ambiente físico. Reforçando afirmação anterior, esse clima tranquilo foi considera do um ambiente propício à aprendizagem escolar e uma das evidências significativas apreendida no decorrer da pesquisa.
Considerações Finais É preciso esclarecer ainda que o objetivo de apresentar os resultados das duas escolas, separadamente, não foi de compará-las entre si. Por esta razão, os resultados de cada uma foram analisados separadamente e, em ambos os casos. Os resultados obtidos pela Escola Maria e pela Escola Ana, no que tange à escola como ambiente propício de aprendizagem, tiveram pontos semelhantes, principalmente, os que se referem à infraestrutura física do espaço escolar, recursos pedagógicos, recursos humanos, prática de projetos e acolhimento. Outro ponto de convergência dos dados foi para normas internas estabelecidas em parceria pela equipe gestora, professores e alunos. Entre estas normas pode-se relacionar a disciplina, objetivos comuns e a colaboração entre família e escola. Essas subcategorias evidenciadas nas duas escolas convergem para um ponto fundamental constatado nas instituições, que foi o envolvimento entre a equipe gestora e a equipe escolar. Um aspecto crítico que distingue as duas escolas, que vale destacar é que a Escola Ana atende a uma única modalidade e a Escola Maria atende a uma Gestão escolar e prática docente: inserções na trama da eficácia escolar
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diversidade relativamente ampla de modalidades e de etapas da Educação Básica. No caso da Escola Maria, a dificuldade abrange diferenças quanto à faixa etária dos alunos, série, estrutura curricular e perfil dos professores. Nas duas escolas notou-se a presença de quatro elementos determinantes que se fundiram: a coerência das ações desenvolvidas pela equipe gestora, o envolvimento de professores e de alunos na elaboração e execução de práticas pedagógicas e uma organização clara do trabalho realizado. É oportuno destacar que, tanto na Escola Maria, quanto na Escola Ana, a integração desses elementos se estabeleceu por intermédio do diálogo, da participação e do envolvimento da equipe gestora, professores e alunos que se transformou em comprometimento e, posteriormente, traduziu-se em melhoria no desempenho escolar desses alunos. Nessa direção, parece ser fundamental o entendimento de que só é possível falar de construção de práticas eficazes se esses objetivos institucionais de fato transcenderem a dimensão escolar, pois se trata de uma visão que introduz a noção da complexidade, que, por sua vez, permeia e constitui o cotidiano das escolas em sua missão tríplice: humana, social e educacional. Parafraseando Morin (2004), a complexidade emerge quando se alcança a visão de que os fatores de eficácia am a representar uma teia de relações entre os seus segmentos e elementos do ambiente (partes), e, a escola (todo) como o campo que abarca todos eles: segmentos, fatores e ambientes. Por sua vez, essa construção só pode ser compreendida e efetivamente construída quando as partes (os fatores de eficácia) que constituem o todo (a escola) forem consideradas como inseparáveis, formando um tecido que seja interdependente, interativo e, sobretudo, inter-retroativo entre esses elementos todos. Inspirada na visão de Morin foi possível compreender que a diferença entre a Escola Maria com a Escola Ana e as demais escolas está na forma como se articulam em seu cotidiano, aspecto que à primeira vista parece tão comum e até corriqueiro. Estes fatores tão comuns se tornam incomuns no movimento de conexão e articulação que se desdobra a partir da existência de um fator essencial: a identificação com a profissão de professor, razão pela qual, está posicionada 270 |
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no centro da Figura 1, a qual se atribuiu o título de “Trama da Eficácia Escolar”. Figura 1 - Trama da Eficácia Escolar
Fonte: Machado (2012). Identidade com a Profissão Docente na Trama da Eficácia Escolar
Descobriu-se com a presente investigação, que a escola deve transcender a sua função social e oferecer esperança. Somente a visão de eficácia humanizadora poderia alcançar os resultados que as Escolas Maria e Ana vêm obtendo. Essa visão foi percebida no brilho do olhar do professor ao falar da sua paixão pela profissão e do papel que exerce com seus alunos. Longe de afirmar que estas escolas são as melhores do DF, pretende-se, sim, chamar a atenção para a magia que ambas refletem, tal foi o modo como permitiram irradiar o respeito à dimensão humana e social de seus alunos, aspecto que só pôde ser observado depois de uma imersão em seu cotidiano, mesmo respeitados os limites da pesquisa. Gestão escolar e prática docente: inserções na trama da eficácia escolar
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14 A CIDADANIA NAS POLÍTICAS E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PESQUISA ENQUANTO CONTRUÇÃO COLETIVA Aline Leal Gonçalves65 Ranilce Guimarães-Iosif 66
De que forma os professores interpretam e realizam a transposição do princípio de cidadania, expresso na legislação educacional brasileira, para a prática pedagógica cotidiana na Educação Infantil? Como se concebe a educação para a cidadania em um ambiente educativo economicamente privilegiado? Por que é importante trabalhar com questões sociais e valores locais na pré-escola privada destinada à elite econômica, política e/ou intelectual do país? Quais são as práticas educacionais comprometidas com o princípio de cidadania e que tipo de cidadania está sendo promovida pelas instituições privadas de Educação Infantil? Com base nas indagações acima este texto apresenta um recorte da trajetória e do processo de construção de uma pesquisa67, que teve como objetivo investigar até que ponto as instituições privadas de Educação Infantil estão desenvolvendo práticas pedagógicas que caminham na direção da construção de uma cidadania, que favoreça o respeito à diversidade, à equidade e à democracia. 65 Mestre em Educação pela UCB. 66 Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB e professora adjunta do Departamento de Estudos de Política Educacional da University of Alberta, Canadá. 67 GONÇALVES, Aline Leal. Cidadania na Educação Infantil: perspectivas políticas e práticas pedagógicas em instituições privadas. 2012. 117 f. Dissertação de Mestrado em Educação – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.
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Um componente fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e composta por cidadãos engajados e participativos é a articulação entre a infância – Educação Infantil – e as políticas públicas, com os desafios atuais da humanidade, não deixando a infância isolada, mas compreendendo-a como uma etapa importante e enraizada nas questões atuais. Para tanto, é essencial reconhecer a criança pequena (zero a cinco anos) como sujeito de direitos. E a garantia desses direitos representa um importante movimento na direção da construção da cidadania das crianças. Segundo Kramer e Bazílio (2003), a desigualdade, a pobreza e a ausência do Estado, caracterizadas pela carência de políticas sociais, constituem a raiz do problema da infância. Nesse sentido, é essencial reiterar que as crianças são sujeitos de direitos. A educação em direitos, ou seja, voltada para a cidadania, deve começar por favorecer desde a infância até a formação de sujeitos de direito, em nível pessoal e coletivo (CANDAU, 2003). A baixa qualidade e a oferta limitada de creches e pré-escolas na rede pública é um problema nacional, presente em todas as unidades da federação. A população feminina, que necessita trabalhar recorre, então, à rede privada para a educação e o cuidado dos filhos. Há, atualmente, uma crescente proliferação de instituições privadas de Educação Infantil, que ajuda a suprir a demanda por vagas na rede pública. Segundo dados da Agência Brasil (CIEGLINSKI, 2011), em 2010, somente o Distrito Federal recebeu 22 mil pedidos de novas matrículas na Educação Infantil, possuindo déficit de cerca de 2 mil vagas. As pesquisadoras perceberam que havia uma lacuna de pesquisa nesse setor e que o tema é um dos mais candentes na área de educação. De acordo com Pinto (2009), é importante pesquisar e conhecer melhor o trabalho realizado nas instituições privadas. Segundo o referido autor, pouco se sabe sobre a Educação Infantil nessa dependência istrativa, especialmente devido ao fato de muitas delas (particulares ou filantrópicas) funcionarem sem qualquer registro no sistema de ensino. Tomando como base este cenário, o presente trabalho aborda a temática da cidadania no contexto da Educação Infantil no Brasil, com foco na educação privada. Busca-se compreender como que, dentro de um contexto de globalização neoliberal, os princípios políticos dos Direitos e Deveres da 278 |
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Cidadania, expressos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010) são compreendidos por educadores deste segmento e incorporados à prática. É importante explicitar, aqui, os pressupostos, que orientam o diálogo entre as duas pesquisadoras. Compartilhamos, em primeiro lugar, a ideia de que a educação é um direito humano fundamental, que tem um papel sine qua non no processo de construção da cidadania de todo e qualquer indivíduo. Além disso, acreditamos que a educação é um dos caminhos possíveis para se combater os problemas sociais, econômicos, políticos e ambientais enfrentados pela sociedade contemporânea. A proposta deste encontro buscou conjugar o tema cidadania dentro do contexto da educação infantil privada no Brasil. Buscamos compor um quadro que pudesse delinear a educação para a cidadania na infância, ciente de que vivemos um momento em que as políticas neoliberais impõem um modelo de educação excludente e injusto. A vivência e a trajetória da orientanda na área de educação infantil, em instituições privadas, constituiu o primeiro o na direção da construção desse projeto. A experiência no curso “Educação, Cidadania e Políticas Públicas: desafios diante da diversidade, pobreza e direitos humanos”, ministrado pela professora Ranilce Guimarães-Iosif, possibilitou à orientanda, um aprofundamento de conceitos necessários ao conhecimento nesta área e reflexões sobre o impacto que os processos de globalização econômica têm causado na escola, no currículo, no processo de ensino-aprendizagem e no modo de viver das pessoas. O propósito deste capítulo é apresentar o caminho percorrido durante a realização da pesquisa e também contemplar reflexões e questionamentos das pesquisadoras sobre o tema em questão. Para isso, estruturamos o capítulo em cinco partes. “O direito à infância e a construir-se cidadão” é o tema da primeira parte, que apresenta algumas considerações sobre o objeto de pesquisa. A segunda parte traz uma seleção de referências teóricas, que busca contextualizar a infância e a educação para a cidadania, no atual cenário de globalização neoliberal. A terceira parte apresenta um breve delineamento metodológico da pesquisa. A quarta parte, “Interpretações conflitantes e imes na educação para a cidadania”, discute os resultados da pesquisa A cidadania nas políticas e práticas da educação infantil: a pesquisa enquanto contrução coletiva
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focalizando as interpretações do conceito de cidadania e os desafios na visão de professores e gestores da Educação Infantil. A quinta parte, que se configura como a conclusão do capítulo, indicam-se alguns caminhos possíveis para se avançar na construção de um modelo de educação com foco na cidadania.
O direito à infância e a construir-se cidadão: objetivos da pesquisa As discussões sobre pobreza, inequidade social, ética, cidadania, entre outros temas transversais, presentes nas aulas da disciplina Educação, Cidadania e Políticas Públicas: desafios diante da diversidade, pobreza e direitos humanos contribuíram de forma significativa para o delineamento desse estudo e para nos aproximarmos do nosso objeto de pesquisa. Com a globalização e a crise ética vivenciadas pela sociedade atual, o interesse pelo tema cidadania e por uma educação que abarque este princípio tem se manifestado mundialmente. Por essa razão, pesquisadores e educadores têm se debruçado sobre este assunto e buscado soluções que visem à formação de cidadãos preocupados com as questões locais e globais. Dower (2003), ao tentar explicar a importância da cidadania global como área de interesse acadêmico, enfatiza que, quando o indivíduo aceita o status de cidadão global, ele a a compreender suas responsabilidades e direitos e, portanto, é mais suscetível à ação e a assumir seu papel na sociedade. Shultz (2007) comenta que o tema educação para a cidadania global cresceu e tomou vulto a partir da compreensão do processo de globalização. E, por esse motivo, é de suma importância conhecer a ligação entre educação e globalização e suas implicações para a educação voltada para a cidadania. Considerando que os processos de globalização econômica têm causado impacto na escola, no currículo, no processo de ensino-aprendizagem e na cultura, de modo geral, é importante investigar até que ponto a educação que nossas crianças recebem na escola está realmente contribuindo para a formação de um cidadão comprometido com os problemas enfrentados pela sociedade atual. Nessa direção, uma questão que merece destaque é a comercialização da educação. A escola pública, que poderia servir como uma forma de reduzir a inequidade e de compensar as diferenças sociais entre os 280 |
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alunos, encontra dificuldades para cumprir sua função educacional e social, oferecendo, geralmente, uma educação de má qualidade. Por outro lado, a rede privada, em sua maioria, atende os filhos das famílias que pertencem às classes econômicas privilegiadas, oferecendo um ensino de qualidade superior, o que, no entanto, não pode ser generalizado, uma vez que algumas escolas privadas visam apenas o lucro e também oferecem um ensino de qualidade questionável. Dessa forma, essa diferenciação na qualidade do ensino entre as duas redes traduz o problema da diferença de classe social, com muito mais segregação. Dale (2004), em oposição à “cultura educacional mundial comum”68, defende o que ele chama de “agenda globalmente estruturada da educação”. Essa tese busca identificar intenções e atores na esfera educacional para que se possa apontar as consequências sociais e individuais desse processo. Nessa perspectiva, a dimensão econômica não está acima da política e da cultura de uma nação. E a educação figura-se como um assunto político e não apenas um reflexo da economia. É preciso que essa educação tenha reflexos e favoreça o desenvolvimento humano e ético dos alunos. Explicitando: o cidadão, que queremos ajudar a educar, deve ser dotado de valores de igualdade, colaboração, respeito, ética. Ciente de que o desenvolvimento das habilidades sociais do aluno se inicia na primeira infância, é necessário que a instituição de Educação Infantil oportunize experiências significativas para que o aluno possa construir a sua cidadania baseada em responsabilidade social e moral, na participação em sua comunidade e engajamento político (HOWE; COVELL, 2005). Nessa perspectiva, o professor tem um papel fundamental no processo de construção deste princípio. É ele quem irá propor atividades colaborativas, trabalhar as diferenças, mediar os conflitos que emergem na sala de aula e criar um nexo entre o que é proposto e o que é vivido. Diante dessas argumentações, analisamos, neste estudo, até que ponto as instituições privadas de Educação Infantil estão desenvolvendo práticas pedagógicas que caminham na direção da construção de uma cidadania que 68 Dale (2004) emprega esse termo ao se referir à falta de autonomia e poder do Estado quando este é forçado a seguir uma ideologia dominante e uma cultura homogeneizadora, que incorpora o pensamento ocidental e o legitima como fonte única de saber. A cidadania nas políticas e práticas da educação infantil: a pesquisa enquanto contrução coletiva
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favoreça o respeito à diversidade, à equidade e à democracia. Portanto, o objetivo principal da pesquisa foi identificar políticas e práticas de educação para a cidadania, adotadas em instituições privadas de Educação Infantil. Para atingirmos o objetivo geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: a) Analisar como o princípio da cidadania expresso na LDB/1996 e no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil é compreendido por gestores e professores que atuam em instituições privadas. b) Investigar como os professores e a equipe gestora de Educação Infantil incorporam o princípio de cidadania na prática pedagógica cotidiana. c) Identificar práticas educativas na Educação Infantil que contribuem para a construção da cidadania.
A educação da infância e a cidadania em tempos de globalização neoliberal: embasamento teórico A revisão de literatura realizada no estudo constitui um importante instrumento de busca de perspectivas teóricas, que fundamentaram cientificamente nossas reflexões e, ainda, nos auxiliaram a compreender o problema da pesquisa, em uma dimensão mais ampla. Nessa etapa, foi importante voltarmos os olhos para o conhecimento já produzido e refletir sobre a necessidade de articular ideias e pensamentos no intuito de apontar novos caminhos. Inicialmente, analisamos as concepções de infância e como esse conceito evoluiu historicamente. Buscamos compreender como a criança pequena está inserida no contexto social e econômico global e de que forma a nova ordem econômica mundial está delineando a infância atualmente. A ideia de infância, tal qual conhecemos hoje, é historicamente construída. A significação desse conceito ou por diversas transformações decorrentes de circunstâncias históricas. Neste estudo, trabalhamos com o conceito de primeira infância proposto pela Unesco (2005), que corresponde às crianças de zero a cinco anos.
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A história da infância variou dos horrores da Antiguidade às concepções de desenvolvimento infantil esclarecidas dos dias atuais que contribuem, dentre outras coisas, para a compreensão da criança como sujeito social inserido em uma cultura concreta, como propõem Vygotsky (1984) e Wallon (1971). Em linha próxima, Corsino (2005) argumenta que a infância deve ser compreendida dentro de uma visão histórica e social. Para a referida autora, “as formas de organização da sociedade e as condições de existência e de inserção da criança em cada contexto social, econômico, político e cultural é que vão delineando as diferentes concepções de infância e diferentes formas de ser criança” (CORSINO, 2005, p.204). Nesse sentido, é importante considerar a criança como um sujeito que assume um papel importante na sociedade em que está inserida. Defendemos neste estudo a concepção de infância apontada por Kramer (2003), Corsino (2005) e Micarello; Drago (2005) em que a criança é enxergada como um ser real, inserido em um contexto social, capaz de opinar e de se expressar, com voz nos processos políticos, econômicos e sociais. Dessa forma, é fundamental compreender que as condições de vida inerentes ao contexto que a criança está inserida terá impacto no modo como essa criança vive sua infância. Ao refletir sobre as condições de vida da criança na modernidade, deparamo-nos com as mudanças que ocorreram na sociedade e que marcaram a história da humanidade e, consequentemente, a infância. À luz das transformações ocorridas na sociedade, Postman (1999) introduz o conceito de desaparecimento da infância. Segundo o referido autor, o advento da televisão e da mídia, na modernidade, permitiu às crianças o o ir aos segredos e às informações inerentes ao mundo dos adultos, culminando com a destruição da linha divisória entre a infância e a fase adulta. Kramer (2000) confronta essa ideia ao abordar a crise da humanidade e das ideias do homem. Para ela, não é a infância que está sendo destruída, mas a própria dimensão humana. A infância é marcada pelos mesmos fatores que atravessam a história humana, como a miséria e a injustiça social. Ao lado da concepção de infância enquanto sujeito histórico e socialmente construído, direcionamos nosso olhar para o momento vivido e fazemos também uma leitura do contexto cultural atual, posicionando a criança no centro dessa discussão. A cidadania nas políticas e práticas da educação infantil: a pesquisa enquanto contrução coletiva
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O impacto da globalização na cultura local dos Estados-Nação gerou novos tipos de identidade e novas formas de comunicação que transformaram valores e padrões de vida. Nessa direção, é importante ressaltar os novos problemas que surgiram na infância com a globalização neoliberal e o consumismo que a acompanha. Segundo Cook (2009), a cultura do consumo trazida pelo capitalismo sempre posicionou a criança e a infância no centro desse processo. As consequências da globalização cultural ocasionaram o desejo pelo consumo de produtos e modelos ocidentais, causando o que Luke (2004) chama de “crianças de mundo”. Segundo Luke e Luke (2004), a cultura de consumo impulsionada pela globalização atinge comunidades de adultos, jovens e crianças de diversas áreas: rural, indígena e também comunidades isoladas. Nessa narrativa, emerge a “McCultura” (LUKE; LUKE, 2004, p. 181) que espalha pelo mundo a cultura e o modo de viver norte-americanos, fazendo surgir um novo imperialismo ou colonialismo que impõe poder e domínio às sociedades não ocidentais. Grandes marcas mundiais, restaurantes fast food e entretenimento de mídia constituem alguns dos veículos, que entrelaçam infância e consumo. Esse modo de vida acarreta um problema social para as crianças na medida em que exclui aqueles que não possuem condições econômicas para adquirir os mesmos produtos ostentados pelas classes privilegiadas. Essa exclusão, de acordo com Cook (2009), marca as crianças como diferentes e como de menor valor. Aqueles que, vivem em dificuldade financeira, desejam determinado produto não pelo seu valor de uso ou prazer que lhe pode proporcionar, mas pelo sentimento de pertencimento que tal produto pode lhe oferecer. Em que pesem tais considerações é importante investigar até que ponto as políticas educacionais, com foco na primeira infância, favorecem a democracia e a equidade social. A história da Educação Infantil como direito no Brasil é recente. Foi somente a partir do século XX que iniciativas mais significativas começaram a surgir nesta área. A coordenação de Educação Pré-Escolar do Ministério da Educação só foi criada em 1975, numa época em que esse nível educacional era visto por muitos como terapêutica para carências sociais e culturais (KRAMER, 1982). O atendimento da criança em fase pré-escolar 284 |
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nas instituições cresceu e tomou vulto a partir dos anos de 1980, na chamada década perdida, “quando a recessão econômica e o desemprego levaram a mulher a incrementar sua participação no mercado de trabalho” (GOMES, 2009, p.101). Esse fenômeno foi marcante e decisivo para a expansão desse segmento. Conquistas no plano legal, como o reconhecimento da criança como sujeito de direitos pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), e a inclusão da Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), representaram grandes avanços nessa área e trouxeram a problemática da infância para o centro das discussões educacionais no Brasil. A partir da LDB de1996, vários documentos legais foram produzidos na tentativa de se garantir padrões mínimos de qualidade e infraestrutura para a Educação Infantil. O Conselho Nacional de Educação - CNE estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010), que possuem caráter mandatório e têm como objetivo principal orientar a elaboração do currículo e dos projetos pedagógicos das instituições de Educação Infantil. Essas Diretrizes, de caráter mandatório, resumem as concepções que devem ser incorporadas à prática educativa pelas instituições de Educação Infantil. E são esses princípios que dão elementos para a discussão do conceito de cidadania que será explorado nesse trabalho. Analisar as Diretrizes, como essas são aplicadas no contexto da escola privada, que tipo de educação para a cidadania está sendo promovida e que cidadão está sendo formado são algumas das principais questões que norteiam nosso estudo. Cabe ainda ressaltar o destaque dado à educação infantil pelo atual governo federal. Uma das prioridades do governo da Presidente Dilma Rousseff, apresentada em sua campanha eleitoral de 2009, está a ampliação de vagas na educação infantil. Havia uma previsão de investimento de cerca de R$ 7,6 bilhões, com a promessa de contratação e construção de 6 mil creches e pré-escolas até 2014. O Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância)69, criado pelo governo federal em 2007, e incluído no Plano 69 Informações obtidas no site do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação, pelo seguinte endereço eletrônico: http://www.fnde.gov.br/programas/proinfancia/proinfancia-funcionamento. o em: 08 nov. 2013. A cidadania nas políticas e práticas da educação infantil: a pesquisa enquanto contrução coletiva
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de Aceleração do Crescimento (PAC2) em 2011, objetiva a construção, reestruturação e aquisição de equipamentos para creches e pré-escolas no DF e municípios. Se considerarmos a meta do PAC2, as matrículas na educação infantil aumentarão e muitas crianças entre zero e cinco anos serão beneficiadas. Esta é uma promessa do governo atual, mas o desafio é fazer com que essa política ganhe caráter de política de Estado e não de Governo. Cabe enfatizar que, para uma leitura mais completa desse programa, ele precisa ser analisado dentro do seu próprio contexto, pois sabemos que a escola “se configura como um espaço de reconstrução e de inovação, oferecendo elementos para a formulação de novas políticas” (VIEIRA, p. 24, 2009). Além disso, os resultados precisam ser amplamente divulgados para que a população acompanhe onde estão sendo aplicados esses recursos e se essa ação está realmente se revertendo em benefício para a primeira infância. O risco de um política pública de governo, e não de estado, é que ela se transforme apenas em um meio utilizados por políticos populistas para conseguir mais votos juntos às comunidades mais carentes. A educação infantil é uma necessidade no Brasil, mas sua oferta precisa vir acompanhada de política de educação de qualidade. A democratização do o e a melhoria da qualidade da educação infantil irá contribuir para a promoção da inclusão social da criança pequena enquanto cidadã dotada de direitos. A natureza histórica do conceito de cidadania relacionado aos direitos civis nasce na Grécia Antiga, mas houve uma evolução em termos de entendimento do que se concebe por cidadania. Marshall (1967), em sua clássica concepção de cidadania, focaliza os direitos civis, políticos e sociais. A concepção de cidadania sempre esteve ligada à ideia de direitos e de pertencimento a determinado grupo social. Buffa, Arroyo e Nosella (2010) analisam a concepção de cidadania a partir de duas vertentes: a primeira que se constitui a partir de intervenções externas, como programas e agentes que preparam para o exercício da cidadania, e a segunda que se constrói por meio de um processo interno que acontece na prática social e na política das classes. A primeira vertente, segundo os referidos autores, não enxerga o povo comum como agente histórico, e a defesa dos seus direitos depende de um reconhecimento e uma doação da burguesia e do Estado. 286 |
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A concepção de cidadania defendida neste trabalho reconhece a legitimidade e a importância de cada uma das interpretações supracitadas. Todavia, enfatiza a cidadania que é socialmente responsável, engajada, cooperativa e dotada de valores e princípios éticos. Nessa trajetória, educar para a cidadania significa reorientar nossa visão de mundo, buscar novos padrões de vida baseados em valores, comportamentos e princípios que contribuem para uma mudança de postura tanto no contexto local como global. Ciente das implicações de uma nova cidadania, que vem para completar a “limitada cidadania de direitos” (CAPELLA, 2004, p. 164), a educação assume importante papel no desenvolvimento da autonomia e da liberdade dos indivíduos Campos (1997) afirma, baseado em estudos realizados em outros países, que a Educação Infantil possui efeito benéfico sobre as crianças de diversas origens sociais, étnicas e culturais, favorecendo o seu desempenho escolar formal subsequente. Segundo aportes teóricos da referida autora, a Educação Infantil contribui para a escolaridade posterior da criança, constituindo-se como uma etapa da educação que oferece um retorno ao investimento de recursos feito pela sociedade, influenciando, assim, políticas sociais. Sob este prisma, o direito à educação infantil pode contribuir para o processo de construção da cidadania da criança e para o combate à desigualdade. Nos últimos anos, educar as crianças para a cidadania tornou-se quase uma meta universal e há um consenso entre estudiosos da área de educação, que os alunos devem ter o ao conhecimento, competências e valores que motivem e viabilizem sua participação de forma democrática na sociedade (HOWE; COVELL, 2005). A concepção de educação para a cidadania, presente nas práticas sugeridas e contidas tanto no Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (BRASIL, 1998) como no texto dos teóricos supracitados, aponta para a formação de indivíduos críticos, responsáveis, engajados, conscientes e autônomos. Além disso, consideramos neste estudo que o grande objetivo da Educação para a Cidadania é contribuir para que os alunos tenham oportunidades de criar uma nova cidadania, como espaço de organização da sociedade, para a defesa dos seus direitos e a conquista de novos (GADOTTI, 2004), a fim de que tenham consciência política e A cidadania nas políticas e práticas da educação infantil: a pesquisa enquanto contrução coletiva
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possam participar de forma ativa na formulação de políticas públicas, visando a uma sociedade mais justa e mais democrática.
O caminho percorrido O paradigma de pesquisa seguido neste estudo é o qualitativo. Segundo Denzin e Lincoln (2000), a pesquisa qualitativa é um campo de investigação que atravessa disciplinas, áreas do conhecimento e assuntos, permitindo localizar o pesquisador no mundo. “Ela consiste de um conjunto de práticas materiais e interpretativas, que tornam o mundo visível. Elas transformam o mundo numa série de representações, incluindo anotações de campo, entrevistas, conversas, fotografias e registros.” (DENZIN; LINCOLN, 2000, p. 3, tradução nossa). Trata-se de um estudo de caso. Para Martins (2008), esta é uma estratégia de pesquisa apropriada para uma investigação, que pesquisa o fenômeno dentro de seu contexto real. Segundo aportes teóricos de Lüdke e André (1986), um estudo de caso objetiva retratar a realidade em profundidade, por meio da interpretação do contexto. O estudo de caso permitiu um enfoque mais específico do tema em questão e proporcionou reflexões e análises mais detalhadas sobre os desafios enfrentados pelas escolas privadas de Educação Infantil para a promoção da educação para a cidadania, bem como as concepções dos professores e gestores sobre o tema. As técnicas de coleta de dados aplicadas neste estudo foram a análise documental, o questionário e a entrevista semiestruturada. A análise documental, segundo Ludke e André (1986), é uma importante abordagem de dados qualitativos e pode servir para complementar dados obtidos por outras técnicas e revelar novos aspectos de um tema. Buscou-se, por meio desta análise, identificar informações relevantes e contextualizadas, bem como orientações direcionadas aos professores da Educação Infantil acerca do tema cidadania. Além disso, a análise documental objetivou identificar intenções e ideologias contidas nos documentos legais examinados. Considerando que os indivíduos participantes enxergem e interpretam o mundo segundo sua própria ótica e de acordo com suas experiências subjetivas, o questionário aplicado explorou as diferentes interpretações dos professores da Educação 288 |
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Infantil sobre o conceito de cidadania e gerou dados sobre como esse eixo é trabalhado dentro de um contexto elitizado. O questionário representou um importante instrumento quantitativo de coleta de dados para este estudo e é amplamente utilizado em pesquisas na área de ciências sociais. A entrevista semiestruturada, foi realizada com os gestores e professores das instituições investigadas. Segundo Martins (2008, p. 27), essa técnica visa compreender o significado que os entrevistados atribuem a determinado assunto, “em contextos que não foram estruturados anteriormente, com base nas suposições e conjecturas do pesquisador”. Para a realização deste estudo, foram escolhidas duas instituições privadas de Educação Infantil do Distrito Federal. A escolha das instituições de ensino foi intencional. Uma delas é uma escola privada, confessional. A opção pela instituição católica deve-se ao fato desta representar a origem da educação privada no Brasil. A instituição católica escolhida foi fundada há 50 anos, é bastante tradicional no Distrito Federal - DF e atende crianças de 3 a 5 anos na Educação Infantil. O valor da mensalidade da Educação Infantil, em 2012, era de R$ 800,00 (oitocento reais) por um período de quatro horas. A segunda instituição é uma escola privada, bilíngüe, a qual se encontra fundamentada na proposta pedagógica e metodológica de um centro de educação internacional, mas em consonância com as normas e políticas nacionais. Este estabelecimento está em funcionamento no Distrito Federal há 7 anos, atendendo a crianças de 2 a 5 anos, na Educação Infantil. O valor da mensalidade da Educação Infantil, por um período de quatro horas, em 2012, era de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais). Os atores da pesquisa foram os professores da Educação Infantil das duas instituições pesquisadas, totalizando uma média de 30 professores, sendo que apenas 16 devolveram o questionário respondido. Também participaram da pesquisa os coordenadores pedagógicos de ambas as instituições. Da entrevista individual, participaram seis profissionais, sendo que quatro são professores e dois são coordenadores pedagógicos. Optou-se pelo professor e pelo coordenador pedagógico, pelo fato de serem diretamente responsáveis pela implementação do currículo na sala de aula e pela participação na elaboração do projeto político pedagógico da instituição. A cidadania nas políticas e práticas da educação infantil: a pesquisa enquanto contrução coletiva
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Interpretações conflitantes e imes na educação para a cidadania A análise dos dados coletados nas entrevistas, questionários e pesquisa documental foi realizada por meio da análise de conteúdo de Bardin (2011). Optou-se pela análise de conteúdo devido a esta ser uma técnica diversificada que permite interpretar dados não só aparentes, mas também o que está latente, revelando, através da inferência, o que está oculto. Uma questão importante, que norteou esta pesquisa, diz respeito ao modo como os professores interpretam o tema em questão: a cidadania. A partir dos dados coletados emergiram muitas questões importantes e que confirmam a ideia de cidadania como termo polissêmico, multifacetado. No entanto, apesar da divergência de opiniões, cabe enfatizar que a ideia de cidadania, associada a direitos e deveres, foi a concepção que obteve maior destaque dentre as opções dos participantes. Este conceito também pode ser especialmente evidenciado na fala dos entrevistados. “Cidadania, eu acho que é um direito, não é, de qualquer pessoa. [...] é uma pessoa que tem seus direitos, tem seus deveres.” (Gestora, Instituição Azul) “Eu acho que cidadania é quando a gente exerce nossos direitos e nossos deveres sociais [...] “(Gestora, Instituição Vermelha)
Segundo Boneti (2008, p.22), no seio da concepção conservadora de cidadania, associada à noção de direitos constitucionais e que persiste até a atualidade, está a ideia do individuo incluído “numa sociedade de Estado (sociedade contratual)”. Essa concepção consubstancia a dualidade incluídos X excluídos do contrato social, e este último, portanto, cada vez mais dependente das políticas sociais de Estado. A problemática dessa interpretação se acentua ainda mais quando pensamos naqueles que são os excluídos, aqueles que estão nas ruas, não votam, não têm emprego, não têm o à educação de qualidade, ou seja, não vivem como cidadãos, mas que fazem parte da sociedade. 290 |
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Diante do exposto, perguntamo-nos então até que ponto a educação que as crianças de classe social privilegiada estão recebendo na creche e na pré-escola poderá contribuir para uma mudança na sociedade, visto que a concepção de cidadania que orienta a maioria dos professores está associada à limitada cidadania de direitos? Como lutar para combater as injustiças sociais, se as características do cidadão privilegiadas pelos professores não envolvem engajamento, participação na vida pública e na política em níveis local, nacional e internacional? Acreditamos que essa concepção de cidadania, defendida pela maioria dos participantes, constitui-se como um fator que contribui para o aprofundamento ou para a manutenção da situação de injustiça no País. Na medida em que a condição de cidadania dependa dos direitos que devem ser garantidos pelo Estado, tem-se uma cidadania baseada “nos direitos jurídicos do cidadão e não em seu poder político” (CAPELLA, 2004, p. 157). Essa concepção, segundo Capella (2004), revela a ideia de neutralização do poder do povo através da luta. Historicamente, o povo teve que primeiramente obter poder, e só assim conseguiam ter seus direitos de cidadania garantidos pelo Estado. Esse tipo de interpretação, amplamente difundido na modernidade, deslegitima o processo de construção da cidadania, baseado em poderes sociais, por meio das lutas do povo. A temática da cidadania na dimensão da Educação Infantil está expressa nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010) e no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), documentos que servem de base para orientar o trabalho realizado em creches e pré-escolas. As falas dos entrevistados evidenciam que tanto os gestores quanto os professores tinham dificuldade em responder às questões relacionadas com as políticas que norteiam o tema porque não conheciam o teor de tais documentos. As falas abaixo evidenciam essa constatação. “Eu, particularmente eu não peguei ainda essa documentação que ela não é tão antiga quanto o tempo que eu dava aula na Educação Infantil, pra te dizer assim perfeitamente o que ela traz... Então eu tenho que ser sincera com você que eu não teria condições de te responder.” (Gestora, Instituição Azul, grifo nosso)
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“Não consigo falar assim. Não conheço.” (Professora A, Instituição Azul, grifo nosso) “Difícil, eu confesso que não conheço muito essa lei pra poder dizer o que eles estão falando de princípios de cidadania lá.” (Gestora, Instituição Vermelha, grifo nosso) “Eu não sei dizer.” (Professora B, Instituição Vermelha, grifo nosso)
A constatação de que existe um desconhecimento da política pública está fortemente presente na fala dos entrevistados. Assim, é possível inferir que, os fazeres e os saberes dos atores da pesquisa advêm de fontes variadas, de contextos e de experiências pessoais e heterogêneas e não do conhecimento dos documentos que dão diretrizes para o trabalho na Educação Infantil. Para fundamentar a importância de uma docência crítica, revisitamos os saberes fundamentais à prática docente, segundo aportes teóricos de Freire (2008, p.31), e destacamos “Ensinar exige criticidade” e “Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática”. Nesse sentido, Freire (2008) sugere que a prática pedagógica seja um movimento que deva variar entre o fazer e o pensar sobre o fazer pedagógico, de forma dinâmica e livre de práticas ultraadas e preconceitos que nos acompanham. E ainda, compreendemos, a partir de Freire (2008), que, a prática docente deve estar munida de curiosidade, de perguntas e inquietações, e é somente com o desenvolvimento da curiosidade crítica que podemos nos proteger de irracionalismos. Afinal, as políticas públicas são dotadas de intencionalidades e valores que irão impactar a sala de aula do professor, as práticas pedagógicas e, consequentemente, a formação do aluno. Diante de tal constatação e seguindo os ensinamentos de Freire (2008), algumas perguntas nos inquietam: Existe um déficit na formação do professor, que via de regra não teve o, durante a sua formação, aos textos políticos educacionais? A forma como essa matéria foi ensinada aos professores nas universidades não foi adequada, suficiente para que esses profissionais se apropriassem do assunto? Guimarães-Iosif (em fase de elaboração)70 argumenta sobre a necessidade dos profissionais da área de educação compreenderem a relação entre Estado, governança e política educacional para que possam 70 Estado, governança e política educacional: Por que os educadores precisam discutir essa relação? De autoria de Guimarães-Iosif, em fase de elaboração.
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contribuir para a formação de alunos críticos e emancipados. Segundo a referida autora, muitos alunos do curso de Pedagogia não são capazes de estabelecer uma relação entre política e educação. Nessa perspectiva, a falta de conhecimento do contexto econômico global e da sua influência nas “questões políticas, sociais, históricas, culturais e locais” (GUIMARÃES-IOSIF, em fase de elaboração) constitui-se como um dos fatores, que pode comprometer o processo de construção da cidadania dos alunos. Segundo a opinião dos protagonistas da pesquisa, várias questões se constituem desafios para a educação para a cidadania das crianças que frequentam a creche e a pré-escola. A maioria dos professores, ao serem perguntados: Quais os principais desafios que você encontra para trabalhar educação para a cidadania com as crianças? (questão 7 do questionário) respondeu: “Penso que não é fácil trabalhar com as crianças esses valores, bem como cooperação, atitudes de solidariedade, repúdio às injustiças quando os pais dos alunos não compartilham desses mesmos valores.” (Professora F, Instituição Vermelha, grifo nosso) “Desconstruir algumas ideias adas pelas famílias sobre determinados conceitos como etnia, pobreza, coletividade, respeito ao próximo.” (Professora E, Instituição Vermelha, grifo nosso) “Contar com o apoio e a parceria das famílias. (Professora N, Instituição Azul, grifo nosso)
Pelo que se pode perceber nas falas acima, de acordo com a visão das entrevistadas de ambas as instituições investigadas, estamos diante de uma situação de tensão entre a família e a escola, onde os entrevistados consideram que grande parte dos pais dos alunos não valorizam a importância do trabalho com educação para a cidadania. Nessa perspectiva, a família é compreendida como um agente educativo contraditório, cuja concepção de valores pode ameaçar o desenvolvimento da cidadania das crianças. Oliveira (2002, p.177) argumenta que “tem-se observado que a corresponsabilidade educativa das famílias e da creche ou pré-escola orienta-se mais para recíprocas acusações do que por uma busca comum de soluções”. Nesse sentido, compreende-se A cidadania nas políticas e práticas da educação infantil: a pesquisa enquanto contrução coletiva
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que as equipes de creche e pré-escolas, no contexto investigado, reconhecem a importância da família para o desenvolvimento das crianças, mas consideram que muitas poderiam contribuir de forma mais eficiente na educação dos filhos. Com base nesse panorama, é importante ressaltar o potencial da educação infantil de qualidade como etapa da educação que traz diversos benefícios para a criança pequena, como benefícios pessoais, educacionais e sociais (CORSINO, 2005). Essa visão diverge da posição historicamente tradicional de muitos sistemas educacionais, que considera o seio da família como lugar ideal para o desenvolvimento da criança pequena. Na verdade, segundo Oliveira (2002), o que muitas vezes é observado pelos educadores em suas vivências no cotidiano da Educação Infantil é a violência contra a criança, que varia desde casos de abusos e agressões físicas até diferentes formas de abandono, como falta de tempo para ficar com os filhos ou para acompanhálos na rotina escolar; permitir que a criança fique horas na frente da televisão ou usando o computador sem qualquer supervisão. Diante dessa constatação, é importante que outro estudo seja realizado, incluindo a participação dos pais É preciso deixar bastante claro que aqui não se defende a ideia de que a criança deva ser afastada do convívio com a família ou que os ensinamentos familiares não têm valor. O papel do professor não substitui o da família. Entretanto, é importante ressaltar que, no centro dessa discussão, está o papel que muitas famílias vêm desempenhando no modelo de sociedade em que vivemos, onde prevalece a cultura do ter pelo ser. A família, nesse caso, a de classe econômica privilegiada, muitas vezes movida por uma ideologia da consumação, enraizada no modelo neoliberal hegemônico, a a maior parte do seu tempo se dedicando ao trabalho e ao provimento de recursos, deixando pouco tempo para os filhos. Esse padrão de vida, que carrega consigo valores culturalmente definidos, são incorporados à educação dos filhos como podemos perceber na fala abaixo. “Outro grande desafio é as famílias que acreditam que essa é uma área de pouca importância uma vez que não irá ajudar a criança a tirar boas notas no futuro (ou pelo menos é o que a maioria das famílias pensa).” (Professora P, Instituição Vermelha, grifo nosso)
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Nessa perspectiva, predominam os valores relacionados ao consumo e à competição, tão necessários para se atender às demandas da globalização hegemônica, “guardando as marcas da injustiça social, do desrespeito às diferenças” (GALVÃO; GUIMARÃES-IOSIF; SCÁRDUA; DASSOLER, 2012, p. 255). As consequências e os impactos decorrentes da cultura de consumo, que posiciona a criança no centro deste debate, se apresenta como um dos grandes desafios da educação para a cidadania. A defesa de diferentes enfoques para a educação das crianças é percebida na relação entre pais e escola. Essa situação se configura como uma arena de disputas e conflitos. De um lado estão os professores que, de acordo com as falas acima, acreditam que é importante integrar a educação em valores ao desenvolvimento intelectual dos alunos. E caminhando no sentido contrário, estão alguns pais, preocupados em criar os filhos, segundo um padrão carregado de representações ideológicas que permeiam a sociedade neoliberal. De acordo com os dados obtidos, as discussões sobre os desafios enfrentados pelas creches e pré-escolas investigadas estão centradas no ime entre os interesses e expectativas da escola e da família. Aspectos relacionados à complexidade e ao modo de viver dos pais de classe econômica privilegiada, que buscam uma educação para os filhos alicerçada em competências voltadas para o mercado de trabalho e para o mundo globalizado, entram em conflito com a educação para a cidadania que a creche e a pré-escola privadas tentam minimamente desenvolver na sala de aula. Também é importante ressaltar que a privatização da educação conduz a um enfraquecimento das políticas de equidade entre as classes sociais, na medida em que os alunos de classe privilegiada terão o às creches e pré-escolas de qualidade e as classes menos favorecidas continuarão lutando por, pelo menos, uma vaga na rede pública e, quando não conseguirem, buscarão atendimento em instituições particulares que funcionam a custos baixos e com qualidade duvidosa.
Reconstruindo a educação para a cidadania: algumas direções Finalizamos esse capítulo indicando que a educação para cidadania é uma área que se apresenta de forma ainda limitada no sistema de educação investigado, assim como no processo de formação e na vida dos professores. A cidadania nas políticas e práticas da educação infantil: a pesquisa enquanto contrução coletiva
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A grande limitação de conhecimento dos protagonistas da pesquisa sobre o princípio de cidadania expresso nos documentos oficiais que orientam o trabalho realizado em creches e pré-escolas nos coloca diante do desafio de repensar o modo de se educar para a cidadania na educação infantil. Este estudo expôs uma lacuna na formação das crianças de classe social privilegiada, cujo currículo escolar é limitado diante do trabalho com temas sociais relevantes, tais como pobreza, racismo, desigualdade social e tantos outros ligadados à educação cidadã. Os resultados revelam que a educação para a cidadania, no contexto investigado, limita- se ao ensino de direitos, de deveres e ao respeito por espaços públicos. Dessa forma, educa-se um cidadão limitado, que se tornam ivos e alheios à realidade do outro, despreocupados com o contexto local e também com o contexto mais amplo. O modo de viver dessas crianças, que, por estarem na situação privilegiada do modelo de inclusão/exclusão que rege a sociedade neoliberal (e por terem o a serviços, bens e estarem submersos na cultura do consumo) acaba legitimando e reproduzindo o modelo de segregação que caracteriza a maioria dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Diante do exposto, é urgente avançarmos na construção de um modelo de educação que contemple valores que vão muito além da cidadania limitada que observamos nesse estudo. Os cidadãos que pretendemos contribuir para educar, inclusive em contextos, economicamente privilegiados, são aqueles que, além de conhecerem, reivindicarem e buscarem novos direitos, lutam para combater as injustiças sociais, são éticos, autônomos, engajados e participam da vida política e social em níveis local e global. Cabe ressaltar que mesmo percebendo que a educação infantil tenha entrado na agenda política nos últimos anos, com políticas que buscaram integrar creches e pré-escolas nos sistemas de ensino, em consonância com o marco legal pós-Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), ainda são frágeis as políticas direcionadas à criança de zero a cinco anos. A proposta de expansão do o a essa etapa da educação básica deve ser monitorada e seus resultados analisados com cautela. Além disso, um outro desafio que se apresenta, é que, essa democratização deve vir acompanhada de qualidade. As iniciativas governamentais, como o programa Proinfância, por exemplo, são importantes para relançar o debate sobre as políticas sociais 296 |
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com foco na primeira infância. No entanto, é ingênuo pensar que as metas superestimadas desse programa são possíveis de serem alcançadas em tão pouco tempo. Dessa forma, entendemos que não é apenas com um instrumento que iremos superar, verdadeiramente, a situação de pobreza e falta de cidadania das criança de zero a cinco anos no nosso país. Para que uma mudança de paradigma ocorra, o caminho precisa ser coletivamente trilhado. A sociedade civil, a escola, os pais e o Estado, através de políticas públicas direcionadas a esta área, devem atuar em parceria. Há muitas discussões abalizadas sobre a cidadania na infância. No entanto, é preciso estar ciente, de que “as crianças possivelmente não são bem representadas hoje” (QVORTRUP, 2010, p. 783). Existem muitas políticas que objetivam a infância e outras que não tem esse público como alvo, mas que podem gerar grandes impactos nas suas vidas, de forma positiva ou não. É legítimo considerar que as decisões tomadas em outros contextos e políticas, que visam as dimensões econômica, social e ambiental também podem ter tanta influência na primeira infância quanto medidas adotadas pelos órgãos responsáveis por esse público. O que ocorre na sociedade globalizada neoliberal, ou seja, o que ocorre no mundo hoje irá atingir e influenciar sobremaneira a vida das crianças pequenas. Esperamos que esse estudo possa acrescentar às discussões acerca de um ensino voltado para a cidadania na Educação Infantil e, também, que possa colaborar com a reformulação de políticas públicas voltadas para a Educação Infantil e de práticas educativas de educação para a cidadania, no contexto de escolas privadas e públicas no Brasil.
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PARTE III NOVOS ESTUDOS E QUESTÕES PARA A PESQUISA EM EDUCAÇÃO
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15 CUSTO-ALUNO NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO NO DISTRITO FEDERAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA E ESCOLAS DA REDE PÚBLICA DE ENSINO Bruno T. Nunes 71 Flávia Vaz de Oliveira Lima72
Introdução As Forças Armadas Brasileiras, especificamente o Exército Brasileiro, mantém sob sua istração doze Colégios Militares (CM). Instituições escolares que atuam no ensino básico, nos anos finais do ensino fundamental e todo o médio. Atendem, essencialmente, filhos de servidores militares, porém disponibilizam vagas para alunos oriundos da demanda social. O vínculo institucional os classifica como escolas federais, logo, são públicas e mantidas com recursos oriundos do orçamento federal. É importante informar que os CM’s também possuem recursos próprios, originados de mensalidades (bem aquém dos valores praticados no mercado) pagas pelo corpo discente. Os Colégios Militares Brasileiros - CBMs são instituições de ensino que detêm reconhecido prestígio acadêmico. Seus alunos destacam-se nos processos seletivos das melhores universidades e escolas superiores de guerra, e os números referentes ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) ratificam o desempenho discente. 71 Doutorando em Educação pela UCB. 72 Professora de Educação Básica do Colégio Militar de Brasília(CMB)
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Tanto o CMB quanto as escolas que compõe a rede de ensino do DF são públicas, e encontram-se na mesma Unidade da Federação. Apesar dos sistemas de financiamento serem diferentes os recursos que am as instituições originam-se, essencialmente, do sistema tributário, sem fontes adicionais expressivas de recursos. Buscando contribuir para a compreensão do fato colocado, este estudo propõe-se a responder as seguintes questões: 1) Qual é o custo-aluno das instituições analisadas? e 2) Existe diferença significativas entre os valores encontrados? O estudo almeja contribuir para a compreensão da realidade do ensino básico no DF. Tem como objetivo geral analisar o custo-aluno das instituições de ensino, e assim, possivelmente, gerar indícios que possam, mesmo que parcialmente, explicar resultados acadêmicos tão díspares. Tem como objetivo: 1) levantar a bibliografia acerca do tema, 2) levantar os normativos que possam influenciar o processo de financiamento, bem como o levantamento do custoaluno, 3) analisar documentação gerencial das instituições de ensino, e 4) apurar o valor dos custos por aluno. Não será objeto de análise (profunda) deste estudo aspectos acadêmicos e/ou pedagógicos das instituições analisadas.
O colégio militar de brasília O primeiro Colégio Militar surgiu, oficialmente, pelo Decreto Imperial Nº 10.202, de 09 de março de 1889, nomeado naquela ocasião Colégio Militar da Corte e conhecido, atualmente, por Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ). Sua criação teve como objetivo inicial apoiar os órfãos de militares tombados no campo de batalha da Guerra do Paraguai ou daqueles que se tornaram inaptos para o serviço em campanha, assim como os filhos de civis interessados em uma educação fundada sob as diretrizes da pedagogia e disciplina militar. A Instituição criou um grande renome pela sua qualidade de ensino e este fato fez com que o próprio Exército Brasileiro fosse vislumbrado com outro olhar pelos civis. Um exemplo disso era a entrada de alunos que, ao concluírem os estudos no então Colégio Imperial, estavam dispensados das
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provas de habilitação da Escola Politécnica do Largo de São Francisco73. Nota-se que o prestígio adquirido pelo Colégio Militar foi o que motivou o Exército Brasileiro a defender a ideia de criar uma rede de colégios e difundilos pelo Brasil. “Acreditavam os militares que o Colégio Militar representava a nação, o caminho certo para construir o civismo, a renovação de valores e ampliação da cultura, além de contribuir para dar amparo social aos militares, como ajudar o Brasil a debelar o cancro do analfabetismo” (LEAL, 2009, p.8 apud ROSA, 2012). Dessa forma, o exemplo do Colégio Militar do Rio de Janeiro serviu de base para sua expansão que segue até o momento com os esforços do Estado do Pará e do Exército para a instalação de um novo estabelecimento do Colégio Militar do Pará74. O Sistema Colégio Militar do Brasil é compostos por 12 estabelecimentos, segundo o Ministério da Defesa – Exército Brasileiro75: Colégio Militar do Rio de Janeiro (1889), Colégio Militar de Porto Alegre (1912), Colégio Militar de Belo Horizonte (1955), Colégio Militar de Salvador (1957), Colégio Militar de Curitiba (1958), Colégio Militar de Recife (1959), Colégio Militar de Fortaleza (1962), Colégio Militar de Manaus (1972), Colégio Militar de Brasília (1978), Colégio Militar de Juiz de Fora (1993), Colégio Militar de Campo Grande (1993) e Colégio Militar de Santa Maria (1994). As práticas pedagógicas nos Colégios Militares subordinam-se às normas e prescrições da Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial – DEPA, órgão gestor de ensino do Exército Brasileiro e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, principal referência que dita os princípios e as finalidades da educação no País. O Exército Brasileiro pretende ampliar o ensino em período integral para os 12 colégios no Brasil até 2015. Atualmente, apenas duas escolas adotam 73 Em 1874, a Academia Real Militar transferiu-se do Ministério do Exército para o Ministério do Império e desmembrou os alunos civis do curso de Engenharia para a recém criada Escola Politécnica. Além de bacharéis em ciências e engenheiros civis, que já se formaram pela Academia Real Militar, foram criadas novas especialidades de engenharia. Até meados do século XX, seus programas de ensino eram considerados padrões para todas as escolas de engenharia do País e, por sua influência, muitas são denominadas, até hoje, Escola Politécnica. Atualmente, pertence ao Centro de Tecnologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 74 http://www.agenciapara.com.br/noticia.asp?id_ver=95071. o em:03 de julho de 2013. 75 http://www.depa.ensino.eb.br/pag_historico.htm - o em: 18 de julho de 2011. Custo-aluno no ensino fundamental e médio no Distrito Federal: uma análise comparativa entre o colégio militar de brasília e escolas da rede pública de ensino
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o turno integral em alguns anos do ensino fundamental: o Colégio Militar de Salvador, desde 2011, e o Colégio Militar de Santa Maria, que adotou o sistema em 2013. A intenção é implantar o novo regime de maneira gradual, a parir do 6º ano. Entre todos os Colégios Militares destaca-se o Colégio Militar de Brasília - CMB por suas características físicas e sua capacidade de atender a um grande contingente de alunos. O Colégio está localizado em um terreno de 235.167m2, dos quais 60.000 são de área construída. Abriga em suas instalações um efetivo aproximado de 3.000 alunos e é atualmente o maior Colégio Militar do Brasil, não apenas fisicamente como em número de alunos e servidores civis e militares. O Colégio Militar de Brasília foi criado pelo Decreto nº 81.248, de 23 de janeiro de 1978, do presidente da República, General de Exército Ernesto Geisel, com sede na capital Federal. Iniciou suas atividades em 05 de março de 1979, inicialmente com os quatro anos do ensino Fundamental, matriculando 720 alunos e implantando, nos anos seguintes, as séries sucessivas do Ensino Médio. O ciclo da organização do Ensino Secundário do Colégio Militar de Brasília completou-se em 1982, com a implantação da 3ª série do Ensino Médio. O Colégio Militar de Brasília trabalha para que o aluno desenvolva sua consciência, que tem e dignidade como pessoa; sua postura de respeito com os mais velhos, superiores e semelhantes; sua conduta dentro do Estabelecimento e publicamente; sua solidariedade; seu espírito patriótico e sua participação cívica76. Nesse sentido, o Colégio Militar de Brasília objetiva, além de facilitar o o ao conhecimento, presa pela formação integral do seu corpo discente, pautado em valores éticos, solidários e sociais, assim como o desenvolvimento do campo afetivo, cognitivo e psicomotor. O CMB possui bibliotecas e laboratórios de física, química, biologia e informática, que são continuadamente modernizados; ministra aulas de inglês por níveis desde o 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio e espanhol para o Ensino Médio em turmas reduzidas, facilitando a aprendizagem de línguas estrangeiras; possui clubes e grêmios para que os 76 http://www.cmb.ensino.eb.br/index.php/informacoes-uteis-sobre-o-cmb/historico-docolegio-militar-de-brasilia
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alunos responsáveis possam istrá-los e despertar vocações; promove um programa de leitura; desenvolvem por meio de atividades voluntárias a participação artística em banda, corais e dança; promove o esporte e a participação em olimpíadas regionais do Sistema Colégio Militar e de competições estaduais e municipais com escolas civis; incentiva a solidariedade criando campanhas de arrecadação de agasalhos, alimentos e visitas a asilos e orfanatos; entre outros diversos projetos. Percebe-se que os esforços do corpo docente, do planejamento escolar, da proposta pedagógica e currículos definidos e da existência de meios físicos adequados e o comprometimento das equipes geram um ambiente saudável para a educação no Sistema Colégio Militar do Brasil. No entanto, para que esse aparato funcione plenamente o investimento financeiro para a existência do Sistema é elevado. De acordo com o Exército Brasileiro77 há uma estimativa de que o investimento por aluno se equipare a índices europeus e seja cerca de três vezes maior aos das demais escolas públicas de Brasília, sendo que este índice pode elevar-se mais ainda quando comparado a outras escolas públicas do Brasil.
Referencial Metodológico Para Diehl e Tatim (2004), a pesquisa científica constrói-se sobre procedimentos racionais e sistemáticos – métodos, processos e técnicas – objetivando respostas a problemas verificados. Para aqueles autores, a metodologia pode ser definida como: [...] o estudo e a avaliação dos diversos métodos, com o propósito de identificar possibilidades e limitações no âmbito de sua aplicação de pesquisa científica. A metodologia permite, portanto, a escolha melhor maneira de abordar determinado problema, integrando os conhecimentos a respeito dos métodos em vigor nas diferentes disciplinas científicas (DIEHL; TATIM, 2004 p. 47-48).
Quanto à abordagem do problema, Diehl e Tatim (2004) apresentam duas classificações (que não obrigatoriamente precisam ser mutuamente 77 http://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=8&cid=133088 Custo-aluno no ensino fundamental e médio no Distrito Federal: uma análise comparativa entre o colégio militar de brasília e escolas da rede pública de ensino
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excludentes), a saber: 1) Pesquisa Quantitativa – caracterizada pelo uso da quantificação tanto na coleta quanto no tratamento das informações por meio de técnicas estatísticas; e 2) Pesquisas Qualitativas – caracterizada pela não utilização de técnicas estatísticas no decorrer da pesquisa. A pesquisa quantitativa utiliza técnicas estatísticas simples como médias, desvio-padrão ou ainda técnicas mais complexas, tais como: coeficientes de correlação, análise de regressão etc. Já a pesquisa qualitativa não faz uso de tais técnicas estatísticas no processo de coleta, tampouco no processo de análise dos dados, sendo assim caracterizada: os dados são coletados, prioritariamente, nos contextos em que os fenômenos são construídos; a análise dos dados é desenvolvida, de preferência, no decorrer do seu processo de levantamento e os estudos apresentam-se em forma descritiva, com enfoque na compreensão e na interpretação à luz dos significados dos próprios sujeitos e de outras referências da literatura (DIEHL; TATIM, 2004). O estudo em questão possui características qualitativas, uma vez que não possui como foco a mensuração ou medição de variáveis, mas sim, a descrição de comportamentos organizacionais. Contudo, possui ainda características quantitativas, necessárias para a utilização de técnicas quantificadoras na fase de análise dos dados. Por apresentar características de ambas as classificações, tem-se aqui a presença de um viés misto. Sobre a pesquisa bibliográfica, Gil (2009) expressa que esta baseiase em material já elaborado, está presente em quase todos os estudos e que boa parte dos estudos exploratórios pode ser classificado como bibliográfico. Complementarmente, Diehl e Tatim (2004) destacam que documentos constituem-se em fontes ricas e estáveis de dados. Já a pesquisa documental assemelha-se à bibliográfica. A diferença reside no fato da primeira não utilizar material, que recebeu tratamento analítico ou mesmo editorial; é possível adicionar nesse contexto materiais que, apesar de terem recebido tratamento analítico, podem sofrer algum tipo de nova elaboração ou reorganização, de acordo com as necessidades do trabalho. (GIL, 2009). Com base nos autores supracitados, o presente estudo classifica-se como bibliográfico e documental: 1) bibliográfico – devido ao uso de material já 310 |
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elaborado, principalmente de livros, teses e artigos oriundos da literatura acadêmica acerca da temática abordada; e 2) documental – utilização de documentos e normativos, principalmente relatórios, confeccionados pelo Exército Brasileiro, que não foram objeto de análise crítica ou que podem ser analisados sob outras óticas. Antes da abordagem das fases de coleta, tratamento e análise de dados, faz-se necessário diferenciar os dados, secundários e dos dados primários. Para Martins e Lintz (2007, p. 31), “são denominados secundários os dados já coletados, que se encontram organizados em arquivos, banco de dados, anuários estatísticos, relatórios etc. Em contraste, os dados primários são aqueles colhidos diretamente da fonte”. Assim, o presente estudo baseou-se em dados secundários, pois os dados utilizados estão disponíveis em documentos já confeccionados. Dados: origem, coleta e análise
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), representa a iniciativa de reunir num só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: 1) fluxo escolar e 2) médias de desempenho nas avaliações. Ele agrega ao enfoque pedagógico dos resultados das avaliações em larga escala do INEP a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis e que permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. É calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar obtidos no Censo Escolar e das médias de desempenho nas avaliações do INEP. O IDEB também é importante por ser condutor de política pública em prol da qualidade da educação, especialmente da educação básica (INEP, 2013). A média dos IDEBs 2011 dos Colégios Militares 6,7, número, expressivamente, maior que o IDEB nacional das escolas públicas (3,9) e maior que o índice apresentado para as instituições particulares (6,0). O Colégio Militar de Brasília - CMB não é exceção a realidade dos demais, o último IDEB apurado para o CMB foi 6,7. O Gráfico abaixo a média, Custo-aluno no ensino fundamental e médio no Distrito Federal: uma análise comparativa entre o colégio militar de brasília e escolas da rede pública de ensino
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dos IDEBs, dos CMs e mostra a variabilidade em relação a média dentro do universo das instituições militares: Gráfico 01 – Média IDEB dos Colégios Militares – Anos Finais do Ensino Fundamental
Fonte: Autores, com base nos dados do INEP.
Infelizmente os resultados do CMB não são observados nos Centros de Ensino Fundamental – CEF, no Distrito Federal. O IDEB médio para essas instituições é 4,01. O Gráfico abaixo a média dos IDEB’s dos CEFs e mostra a variabilidade em relação a média dentro da amostra analisada: Gráfico 02 – Média IDEB dos CEF’s – Anos Finais do Ensino Fundamental
Fonte: Autores, com base nos dados do INEP.
Não foram encontrados dados relativos ao IDEB para o ensino médio, que pudessem permitir a confecção de análises semelhantes78. Os gráficos acima mostram que a variabilidade em relação as médias apresentadas é bem pequena, o que garante um grau maior de aplicabilidade de possíveis conclusões a outras realidades, com contextos semelhantes.
78 Acredita-se que o fato pode ser explicado pela baixa participação dos alunos, tanto do Colégio Militar quando da rede pública distrital de ensino, no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o que inviabilizaria a obtenção de números consideráveis/confiáveis.
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Custo-Aluno: Colégio Militar de Brasília O Boletim do Exército n° 32/2010 publicou a Portaria n° 694, de 10/08/2010, normativo este que institui e determina a utilização da Diretriz Custo-Aluno-Curso (CAC) para atividades de ensino. O Caput e o Art. 01 da Portaria rezam: “O Comandante do Exército, no uso das atribuições...resolve...Aprovar a Diretriz Custo-Aluno para a elaboração dos cálculos a serem efetuados pelas organizações militares vinculadas à área de ensino, relativos às despesas correspondentes aos cursos ou estágios realizados no âmbito do Comendo do Exército e ensino fundamental/médio nos colégios militares, que com está baixa” (EXÉRCITO, 2010).
A Diretriz Custo-Aluno-Curso, segundo o próprio documento, tem duas finalidades: 1) padronizar os critérios de levantamento das despesas dos cursos/estágios que venham a compor a matriz de custos; e 2) orientar os estabelecimento de ensino ligados ao Exército quanto aos procedimentos de coleta e concatenação dos dados. Alguns pontos do texto da Diretriz Custo-Aluno-Curso que merecem destaque: 1. Os documentos utilizados como fontes de dados para o levantamento do CAC devem permanecer arquivados nas instituições de ensino ou nas organizações militares por não menos que cinco anos; 2. Os dados coletados devem ser sintetizados e transferidos para uma planilha padrão, cujo modelo consta anexo ao texto da Diretriz; 3. Uma planilha deve ser preenchida para cada curso, estágio e ensino fundamental e médio realizados; 4. O CAC abrange, no caso ensino fundamental e médio, o ano letivo considerado, e os dados devem ser coletados desde o primeiro dia do ano, devendo ser armazenados e tratados para o correto preenchimento da planilha CAC;
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5. A planilha CAC deve ser publicada no boletim interno da instituições de ensino e organizações militares, logo após o encerramento do exercício financeiro.
A planilha CAC contém dados, relativos ao processo de ensino, como: despesa com pessoal, número dos efetivos civil e militar empregados nas atividades (diretas e indiretas) de ensino, combustível, alimentação, água/ esgoto, luz, telefonia, recursos do tesouro (e de outras fontes), números de alunos, entre outros dados. A Diretriz CAC é uma poderosa ferramenta de apropriação dos custos que envolvem as atividades de ensino. A periodicidade, a padronização no levantamento e confecção das planilhas, a guarda e a publicidade da documentação produzida são atributos que transformam a Diretriz em uma excelente fonte de dados secundários, para estudo que se debrucem sobre a temática custo da educação básica no Brasil. O Custo-Aluno-Curso, 2012, apurado para o Colégio Militar de Brasília, tanto para os anos finais do ensino fundamental quanto médio, encontram-se na tabela abaixo: Tabela 01 – CAC do CMB para 2012 Valores/Nível de Ensino Custo do Ensino Alunos Matriculados Custo-Aluno 2012
Anos Finais do Ensino Fundamental
Ensino Médio
R$ 22.923.658,00
R$ 18.940.262,00
1567
1448
R$14.629,01
R$13.080,29
Fonte: Planilha CAC, para o ano de 2012.
Cabe destacar que cerca de 87,00% do custo do ensino refere-se aos valores destinados ao pagamento do pessoal civil e militar, que atua no Colégio Militar de Brasília. Com o intuito de compreender alguns pontos da Planilha CAC, de obter mais detalhes acerca dos dados e de entender o contexto istrativoacadêmico envolvido, uma entrevista semiestruturada foi desenvolvido para 314 |
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ser aplicada a alta gestão do CMB. Os pontos a serem abordados são os seguintes79: 1. Funcionamento do processo de adaptação do planejamento acadêmico para o processo orçamentário. 2. Financiamento das atividades acadêmicas. 3. Verificar se há relação direta entre o volume de recursos investidos e o desempenho acadêmico do corpo discente. 4. Obter a série histórica do custo-aluno - ensino fundamental e médio – no Colégio Militar de Brasília. 5. Proporção, precisa, entre os tipos de despesas na matriz de custos do CMB (professores, istrativos, investimentos, água/luz...). 6. Volume de recursos que CMB dispôs nos últimos anos para custear as atividades acadêmicas. 7. Analisar os relatórios de gestão do Colégio Militar (2010,2011 e 2012). 8. Verificar se há participação do corpo docente no planejamento financeiro. 9. Verificar se o valor da contribuição paga pelos pais é suficiente, ou deveria ser maior. 10. Levantar a proporção de docentes licenciados, mestres e doutores. 11. Levantar indícios se a formação dos professores influencia no sucesso do corpo discente em Universidades Federais e instituições estrangeiras. 12. Procurar levantar se já existe uma previsão do custo-aluno para 2014.
Custo-Aluno – Ensino Fundamental da Rede Pública do Distrito Federal O Professor Doutor Francisco José da Silva, no estudo intitulado “CustoAluno e Condições Tangíveis de Oferta Educacional em Escolas Públicas do 79 Até a conclusão deste trabalho os autores não obtiveram retorno acerca da solicitação de entrevista Custo-aluno no ensino fundamental e médio no Distrito Federal: uma análise comparativa entre o colégio militar de brasília e escolas da rede pública de ensino
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Distrito Federal”, realizou detalhado trabalho de levantamento dos custos em escolas de ensino infantil, fundamental, médio e especial. A amostra utilizada pelo pesquisador contém, dentro outras, duas escolas de ensino fundamental - Centros de Ensino Fundamental de Brasília - EEFB 1 e 2 – e uma escola de ensino médio – Centro de Ensino Médio de Brasília - EEMB, os dados referentes a estas escolas serão utilizados na comparação com os do Colégio Militar de Brasília. A escolha na delimitação está fundamentada na localização geográfica das quatro instituições de ensino, todas encontram-se na mesma Região istrativa, procurando assim garantir perfis socioeconômicos (institucionais e pessoais) semelhantes. Os dados apresentados foram coletados em 2008, estes foram corrigidos monetariamente, até dezembro de 2012, utilizando o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getúlio Vargas80. A tabela abaixo apresenta os valores dos custo-aluno: Tabela 02 – Custo-Aluno do EEFB 1 e 2 e do EEMB, corrigidos para 2012. Escola
Anos Finais do Ensino Fundamental
Ensino Médio
EEFB1
R$ 6.393,42
-
EEFB2
R$ 6.797,72
-
EEMB
-
R$ 7.201,08
Fonte: (SILVA, 2010) - página 189 e 205.
Silva (2010) aponta para o fato que na matriz de custos das escolas supracitadas os gastos com pessoal destacaram-se, o custo médio com pessoal para a EEFB 1 e 2 foi de 81,92% e para a EEMB foi de 87,43%. Fato assemelha-se ao encontrado nos números do Colégio Militar de Brasília. A tabela a seguir apresenta números relativos ao corpo discente e aos funcionários que trabalham nas escolas – corpo docente e não-docente: 80 A correção permite que os valores comparados possuam a mesma equidade monetária. Para correção foi utilizada ferramenta, chamada Calculadora do Cidadão, disponível no sítio do Banco Central do Brasil na Internet. Índice utilizado 1,3613330. Valores originais EEFB 1 – R$ 4.696,44, EEFB 2 – R$ 4.993,43, e EEMB – R$ 5.289,73.
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Tabela 03 – Número de alunos, corpo docente e não-docente das escolas analisadas81. Escola CMB - Ens. Fundamental CMB - Ens. Médio EEFB1 EEFB2 EEMB
N° alunos
N° docentes
N° nãodocentes
Total de Funcionários
1567
-
-
1448
-
-
508
16
17
33
1120 1148
39 46
37 43
76 89
600
Fonte: (SILVA, 2010) – página 154 e Planilha CAC-CMB 2012.
Análise dos Dados O IDEB (ensino fundamental) do CMB é 1,67 vezes maior que a média dos índices apresentados pelas escolas da rede pública do DF. Das 149 escolas de ensino fundamental e/ou médio, apenas 8 apresentaram um índice igual ou maior que 5,00 (máximo 5,6), ou seja apenas 5,37% chegaram perto do resultado do CMB. Como a proposta do IDEB é medir qualidade no ensino, por conseguinte poderíamos afirmar que a estrutura organizacional do CBM gera um contexto acadêmico de melhor qualidade. Os dados coletados apresentam um contexto que pode, mesmo que parcialmente, explicar diferença de qualidade. O custo-aluno no CMB é 2,21 vezes maior (diferença de R$ 8.033,44 por aluno) no ensino fundamental e 1,82 (diferença de R$ 5.879,21 por aluno) vezes no ensino médio, o aporte de recurso é consideravelmente mais robusto82. São, cerca de R$ 19,75 milhões, que poderiam ser aplicados apenas em três escolas. Não foi constatada variabilidade significativa nos IDEBs das escolas da rede pública do DF, ou seja, a maioria das escolas apresentou índices próximos 81 Apesar dos números terem sido coletados em momentos bem distintos, trabalha-se com a hipótese da não alteração das capacidades operacionais, especificamente das escolas da rede pública do DF. A Planilha CAC-CMB 2012 apresenta números totais do efetivo, não fazendo distinção entre docentes e não-docentes. 82 Caso o Governo do Distrito Federal não tenha recomposto, durante os anos, o valor monetário dos recursos investidos a diferença no custo-aluno pode chegar 3,02 vezes no ensino fundamental e 2,47 no ensino médio. Custo-aluno no ensino fundamental e médio no Distrito Federal: uma análise comparativa entre o colégio militar de brasília e escolas da rede pública de ensino
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a média. Este fato pode ser indício de que os custos-aluno das outras escolas também estejam próximos a um valor médio. Se em três escolas o GDF precisaria investir quase R$ 20 milhões de reais para aproximar a qualidade dessas ao patamar do CMB, podemos inferir que o aporte financeiro complementar na rede de ensino seria dantesco. Apesar das limitações na obtenção de dados detalhados acerca da matriz de custo do CMB, outros números podem ajudar a explicar a diferença nas realidades da qualidade acadêmica. Como se pode observar, o patamar de investimento em pessoal nas escolas é semelhante, flutuando entorno de 87% dos custos-aluno. Contudo o número de profissionais por alunos é bem diferente. Nas EEFB temos uma relação de 1/12,90 e no EEMB 1/14,94, ou seja nas escolas de ensino fundamental observadas, um profissional atende, aproximadamente, treze alunos, e na de ensino médio um profissional para cada quinze alunos. Essa relação no CMB é de apenas um profissional para cada cinco alunos. Outra vertente de análise pode ser traçada. É nítido na Tabela 03 que a relação docentes/não-docentes é de aproximadamente 50%, nas escolas da rede pública do DF. Apesar de não termos números acerca dessa relação no CMB, o trecho do trabalho que aborda o contexto deixa claro que o sistema militar de ensino disponibiliza aos corpos, discente e docente, uma robusta estrutura de apoio extraclasse, estrutura essa que, sem sombra de dúvidas, requer um adicional de recursos humanos. Esse trabalho suplementar, pode agregar uma infinidade de variáveis, que impactam, positivamente, o desempenho acadêmico.
Considerações finais O Colégio Militar de Brasília é uma escola pública federal, mantida com recursos orçamentários do Exército Brasileiro, abrigando filhos de militares e de civis. Oferece turmas nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Os resultados acadêmicos, especialmente do corpo discente, do CMB é notável. Os índices de qualidade obtidos nos levantamentos do Índice de 318 |
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Desenvolvimento da Educação Básica estão entre os maiores da rede de ensino do Distrito Federal. Os maiores IDEB`s observados na rede pública de ensino do DF estão, consideravelmente, aquém dos resultados do CMB. Procurando analisar o fato, sob a ótica do custo-aluno, procurou-se obter dados relativos as matrizes de custo do CMB e de escolas da rede pública do DF. As comparações apresentaram números bem distintos. O custo-aluno no Colégio Militar é bem maior que o das escolas comparadas, ou seja, se investe mais em educação na instituição militar. Além do montante de recursos aplicados, os dados revelaram que o CMB também dispõe de uma equipe de funcionários, docentes e não-docentes, muito maior, apresentando uma relação funcionário/aluno, aparentemente, mais adequada. A equiparação dos resultados nos índices de qualidade da educação básica, inevitavelmente, aria por aportes adicionais de recursos. Análises minusiosas sobre o fato observado devem dedicar mais esforços na obtenção de dados detalhados e atuais, acerca da matriz de custos das escolas. Outros pontos como, investimento em equipamentos, espaço físico, carreiras docentes, investimentos em capacitação de recurso humanos (diretos e indiretos) de ensino podem ser alvo de investigação. Na tentativa de entender a aparente diferença na qualidade do ensino básico, entre instituições escolares públicas de uma mesma região demográfica, o estudo em questão focou aspectos financeiros. Contudo sabe-se que o fato não pode ser explicado somente por essa ótica. Um estudo ideal partiria para o estabelecimento de relações entre a variável custo-aluno e outros aspectos como pedagógicos e organizacionais.
Referências DIEHL, A. A.; TATIM, D. C. Pesquisa em ciências sociais aplicadas: métodos e técnicas. São Paulo: Prentice Hall, 2004. COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA. Planilha Custo-Aluno-Curso 2012. EXÉRCITO. Portaria n. 694. In: Boletim do Exército 32/2010. Brasília: Ago, 2010. Custo-aluno no ensino fundamental e médio no Distrito Federal: uma análise comparativa entre o colégio militar de brasília e escolas da rede pública de ensino
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GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. INEP. http://ideb.inep.gov.br/. ado em: 10 de junho de 2013. MARTINS, G. A.; LINTZ, A. Guia para elaboração de monografias e trabalhos de conclusão de cursos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. ROSA, F. T. Pesquisas educacionais em colégios militares do brasil: estado da arte. VII Colóquio Ensino Médio, História e Cidadania. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, mai/jun de 2012. ISSN 2236-7977. SILVA, F. J. Custo-aluno e condições tangíveis de oferta educacional em escolas públicas do distrito federal: (des)igualdades à flor da pele. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2010.
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16 AVALIAÇÃO DA GESTÃO DO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA: UMA ANÁLISE DOCUMENTAL Mari Neia Valicheski Ferrari83
Introdução Ao final de 2008 foi publicada a Lei nº 11.892, de 29/12/2008, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia -IFs, mediante processo de integração ou transformação dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), das Escolas Agrotécnicas e das Escolas Técnicas Federais. A publicação da Lei nº 11.892/2008 trouxe mudanças significativas no contexto da educação profissional e tecnológica no País, decorrentes, principalmente, da ampliação da rede e do grande aporte de recursos investidos. Com a publicação da referida lei, os IFs equiparam-se, de certa forma, às Universidades Federais, como demonstra o texto da Lei nº 11.892, Art. 7º, inciso VI, que trata dos cursos a serem ministrados em nível superior, como cursos superiores em tecnologia, licenciaturas, bacharelados e engenharias, pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Especificamente, no caso do Distrito Federal, o Instituto Federal de Brasília - IFB foi criado da transformação da Escola Técnica Federal de Brasília, conforme a Lei nº 11.892/2008, Art. 5º, inc. VII. (Brasil, 2008). O IFB é composto por uma Reitoria, com sede no Plano Piloto e oito campi 83 Mestranda em Educação da UCB.
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distribuídos pelo Distrito Federal: Brasília, Gama, Planaltina, Riacho Fundo, Samambaia, São Sebastião, Taguatinga e Taguatinga Centro. A implantação desses oito campi vem ocorrendo desde a promulgação da referida lei. No restante do País, o processo de ampliação vem ocorrendo de forma semelhante, em menor ou maior proporção. Um dos desafios está na questão da gestão dos IFs, por se tratarem de instituições relativamente novas, do ponto de vista legal, e criadas com objetivos e finalidades únicos. Destaca-se que as pesquisas relacionadas à gestão e política educacional ampliaram-se nos últimos anos, conforme se observa em diversos estudos e pesquisas (Ferreira, 2011; Wittmann; Gracindo, 2001), constituindo-se assim em uma temática relevante. Pode-se questionar se o ciclo istrativo constitui-se no modelo de gestão predominante no IFB? Neste sentido, o presente artigo objetiva, primeiramente, discutir o conceito de ciclo istrativo em uma gestão, tendo por referência uma revisão na literatura pertinente. Em seguida, é realizado um estudo exploratório visando identificar elementos que demonstrem a presença das funções istrativas na gestão do Instituto Federal de Brasília.
istração e gestão: breves reflexões Gestão é um termo que expressa fazer algo para atingir determinado objetivo, implica a realização de determinadas ações, utilizando-se de recursos, tanto materiais quanto humanos, para consecução de determinados objetivos. Os dicionários de língua portuguesa trazem as palavras gestão e istração como sinônimas. Ambas as palavras vêm do latim: istração. [do lat. istratione] s. f. 1. Ação de istrar. 2. Gestão de negócios públicos ou particulares. 3. Governo, gerência. 4. Conjunto de princípios, normas e funções que tem por fim ordenar a estrutura e funcionamento de uma organização (empresa, órgão público, etc) [...]. (Ferreira, 2009, p. 55). gestão. [do lat. gestione] s. f. Ato de gerir, gerência, istração. [...]. (FERREIRA, 2009, p. 980).
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Drucker (1998) afirma que a istração e os es são necessários em todas as entidades, independentemente do tamanho da organização. O exercício da istração exige aptidões gerenciais específicas, distintas das aptidões operacionais, tais como a comunicação no interior da organização, a tomada de decisões em condição de incerteza e a capacidade de planejar estrategicamente (DRUCKER, 1998). O referido autor destaca que a “istração é exercício, não ciência” e que esse exercício “não representa a aplicação do bom senso, ou da liderança, menos ainda da manipulação financeira. Seu exercício baseia-se no conhecimento e na responsabilidade” (DRUCKER, 1998, p. 17). O termo em inglês que corresponde à gestão é management. Entretanto, na tradução da obra Introdução à istração, de Drucker (1998), consta uma nota do tradutor quanto à dificuldade na tradução e utilização do termo: Mesmo no sentido norte-americano, não é fácil empregar a palavra “management”, pois as organizações não-empresariais não falam, em regra, nem em “management”, nem em “managers”. As universidades e os organismos públicos possuem “s”, como os possuem os hospitais. As forças armadas possuem seus “comanders”. Outras entidades falam de “executives”, etc [sic]. (DRUCKER, 1998, p. 26).
No campo educacional, a temática da gestão ou a ter relevância, sobretudo, nas últimas três décadas, haja vista as reformas educacionais que o País vivenciou. De modo geral, considera-se que a gestão é uma expressão que se destacou no contexto educacional por reconhecer a importância da participação das pessoas nas decisões quanto à orientação e planejamento dos trabalhos. (LÜCK, 1997). Conforme Maximiano (2011, p. 6), “istração é o processo de tomar decisões sobre objetivos e utilização de recursos”. No desenvolvimento desta análise, os termos istração e gestão foram considerados como sinônimos. As ações realizadas ao longo do processo de istrar são chamadas funções do , sendo: planejar, organizar, dirigir e controlar. A sequência dessas funções, assim apresentada, forma o ciclo istrativo.
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Mas, na realidade, essas funções são mais que uma sequência cíclica. Elas estão intimamente relacionadas e envolvem uma interação dinâmica (CHIAVENATO, 2008). Mesmo havendo uma interação entre as funções, a ordem descrita no ciclo istrativo prevê como primeira função o planejamento. No planejamento são definidos os objetivos e decididos os recursos e tarefas. É no planejamento que são diagnosticadas e analisadas as situações atuais, estabelecidos os resultados, as metas e os objetivos a serem alcançados. Considera-se essa função especial por estar no início do processo istrativo (OLIVEIra, 2009). Como segunda função no processo istrativo, tem-se a organização, que pode ser entendida em dois sentidos: primeiramente como entidade social, ou seja, qualquer empreendimento criado que visa atingir objetivos, como empresas, bancos, instituições de ensino, entre outros; e, em segundo lugar, no sentido de função istrativa, que significa dividir o trabalho, agrupando as atividades em uma ordem lógica (CHIAVENATO, 2008). Dando sequência ao ciclo istrativo, como terceira função, tem-se a direção. Esta se relaciona à atuação sobre as pessoas, envolvendo liderança e influenciação. (CHIAVENATO, 2008). A direção é a função que “cuida da capacidade e habilidade de se supervisionar e orientar os recursos – humanos, financeiros, tecnológicos, materiais, equipamentos” presentes na organização, a fim de otimizar o processo decisório para o alcance dos objetivos organizacionais (OLIVEIRA, 2009, p. 149). Como última função do ciclo istrativo, tem-se o controle. Nesta função são monitoradas e avaliadas as atividades, tendo em vista os resultados alcançados. É na realização do controle que se verifica se as demais funções foram bem sucedidas (CHIAVENATO, 2008).
Um breve histórico das Teorias da istração: Taylor, Fayol e Weber Por se tratar de uma atividade específica, e exclusiva do ser humano, o trabalho sempre foi uma preocupação na sociedade, sendo considerado questão fundamental após a Revolução Industrial, no séc. XVIII, conforme demonstram 324 |
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as teorias sociais e econômicas dos últimos duzentos anos. Entretanto, o estudo organizado sobre as formas de trabalho somente se iniciou no final do século dezenove. Frederick Winslow Taylor (1856-1915) é considerado o primeiro homem na história a estudar e analisar sistematicamente o trabalho (DRUCKER, 1998). Taylor pesquisou formas de realizar tarefas com o menor tempo possível, utilizando-se de técnicas de seleção e treinamento. Do estudo que realizou sobre os tempos e movimentos, resultou a obra Princípios da istração Científica (1911). A realização desses estudos o fez ser considerado o precursor da istração científica. Taylor propôs desenvolver uma ciência para cada elemento de trabalho, substituindo os métodos empíricos por métodos científicos (TAYLOR, 1990). Na França, em período relativamente próximo, despontava o pensamento de outro personagem da istração: Henry Fayol (1841-1925). Com um estudo voltado para o processo istrativo, especialmente ao papel desempenhado pelos gerentes, Fayol defendia que “a istração é uma atividade comum a todos os empreendimentos humanos (família, negócios, governo), que sempre exigem algum grau de planejamento, organização, comando, coordenação e controle”. (MAXIMIANO, 2011, p. 72). Fayol faz distinção entre a função istrativa e as demais funções de uma organização, como produção, finanças e distribuição. Para tanto, o autor propõe cinco componentes para o desempenho dessa função: planejamento, organização, comando, coordenação e controle. Essa concepção deu origem ao ciclo istrativo (MAXIMIANO, 2011). A constante preocupação de Fayol com as organizações o fez reunir seus estudos na obra istração Industrial e Geral, na qual apresenta os principais elementos necessários à prática istrativa, além de enumerar quatorze princípios gerais de istração: divisão do trabalho; autoridade; disciplina; unidade de comando; unidade de direção; subordinação dos interesses particulares ao interesse geral; remuneração; centralização; hierarquia; ordem; equidade; estabilidade do pessoal; iniciativa; união do pessoal (Araujo, 2011). Avaliação da gestão do Instituto Federal de Brasília: uma análise documental
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Os princípios definidos por Fayol (1970) não estão aliados à ideia de rigidez. Em matéria istrativa, conforme assevera o autor, nada é completamente rígido ou absoluto, pois: Quase nunca se aplicará o mesmo princípio duas vezes em condições idênticas: é necessário ter em conta circunstâncias diversas e variáveis, homens igualmente variáveis e diferentes e muitos outros elementos também variáveis. Tais princípios serão, pois, maleáveis, e suscetíveis a adaptar-se a todas as necessidades. A questão consiste em saber servir-se deles: essa é uma arte difícil que exige inteligência, experiência, decisão e comedimento. (FAYOL, 1970, p. 39).
Com a análise de Fayol (1970) sobre a função istrativa, percebe-se que o ato de gerenciar uma organização formal envolve diversas variáveis, tais como o contexto econômico, social e político, o perfil dos atores envolvidos e a legislação vigente. Mesmo explorando métodos científicos, padronizados, é necessário que o gestor desenvolva capacidades adaptativas. No embate entre rigidez e método científico, destaca-se outro cientista: Max Weber (1894-1920). Ele propôs um modelo ideal de burocracia, fundamentado em três pilares: formalidade, impessoalidade e profissionalismo (MAXIMIANO, 2011). O modelo burocrático weberiano foi bastante difundido na istração pública ao longo do século XX, entretanto, este modelo já vinha sendo utilizado nas organizações religiosas e militares, bem como na istração pública, desde o século XVI, especialmente na Europa (Secchi, 2009). Para Weber, A burocratização oferece, acima de tudo, a possibilidade ótima de colocarse em prática o princípio da especialização das funções istrativas, de acordo com considerações exclusivamente objetivas. Tarefas individuais são atribuídas a funcionários que têm treinamento especializado e que, pela prática constante, aprendem cada vez mais. O cumprimento do “objetivo” e das tarefas significa, primordialmente, um cumprimento de tarefas segundo regras calculáveis e “sem relação com as pessoas”. (WEBER, 2002, p. 151).
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Com a publicação do livro Economia e Sociedade, em 1922, após a morte de Weber, “as bases teóricas da burocracia foram definitivamente construídas”. (SECCHI, 2009, p. 351). Weber identificou o exercício da autoridade racionallegal nas organizações burocráticas e, baseado nos princípios do profissionalismo e da divisão racional do trabalho, estabeleceu a separação entre planejamento e execução (SECCHI, 2009, p. 351). A revisão das teorias propostas por Taylor, Fayol e Weber contribui para compreender minimamente como está estabelecida a base istrativa das organizações, incluindo as educacionais.
Gestão educacional Inicialmente, é necessário esclarecer que toda gestão educacional se insere em um contexto mais amplo, caracterizado por uma política educacional. Para Santos (2012), a política educacional corresponde a, toda e qualquer política desenvolvida de modo a intervir nos processos formativos (e informativos) desenvolvidos em sociedade (seja na instância coletiva, seja na instância individual) e, por meio dessa intervenção, legitima, constrói ou desqualifica (muitas vezes de modo indireto) determinado projeto político, visando atingir determinada sociedade. [grifo do autor]. (SANTOS, 2012, p. 3).
Desse modo, a política educacional está direcionada para a proposição de medidas que visam à formação do indivíduo enquanto cidadão, buscando assim garantir um direito estabelecido na Constituição Federal de 1988, que no Art. 205 estabelece: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Brasil, 1988, p. 118).
A gestão educacional talvez possa ser considerada uma das mais complexas atividades no campo istrativo. Ao tratarmos de gestão Avaliação da gestão do Instituto Federal de Brasília: uma análise documental
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educacional estão certamente envolvidas as políticas educacionais e todo o arcabouço normativo que regulamenta a atividade. Para Dourado (2007, p. 924), A gestão educacional tem natureza e características próprias, ou seja, tem escopo mais amplo do que a mera aplicação dos métodos, técnicas e princípios da istração empresarial, devido à sua especificidade e aos fins a serem alcançados.
Vieira (2009) faz uma distinção entre gestão educacional e gestão escolar. Para a autora, a gestão educacional refere-se ao âmbito dos sistemas educacionais, às iniciativas nas diferentes instâncias governamentais, às definições gerais que orientam as políticas públicas. Já a gestão escolar está relacionada às práticas realizadas nos estabelecimentos de ensino. Este artigo restringe-se à análise da gestão educacional em sentido amplo, considerando as atividades realizadas nos estabelecimentos de ensino e nas relações destes com o sistema de ensino (VIEIRA, 2009). Oliveira (2010, p. 139) destaca que, Embora haja pouca pesquisa especificamente sobre o assunto, o que se percebe é um entendimento quase tácito entre os pesquisadores da área de que o termo “gestão” é mais amplo e aberto que “istração”, sendo ainda o segundo carregado de conotação técnica, o que predominou nas décadas anteriores como orientação para as escolas. Nesse sentido, a gestão implicaria participação e, portanto, a presença da política na escola. Já o termo “escolar” vai sendo substituído pelo “educacional”, justamente pela compreensão de que a educação não se realiza só na escola e que, por isso, os sistemas não são escolares, mas educacionais.
O ciclo istrativo é composto pelas funções: planejar, organizar, dirigir e controlar. A gestão das instituições de ensino também se apropria deste ciclo, mesmo que aparentemente seus gestores não utilizem essa nomenclatura ou desconheçam do que trata a Teoria Geral de istração. De uma forma ou de outra, os métodos e ferramentas utilizados na gestão 328 |
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derivam, ainda que sutilmente, dos estudos realizados por cientistas como Taylor, Fayol e Weber. Em análise sobre as mudanças na organização e gestão da escola, Oliveira (2010, p. 135) enfatiza que apesar de tratar-se de trabalho docente, a escola tal como se apresenta hoje, [...] está marcada por uma forma específica de organização e que esta reflete a maneira como o trabalho é organizado na sociedade, embora na literatura educacional específica haja grandes controvérsias sobre o tema.
Rizzatti e Rizzatti Junior (2004) salientam as características da burocracia presentes nas universidades, tais como o estabelecimento dos cargos segundo o princípio hierárquico, a organização através de normas escritas, canais formais de comunicação e a impessoalidade nas inter-relações. Destaca, ainda, a divisão sistemática do trabalho no estabelecimento das atribuições com base em padrões e procedimentos técnicos e a escolha dos docentes baseada na meritocracia e na competência técnica (RIZZATTI; RIZZATTI JUNIOR, 2004). A gestão educacional, especialmente nas instituições privadas, vem incorporando novos instrumentos, tais como a Qualidade Total, Avaliação Institucional e o Planejamento Estratégico. (COLOMBO, 1999; GOULART; PAPA FILHO, 2009). Para esses autores, os novos instrumentos da istração visam à melhoria dos serviços prestados, ou seja, a busca dos resultados institucionais de modo eficiente e eficaz. A eficiência “é o critério econômico que traduz a capacidade istrativa de produzir o máximo de resultados com o mínimo de recursos, energia e tempo” (SANDER, 2007, p. 76). Indica como a organização utiliza produtivamente seus recursos: quanto maior o grau de produtividade ou economia dos recursos, maior a eficiência. (MAXIMIANO, 2011). A eficácia indica a realização dos objetivos organizacionais. “É o critério institucional que revela a capacidade istrativa para alcançar metas estabelecidas ou resultados propostos.” (SANDER, 2007, p. 78). Avaliação da gestão do Instituto Federal de Brasília: uma análise documental
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A condição necessária para obter resultados institucionais de modo eficiente e eficaz na gestão educacional é a revisão da formação e qualificação de seus dirigentes. É necessário que os dirigentes conheçam as funções istrativas: planejamento, organização, direção e controle, distinguindo-as das funções técnicas. Embora essas funções sejam intimamente interdependentes, as funções técnicas estão relacionadas diretamente com a elaboração do produto final, de responsabilidade do corpo docente. Já as funções istrativas são de responsabilidade dos dirigentes em qualquer hierarquia – reitor, diretor e chefe de departamento, por exemplo (Rizzatti; Rizzatti Junior, 2004). Koontz e O’Donnel (1989) acreditam que a maneira mais proveitosa de classificar as funções istrativas é agrupando-as nas atividades de planejamento, organização, seleção e colocação de pessoal, direção e controle. Entretanto, essa classificação não é fechada, conforme asseveram os autores: Na prática, os es supervisionam vários planos em diversos estágios de execução; no mínimo estarão comprometidos a qualquer instante com a resolução de um problema de controle ou de motivação. Movimentam-se livremente de uma função para outra e dedicam sua atenção às questões mais urgentes. A istração é, afinal de contas, uma rede sistêmica e não o empreendimento seqüencial de uma série de tarefas. (KOONTZ; O’DONNEL, 1989, p. 34).
Na visão dos autores, as funções istrativas estabelecem uma ordem para a classificação do conhecimento. “Essa classificação não é estanque, havendo elementos entrelaçados e até mesmo sobrepostos.” (KOONTZ; O’DONNEL, 1989, p. 34).
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O ciclo istrativo no IFB: planejamento, organização, direção e controle Planejamento Assim como nas demais organizações, uma instituição de ensino necessita prever, dentro de um cronograma, as ações que irá desempenhar a fim de atingir os objetivos organizacionais. O planejamento precede qualquer outra função istrativa. Embora na prática as funções se mesclem, é no planejamento que se estabelecem os objetivos para o esforço grupal. “Planejar é decidir antecipadamente o que fazer, como fazer, quando fazer e quem irá fazer.” (KOONTZ; O’DONNEL, 1989, p. 67). Para compreender a natureza do planejamento, Kwasnicka (1980) conceitua três termos importantes no processo istrativo: planejamento, plano e tomada de decisão. Planejar é analisar as informações relevantes do presente e do ado e avaliar os prováveis desenvolvimentos futuros, para assim determinar cursos de ação. O plano é a recomendação do curso de ação estabelecida no planejamento e a tomada de decisão é inerente ao processo de planejamento como um todo. Na tomada de decisão realiza-se a escolha entre duas ou mais alternativas (KWASNICKA, 1980).
O IFB possui o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) 20092013. Este documento foi elaborado por uma comissão instituída pela Portaria IFB/Reitoria nº 44, de 31 de março de 2009. O PDI está organizado em onze capítulos que tratam sobre Perfil Institucional, Projeto Pedagógico Institucional, Implementação da Instituição e Organização Acadêmica, Corpo Docente, Corpo Técnico-istrativo, Corpo Discente, Organização istrativa, Autoavaliação Institucional, Infraestrutura Física e Instalações Acadêmicas, Atendimento às pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais ou com mobilidade reduzida e Demonstrativo de Capacidade e Sustentabilidade Financeira (BRASIL, 2009).
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O planejamento no IFB foi iniciado com a elaboração do PDI, sendo realizada, primeiramente, a análise dos ambientes interno e externo. Também foram definidos missão, visão, valores e objetivos estratégicos. Em 2010 foram realizados workshops e consolidadas as metas no Sistema Integrado de Gestão (SGI). Em setembro de 2011, realizou-se o primeiro balanço das metas e ações referentes ao Planejamento 2011. O IFB possui um Guia de Orientações sobre o Planejamento Institucional e uma cartilha com o vocabulário básico para meta/ação (BRASIL, [2011b]). As metas definidas no Planejamento Institucional do IFB estão organizadas em três eixos: Educação, Gestão e Relação Institucional. No eixo Educação constam os seguintes objetivos gerais: “ampliar a oferta de cursos técnicos, implementar cursos superiores, melhorar a qualidade de ensino, implementar a pós-graduação, estruturar pesquisa tecnológica, promover melhorias na gestão pedagógica e articular pesquisa, ensino e extensão”. O eixo Gestão tem como objetivos gerais: “ampliar estrutura física, implementar programa de qualidade de vida e ampliar gestão sistêmica”. No eixo Relação Institucional são objetivos: “consolidar a marca IFB e incrementar a integração com a comunidade”. (BRASIL, [2011b]).
Organização A organização, enquanto função istrativa, trata dos diferentes papéis desenvolvidos pelos profissionais dentro das empresas e em como esses papéis se relacionam entre si. Neste sentido, a organização é: [...] o agrupamento das atividades necessárias para a consecução dos objetivos, a designação de cada agrupamento a um com autoridade para supervisioná-lo e a estipulação de coordenação horizontal ou vertical na estrutura da empresa. (KOONTZ; O’DONNEL,
1989, p. 175).
Organizar consiste em agrupar as atividades visando a melhor forma de realizá-las, incluindo, para tanto, uma estrutura de autoridade. A organização do Instituto Federal de Brasília pode ser vista no Capítulo 7 do Plano de 332 |
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Desenvolvimento Institucional, que trata da Organização istrativa. Este capítulo traz a estrutura organizacional com as instâncias de decisão, o organograma, os órgãos colegiados e de apoio e as relações com demais agentes (BRASIL, 2009). A composição do Conselho Superior e a do Colégio de Dirigentes, bem como suas competências, estão discriminadas no item 7.3 do PDI. O organograma atual e os previstos constam nos anexos IV e V do mesmo documento. No organograma do IFB, percebe-se que a organização se dá pelo processo de departamentalização por funções. “A departamentalização funcional é o método mais amplamente utilizado para organizar atividade e pode ser encontrado em algum nível da estrutura organizacional de quase todas as empresas.” (KOONTZ; O’DONNEL, 1989, p. 192). Existem ainda, como normas internas, o Estatuto e o Regimento Geral do IFB. Conforme estabelece o Estatuto do IFB, o detalhamento da estrutura organizacional, as competências das unidades istrativas e as atribuições dos dirigentes serão estabelecidos no Regimento Geral. Este documento traz ainda princípios, finalidades e objetivos a que se propõe o Instituto Federal de Brasília (BRASIL, 2011a).
Direção A função direção está relacionada à coordenação de pessoas, ao ato de liderar. “Dirigir significa interpretar os planos para as pessoas e dar as instruções e orientação sobre como executá-los e garantir o alcance dos objetivos.” (CHIAVENATO, 2008, p. 366). O ato de dirigir envolve aspectos interpessoais, podendo, portanto, ser considerado a função mais difícil para o , uma vez que envolve um complexo de forças pouco conhecidas e sobre as quais não se tem controle (KOONTZ; O’DONNEL, 1989). O Instituto Federal de Brasília, por se tratar de autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, deve obedecer à legislação correspondente ao serviço público federal. Suas ações de coordenação e liderança de pessoas baseiam-se nos princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988, Avaliação da gestão do Instituto Federal de Brasília: uma análise documental
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tais como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, estabelecidos no Art. nº 37 da carta magna. Ainda, destaca-se a Lei nº 8.112/1990 (BRASIL, 1990) e demais normas pertinentes. O Decreto-Lei nº 200/67, estabelece a coordenação como um dos princípios nos quais devem ser embasadas as atividades da istração Federal: Art. 6º As atividades da istração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: I – Planejamento. II – Coordenação. III – Descentralização. IV – Delegação de competência. V – Controle. (BRASIL, 1967). Percebe-se no Decreto-Lei nº 200/67 três funções istrativas – planejamento, coordenação e controle – definidas como princípios neste documento. Ainda, o mesmo Decreto-Lei determina, no artigo 8º, § 1º, como deve ser exercida a coordenação: § 1º A coordenação será exercida em todos os níveis da istração, mediante a atuação das chefias individuais, a realização sistemática de reuniões com a participação das chefias subordinadas e a instituição e funcionamento de comissões de coordenação em cada nível istrativo. (BRASIL, 1967).
Não foram identificados documentos, normas internas publicadas, que demonstrem a forma de direção adotada pelo IFB. Oliveira (2009) destaca que a direção é a mais complexa entre as funções que compõem o processo istrativo por ser a função menos estruturada.
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Controle O controle é a função que busca medir e corrigir o desempenho das atividades, visando assegurar os objetivos e os planos estabelecidos pela organização. É a função pela qual o gestor ou órgão de controle certifica-se de que as ações realizadas correspondem ao que foi planejado (KOONTZ; O’DONNEL, 1989). A Constituição Federal determina, no Art. 70, que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial quanto à legalidade, legitimidade e economicidade será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo e pelo sistema de controle interno de cada poder. O Art. 71 remete ao Tribunal de Contas da União a função de auxiliar o Congresso Nacional no controle externo. São estabelecidas também, neste artigo, as competências destes órgãos quanto ao controle externo. (BRASIL, 1988). O controle interno deve ser de forma integrada entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e tem as seguintes finalidades, conforme determina o Art. 74 da Constituição Federal: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da istração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. (BRASIL, 1988, p. 60).
O Relatório de Gestão é um documento elaborado ao final do exercício e apresentado aos órgãos de controle interno e externo como prestação de contas anual, em atendimento à obrigatoriedade prevista no Art. 70 da Constituição Federal. Este relatório é feito de acordo com disposições de instruções normativas do Tribunal de Contas da União (TCU). Avaliação da gestão do Instituto Federal de Brasília: uma análise documental
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No Relatório de Gestão do IFB (Brasil, 2012), do exercício 2011, podem ser conferidas as metas institucionais, as estratégias de atuação frente às responsabilidades institucionais, o desempenho orçamentário e financeiro e os indicadores institucionais (acadêmicos, socioeconômicos e os previstos no termo de acordo de metas). Destaca-se que este relatório é bastante amplo, abrangendo outras áreas, tais como gestão de pessoas, gestão ambiental e tecnologia da informação. Nas normas internas que regem o Instituto Federal de Brasília, o Estatuto define, no Título II, Capítulo II, Da Reitoria, a Auditoria Interna como órgão de controle, com a responsabilidade de fortalecer e assessorar a gestão, racionalizando as ações, e apoiar os órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e do Tribunal de Contas da União. (BRASIL, 2011a). O Capítulo II, do Título II, do Estatuto também traz outros atores responsáveis pela função controle em diferentes áreas. Compete à Pró-Reitoria de Ensino, por exemplo, “planejar, coordenar, supervisionar e controlar as políticas de ensino para a instituição, em consonância com as diretrizes emanadas do Ministério da Educação [...]”. (BRASIL, 2011, p. 14). À PróReitoria de Pesquisa e Inovação compete, dentre outras atribuições, “controlar as políticas para os cursos de pós-graduação de lato e stricto sensu do IFB [...]”. (BRASIL, 2011, p. 14). À Pró-Reitoria de istração compete “controlar a execução das atividades de planejamento e istração orçamentária e financeira [...]”. O controle dos dados institucionais fica a cargo da Pró-Reitoria de Desenvolvimento Institucional. (BRASIL, 2011, p. 14). O controle quanto às metas estabelecidas no Planejamento Institucional 2011 foi acompanhado pela Pró-Reitoria de Desenvolvimento Institucional. Foram apresentados dois balanços, o primeiro até 31/07/2011 e o segundo no final do exercício, em 31/12/2011.
Considerações finais A Teoria Geral da istração traz o arcabouço de métodos, técnicas e princípios desenvolvidos para a istração das organizações, sendo elas 336 |
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de qualquer natureza. A partir do momento em que a istração ou a ser tratada como ciência, no início do século XX, as tarefas que competem ao gestor aram a ser delimitadas. Com o desenvolvimento e a evolução das teorias, se chegou ao que hoje é comumente conhecido como as funções do , caracterizadas pelo processo ou ciclo istrativo, definido pela relação dinâmica e interdependente entre planejamento, organização, direção e controle. O objetivo deste artigo foi identificar a presença do ciclo istrativo na gestão do IFB. Por mais que exista um consenso de que a gestão educacional envolve um escopo mais abrangente, com natureza e características distintas das organizações empresariais, na prática, percebe-se que as instituições de ensino utilizam, em menor ou maior grau, ferramentas da istração de empresas. Na análise realizada nos documentos publicados pelo IFB percebe-se que o ciclo istrativo está presente na gestão desta instituição pública de ensino. É possível constatar que as funções mais representativas no IFB são o planejamento e o controle. O planejamento é bastante orientado e divulgado na instituição. O controle também é uma função que se destaca, muito embora, neste caso, a função esteja intimamente relacionada ao cumprimento legal do dever de prestar contas. No Relatório de Gestão (Brasil, 2012) é possível verificar se as metas traçadas no planejamento institucional foram ou não atingidas. Entretanto, nesta análise, não é possível assegurar que a realização do controle corrija o desempenho no sentido de garantir que os objetivos propostos sejam realmente atingidos. Destaca-se, também, que o controle é anual, ou seja, somente é verificado no final do exercício, não havendo possibilidade de correções no decorrer das atividades.
Referências ARAUJO, Luiz César G. de. Organização, sistemas e métodos e as tecnologias de gestão organizacional: arquitetura organizacional, benchmarking, empowerment, gestão da qualidade total, reengenharia. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2011. Avaliação da gestão do Instituto Federal de Brasília: uma análise documental
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17 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA: PROGRAMAS, ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS E DESENVOLVIMENTO LOCAL Marli Alves Flores Melo84 Célio da Cunha85
Introdução Historicamente, no Brasil, são registrados alguns dos encaminhamentos das Políticas Educacionais de Governo em que se incluíram a manutenção do alto conceito da educação profissional, científica e tecnológica, cuja referência foi o desempenho dos ex-alunos de cursos técnicos que conquistaram bons empregos e, também conseguiram ingressar em cursos superiores concorridos nas Universidades Federais. Hoje, essa tendência se fortalece, em virtude da consciência crescente das vantagens para o país na perspectiva de crescimento e o estabelecimento do desenvolvimento político-social. Em função disso, novas metas foram traçadas para o ensino profissional, científico e técnico com os seguintes objetivos86: expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos técnicos de nível médio, promover a formação inicial e continuada ou qualificação presencial e à distância, ofertar na Rede Federal de Educação Profissional, Cientifica e Tecnológica os cursos tecnólogos, de licenciaturas voltadas para a 84 Doutoranda em Educação pela UCB. 85 Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB. 86 http://pronatec.mec.gov.br/institucional/objetivos-e-iniciativas
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formação de professores do Ensino Técnico, Pós- Graduações (Lato Sensu) e mestrado e doutorado (Stricto Sensu). É interessante observar que, com base nas metas de expansão do ensino médio integrado e profissional, a comunidade escolar retoma o significado da educação profissional para o trabalho, sobretudo na forma de organizar os projetos político-pedagógicos e as relações que se estabelecem, internamente e externamente, entre os sujeitos envolvidos. Nessa linha de pensamento, um importante questionamento tem sido feito por alguns estudiosos e pesquisadores na área da educação, em relação ao dualismo educacional: Qual é o conceito que temos de educação e de educação profissional, e científica e tecnológica? Tal indagação coloca a educação profissional tecnológica de nível médio como algo distinto da educação básica e que pode ser justificada pelo contraditório contraste entre a continuidade e a descontinuidade de iniciativas governamentais e não governamentais para a constituição e continuidade de processos que potencializem o conhecimento integral do educando brasileiro e não somente a intencionalidade de qualificar “mão de obra” para o mercado de trabalho. Neste contexto, Gramsci (1989) defende a educação como um processo de formação integral do ser humano e determinante para elevação cultural em referência a um processo de construção teórica e prática de uma concepção de mundo em suas dimensões política, econômica e social. Ademais, afirma que o processo educativo pera o princípio do trabalho ao tratar da sociabilidade e das formas de produção material e intelectual da vida e, de forma articulada, abrange a ciência, a técnica e a tecnologia, a ética, a política e a economia. Por outro lado, Saviani (1989) argumenta que a educação, em geral, deve estar articulada à tecnologia para oportunizar aos educandos o domínio dos princípios e dos fundamentos científicos, desde que seja diferenciada a técnica de produção e promova a formação multilateral. Esses enfoques recaem nas discussões que tratam da universalização da educação básica fundamental e média de qualidade com seguimento à educação 344 |
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superior. Isso sugere a superação do consenso de educação voltada para um campo de trabalho ou somente para a formação de meras profissões, porém deve ser projetada na ideia de formação integral do ser humano dividido entre a construção social e o estímulo à formação profissional, bem como garantir os direitos as execuções de ações para pensar, dirigir ou planejar uma leitura melhor de mundo como cidadão inserido dignamente a sua sociedade política (CIAVATTA; FRIGOTTO; RAMOS, 2005). Outra alternativa viável seria a articulação dos cursos técnicos e profissionalizantes a serem oferecidos nas escolas de ensino profissional tecnológica (EPT) e ensino médio integrado (EMI) em consonância com arranjos produtivos locais (APLs) – vocações produtivas –, os quais podem tornar-se mecanismos de desenvolvimento e da sustentabilidade na esfera local pelo global. Os referidos arranjos, em conformidade com Cassiolato e Lastres (2008a), Cassiolato, Lastres e Stallivieri, (2008b), crescentemente são utilizados tanto por grupos de pesquisa, preocupados em entender os processos de desenvolvimento característicos do atual estágio do capitalismo, como por diversas agências de políticas públicas e privadas encarregadas de promover o desenvolvimento da produção de bens e serviços. Com base nesses aspectos, no presente artigo trataremos da educação, em especial os focos atuais das políticas públicas voltadas para a educação profissional, científica e tecnológica como agente de desenvolvimento social e local; bem como os efeitos da globalização nos arranjos produtivos locais os atores que fazem parte deles em sintonia com a “territorialidade humana” no sentido de destino, construção do futuro. (SANTOS; SILVEIRA, 2002. p. 19) O texto está dividido em quatro partes. A primeira situa a educação profissional, científica e tecnológica na configuração atual. A segunda o ensino profissional no contexto da globalização e sentido de desenvolvimento local. A terceira apresenta a historicidade dos arranjos produtivos locais e seus atores com ênfase nas discussões dos temas abordados em encontros e seminários. Na última parte analisamos os vieses da educação profissional, científica e tecnológica. Educação profissional, científica e tecnológica: programas, arranjos produtivos locais e desenvolvimento local
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Educação profissional, científica e tecnológica A existência de uma rede federal de educação profissional, científica e tecnológica teve a sua fundação no início do século ado (1909), um fato importante para o reconhecimento e valorização da história da educação pública brasileira. Nessa tradição, em 2009, comemorou-se o centenário da educação profissional, científica e tecnológica cuja longevidade pode ser atribuída à potencialidade do conhecimento dos atores sociais envolvidos e pela capacidade de mobilização da sociedade em colocar os princípios e objetivos estabelecidos para o ensino profissional brasileiro e suas legislações, em que destacamos: a Lei de Diretrizes de Bases – LDB n°9.394/96 – em que se lê o estabelecimento da integração das diferentes formas da educação ao trabalho, à ciência e à tecnologia como fator necessário ao desenvolvimento socioeconômico nacional e a redução das desigualdades regionais e sociais; Decreto Federal nº 5.154/2004, em que se encontram as definições das proposições indutoras da formação geral e profissional, que corroboram a institucionalização do processo de ampliação e qualificação da educação profissional técnica, em consonância com as demandas das comunidades onde serão oferecidos os cursos técnicos no ensino médio integrado e do PROEJA nas formas concomitante e ou subsequente. Enfatizamos que o referido decreto revogou o Decreto nº 2.208/98 nas orientações dos rumos políticos assumidos pela Presidência da República com a classe trabalhadora brasileira. Outro aspecto relevante desse decreto foi a dicotomia observada na oferta de cursos na forma concomitante e, de acordo com Ciavata e Frigotto (2004), pontua o caminho para restabelecer as trajetórias jurídicas, políticas e institucionais asseguradas pela LDB. Em verdade, isso provocou disputas políticas e teóricas e originou embates entre os atores envolvidos nas vertentes progressivas ou conservadoras, em que se discutiram a consolidação do dualismo ou da superação dos conceitos estratificados da educação brasileira. Esses autores também consideram a modalidade integrada de ensino mais aceitável à formação do estudante do princípio ao fim do curso, pois o subsequente (a ser cursado após o término do ensino médio) volta a atender 346 |
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alunos, que não almejam ingressar no ensino superior, e precisam de uma qualificação técnica para o trabalho. Disso, entendemos haver um esforço na esfera governamental em proporcionar todas as condições materiais necessárias e que viabilizem a educação profissional, científica e tecnológica no ideário emancipatório. No contexto atual do plano federal, foi apresentada uma proposta para a educação profissional, científica e tecnológica do século XXI e institucionalizada para promover de forma sistêmica o conceito formativo da atividade humana, como por exemplo, a entrada dos educandos no campo de trabalho e os encaminhamentos da vida em sociedade. Tendo em vista os objetivos dessa proposta, instaurou-se a implantação e implementação do ensino propedêutico e a formação profissional com consistência e sem oposições as novas formas de se ministrarem os conhecimentos gerais e específicos. Consoante a essas tendências, foram reforçadas pelo Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE e o Plano de Aceleração do Crescimento –PAC, do Governo Federal acelerando o aprimoramento das ações das políticas públicas educacionais destinadas ao desenvolvimento de programas, assim como, o processo de ampliação da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica, visando à sedimentação de uma cultura de formação para o mercado de trabalho no âmbito das instituições, redes e sistemas de educação do país. Com efeito, o Ministério da Educação junto a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, Diretoria de Articulação e Projetos Especiais, Secretarias Estaduais de Educação nas unidades federativas e municípios foram os responsáveis em estimular a expansão do ensino profissional. Coerentemente, vêm sendo executados os referidos planos para contemplar as novas estruturas somadas às outras instituições já existentes, a fim de ampliar às vagas de formação para o trabalho e a implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs). Em cumprimento às metas delimitadas e aos objetivos apresentados nos planos regidos pelo Governo Federal, os órgãos públicos e os gestores das políticas públicas educacionais planificaram e realizaram uma série Educação profissional, científica e tecnológica: programas, arranjos produtivos locais e desenvolvimento local
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de ações, como: a expansão da rede federal de educação profissional científica e tecnológica, a elaboração com a participação de toda a sociedade do catálogo dos cursos superiores de tecnologia e o catálogo dos cursos técnicos, a revisão da legislação no campo da EPT, organização e execução de programas de formação de professores para a educação profissional, científica e tecnológica, o Programa Escola de Fábrica, o qual tinha como meta gerar inclusão social por meio da formação profissionalizante (criado pela Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005 e revogado pela Lei nº 11.692, de 2008 antes do prazo temporal de implantação), lançamento do Programa Brasil Profissionalizado, pelo Decreto nº 6.302, de 12 de Dezembro de 2007, no Governo do Presidente Lula – Ministro da Educação Fernando Haddad – objetivando, por meio da assistência financeira por convênios e assistência técnica, atender e fornecer formação, capacitação, equipamentos, mobiliários dentro das normas técnicas-padrão do Ministério da Educação - MEC e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE para todas as escolas conveniadas com o Programa que oferecem ensino médio integrado EMI e as que funcionam na modalidade profissional técnicas – EPT, incentivar o retorno de jovens e adultos aos ambientes escolares, conjugar a elevação de escolaridade - EJA à formação profissional técnica – PROEJA, contribuir para a melhoria dos indicadores sociais e educacionais, especialmente do IDEB e, em todo o país, fazer a articulação do ensino médio à educação profissional nas modalidades integrada, concomitante e subsequente; suplantar a experiência bem sucedida do Prouni87·, um programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo Federal em 2004, que concede bolsas de estudos em instituições privadas de ensino superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior – em seguimento a este, foi sancionada a Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011 pela Presidenta Dilma – Ministro da Educação Fernando Haddad – e o Programa Nacional de o ao Ensino Técnico e Emprego-PRONATEC, tendo como objetivo principal: expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica - EPT para a população brasileira. Em termos gerais, o PRONATEC prevê uma série de subprogramas, 87 http://siteprouni.mec.gov.br/
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projetos e ações de assistência técnica e financeira que, juntos, propõem-se a oferecer oito milhões de vagas a população brasileira de diferentes perfis. Do mesmo modo, a gestão federal de planejamento garantiu recursos financeiros provenientes de fundos públicos com elo no marco regulatório na aplicação de origem privada, bem como promoveram articulações políticas realizadas em instâncias diferentes nos ministérios, secretarias extraordinárias e empresas estatais no sentido de potencializar ações direcionadas ao ensino profissional. Efetivamente, a educação voltada para o trabalho começou a ser implantada na rede pública com a garantia de o, permanência e manutenção da qualidade dos cursos técnicos ofertados. Certamente, as formas vigentes de organização da educação profissional, científica e tecnológica têm proporcionado aos estudantes obterem uma visão ampla e uma compreensão mais apurada da complexidade do mundo em que vivem e, qualificando-os, a serem capazes de atuar em seu espaço temporal, em conformidade com os interesses coletivos.
Educação profissional, científica e tecnológica, globalização e o desenvolvimento social e local Reconhece-se que a educação é uma condição universalmente aceita para o desenvolvimento social. Acerca disso, Abdi, (2012); Abdi e Duo (2008) manifestam opiniões no sentido de ser possível promover pela educação: a superação das desigualdades sociais, a democracia efetiva e real, a justiça, a cidadania plena e universalizada, a soberania política, econômica, tecnológica e cultural. Abdi e Duo (2008) afirmam ser positiva a relação entre educação e desenvolvimento social para dar um significado amplo ao desenvolvimento local. Asseguram que a educação, por si só, está sempre presente na vida das sociedades proporcionando às pessoas condições de subsistência, bem-estar e oportunidades em relação ao mundo. Os autores enfatizam o termo social que compreende o conjunto de formas de vida econômica, política, educacional, tecnológica, emocional e, outros aspectos, que, de forma direta ou indireta afetam, a vida das pessoas. Educação profissional, científica e tecnológica: programas, arranjos produtivos locais e desenvolvimento local
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Paralelamente a isso, compreendemos que a educação profissional, científica e tecnológica pode ser um elo imprescindível na promoção do desenvolvimento retratado pelo “progresso” local. Dentro dessa perspectiva, é necessária a formalização de um projeto de sociedade, incluindo-se os espaços dos territórios humanos e ocupados pelos atores que dele se utilizam, e comporte um ambiente para as discussões das questões relativas às desigualdades sociais, justiça social, entre outras. O referido território se interliga ao capitalismo globalizado pela obrigatoriedade do alto nível de competitividade, objetivando a produtividade que depende das condições oferecidas localmente. Isso ocorre pela velocidade das informações que chegam e transformam os lugares, assim como levam as pessoas a outros espaços e, como resultado, provoca o distanciamento dos processos produtivos. Sobre isso, Santos e Silveira (2002) salientam que o avanço tecnológico submete-se cada vez mais à lógica global, elegendo pontos territoriais de interesse na exigência de melhorar a funcionalidade, equipamento local e regional adequado e aperfeiçoamento de suas ligações por meio de materiais e informacionais modernos que tendem a reconcentração. Nesse sentido, Shultz (2012) pontua que, no mundo globalizado em que vivemos no contexto atual, ocorrem movimentos e comunicação entre as barreiras geográficas, políticas e sociais vinculadas aos processos de formação de políticas globais que impactam os sistemas e os sítios de conexão. Para a autora, isso remete a uma conexão e ao conhecimento na formulação de políticas globais, na criação de intercâmbio sobre plataformas de cidadania e de dignidade humana, promove um engajamento em diversas escalas com valores e experiências culturais na comunidade, permite reimaginar as possibilidades de inserir a educação dentro do processo globalizado reivindicando mais espaços educacionais para atender às necessidades democráticas e de justiça social de todos os membros da sociedade. Disso deriva que a globalização é imposta à sociedade mundial de forma semelhante ao colonialismo, porém por meio de métodos modernos, como: benefício a um mercado livre em defesa do fim das fronteiras nacionais; orientando os rumos econômicos, interferindo na capacidade de poder de 350 |
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decisão dos governantes; padronizando informações que interagem com os interesses do sistema capitalista tanto nas sociedades econômicas como nas tecnológicas mais desenvolvidas; projetada globalmente em oposição ao ocidente cujos resultados produzirão efeitos eficazes nas políticas de educação (ABDI, 2012; OLSSEN, CODD e O`NEILL, 2004; SHULTZ, 2012). Especificamente sobre a sociedade mundial, Santos (1999) argumenta que seria uma noção abstrata que adquire materialidade na escala global para que se compreenda o fenômeno da globalização. Fica, pois, a evidência do contexto da globalização potencializada no lugar e que altera o valor desse lugar, para estabelecer uma relação causal e beneficiar os atores hegemônicos, ou seja, aqueles com capacidade de ação ou relevância sistêmica cujas ações unilaterais podem alterar o equilíbrio do sistema um do outro no seu território, em razão das mudanças na funcionalidade dos recursos e da identidade (SOUSA SANTOS, 2006). Cabe destacar que a globalização hegemônica, para Sousa Santos (2006), retrata o primeiro modo de produção de globalização em combinação com o localismo globalizado, justificado quando um conceito se torna global pelo globalismo localizado. Agregue-se a essa a compreensão a terminologia “glocalização”, definida por Abdi (2012) como uma ideia prática que evidencia a globalização não como um fenômeno unidirecional, mas no entendimento de ocupação dos espaços antigos da vida para dar significado e expandir o local a outras localidades, em conformidade com as realidades regionais, nacionais e continentais. Para ele, isso se refere às complexas realidades de forças globais que afetam os contextos locais e às forças locais interagindo ativamente entre si, o que contribui diretamente para mudar os efeitos qualitativos e os resultados da globalização.
Historicidade dos arranjos produtivos locais e atores Temos como importante reportar, pela linha do tempo, que na década de 1990, foram promovidas discussões pelo Ministério de Ciências e Tecnologia, considerando a dificuldade em caracterizar e analisar as inúmeras experiências de aglomerações geográficas e setoriais das empresas, instituições de apoio, universidades, centros de pesquisa, associações de classes, órgãos Educação profissional, científica e tecnológica: programas, arranjos produtivos locais e desenvolvimento local
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governamentais, instituições financeiras (COSTA, 2010). A partir desse marco, originou-se a nomeação arranjos produtivo local – APL. Na atualidade, na busca de um conceito unicamente aceito, encontramos na literatura uma diversidade de terminologias utilizadas em referência a esses arranjos, em cujas conceituações detectamos características em comum, por exemplo, os Clusters, que segundo Coriolano (2009) é um termo anglo-saxão que sintetiza o conceito e as estratégias locais para o desenvolvimento. Para a autora, no sentido de agrupamento do termo pode ser entendido como coleção, reunião, cacho, forma um conjunto numeroso e localizado de empresas, em geral, pequenas e médias, operando em regime de intensa cooperação, em que cada uma das firmas executa um estágio do processo de produção. Em relação ao arranjo produtivo local – APL, Coriolano (2002) também apresenta como um termo derivado do sistema anterior, cujo significado é de aproximação do conceito à realidade brasileira, uma vez que as aglomerações brasileiras apresentam-se ainda em estágio inicial de interdependência, entre as empresas e entre estas e instituições de fomento. A autora também referenda que a consolidação de um arranjo produtivo local depende de quatro elementos essências: território, capital social, organização produtiva, articulação político-institucional e estratégia de mercado. Observa-se que, especificamente o arranjo supracitado, foi mapeado em mais de trinta entidades governamentais e não governamentais, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MIDC) e organizado por um grupo de trabalho permanente em conformidade com as demandas produtivas locais (GTP-APL). Esse o grupo foi instalado, oficialmente, desde agosto de 2004, pela Portaria Interministerial nº 200, de 03/08/2004 (reeditada em 24/10/2006 e em 24/04/2008) com o apoio de uma secretaria técnica, lotada na estrutura organizacional do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior para adotar uma metodologia de apoio integrado a arranjos produtivos locais e com base na articulação de ações governamentais. (MIDC, 2007/ 2008) Por esse caminho, sucedeu-se a escolha dos arranjos produtivos como estudos-piloto em que alguns critérios foram criados, são eles: a atuação institucional dos estágios de desenvolvimento em termos de integração com 352 |
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o território e a capacidade de cooperação entre firmas e com entidades de apoio, entre outros. Em sequência, foi priorizada a adoção de mecanismos de acolhimento de projetos e o envolvimento de instituições estaduais para estimular e comprometer as lideranças dos APLs nos processos de elaboração de planos de desenvolvimento local e consequentes articulações institucional e empreendedora. Para cumprir esse papel, foram montados núcleos estaduais ou organizações semelhantes nos Estados para executar demandas provenientes dos APLs, bem como fazer a análise de suas propostas e a promoção das articulações institucionais. Em razão disso, foi delimitada uma metodologia de atuação para buscar acordos e parcerias entre os atores locais (agente animador), de acordo com suas demandas, visando à organização de projetos e comprometê-los com as formas possíveis de solução para os problemas, que surgem nos seus espaços de atuação. Na busca de sedimentação de conceitos e geração de ambientes pela necessidade da localização geográfica construída pela sua base territorial, em agosto de 2004 realizou-se, em Brasília, a 1ª Conferência Brasileira sobre Arranjos Produtivos Locais, a qual contou com a participação de aproximadamente quatrocentas pessoas, cujas discussões foram organizadas em oito painéis temáticos e apresentados os papéis das instituições governamentais e não governamentais no apoio aos arranjos produtivos locais e os instrumentos e mecanismos de apoio existentes. Em cada , apresentaram-se casos de sucesso, buscando promover a troca de conhecimentos e de experiências no desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais. Os temas abordados nesse evento foram: Panorama e Desafios para a Construção de Políticas Públicas para APLs; Cooperação e Governança; Capacitação Empresarial e de Trabalhadores; Mercado Interno e Externo; Inteligência Comercial; o a Serviços Financeiros; Inovação: Conhecimento e Aprendizado Coletivo, e Cultura e Negócios: Gerando Produtos e Serviços com Diferencial Competitivo. Esses temas suscitaram muitas criticas, pois os debatedores argumentaram que as abordagens priorizaram o lado econômico e foram desconsiderados aspectos essenciais dos territórios e da realidade Educação profissional, científica e tecnológica: programas, arranjos produtivos locais e desenvolvimento local
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local, bem como não se discutiram o foco educacional pela necessidade de se investir na capacitação técnica de nível médio para ampliar conhecimentos em razão das demandas de trabalho emergentes. Em prosseguimento aos debates, foi realizada a 2ª Conferência Brasileira sobre Arranjos Produtivos Locais com tema escolhido: “O crédito e o financiamento às micro e pequenas empresas”, o qual foi amplamente discutido, em setembro de 2005, no Rio de Janeiro-RJ, com cerca de 350 participantes. Na ocasião, foram propostas oito oficinas de trabalho e abordados os seguintes temas: Governança e Cooperação – Investimentos Coletivos; Serviços Financeiros para MPMEs Exportadoras; Governança e Cooperação – Capacitação; Comercialização no Mercado Interno e Compras Governamentais; Inovação e Tecnologia; Marcas, Certificação e Meio Ambiente; Desenvolvimento Regional e Turismo, e Organização da Produção. Os resultados desses debates se constituíram em uma importante fonte de informações para a definição dos possíveis cursos e projetos e lançamentos de programas educacionais na área da educação profissional e tecnológica, como: o Programa Brasil Profissionalizado (PBP) e a configuração atual do Programa Nacional de o ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC). Nas duas conferências mencionadas, o GTP-APL mostrou os resultados de suas ações que recaem sobe arranjos produtivos, a atualização do levantamento dos APLs no país e a estratégia para a ampliação da atuação integrada com o apoio dos Núcleos Estaduais de APLs, além de Mostra de Produtos Brasileiros de dezesseis Arranjos Produtivos Locais, sendo a primeira realizada em Salvador, Bahia, em 2008, e a segunda em Florianópolis, em Santa Catarina, em 2010. Em novembro de 2007 foi realizada a 3ª Conferência Brasileira de Arranjos Produtivos Locais, em Brasília. Na oportunidade, estiveram presentes aproximadamente setecentos e cinquenta participantes, entre empresários, líderes setoriais, acadêmicos, gestores de APLs, representantes dos Núcleos Estaduais de APLs e de instituições governamentais. A Conferência contemplou a realização de dois Painéis com o tema “APLs como Estratégia de Desenvolvimento” e oito Mesas Redondas Setoriais com os temas: Turismo, Base Agrícola, Móveis, Calçados, Tecnologia da Informação, Biotecnologia, Base Mineral e Base Animal. Os temas abordados 354 |
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naquele evento foram: o aos Mercados Interno e Externo, Formação e Capacitação, Tecnologia e Inovação, Crédito e Financiamento e Governança e Cooperação. Os debates estiveram concentrados nos desafios das políticas públicas para o desenvolvimento dos APLs, com ênfase no planejamento integrado e sustentável da localidade e do setor produtivo, associando-o à valorização das identidades histórico-culturais, à preservação do meio ambiente e ao incremento do capital social. A 4ª conferência realizada em Brasília, em 2009, cujo tema do evento foi “Análise da Experiência Nacional e Internacional: Arranjos Produtivos Locais: Estratégias para o Futuro”, contou com a presença de aproximadamente 900 participantes. Nesse evento, foram formadas 10 Mesas Redondas Setoriais em que se discutiram alguns APLs de sucesso. Além disso, foram mostradas as ações instituições do GTP-APL e tratados de maneira transversal os seguintes eixos estruturantes: o ao Mercado Interno e Externo; Formação e Capacitação; Tecnologia e Capacitação; o a Serviços financeiros; Qualidade e Produtividade; Governança e Cooperação. Na 5ª e última edição da Conferência, realizada em Brasília em 2011, o tema central de discussão foi “Competitividade e Sustentabilidade”. Reuniu 800 pessoas, que tiveram a oportunidade de participar das definições dos próximos os para o desenvolvimento da 2ª Geração de Políticas Públicas para os APLs, além de fortificar as relações entre instituições e APLs. Ressaltamos que, nos dias do evento, foram constituídas mesas temáticas e tratados os seguintes temas: “Inclusão Produtiva e Responsabilidade Social para APLs”; “Inovação, Crédito e Microcrédito Produtivo, Conhecimento e Tecnologia”; “Ampliação do o aos Mercados Locais, Regionais, Nacionais e Internacionais”; “Cooperação e Governança: Novas Perspectivas e Abordagens”; “O Papel da Capacitação Profissional no Desenvolvimento dos APLs”; “Grandes, Médias e Pequenas Empresas em APLs: O Tamanho da Firma Importa?”; “Serviços em APLs e APLs de Serviços”; “O Papel do Governo no Desenvolvimento dos APLs e a Coordenação das Instâncias Nacional, Regional e Estadual”. Educação profissional, científica e tecnológica: programas, arranjos produtivos locais e desenvolvimento local
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Especificamente, nessa 5ª edição, a “Linha do Tempo das Políticas para APLs no Brasil” foi apresentada em painéis multimídia durante todos os dias do evento e construída a partir de arquivos de iniciativas e ações desenvolvidas nos últimos 10 anos pelas instituições do GTP-APL e pelos Núcleos Estaduais de Apoio aos APLs. Por fim, cabe ressaltar que após os términos da 4ª e 5ª edições CB APL, foram realizados pós-eventos. Esses Encontros de APLs/Clusters MERCOSUL e Países Associados tiveram a participação de cerca de 100 representantes governamentais e acadêmicos da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Foram colocados em pauta, conhecimentos das experiências de cada país com ênfase nos seguintes aspectos: Inclusão produtiva e responsabilidade social; Inovação, conhecimento e tecnologia; o aos mercados locais, regionais, nacionais e internacionais; Cooperação e governança; Capacitação profissional; Crédito e microcrédito produtivo para APLs; e O papel governamental no desenvolvimento dos APLs. Diante disso, podemos reconhecer a existência de um arranjo produtivo local, a partir de um conjunto de variáveis, presentes em graus diferentes de intensidade analisando os documentos elaborados pelo GTP-APL. Também fica claro que um APL deve caracterizar-se por ter um número significativo de empreendimentos no território e de indivíduos, que atuem em torno de uma atividade produtiva predominante, de forma a compartilhar formas de cooperação e algum mecanismo em que deve ser considerada a governança local como processo de coordenação das ações envolvendo agente do APL, onde existam pequenas, médias e grandes empresas. Em consequência, é sinalizada a importância da relação da educação profissional, científica e tecnológica na construção do conhecimento, formação dos docentes para melhora da qualidade dos cursos técnicos, bem como a geração de inovações e desenvolvimento local. Destacamos como fato especial que, a partir de 2007, iniciou-se a atualização do levantamento institucional dos arranjos produtivos locais no País, realizado pela coleta de dados e por etapas distintas, considerando a população, IDH, PIB, número de estabelecimentos por porte, número de 356 |
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empregos e volume de produção, para construir um conjunto de dados sociais e econômicos padronizados dos arranjos produtivos locais. Foram relacionados, ainda, os aspectos da educação que são utilizados como índice de referência mundial para as discussões o Desenvolvimento Humano (IDH) que inclui três componentes: a renda representada pelo PIB per capita, a longevidade e a educação. Assim, “o indicador usado para medir a longevidade é a expectativa de vida ao nascer, e a educação é medida por meio da taxa de analfabetismo e da taxa de matrícula nos três níveis de ensino”. (FEICHAS e GUIMARÃES, 2009, p. 310) e proposto em 1990 pelo Programa das Nações Unidas (PNUD). Em prosseguimento, atualmente, o GTP-APL se reúne na esfera do Governo Federal sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MIDC), para a continuidade das articulações interinstitucionais de apoio aos arranjos produtivos locais, visando oportunizar a complementaridade das ações de entidades de diferentes setores localizados, como: empresários individuais, sindicatos, associações, entidades de capacitação, de educação, de crédito, de tecnologia, agências de desenvolvimento entre outras. Essas ações das entidades necessitam ser desenvolvidas de forma conjunta numa visão de práticas cooperativas e que, certamente, dependerão do capital social caracterizado na organização social e sistêmica dos grupos existentes no local. Isso norteia o papel educativo no território, em razão da importante relação a ser formada entre os contextos educacional e social estabelecidos para facilitar toda a ação coordenada. O que se percebe é que o assunto cooperação e governança esteve presente nas cinco edições das CB-APL, nas discussões dos grupos temáticos. Isso nos remete à institucionalização da governança local que deverá estar relacionada a uma coordenação para as ações executadas por diferentes interlocutores do APL. Em conformidade com Guimarães-Iosif (2012), o termo governança entrou para o campo da educação, na década de 1990, por meio de documentos do Banco Mundial – BM, ando a fazer parte oficialmente de acordos e projetos educacionais nacionais e internacionais e vários estudos acadêmicos Educação profissional, científica e tecnológica: programas, arranjos produtivos locais e desenvolvimento local
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surgiram, na busca de se compreender melhor essa nova terminologia integrada ao dicionário educacional em todo o mundo. Ao retomarmos o sentido da governança local, inferimos que a participação do Estado implicará na sustentabilidade do capital social e dos processos socioprodutivos. Colocada no patamar das políticas públicas, contribuirá para gerar fatores externos dos APLs, com adesão aos princípios teóricos da governança global permeada por regras e procedimentos que estruturam relações ao redor do mundo e no processo de criação de políticas de forma não hierárquica. Essencialmente, numa visão aprofundada dos atores presentes, irá diminuir o papel do estado e aumentar o nível de gestão. Isso pera a complexidade dos espaços e da formulação de políticas, explicados por Shultz (2012) em três termos, como sendo: fechados – em que os excluídos não podem entrar; convidados – os grupos seguem regras; reivindicados – os grupos pedem para entrar pelo direito de poder participar. Nesse caso, Shultz (2012, p. 34) argumenta: “governança, pode ser vista como nos padrões de tomada de decisão e nas relações que acercam os processo políticos e programas de implementação”. Por este caminho, Cassiolato e Szapiro (2003) encerram a ideia de governança, afirmando que esta deve ser vinculada às práticas democráticas e locais pela intervenção e participação dos atores pertencentes a diferentes categorias, no que tange aos processos de decisões territoriais.
Educação profissional, científica e tecnológica algumas considerações Mundialmente, temos que as decisões dos rumos da Educação am por orientações políticas embasadas nos objetivos de Estado e dos Governos, como os estudos recentes que sugerem a construção de projetos no campo educacional ajustados à educação integral para que se alcancem alguns dos caminhos do desenvolvimento local (MEC, 2007; SENAC, 2009). Similarmente, Stromquist e Monkman (2000) colocam que a educação tem sido transformada por políticas dinâmicas, poderosas e compromissadas sob a influência de várias correntes de globalização, em que se incluem a distinção das capacidades de se ampliar e redimensionar o capital humano. 358 |
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Este olhar nos remete à lógica das atuais políticas educacionais brasileiras, que na tônica do atual governo federal, pautam-se na valorização do ensino profissional. Acerca disso, Pacheco (2012) faz inferências importantes sobre a polarização entre o local e o global, considerando as tensões provocadas, de um lado pela organização do sistema mundial da economia capitalista e, do outro, pelo crescimento do mercado educativo mundial, além da formação de currículos internacionais, dominação da cultura neocolonizadora e modelos de certificação profissionais de validade internacional. Numa visão futura, sugere-se que os projetos e programas supracitados sejam associados às novas tendências da educação profissional, científica e tecnológica e submetidos às questões correlatas mais complexas como, por exemplo, mudanças na organização curricular e na ordem estrutural que envolve: o pessoal (contratação de professores e especialistas) e infraestrutura (montagem de laboratórios, científicos e tecnológicos, construção de escolas novas, reformas e ampliações e dentre outras). A partir daí, recomenda-se explorar as estratégias pedagógicas gerais comuns ao ensino profissional, tanto em quantidade como ao teor das informações colocadas à disposição da nossa sociedade. Com essas medidas pertinentes, faz-se necessário enfatizar os conhecimentos adquiridos pelos alunos das escolas de EPT para que não fiquem s, mas sim ampliados mediante as oportunidades no contexto da empregabilidade. Outro aspecto que merece atenção são algumas reflexões que devem ser priorizadas pelos professores em relação à sintonia dos APLS com a oferta de cursos técnicos. Da mesma maneira, as formas de organização dos currículos e os conteúdos de referência ou de uma matriz disciplinar, incluindo-se os três graus de relações, como: a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transciplinaridade. (TENÓRIO, 2002) Com essas ponderações e a crescente vinculação educacional aos referidos arranjos produtivos locais, entende-se também, que o firmamento de parcerias com empresas privadas e ou outras entidades afins, voltadas para o trabalho, juntas estabeleceriam caminhos visando ao desenvolvimento local, dada a relevância atribuída ao conhecimento, ao aprendizado, à criatividade e ao dinamismo gerado no novo cenário tecnoeconômico mundial. Educação profissional, científica e tecnológica: programas, arranjos produtivos locais e desenvolvimento local
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Em grande parte, a efetivação de parcerias justifica-se por oportunizar aos atores envolvidos o desenvolvimento de atitudes para uma prática mais autônoma, além de abrir possibilidades de estimular suas participações mais efetivas nas negociações com seus parceiros. Ao mesmo tempo, espera-se que as instituições envolvidas nas parcerias atualizem os próprios conhecimentos com vistas ao aprimoramento dos seus projetos de pesquisas embasados na expansão do ensino profissionalizado. É possível perceber que os arranjos produtivos locais estão relacionados diretamente aos fatores educacionais com maior abrangência no ensino profissionalizante e contemplam alguns aspectos, como: os sociais, culturais, econômicos, ambientais, territoriais, institucionais e políticos. Consta, também, um elo concreto para a construção da cidadania e a inserção de jovens na sociedade, considerando a exclusão e a desigualdade social que se confirmam pelo afastamento das áreas urbanas ou aproximação das zonas periféricas e das grandes cidades. Eis que em tal cenário, Abdi e Shultz (2008), Shultz (2012) posicionam a cidadania global em contextos éticos e normativos para legitimar projetos de grandes envergaduras e geração de produtos provenientes da diversidade em vez da mera utilização do instrumento institucional para servir a grupos específicos ou tratar a educação como “commodity” enfatizando as características de mercantilização. Diante do exposto, fica visível a relevância da articulação das políticas públicas no plano territorial com a educação profissional e o desenvolvimento local. Sobre isso, Andrade e Castioni (2010) asseguram que é um desafio repensar o ensino médio como somente uma agem obrigatória para o aluno ter o a uma profissionalização de nível superior. No entanto, acreditam que possa ser de fato uma etapa da vida, que proporcione aos jovens meios de convivência com o trabalho e com a descoberta dos valores humanos. Notadamente, a projeção atual da educação profissional, científica e tecnológica é associada ao contexto produtivo, sobremaneira, na valorização do conhecimento dos seus atores envolvidos. Temos como importante que as Instituições de ensino e de pesquisas tornem-se agentes ativos para formalizar 360 |
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os arranjos produtivos locais não apenas no cunho econômico, mas com discussões em fomento à universalização da educação. Em complemento, reforçamos esse ideário em Moura Castro (2008)88, o qual posiciona a universalização como grande avanço na democratização e expressar [ ...]“deixaram de existir as horrendas diferenças de escolaridade mínima da população. Porém, apesar de significar muito, é apenas um primeiro o. O próximo é prioridade para todos”. Outro aspecto importante no campo específico da educação profissional, científica e tecnológica é a formação de competências e desenvolvimento de habilidades dos educandos que corroboram contribuições inestimáveis à sociedade brasileira. A par da formação profissional desses educandos, Moura Castro (2008) sinaliza que o ambiente da escola profissional funciona com um fator de sucesso dos cursos técnicos ofertados nas EPT. Em contrário, o autor faz uma critica ao ensino profissional, quando este está em uma escola acadêmica, pois observou que, primeiro, aparece o preconceito contra os professores de oficina e, imediatamente, nota-se o preconceito contra as empresas, contra o mercado e assim por diante. Apesar disso, o autor utiliza analogias para afirmar: “aprender uma profissão é ser convertido à sua religião, é esposar os seus valores e princípios, se isso tudo não for massacrado na escola, onde mandam os escribas, não há como aprender a profissão”. Além disso, Moura Castro (2007)89 também se apropria do termo Ethos, vocábulo grego que significa “caráter”, e é usado para descrever o conjunto de hábitos ou crenças que definem uma comunidade ou nação, os costumes e os traços comportamentais e distinguem um povo, para comparar que o problema do ensino profissional não é menor por ser público ou privado ou por ser ou não dominado pelo ethos do ensino acadêmico. Segundo o autor, em uma escola respira-se o ar do grupo que a domina, e em uma escola acadêmica todos valorizam os assuntos intelectuais e o que vai junto com eles, e conclui: “a prática é quase sempre vítima do pedantismo e do preconceito contra coisas imediatamente aplicáveis ou que requeiram o uso das mãos”. 88 Retirado:< http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania> 89 Retirado:
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Dentro dessa retórica, retomamos a relação histórica do ensino profissional brasileiro e legislações cujos artigos normatizam os ensinos secundário, clássico e o médio (antigo 2º grau) para atender com distinção duas classes sociais, sendo: uma voltada para educação enciclopedista e propedêutica visando o o dos filhos da classe economicamente privilegiada nas Universidades Federais em cursos superiores com implicações futuras positivas na vida social, profissional e financeira; a outra abrange a educação tecnicista com a inserção de jovens de famílias situadas na linha da pobreza e compelidos a executar, operacionalizar os processos produtivos sem oportunidades de seguirem seus estudos. (SAVIANI, 2011) Essa relação dualística entre as formas de escolarização e a educação profissional, científica e tecnológica, na atualidade, ganhou outros contornos pelas ações propostas pelos gestores educacionais do Ministério da Educação focados em não diferenciar a formação geral e profissional. Nesse sentido, reportam a educação integral como elemento-chave para integrar os arranjos produtivos locais e as vertentes sociais, culturais aos mais remotos lugares do território brasileiro. Isso tem um significado especial, pois induz pesquisas, estudos e diagnósticos das demandas culturais, econômicas e sociais para a implantação de políticas públicas educacionais efetivas. Vê-se, pois, por monitoramentos e avaliações pedagógicas as afinidades de duas dimensões. São elas: a primeira, a dimensão endógena, mapeia e se apropria das possibilidades locais, motiva e induz a criação de oportunidades locais. A segunda, dimensão exógena, promove as iniciativas de grande porte que se instalam na região. (MEC, 2007) Delineia-se pelos termos políticos a articulação da educação com o desenvolvimento econômico e social, a inclusão de milhões de pessoas (homens e mulheres) com 18 anos ou mais e que ainda não concluíram os ciclos da Educação Básica. A consequência da baixa escolarização provoca a falta da “mão de obra” técnica qualificada para suprir as expectativas do mercado de trabalho. De fato, isso é o grande desafio da gestão do Ministério da Educação, em disseminar uma cultura educativa profissional para o trabalho e extinguir o sentido de subordinação para construir sob a luz do pensamento autônomo a democratização do conhecimento. Nesse particular, ressaltamos que o caminho emancipatório desse pensamento, foi previamente definido pelo caráter provisório 362 |
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das articulações firmadas com programas de trabalho para a inclusão e a manutenção dos empregos e rendas, visando o desenvolvimento local. Finalmente, cumpre sinalizar que o campo da educação profissional, científico e tecnológico situa-se numa trajetória especial na configuração do governo federal vigente, não apenas pela sua extraordinária expansão em nosso país, mas também por sua ressignificação enquanto modalidade de ensino, importante para a construção e resgate da cidadania dos atores envolvidos.
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_____. Decreto nº 5154 de 23 de junho 2004. Regulamenta o parágrafo do 2º artigo 36 e os arts 39- a 41 da lei Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996-LDB. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal, 26 de jul. 2004, p.18. _____. Lei nº 11.180, de 23 de setembro de 2005. Institui o Projeto Escola de Fábrica, autoriza a concessão de bolsas de permanência a estudantes beneficiários do Programa Universidade para Todos - PROUNI, institui o Programa de Educação Tutorial - PET, altera a Lei no 5.537, de 21 de novembro de 1968, e a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providências. Revogado pela Lei nº 11.692, de 2008. Diário Oficial da República Federativa do Brasil Brasília, Distrito Federal. V. 142, n. 185, 26 de set. 2005. Seção 1. _____. Decreto nº 6.302, de 12 de dezembro de 2007. Institui o Programa Brasil Profissionalizado. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal, n. 249, 13 dez 2017. Seção 1, p. 4-5 _____. Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Criação do Programa Nacional de o ao Ensino Técnico- PRONATEC. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, Distrito Federal, n. 212, 4 nov. 2011. Seção I, p.8-9. CASSIOLATO, J. E.; LASTRES, H. M. M. Arranjos Produtivos Locais: uma alternativa para o desenvolvimento criatividade e cultural. v. 1. Rio de Janeiro: E-Papers, 2008a. _____;LASTRES, H M.; STALLIVIEREI, F. Arranjos Produtivos Locais uma alternativa para o desenvolvimento: uma experiência de políticas. v. 2. Rio de Janeiro: E-Papers, 2008b. _____; SZAPIRO, M. Uma caracterização de arranjos produtivos locais de micro e pequenas empresas. In: LASTRES H.M.M.; CASSIOLATO J.E.; MACIEL. M.L. (Orgs.). Pequena Empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Dumará, 2003, p. 35-50. 364 |
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18 UM CAPÍTULO PÓS-MODERNO PARA UMA EDUCAÇÃO MODERNA Martha Paiva Scárdua90
Assassinos econômicos, chacais, corporações mafiosas: realidade ou ficção? Não é preciso assistir a documentários como Let’s Make Money (2008) para que esta dúvida se faça presente: o so às notícias do jornal televisivo, digital e impresso provoca tanto dúvidas quanto surpresas. O nível de confiabilidade das informações veiculadas e das próprias instituições parece diminuir cada vez mais entre o público e o privado. Parecem existir tantas traduções quanto maquiagens, e nós, em meio a tanto. Assistimos impactados, o espetáculo do cotidiano, o show da vida. A cada notícia bombástica, uma enxurrada de especialistas tentando fazer compreensíveis, ou ao menos, pensáveis os “non sense” que nos chocam e imobilizam. Mas o fato é que, a cada resposta de mal-estar social corresponde a um cem número de “non senses” reificados pela própria sociedade. Em junho de 2013, o Brasil foi palco da Copa das Confederações, e de um grande número de manifestações bombásticas da população contra o mau uso do poder político. Assistiu-se, estupefatamente, a maior mobilização brasileira do milênio, a qual inaugurou uma nova forma de organização em rede, apartidária e polissêmica. Por meses, ininterruptas manifestações ocorreram, em mais de 80 cidades brasileiras, mobilizadas inicialmente pelo Movimento do e Livre, estendendo- se à exigência de reposicionamento 90 Doutoranda em educação pela UCB e diretora do Curso de Pedagogia da mesma instituição.
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do governo diante da impunidade à corrupção e dos Projetos de Emenda Constitucional, que a beneficiam e promovem a discriminação social. Assistia-se nas ruas espetáculos comoventes, que romperam com a amorfia social produzida pela neutralização dos movimentos sociais na sua nova relação com o governo democrático e popular. Movimentos autoorganizados via redes sociais espalharam-se fervilhando pressão por todos os cantos, deixando atônitos aqueles que assistiam “a banda ar cantando coisas de amor” e os “chacais ladrar coisas de horror”. Não se imaginava a força com que este movimento atingiria os governos, desatentos e confortáveis com a anestesia popular. Em seu blog, Frei Betto destaca: O que há de óbvio é que nossas autoridades castraram todas as vias de interlocução com os movimentos sociais, quando muito tolerados, jamais valorizados. Cadê os conselhos políticos com presença de lideranças populares? E os comitês gestores? E a Secretaria Nacional de Juventude? Cadê a UNE? E os canais de diálogo com a juventude? Instalado na torre de marfim, o governo se surpreende a cada nova manifestação: de sem terra, de indígenas, de usuários de transporte coletivo, de descontentes com a inflação, e até com as vaias à presidente Dilma na abertura da Copa das Confederações. Quem não dialoga acaba se isolando e apela à repressão como todo aquele que se sente acuado. É hora de nossas autoridades deixarem a torre de marfim, largarem os binóculos centrados nas eleições de 2014 e pisarem na realidade (2013, s/p).
Uma análise mais profunda e necessária ao que se ou, demandará tempo. Mas pode-se arriscar os novos “caras-pintadas” protestaram de forma diferente (mesmo tendo ao seu lado os velhos “mas-caradas”), mostrando que não am mais o desfalecimento democrático diante de tanta corrupção e impunidade, a pasteurização de grande parte dos partidos políticos em meio a frenéticos acordos e o enfraquecimento do Estado, que cada vez mais precariza os serviços públicos e beneficia a iniciativa privada. Para alguns, o movimento é parte de uma virada sociológica, que se despede da modernidade e inaugura a pós-modernidade. Para outros, um movimento como outro qualquer, que agora dispõe de novas ferramentas 370 |
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para se organizar. Em entrevista ao jornal O Globo, em 23/06/2013, Michel Maffesoli, maniqueistamente, defendeu a primeira hipótese, explicando a modernidade ser racional e a pós-modernidade, emocional. Superaríamos, de fato, os problemas que a Modernidade nos impõem se substituíssemos sua matriz racional pela emocional? Ao defender a lógica do terceiro incluído, Nicolescu (1999), nos permite considerar a importância da razão e de outras formas de apreensão da realidade estarem simultaneamente presentes, o que importa se na modernidade ou na pós-modernidade? De qualquer modo, não se poderá fugir à crise de legitimidade, segurança, confiabilidade e incerteza que enfrentamos, tampouco às cada vez mais aceleradas transformações nas tecnologias de informação e comunicação e aos desafios, limites e possibilidades postos por elas. Às ciências e, particularmente, à Educação caberá a tarefa de acompanhar cuidadosa e criticamente as mudanças em curso por meio de pesquisas e proposições de formas alternativas de organização do trabalho pedagógico escolar e universitário, que façam sentido em meio às novas realidades que se delineam. Caso contrário, correrão o risco de enclausurar-se nos seus “muros protetores” que as têm distanciado cada vez mais das realidades que a cercam. É ada a hora de a Educação se apropriar das possibilidades postas pelas Modernidades, ultraando as cegueiras que a aprisionam.
A Modernidade – origens Segundo narrativa da história ocidental, a Modernidade nasce do rompimento do homem com o conhecimento metafísico e mítico no início no século XVII, na Europa, quando foram delineados os conceitos de ciência usados desde então. Na Inglaterra, Bacon (1997) propôs um método de interpretação da natureza o mais objetivo possível com o fim de resolver problemas práticos. Constituiu, assim, as bases do método experimental da ciência até hoje em uso, alertando para alguns obstáculos à instauração das ciências, a que denominou “ídolos” inibidores da mente humana no processo de produção científica. Por outro lado, na França, Descartes (2003) criou um método capaz de alcançar o conhecimento de todas as coisas por meio da razão. Calcado na Lógica e na Matemática, seu método propunha como preceitos a Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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dúvida e a divisão e análise do todo em partes menores, partindo sempre do mais simples até o mais composto (DESCARTES, 2003). Reconhecido por criar o pensamento cartesiano, curiosamente, Descartes se guiava por uma “moral provisória”. É com esse espírito de precaução que se forja a ciência moderna, calcada na prudência, objetividade e neutralidade. No século XVI, porém, Montaigne (1996) já apontava a importância da subjetividade no processo de conhecimento, valorizando aspectos sóciohistórico-culturais nas análises sobre costumes, religião e ciência. Criticava a atitude bárbara e selvagem dos homens do “velho mundo” sobre os do “novo mundo” e a educação que produzia homens de ciência sem ensinar-lhes a amar e praticar a virtude e a prudência, qualquer semelhança à Educação atual não será mera coincidência. De acordo com a narrativa da história ocidental, no século XVIII firmou-se o discurso da modernidade com o Iluminismo, quando o homem foi convidado a sair “da sua menoridade de que ele próprio é culpado” (KANT, 1784, p. 1). Consolidou-se, segundo Filho (1993) a valorização: i) da crença na razão, melhor instrumento para o alcance do conhecimento; ii) do questionamento, investigação e experiência como forma legítima de conhecimento da natureza e da sociedade; iii) da crença nas leis naturais que governam o comportamento humano, social e natural; iv) da crença nos direitos de todos os indivíduos à vida, à liberdade e à posse de bens materiais; v) da crítica ao absolutismo; vi) da defesa da liberdade política e econômica e da igualdade de todos perante a lei; vii) da crítica à Igreja Católica, sem excluir a crença em Deus. O pensamento moderno é definitivamente coroado pelo Positivismo de Comte (1996). Considerado o pai da Filosofia Positiva, acreditava que esta fosse o último e maior grau possível de desenvolvimento humano. Construiu uma “sociopsicogênese da filosofia humana”, observando que o ramo do conhecimento a por três estados históricos: teológico, metafísico e positivo. Grange (1996, citada por Lacerda, 1996) considera que a “lei dos três estados”, mais que a morte de Deus, propõe uma sociedade plenamente humana, pacífica e globalizada, caracterizada pelo conhecimento científico. A 372 |
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profecia positivista torna-se uma metanarrativa tão ingênua e perigosa quanto a da Idade Média. A crença na razão e seus produtos – ciência e tecnologia, como meio de se levar progresso e felicidade às sociedades substituiu, de modo similar, a crença medieval no Deus que leva ao céu e à felicidade. Proclamando-se suficientes para abarcar toda a humanidade, as duas crenças sustentam-se em bases comuns, a Modernidade não rompe com o discurso homogêneo e hegemônico, apenas troca o seu objeto. Da fé em Deus como única verdade, a-se para a fé na ciência (HENNING, 2007). Deus morre e ressuscita como Ciência.
Modernidade em crise Rouanet (s/d) conceitua a Modernidade como um conjunto de processos91 de racionalização ocorridas a partir do século XVII no ocidente que aumentaram a eficácia das estruturas sociais. Às disfunções, contradições e irracionalidades desta Modernidade, Herculano (2006) destaca as análises: [...] dos ecologistas, criticando um sistema de produção altamente predatório e marcado pelo desperdício; dos humanistas, que apontam para a concentração de riqueza e de poder e para a expansão da pobreza, da exclusão e da indigência em um mundo cuja capacidade produtiva já daria para proporcionar bem-estar a todos; dos liberais, que denunciaram os desmandos totalitários de um Socialismo real que se dizia construtor de um mundo justo e bom para todos; dos filósofos, que têm enxergado na ciência moderna mais uma nova tecnologia de dominação e de exploração do que uma forma de se libertar dos limites da natureza e que percebem nos meios de comunicação de massa e na indústria cultural mais um mecanismo de sujeição, de criação e de controle de mercados do que o mero entretenimento inconsequente. (p. 94, grifo meu)
91 i) a filosófica (inaugurada por Descartes e Bacon e questionada por Kant e Foucault), ii) a econômica (inaugurada por Adam Smith, com a incorporação da ciência e tecnologia ao processo produtivo e a gestão econômica racional da empresa), iii) a modernidade política (a partir da dominação legal, do monopólio da violência por parte do Estado, do estabelecimento do sistema tributário central, da criação de um exército central e da burocracia); iv) e, por fim, a cultural (inaugurada por Kant, ao defender a capacidade de pensar por si mesmo, o sapere aude, lema do Iluminismo). Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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A Modernidade, ou pode-se dizer, as diversas Modernidades ocorridas no ocidente disseminaram ideias e valores que necessitam de revisão radical. A revolução científica, o Iluminismo e a Revolução Industrial incutiram a crença de que o método científico é a única abordagem válida do conhecimento; o universo é um sistema mecânico; a vida em sociedade deve ser baseada na competição; o progresso material é ilimitado, mediante o crescimento econômico e tecnológico (CAPRA, 1982). A crise é omínimo múltiplo comum a unir essas modernidades. Na área econômica, assistiu-se ao desmantelamento do socialismo, em 1989, e ao do capitalismo, em 2008, que escancarou sinais de insustentabilidade, enforcando-se nas suas próprias verdades. Nosso sistema de produção, distribuição, consumo e descarte, baseado em certezas inviáveis, ainda acredita que os bens terrestres são infinitos, que o lucro está acima de tudo e todos; explora irracionalmente nações e espaços, destruindo culturas e geografias; acredita na mão invisível do mercado e transforma tudo em produto: tempo, conhecimento e pessoas. Recente documentário (DANNORITZER, 2010) anuncia a descoberta de uma lâmpada que funciona nos EUA, ininterruptamente, desde 1900. Como explicar que, ados 111 anos, as lâmpadas produzidas hoje têm uma vida útil de apenas 1000 horas? Em nome de que e de quem, práticas como da obsolescência, do cartel e da externalização de custos têm guiado a economia, precarizando a sustentabilidade ambiental e a dignidade de trabalhadores em todo o mundo? Há lógica no lucro que explora a mais valia das pessoas? Há lógica em uma tecnologia que precariza produtos ao invés de seu aperfeiçoálos? Essas questões revelam claramente uma formação tecnicista, fragmentada, que se põe como neutra, vazia de sentido no que diz respeito a valores sociais, em especial, nos cursos de Ciências Econômicas e istração. Como superar a dicotomia existente entre a formação técnica e ética, uma vez que se precisa alcançar para resultados positivos em testes de avaliação padronizados, como o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes - ENADE, o Programme for International Student Assessment - PISA e o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, que não conseguem mensurar a formação ética? Não será a ética nosso principal desafio hoje? 374 |
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Na área política, o esvaziamento ético deu lugar à desconfiança e descrença, demandando à própria democracia o desafio de reinventar- se. Corrupção, jogos obscuros de poder e o surgimento de uma nova forma de governança global, que sobrepõe seu domínio sobre os Estados-Nações tornam as formas de fazer política mais complexas. As novas tecnologias de comunicação trazem trunfos importantes a favor da moralização política local, da mobilização global sobre assuntos de interesse público, como é o caso da Rede AVAAZ, além dos mais comuns, como Facebook e Twitter. Como a escola e a Universidade estão se relacionando com esses novos recursos? Que papel temos desempenhado na construção de uma cidadania mais participativa? No campo filosófico, a ciência, como forma única de produção de conhecimento legítimo, foi contestada pelo seu núcleo mais duro - a própria física. Ao demonstrar a validade do Princípio da Incerteza, Heisenberg (1990) comprovou que o comportamento da matéria se altera com a presença de um observador, demonstrando que toda medida física envolve troca de energia entre o objeto medido e o aparelho de mensuração ou o próprio observador. Relativizou, portanto, a objetividade científica. Em meados do Século XVII, Hume (2009), no entanto, já havia relativizado a objetividade do conhecimento, ao lançar um novo olhar sobre os hábitos e o costume, afirmando que o sujeito do conhecimento opera associando sensações, percepções e impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos, ajustando as suas crenças às evidências. O problema da indução posto por Hume (2009), em meados do século XVIII, permitiu a Popper (2007), em meados do século XX, sustentar sua teoria sobre falseabilidade. Diferenciar ciência de não ciência, desde então, tem sido uma odisseia que parece cada vez mais afastar-se do fim. Segundo Popper (2007), o que constitui uma teoria científica é que ela seja capaz de ser falsificada ou demonstrada como errônea pela experiência, assim, a objetividade dos enunciados científicos reside no fato de poderem ser submetidos a teste. Ao prever o falseamento do conhecimento, concebe-o como inacabado e ível de avanço: a ciência progride na medida em que as teorias científicas são corrigidas por fatos novos, que a falsificam. Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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Em meados do século XX, Kuhn (2009) incorporou o debate afirmando que a demarcação da ciência possui mais caráter histórico que metodológico. Ao retomar a história da ciência, desvelou que o seu desenvolvimento não é uniforme, alternando-se em momentos de normalidade e revolução científica. A incapacidade de uma teoria científica em explicar um fenômeno ou fato novo, demanda a busca de outro paradigma que possibilite melhor ver o mundo. No entanto, o movimento de mudança paradigmática não é simples, uma vez que a comunidade científica divide-se entre o desejo por inovação e a necessidade de conservação. Os cientistas não rejeitam paradigmas simplesmente porque encontram anomalias. Rejeitar um paradigma significa, simultaneamente, aceitar aquele que o substituirá. Lakatos (1981) considera Popper demasiado ingênuo por achar que um cientista abrirá mão de sua teoria, caso seja falseável. Ao contrário, defende que este irá fazer de tudo para criar novas teorias, que incluam a diferenciação apresentada como falsa. Desenvolve, assim, o conceito de Programa de Investigação Científica, defendendo que há progresso científico quando, no embate entre programas progressivos (que acompanham os fatos) e programas degenerativos (cujas teorias são arquitetadas somente para enquadrar fatos conhecidos), se adere ao programa progressivo, produzindo, assim, novo programa de investigação científica. A demarcação entre ciência e pseudociência, desde Copérnico até os dias de hoje, tem implicações éticas e políticas, sendo um debate importante e ainda não suficientemente gasto (LAKATOS, 1981). Permanecemos ainda hoje míopes no que se refere à nossa visão sobre o que é científico ou não. Não estaríamos próximos de constatar uma impossível descontinuidade entre a ciência e a pseudociência? Quando a escola e a universidade acordarão do seu “sono dogmático” cientificista? No campo cultural, Hall (1997) define a crise de identidade pela perda de ancoragem estável no mundo social, uma vez que as identidades culturais estão sendo descentradas, deslocadas ou fragmentadas, devido ao impacto da globalização. O sujeito moderno, de singularidade permanente, nascido da racionalidade científica e dominadora, assumiu outras “identidades”: a personalidade de sujeito social de Marx e a de sujeito biológico de Darwin. 376 |
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Ocupando o lugar central no universo, o homem “evoluiu” para um universo interno descentrado pelo inconsciente de Freud, pelo olhar do “outro” de Lacan e Saussure, pelo poder disciplinar denunciado por Foucault, pela politização da subjetividade deflagrada pelo Feminismo dos anos 1960 e, finalmente, com os processos de globalização hegemônica e a ausência de identificação nacional, o sujeito moderno experimenta profundo sentimento de perda subjetiva. É esse sujeito, multifacetado que, em meio aos grandes problemas sociais, chega à escola, recebendo ainda o mesmo tratamento de outrora. Democratizamos o o à Educação, mas não democratizamos uma Educação ível. É imprescindível desvelar os níveis de desigualdade social crescentes e a invisibilidade da pobreza e sua relação com a Educação escolar. No Brasil, 44% dos alunos da escola pública brasileira são beneficiários do Programa Bolsa Família, ou seja, vivem com menos de R$ 70 por mês. No Nordeste, são 66%, e em Alagoas, 73%. Analisando os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), há uma forte correlação entre pobreza e fracasso escolar (DUARTE, 2012). À Pedagogia cabe o desafio de contribuir com a redefinição das práticas pedagógicas em face deste novo sujeito que temos sido.
Crítica à Narrativa da Modernidade Dussel (2010) considera a filosofia da modernidade um antidiscurso inaugurado nos séculos XVI e XVII, por Bacon e Descartes, firmado com a Revolução Industrial no século XVIII, quando a Europa se colocou no centro da história mundial, distorcendo o fenômeno da origem da modernidade: Devemos refutar esta construção histórica ‘iluminada’ do processo de origem da modernidade por ser uma visão ‘intra-europeia, eurocêntrica, autocentrada, ideológica e a partir da centralidade do norte da Europa desde o século XVIII e que se tem imposto até os nossos dias. Encarar a origem da modernidade com ‘novos olhos’ exige colocar-se fora da Europa germano-latina e vê-la como um observador externo (DUSSEL, 2010, p. 343).
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Teresi (2008) recupera publicação da Science, em 2000, intitulada “Trilhas da descoberta”, que destacava as 96 conquistas científicas mais importantes da história. Incluía a obra de Bacon, ignorando a sua opinião de que o mundo moderno foi criado graças às invenções da China. Não surpreende encontrar na lista da Science apenas duas conquistas que não pertencem ao “mundo ocidental”: os indianos, por terem inventado o zero e dos maias e hindus por sua capacidade de observar os céus com fins agrícolas e religiosos. Quantas outras descobertas foram excluídas da narrativa histórica ocidental? Teresi (2008) apresenta uma lista interessante de descobertas e invenções que consolido no quadro a seguir: Quem
Indianos
O quê Uso do zero e de números negativos Cálculo
Quando Mil anos antes desses conceitos serem usados na Europa Antes de Leibniz inventar o cálculo na Europa Mais ou menos na mesma época que os indianos
Maias
Invenção do seu próprio zero
Sumérios
Vestígios de uma álgebra sofisticada em tabuletas de argila
Mil anos antes da civilização grega
Uso de equações simples em papiros
Século XVIII a.C.
Egípcios
Babilônios Mesopotâmios Chineses Árabes
Fórmula de cálculo do volume do cilindro (reconhecimento do fator pi. Conceito do Menor Denominador Comum.Tabela de Frações Desenvolvimento da Matemática Desenvolvimento de sistema com valor posicional (base 60) Tabelas extensas de quadrados em tabuletas de argila Diagramas (modo binário moderno de aritmética) Criação do termo Álgebra e de frações decimais
Antes que houvesse gregos letrados. Antes de Aristóteles Três mil anos a.C. Dois mil anos a.C. (s/d) (s/d)
Fonte: Teresi (2008)
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É fundamental compreender as lacunas da narrativa ocidental sobre a história da ciência para conseguir superá-la. A obra de Teresi (2008) revela outros fatos interessantes: os alicerces da matemática, astronomia, cosmologia, física, geologia, química, entre outros, foram fundados muitos tempo antes da Grécia antiga. O teorema “de Pitágoras” já existia mil anos antes do nascimento de seu autor entre os babilônios. O calendário que atualmente usamos, aperfeiçoado no Egito antigo, tem origens na Mesopotâmia, no século XXI a.C. Ao debruçar-se sobre a história da ciência, Dussel (2010) também faz descobertas interessantes, afirmando que Descartes estudou a parte dura da filosofia, como a Lógica e a Dialética, em obra de um filósofo mexicano. A primeira filosofia acadêmico-metafísica Moderna é atribuída por Dussel (2010) a Francisco Suárez devido à sua eventual influência sobre Descartes e pela sua originalidade: Francisco Sanches propunha-se chegar, através da dúvida, a uma certeza fundamental. A ciência fundamental é a que pode provar que ‘nihil scimus’ (nada sabemos): ‘quod magis cogito, magis dubito’ (quanto mais penso, mais duvido). O desenvolvimento posterior de uma tal ciência devia ser, primeiro, o Methodus sciende (o método de conhecer); depois o Examen rerum (a observação das coisas) e, em terceiro lugar, De essentia rerum (a essência das coisas). Por isso, ainda que ‘scientia est rei perfecta cognitio’ (a ciência é o conhecimento perfeito da coisa), na realidade nunca se alcança (DUSSEL, 2010, p. 360).
Ao desconsiderar a contribuição de todos os povos à construção do conhecimento, fundaram-se as bases de uma Modernidade ofuscada, excludente e insustentável. Contra a filosofia, baseada na ontologia de Heidegger, Dussel (1995) propõe a filosofia da libertação, uma filosofia com características latino-americanas, que acredita incluir os demais povos igualmente excluídos, que ocuparam a periferia da história, como a África e Ásia. Considerando as relações históricas localizadas nos devidos espaços, a Modernidade merece ainda ser melhor degustada. Neste sentido, Sousa Santos (2010) defende a construção de outras epistemologias que, superem aquelas, que têm dicotomizado, distanciado e Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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legimitizado, relações desiguais entre ocidente e oriente, norte e sul. Para se chegar à consciência das qualidades e virtudes do Sul, superando o sentimento de inferioridade e opressão, que aqui foi construído, Sousa Santos (2010) considera a necessidade de um Pensamento do Sul que elabore, a partir das experiências dos seus diversos “suis“ as contribuições do Pensamento do Norte. É preciso uma expressão consciente e crítica do Pensamento do Sul sobre a hegemonia da técnica, da economia, do cálculo, da racionalização, da rentabilidade e da eficiência, que prevalecem no Pensamento do Norte. Considerando a imbricação da reflexão epistemológica ao contexto cultural e político da produção e reprodução do conhecimento, Sousa Santos (2010) propõe considerar as Epistemologias do Sul como o conjunto de intervenções epistemológicas que: denunciam a supressão dos saberes da norma epistemológica dominante; que valorizam os saberes que resistiram; e que investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos, uma ecologia dos saberes, que revalorize a solidariedade como forma de conhecimento e o caos como dimensão de solidariedade. Aprofundando a análise, Mignolo (2011) defende a superação da matriz colonial de poder, baseada no patriarcalismo, preconceito, dominação, controle e desigualdade social. Nesse sentido, aponta ser necessário superar a decadência ontológica por meio da descolonização das subjetividades; a decadência epistêmica, por meio da descolonização das disciplinas e a decadência metodológica, por meio da descolonização das dicotomias. Sousa Santos (2010) propõe como método de descolonização, a hermenêutica diatópica: considerando que todas as culturas são incompletas As trocas entre elas não podem ser desiguais, com o risco de se provocar a morte do conhecimento próprio da cultura, ao que denomina epistemicídio. No necessário processo de intrecruzamento de conhecimentos e ignorâncias, o conhecimento deve ser interconhecimento, reconhecimento e autoconhecimento, de modo que não se esqueça, com a aprendizagem de outros conhecimentos, dos seus próprios. Para tanto, o autor propõe ao Pensamento do Norte a superação do pensamento abissal entre norte e sul, propondo a construção de um Pensamento pós-abissal capaz de aprender com o Sul através de sua epistemologia. 380 |
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Mas, o resgate do próprio Pensamento do Sul é um desafio. Este, oprimido pelas relações desiguais de poder colonial historicamente construídas, incorporou também o pensamento abissal, necessitando realizar a pedagogia do oprimido (FREIRE, 2003) para libertar-se da opressão hospedada em si por tanto tempo. É importante lembrar o anúncio feito por Virgil, em 1997: 80% das notícias internacionais, que circulam na América Latina são propagadas por agências norte-americanas. Diariamente, emitem oito milhões de palavras contra 50 mil emitidas pelas agências latino americanas. Com os processos de globalização potencializados por tecnologias de informação cada vez mais avançadas, tais agências já não se preocupam mais com a disseminação de notícias, agora mais “democratizadas”, uma vez que a produção e socialização de mídia é muito mais fácil - mas com o seu controle. Muitas formas de controle informacional têm sido engenhosamente levadas adiante – os Massive Open Online Course (MOOCs) podem ser um exemplo disso - mas o escândalo de webespionagem norte americana denunciada por Edward Snowden, inaugurou uma forma substituta de colonização tão fictícia quanto original: a busca do domínio de informações para ganhos de competitividade frente a bens intangíveis, que garantam o melhor lugar no mercado global. Esta criminosa invasão de privacidade contra 38 nações, segundo Costa (2013), é tão grave quanto a subserviência dos governos aos mandos e desmandos dos EUA. Não se trata mais de o norte colonizar o sul ou o ocidente desvalorizar o oriente, mas de um processo sem precedentes de abdução de ideias, informações e conhecimentos a qualquer preço. A nação “nuvem” parece ser a maior fonte de riqueza e poder e, possivelmente, o maior pretexto para futuras guerras. As consequências da sobreposição dos valores econômicos sobre os sociais têm produzido desigualdades sociais e grande crise na sociedade. Diante da crise, nos resta fazer o que de melhor se pode fazer nestes momentos: aprende e crescer com ela.
A Educação na Modernidade Retomarei grandes pensamentos da Educação ocidental sintetizados por Gauthier e Tardif (2010) para sublinhar algumas possibilidades para
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a Educação diante da crise que enfrenta na atualidade. Inicialmente, é importante considerar que a mesma crise de sentidos que se vive hoje (tradição, autoridade, religião), já se viveu há 2500 anos na Grécia Antiga. “A crise da cultura e dos valores é um dos elementos que estão na origem da nossa civilização ocidental” (GAUTHIER & TARDIF, 2010, p. 27). Sócrates é considerado o símbolo humano dessa crise, por ser o primeiro mestre a assumir a ignorância como ponto de partida para o conhecimento. Inovou ao criar a Maiêutica, método que buscava, pelo diálogo, levar as pessoas à descoberta da verdade por si mesmas, por meio da razão. Ainda na Antiguidade, recebemos a contribuição de Platão, que via na Educação a possibilidade de se refazer a história humana. Sua concepção de Educação, expressa no Mito da Caverna, destaca a importância do processo de libertação das opiniões e das sensações, rumo ao reconhecimento da verdade, das ideias. A finalidade da Educação é, portanto, favorecer o triunfo do pensamento racional sobre as paixões e sobre o corpo. Inaugura o modelo cognitivo da Educação, onde a ênfase é o conhecimento. A Antiguidade “inventou” o ensino e o ofício do professor, enquanto a Idade Média, segundo Durkheim (1969), “inventou” a escola impulsionada pela Igreja, com vistas à moralidade e à conversão ao cristianismo. Só no século XVII, no entanto, nasceu a Pedagogia como estratégia da Igreja de reversão dos efeitos da Reforma protestante de Lutero que, ao traduzir a bíblia e incentivar a criação das escolas para a sua leitura por parte dos fiéis, abalou o catolicismo. Formou-se, então, sob a inspiração de Ignácio de Loyola, a Companhia de Jesus, uma legião de jesuítas que tinham por missão combater o protestantismo. Estes inauguraram o primeiro método de ensino – o Ratio Studiorum, baseado na ordem e controle dos grupos, do tempo, do espaço (os lugares dos alunos eram marcados), dos movimentos (os alunos andavam em fila), do corpo (silêncio era controlado), da conduta (usavam-se sistemas de recompensa e punição, vigilância, competição e intimidação). O ensino, simultâneo, era realizado por meio da utilização de livros, deveres escritos, observando-se uma relação meticulosa entre número de alunos por turma e mobiliário necessário. No currículo, formação cristã, domínio dos rudimentos de ler, escrever e contar e civilidade. Fazia-se o acompanhamento sistemático 382 |
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dos alunos por meio de instrumentos como: i) o catálogo de recepção, que registrava os nomes dos alunos da escola; ii) o catálogo das mudanças e ordens da lição, que controlava onde estava cada aluno por ordem de lição; iii) o catálogo das boas e más qualidades dos alunos, que incluía um “retrato” pessoal da criança; iv) o catálogo do banco, que controlava a pontualidade e assiduidade dos alunos; v) o catálogo dos visitantes dos ausentes, que possibilitava o registro das visitas feitas por oficiais as casas dos alunos faltantes. A pedagogia jesuítica predominou até o século XIX, quando sob forte influência da Revolução Industrial, Lancaster, inaugurou na Inglaterra o Ensino Mútuo ou Método Lancaster que transpunha o método de trabalho da indústria na escola, visando a economia, importando o princípio da eficiência, “taylorizando” a instrução, atendendo ao maior número de alunos com o melhor custo e prazo, aperfeiçoando os mecanismos de controle. Assim, inaugurou-se a Educação em escala, numa proporção de um mestre para cada 250 alunos e instrumentos como o quadro negro para substituir os livros, funcionando um sistema de monitoria, no qual crianças talentosas ensinavam crianças mais fracas. Disputas entre católicos e protestantes levaram o Ensino Mútuo ao declínio. No Brasil, o ensino mútuo foi integrado à Educação em 1827, por meio da Lei de Primeiras Letras, primeira lei educacional brasileira, esperando-se difundir o ensino a um grande número de alunos a baixo custo. No entanto, em 1834 o governo central transferiu a obrigatoriedade de cuidar das escolas primárias e secundárias para os governos provinciais, omitindo-se diante da Educação (SAVIANI, 2011). ados quatro séculos, não é de se estranhar que a nossa escola ainda baseie-se no Método Tradicional cunhado pelos Jesuítas e por Lancaster? No final do século XIX, quando a obra de Rousseau, o Copérnico da Educação, segundo Gauthier e Tardif (2010) completava um século, sob sua inspiração, surge na Inglaterra o movimento da Escola Nova agregando contribuições de Pestalozzi, Dewey Montessori, Claparède, Ferrière, Cousinet e Freinet que colocaram o aprendente no centro do trabalho pedagógico. O movimento Escola Nova propunha que a Educação promovesse a mudança social, ao mesmo tempo que se transformasse instigada pela sociedade, também em mudança (GADOTTI, 2004). Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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Gadotti (2004) considera Ferrière o pioneiro da Escola Nova, tendo divulgado a Escola Ativa na Europa, fortemente influenciado pela Biologia. Fundou, em 1899, o Birô Internacional das Escolas Novas em Genebra, definindo critérios a serem seguidos por uma escola, caso quisesse se enquadrar no movimento, dentre os quais, Gadotti (2004, p. 143) destaca: “educação integral (intelectual, moral e física); ativa; prática (com trabalhos manuais obrigatórios, individualizada); autônoma(campestre em regime de internato e co-educação)”. Dewey formulou o ideal pedagógico da Escola Nova, defendendo a educação pela ação, preconizando uma educação pragmática e instrumentalista, baseada no aprender a aprender. Os maiores avanços da Escola Nova, segundo Gadotti (2004), se deram em torno dos métodos de ensino: projetos (Kilpatrick); centros de interesse (Decroly); trabalho por equipes (Cousinet); jogos e materiais pedagógicos (Montessori); atividades individualizadas, porém socializadoras (Claparède). No Brasil, o movimento de renovação pedagógica foi marcado pela presença do trabalho no processo de instrução e pela descoberta da Psicologia Infantil. Lourenço Filho foi o principal articulador dessas duas agendas. Figura chave como divulgador do movimento Escola Nova no Brasil, publicou em 1929 o livro Introdução ao Estudo da Escola Nova, difundindo este ideário pedagógico até 1970 (SAVIANI, 2011). Discípulo de Lourenço Filho, Fernando de Azevedo foi o principal divulgador do movimento da Escola Nova no Brasil, concebendo-a como ideal, que envolvia três aspectos: escola única (educação inicial uniforme, formação comum, obrigatória e gratuita), escola do trabalho (estímulo, aconselhamento e orientação por parte do professor e observação, experimentação projeção e execução por parte do aluno) e escola-comunidade (trabalho em grupo, solidariedade e cooperação) (SAVIANI, 2011). Para Rocha (2002), Fernando de Azevedo foi o precursor do movimento de modernização educacional brasileiro, tendo apontado para um novo sentido de modernidade ao propor a reforma da instrução pública do Distrito Federal (RJ), integrada à Escola Nova. Compôs a “trindade cardinalícia do movimento da Escola Nova” (SAVIANI, 2011, P. 218), Anísio Teixeira, defensor da educação como um 384 |
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direito de todos. Considerava a Educação elemento-chave para a inovação e a modernização social, processo que denominava revolucionário, tendo se empenhado em organizar e istrar o sistema público de ensino do Brasil.. Embora discípulo de Dewey, Anísio Teixeira esteve atento ao contexto brasileiro, advogando a organização de serviços centralizados de apoio ao nosso ensino. Por fim, o movimento Escola Nova se expressou, no Brasil, de forma mais contundente com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo sob a inspiração de Anísio Teixeira e outros 26 signatários. Pedagogicamente, o movimento se inspirou fortemente no pragmatismo de Dewey e sua marca distintiva é a defesa por uma escola ativa, reorganizada com base no trabalho e que se adapta aos alunos, centro do processo educativo (SAVIANI, 2011). Instrumento político em defesa da escola pública brasileira, o Manifesto instigou a ira da Igreja Católica ao defender o ensino laico. Apesar dos esforços feitos, retrocedemos ao extinguir da Constituição de 1891, o artigo que previa que o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos fosse leigo. Como movimento de renovação educacional, pretendeu a reconstrução educacional no Brasil, a partir da premissa de que se podia ser tão científico no campo da Educação como nas engenharias. Seus princípios eram a função essencialmente pública da educação, laicidade, gratuidade, obrigatoriedade, coeducação e escola única (SAVIANI, 2011). O novo ator político-educacional, os “pioneiros da educação”, é a expressão mais plena dessa nova modernidade, já esboçada na reforma do DF, conduzida por Azevedo. Ele cria no Manifesto dos Pioneiros um novo conceito crítico à evolução da estrutura educacional brasileira, o de dualismo, que não mais se conformará com o uso da educação como reprodutora das desigualdades sociais. O novo conceito crítico é fruto do aprofundamento do valor igualitarista presente na concepção de “escola única”, trazido pelo escolanovismo. Ele aponta para uma dimensão subversiva das relações de classe existentes. (ROCHA, 2002, p. 6-7).
No entanto, o que aconteceu no Brasil foi que a Escola Nova acabou melhorando a educação destinada às elites e rebaixando o nível de ensino Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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destinado às camadas populares (SAVIANI, 2011). Apesar dos pretensos avanços da Escola Nova, Saviani (2011) denuncia, citando Nagle: o movimento da Escola Nova surgiu enfocando a atividade do sujeito e a liberdade, mas acabou reduzindo o “entusiasmo pela educação” por um ingênuo “otimismo pedagógico”, acreditando que os problemas da educação se resolveriam através de técnicas pedagógicas. A partir de 1970, uma nova tendência pedagógica se instala: o tecnicismo. De base comportamentalista, enfatiza a técnica, a produtividade, a racionalização, a operatividade, o controle e a neutralidade como elementos necessários para a eficiência do ensino. Influenciou não só o trabalho pedagógico na sala de aula, mas também a gestão escolar. O modelo de istração escolar baseado na Teoria Geral da istração tornou-se hegemônico, de modo que os gestores públicos assimilaram as diretrizes dos gestores das empresas, ando a tratar as políticas sociais com a lógica da racionalidade técnica, mais fortemente a partir da década de 1980 (SILVA, 2007). Em contraposição ao movimento Escola Nova e ao tecnicismo, insurgiu o pensamento pedagógico de Althusser (1998), que revelaram a escola como aparelho ideológico do Estado, Bourdieu e eron (1975), que declarou a violência simbólica da escola e de Baudelot e Establet (1979) que denunciaram não ser possível uma escola única em uma sociedade de classes (GADOTTI, 2004). No Brasil, o maior expoente dessas teorias foi Paulo Freire, que propôs uma Pedagogia da libertação, inaugurando uma concepção dialética da educação ao considerar a história uma construção humana e, portanto, uma possibilidade. Esta perspectiva crítica, desde 1980, denuncia a falsa neutralidade, considerando a educação um ato político. [...] enquanto numa prática educativa conservadora competente se busca, ao ensinar os conteúdos, ocultar a razão de ser de um sem-número de problemas sociais, numa prática educativa progressista, competente também, se procura, ao ensinar conteúdos, desocultar a razão de ser daqueles problemas. A primeira para acomodar, adaptar os educandos ao mundo dado; a segunda, inquietar os educandos desafiando-os para que percebam que o mundo dado é um mundo dando-se e que, por isso mesmo, pode ser mudado, transformado, reinventado (FREIRE, 2005, p. 30)
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Em suas experiências com alfabetização de jovens e adultos, Freire desenvolveu, no âmbito da Educação Popular, uma metodologia de ensino que integrava elementos da Escola Nova à uma posição mais crítica e transformadora. No entanto, pouca tradução do seu trabalho foi feita pelos professores para as escolas públicas brasileiras. Nos anos 1990, as teorias Construtivista de Piaget e Sociointeracionista de Vygotsky, ganharam destaque na Educação. Estes tornaram-se presentes nos discursos pedagógicos brasileiros. De Piaget (2004), herdamos sua contribuição acerca da Epistemologia Genética, em que descreve como amos de um estado de conhecimento para outro. Vygotsky (2003) nos deixou a importante contribuição sobre os aspectos sociais que implicam na aprendizagem e, particularmente o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, facilmente aplicável à metodologias de ensino. Ao lado dos tantos erros de tradução cometidos na Educação92, destacamse dois avanços: a pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1999), discípulas de Piaget, sobre a Psicogênese da Língua Escrita e o trabalho persistente do Grupo de Estudos em Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (GEEMPA), liderado por Grossi (2003), de tradução do estudo de Ferreiro e Teberosky, Piaget e Vygotsky, através do desenvolvimento de metodologias de alfabetização e do ensino da matemática. Sintetizando, pode-se dizer que as tendências pedagógicas que predominam na Educação brasileira hoje são frutos de modelos didáticos derivados de duas grandes pedagogias: i) a tradicional, inaugurada no século XVII, pelos Jesuítas, reconhecida basicamente por seu fundamento pedagógico religioso e pela rigidez metodológica, que se estendeu até o final do século XIX, quando surgiu com Rousseau, a primeira versão da ii) Educação Nova, substituindo a religião pela ciência como fundamento. Entretanto, as práticas pedagógicas brasileiras são ainda tradicionais, recheadas de discursos “modernos” que remontam ainda à Sócrates e Rousseau. 92 Ferreiro (2001) apresenta quatro maneiras fáceis de tornar impossível a aplicação da teoria de Piaget na Educação: i) ensino das noções de conservação como se fossem um conteúdo escolar; ii)mal definida noção de maturidade para a aprendizagem; iii) consultar a literatura de Piaget para saber em que ano escolar se deve ministrar que conteúdo; iv) tomar a teoria de Piaget como se ela fosse uma Pedagogia, ou um conjunto de receitas aplicáveis. Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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Ao longo da história, nós educadores, temos eliminado contribuições de grandes autores estigmatizando suas produções em nome de uma pseudocategorização de abordagens, que não nos tem permitido ir além do embate teórico sobre ideologias na Educação. O atual imobilismo não favorece o avanço de uma Pedagogia que no campo teórico se aproxima da Pós-modernidade, mas na prática, permanece presa àquela mesma denunciada por Sócrates há 2.400 anos. Muita confusão é feita, ainda hoje, quando se discutem técnicas, métodos, estratégias e tecnologias de ensino. Estes nomes geralmente são associados a tendências pedagógicas tradicionais, tecnicistas ou pragmatistas, vistos se não fossem importantes. Imobilizados, observamos o triste cenário da formação docente (Pedagogia e licenciaturas) no Brasil, desvelada na pesquisa de Gatti (2009): i) ausência de perfil profissional para o professor; ii) currículo descolado da prática profissional; iii) distância entre teoria e prática; iv) ausência do conhecimento do conteúdo a ser ensinado na primeira fase do Ensino Fundamental; v) prevalecimento dos conhecimentos da área disciplinar em detrimento dos conhecimentos pedagógicos propriamente ditos nas licenciaturas; vi) falta de aprofundamento da formação na educação infantil; vii) inoperância dos estágios supervisionados; viii) deficiência do material didático utilizado nos cursos de formação, que se restringe, basicamente, à apostilas e recortes de textos fragmentados. Não parece um quadro muito racional! Definitivamente, a Pós- Modernidade relativista impregnou a Educação de cuidados de tal forma que, por vezes, nos vemos brincando de “estátua!”, a cada vez que nos confrontamos com a metanarrativa neoliberal ou marxista. Caberá espaço para uma metanarrativa nesta sociedade híbrida, interconectada e cada vez mais complexa? Em conferência proferida no Ciclo de Estudos Educação, Modernidade e Pós-Modernidade realizado na Universidade de Brasília, Duarte (2013) critica as Pedagogias do “aprender a aprender”, denunciando que, em nome delas, se tem tirado da escola a centralidade de sua função: ensinar. Segundo o autor, a escola dos pobres não socializa os saberes sistematizados, nem possibilita aos alunos desenvolverem formas de pensamento indispensáveis para a compreensão da realidade, omitindo-se da função de oferecer ferramentas intelectuais que possibilitem lutar por mudanças. 388 |
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A crítica de Duarte (2013) e tantas outras que nos têm imobilizado, não poderiam nos instigar a construir outras formas de tradução do que tem sido equivocadamente traduzido de forma neoliberal? Por que as reflexões teóricas dos pesquisadores em Educação no Brasil se distanciam tanto de proposições reais de mudança? Não poderíamos, nós mesmos arriscar traduções do conhecimento, que produzimos para gestores educacionais, pedagogos e professores? Um bom começo seria substituir dos títulos de eventos e artigos acadêmicos as palavras desafios, perspectivas, imes por propostas, soluções e caminhos. Que se integre o sapere aude (ousar saber) kantiano ao sartriano “fazer-se a partir do que foi feito consigo”.
A Pós-modernidade Não há consenso sobre estarmos ou não vivendo a Pós-modernidade, tampouco sobre o próprio conceito entre os seus defensores. Entre os pósmodernistas há os que criticam a razão moderna e os que criticam o mau uso da razão moderna. Em comum, ambos acreditam na tese do fim da história, do fim do metarrelato do projeto de desenvolvimento do homem e da sociedade, ao se referir à Filosofia na Modernidade, Criador do termo Pós-modernidade, Lyotard (1988) considera o projeto moderno destruído, falido, liquidado, vendo nisso a possibilidade de maior polissemia cultural no planeta. Referindo-se a Pós-modernidade como o “estado da cultura após as transformações que afetaram as regras do jogo da Ciência, da Literatura e das Artes, a partir do final do século XIX”, Lyotard (1988, p. xv) fala, como na Modernidade, de um ponto de vista da história da Europa ocidental. É preciso, no entanto, compreender como as várias histórias se intrecruzam e se constituem como narrativas de modo a não se sobreporem umas sobre as outras. Lyotard (1988) observa uma mudança de estatuto do saber, com a entrada na era pós-industrial e defende que a legitimação do saber na pós-modernidade abandone as metanarrativas, propondo, em seu lugar o reconhecimento da heterogeneidade dos jogos de linguagem. O saber é o maior desafio na competição mundial pelo poder. O problema do saber na era da informática é, mais do que nunca, um problema de governo. O autor contribui com a Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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problematização feita, anteriormente, sobre a legitimidade das informações: o saber é e será produzido para ser vendido, é e será consumido para ser valorizado. Nos dois casos, para ser trocado, no entanto, a tendência que vislumbra é a de um aumento de gap entre países mais desenvolvidos em relação aos países menos desenvolvidos. Das guerras por territórios realizadas na Modernidade, o que se conjectura no futuro é uma guerra pelo domínio das informações e a mercantilização do saber, ambos em curso. Uma das grandes características da pós-modernidade observadas por Jameson (2011) é a compilação da noção de tempo e de espaço. Para o autor, na Modernidade domina o tempo, na Pós-modernidade, o espaço. A obsessão moderna com o tempo teria levado a uma modernização incompleta, a um desenvolvimento desigual. Na pós-modernidade o tempo é reduzido ao presente, desaparecendo o senso de ado e de futuro, o que aponta para um grande perigo de esvaziamento da memória e da história. Teremos, finalmente, conseguido realizar o sonho do moto perpétuo, inaugurando o presente perpétuo? Considerando que não precisamos lembrar nada porque tudo está no computador, Jameson (2011) considera o papel da história fundamental hoje. Há temporalidades diferentes para sociedades diferentes e precisamos compreender as histórias dessas temporalidades mais do que nunca. À escola e à universidade cabe cuidar e preservar as temporalidades e espacialidades. Sousa Santos (2006) defende um pós-modernismo de oposição em que o relativismo dê lugar a pluralidade e que a ética se construa a partir de baixo; a melancolia dê lugar ao otimismo trágico; o fim da política dê lugar à criação de subjetividades transgressivas; a mestiçagem ou hibridação ocupem o lugar do sincretismo acrítico. Compartilha com os pós-modernos da crítica ao universalismo e à unilineariadade da história, às totalidades hierárquicas e metanarrativas, da ênfase na pluralidade, da heterogeneidade, das margens ou periferias e da epistemologia construtivista não niilista ou relativista. Assim, defende uma ciência pós-moderna que supere a dicotomia natureza/sociedade, considere a complexidade da relação sujeito/objeto, aproxime as ciências naturais às ciências sociais, tenha uma concepção construtivista da verdade, e aproxime as relações entre ciência e ética, faça uma aplicação edificante da ciência e articule de forma mais equilibrada conhecimento científico a outras formas de conhecimento. 390 |
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Em síntese, na Pós-modernidade há o desencantamento da razão moderna, onde se vive na era das incertezas, da complexidade e da Ecologia dos saberes. O processo de desencantamento do mundo moderno constituiu o debate feito pelo idealismo alemão, que realizou reflexões problematizantes sobre a Modernidade, numa tentativa de recompor a totalidade ética perdida. Com a virada linguística e consolidação da Filosofia da Linguagem, o objeto da filosofia não é mais “sujeito e objeto” mas “falante e mundo”. Prioriza-se prática sobre teoria (ROUANET, s/d). Por outro lado, há os que ainda acreditam que ainda estamos vivendo a Modernidade. Santos (2010) acredita na possibilidade da produção de um novo discurso, uma nova metanarrativa. Freitas (2005) acredita que a modernidade só acabará quando o capitalismo for superado. Contesta o discurso pós-moderno, que defende o fim das certezas na ciência e o fim da esperança política, defendendo que as incertezas são produto das condições materiais e espirituais advindas do desenvolvimento das contradições do sistema capitalista mundial, ao o que carregam potencial para sua superação em direção de novas formas de organização social. Nesse sentido exalta a importância da esperança, defendendo uma pós-modernidade de libertação, a partir da reconstrução das esperanças socialistas propondo, com Bauman (2000) que: ‘a liberdade individual só é possível como produto do esforço coletivo’, só pode se assegurada coletivamente e não pela privatização e desregulamentação dos meios de garantir a liberdade individual. O pós-modernismo, ao insistir na fragmentação, impede a garantia da liberdade individual que só pode dar-se no coletivo. Ao não querer indicar caminhos consensuados coletiva e provisoriamente, cria um vazio desmobilizador das esperanças e permite que o sistema hegemônico dê a direção para as transformações sociais, segundo seus interesses (FREITAS, 2005, p. 115). Goergen (2001) questiona: se os pós-modernos estiverem fazendo uma leitura adequada da história, que consequências deverão advir para a educação? Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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Para ele, tanto falta fundamento à tese do fim da história dos pós-modernos, como também é palpável a debilidade da validade dos supostos modernos. De todo modo, é interessante sua consideração de que “modernidade e pósmodernidade não se encontram numa relação de superação de uma pela outra, mas numa relação dialética” (GOERGEN, 1997, p.63). Interessa-nos, portanto, compreender como a pós-modernidade toca a Educação. Para Gatti (2005), as crises geradas com a transformação de uma sociedade industrial em uma sociedade da informação, de uma sociedade segura em uma sociedade plural demandam uma nova gestalt dirigida a novos modos de questionamento da realidade e dos processos socioeducativos. À educação, e não apenas a ela, caberia a tarefa de sensibilizar as novas gerações para o problema da ética como fundamento da vida e ajudá-las a formar competências para participar ativamente desse seu processo de formação (GOERGEN, 2001). Veiga-Neto atribui ao currículo a fabricação do sujeito e da própria Modernidade: Sem exagero, pode‑se dizer que o currículo funcionou como o principal artefato escolar envolvido com a fabricação do sujeito moderno. Como parte importante da episteme da ordem e da representação, a máquina currículo foi uma das condições de possibilidade para essa forma moderna de ser e de estar no mundo que se estabeleceu a partir do Humanismo renascentista (VEIGA-NETO, 2008, p. 145).
Bauman (2011) refere-se à pós-modernidade como uma modernidade líquida, onde a solidez das coisas assim como a solidez das relações humanas soa como uma ameaça. No campo da Educação não é diferente. Como será possível socializar a quantidade de conhecimento que tem sido produzido? A educação assumiu muitas formas no ado e se demonstrou capaz de adaptar-se à mudança das circunstâncias, de definir novos objetivos e elaborar novas estratégias. Mas [...] a mudança atual não é igual às que se verificaram no ado. Em nenhum momento crucial da história da humanidade e os educadores enfrentaram desafio comparável ao divisor de águas que hoje nos é apresentado. A verdade é que nós nunca estivemos
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antes nessa situação. Ainda é preciso aprender a arte de viver num mundo saturado de informações. E também a arte mais difícil e fascinante de preparar seres humanos para essa vida (BAUMAN, 2011, p. 125).
Bauman (2011) dá pistas para uma agenda importante para a humanidade: a construção de uma democracia global que ocupe o lugar da governança neoliberal desintegradora e desumanizadora que aí está. A Educação na Pós-Modernidade Observando-se discursos e práticas educativas mais influentes da Modernidade, observa-se que as maiores contribuições à Educação não têm sido feitas por autores, os quais tiveram sua formação inicial na Pedagogia. Considerando sua influência, no discurso ou na prática, grandes expoentes da Pedagogia da Modernidade, com exceção de Freinet (1998)93, chegaram à Educação por outras vias94. Cabe uma pergunta a nós, pedagogos: como temos contribuído para a melhoria da escola e da universidade, para a eficiência dos processos de ensino e aprendizagem, para que nossos alunos aprendam e estejam felizes e seguros na escola, para que professores se sintam orgulhosos e satisfeitos com seu trabalho? Como temos anunciado o que criamos e desenvolvemos? Já não é ada a hora da Pedagogia traduzir as contribuições da Modernidade nas instituições escolares e universitárias, ajudando-as a dialogar com os problemas sociais. Dale (1982) denuncia que os cientistas políticos têm limitado seus estudos à política educacional, concentrando os seus esforços muito mais no estudo da eficácia dos sistemas educacionais e nas formas de gestão da educação para alcance das metas do que na política da educação, ou seja, nas relações entre a produção de metas e as maneiras de alcançá-las. Denuncia que a política foi reduzida a istração, focando a máquina e não o que a mobiliza ou como e para onde é direcionada. 93 Pedagogo que criou uma pedagogia baseada na educação para o trabalho, preocupandose em desenvolver ao máximo as possibilidades de cada criança e o sentimento de coletividade. 94 Piaget (Biólogo e Filósofo); Bourdieu (Filosofia); Dewey (Filosofia); Maria Montessori (Medicina); Wallon (Filosofia e Medicina); Emília Ferreiro (Psicóloga); Anísio Teixeira (Direito); Fernando de Azevedo (Ciências Jurídicas e Sociais); Paulo Freire (Direito); Lourenço Filho (Direito); Darcy Ribeiro (Antropologia); Florestan Fernandes (Ciências Sociais); Demerval Saviani (Filosofia); José Carlos Libâneo (Filósofo); Vygotsky (Psicologia). Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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Outro desafio da Pedagogia refere-se à alfabetização científica e tecnológica dos cidadãos, defendida por Fourez (1995), como meio de formar para a autonomia e participação. Impõe-se, ainda, a necessidade de tradução das pesquisas realizadas no campo da Educação para os professores, gestores e sociedade, de um modo geral. A tomada de decisão baseada na pesquisa permite aos gestores escolares promover políticas educacionais mais coerentes e eficazes (FULSARELLI, 2008). Por outro lado, aos professores falta solidez metodológica que dê conta dos desafios contemporâneos, potencializados pela crise de sentidos e valores e a forte desigualdade social. De que vale uma elevada produção científica divulgada em revistas educacionais, que não são íveis aos educadores e gestores? Questiona-se como as pesquisas em educação têm sido feitas e as políticas educacionais indutoras do mais novo “fordtaylortoyotismo” educacional. Não se trata de defender o utilitarismo imediato da ciência, mas sua implicação com os desafios sociais, sua orientação para com uma ética do cuidado (BOFF, 1999). A sociedade do conhecimento, representada principalmente pelos acadêmicos, assiste sonâmbula às políticas educacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que impõe à Academia os “Tempos Modernos” denunciados por Chaplin(1936), fragilizando a tríade ensino, pesquisa e extensão, estabelecendo alta produtividade, definindo metas de publicação de artigos, geralmente em periódicos internacionais descolados dos problemas nacionais que tampouco retornam para os educadores e gestores brasileiros que, em sua maioria, nem dominam a língua inglesa. Ao lado disso, observa-se o esvaziamento de professores em sala de aula, uma vez que não se valoriza a docência. Por outro lado, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), também influenciado por políticas educacionais incentivadas pelo Banco Mundial, detém-se em formular avaliações educacionais de larga escala, impondo a mesma tensão atribuída aos professores universitários, aos da educação básica, que se vêm agora como cumpridores de metas, devendo aumentar indicadores educacionais, defendidos como indicadores de desenvolvimento econômico. 394 |
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Gamarnikow (2012) destaca as mudanças na Educação a partir da agem da era social democrática à era neoliberal. Na primeira, a educação, bem público, era uma forma coletiva de provimento de bem-estar e chave para a cidadania social. Na segunda, a Educação ou a ser bem de posicionamento dos indivíduos, lugar de formação de capital humano para a economia globalizada, simultaneamente, a nova política de bem-estar social (para a empregabilidade) e a nova política econômica (para o desenvolvimento econômico). Os discursos da política educacional instituiram a Educação como estratégia essencial e única do Estado-Nação de enfrentamento dos desafios da globalização. O debate sobre Modernidade x Pós-modernidade interessa a Educação não pelo fato de trazer respostas em defesa de uma e de outra, mas para fazer pensáveis os seus não-pensados. D’ Angelo (2002) salienta a importância de se observar o impacto da linguagem da informática na reorganização dos saberes e das disciplinas acadêmicas, verificar as implicações da hipótese do fim das metanarrativas sobre os fins e valores da educação, repensar as formas atuais de legitimação do conhecimento, o papel das universidades, das empresas e das instituições financiadoras de pesquisa nesse processo; e compreender como as novas subjetividades são construídas e quais as possibilidades nela inscritas de democratização da sociedade. A escola vive uma crise paradigmática de identidade. Está perplexa diante da multiplicidade e complexidade de suas novas tarefas, em meio a mídias triunfantes. Deve formar o cidadão capaz de “ler e escrever” em todas as novas linguagens. É mais uma dentre os tantos espaços especializados em produzir e disseminar a cultura, perdendo espaço e prestígio no processo de socialização das novas gerações, por esconder-se sob os muros que a afastam da realidade, prendendo suas práticas cada vez mais ao livro didático, imprimindo conteúdos curriculares extensivos e defendendo-se da inovação (BELLONI, 1998). Perdida em meio a uma sociedade do conhecimento, a sociedade da ignorância assiste à revolução tecnológica através da televisão e do quadro negro da escola. Por outro lado perdida na sociedade da ignorância, a sociedade do conhecimento, representada pelos acadêmicos endogeniza-se, alienando-se do seu papel transformador. Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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À guisa de uma conclusão... Convém, pensarmos, inicialmente, que didática, para que escola, para que Educação, para que sociedade, para que mundo. As alternativas de educação baseadas nas metodologias ativas, atualmente tão em voga, são muito bem-vindas se traduzidas corretamente para cada contexto. Democratizar os conhecimentos sistematizados pela humanidade tem sido o maior desafio da escola e da universidade. A forma como temos feito, ou seja, a didática empregada está longe de se aproximar da melhor. As metodologias ativas aproveitam as tecnologias de comunicação ao máximo e colocam nos alunos atividade suficiente, que os façam mobilizar-se para conseguir as informações necessárias para resolver problemas e prepararem-se para atuação profissional e cidadã. O que é necessário ter em mente é como apropriar-se do que tem vindo lá de fora de forma a não perder o que é de dentro, conforme proposto por Sousa Santos (2010), por meio da hermenêutica diatópica. Permitam-se, aqui citar um relato feito pelo indigenista Sidney Possuelo em 2011, em palestra na Universidade Católica de Brasília. Trata-se da história do “cotoco de fogo”. Em uma de suas aventuras, relata um deslocamento pela floresta de uma tribo a outra em uma situação de emergência, levando consigo alguns índios, dentre eles, um indiozinho que carregava consigo um cotoco de fogo. O menino atrasava o grupo devido aos cuidados para não deixar que o fogo se apagasse. Após várias reclamações do indigenista sobre o atraso, que este provocava no grupo, decidiu lançar o cotoco do menino num aguapé para que pudessem seguir mais rapidamente. O menino finalizou o trajeto em prantos e, quando chegaram à aldeia de destino, Possuelo lhe deu um monte de fósforos e isqueiros para que pudesse incendiar quantos cotocos quisesse, ao que ouviu o menino dizer que aquele fogo lhe fora dado por seu pai, que havia recebido de seu avô que recebera de seu bisavô e que por gerações e gerações fora ado com a missão de não deixar que se apagasse. Tratava-se de um fogo pré-histórico, de uma cultura “milenar” que desaparecera assim, por falta de cuidado. Que a inovação pedagógica não apague as práticas docentes que têm dado certo e que foram criadas e desenvolvidas por tantos professores que, no chão 396 |
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do dia a dia vêm criando formas alternativas para superar a Educação bancária e enfadonha denunciada por Freire. Aos apelos à adoção de metodologias ativas, ainda colado no discurso de eficiência porque defendem turmas no estilo “ensino mútuo”, cabe considerar as críticas já postas e a coragem de ousar construir práticas pedagógicas que deem conta dos desafios da contemporaneidade. Que consigamos superar as dicotomias construídas na Modernidade, nos colocando abertos ao diálogo, fazendo as devidas traduções às contribuições que chegam à Educação, de modo a exprimir nossos anseios por uma Educação capaz de formar cidadãos capazes de navegar eticamente na modernidade ou na pós-modernidade... importará onde? Que consigamos extrair das discussões e rivalidades que brotam do que se vislumbra sobre modernidade e pós-modernidade o teor, a força e a coragem que lhe faltaram durante tantos anos de pseudomodernidade. É chegada a hora de inaugurar uma nova gestalt educativa que, como nas manifestações populares vislumbradas em junho deste ano, persiga de forma diferente os mesmos desejos: educação de qualidade para todos. Pensemos, como se fez em 1922 na esfera da Arte, na realização de uma “Semana da Educação Moderna” capaz de nos trazer coragem para antropofagiar o que vem de fora com a clareza, criatividade, criticidade e cooperatividade que temos dentro.
Referências ALTHUSSER, L. P. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1998 BACON, F. Novum Organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. São Paulo: Nova Cultural,1997. BAUDELOT, C.; ESTABLET, R. L’ecole primaire…un dossier. Paris: Maspero, 1979. BAUMAN, Z. O Mundo Pós-Moderno: a condição social. Entrevista. Fronteiras do Pensamento. Edição 2011. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=POZcBNo-D4A. o em: 26 jun. 2013. Um capítulo pós-moderno para uma educação moderna
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19 POR UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ORIGENS NO MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO EDUCACIONAL DE 1932 NO BRASIL Maria das Graças Viana Bragança95
Introdução A educação, ao longo da história da humanidade, manifestou-se a partir de um caráter elitista e, no Brasil, país de profundas contradições, tal processo enraizou-se de forma complexa. Com o propósito de romper com esse processo e transformar a educação, onde todos pudessem usufruir desse direito de uma forma inclusiva, equitativa e democrática, é que os adeptos da Escola Nova lançaram, após a Revolução de 1930, um manifesto pelo qual pretendiam reformar o ensino, garantir uma educação igual para todos, onde a escola seria pública, laica e gratuita. De acordo com Saviani (2011), Fernando de Azevedo afirmava que o ideal da Escola Nova envolvia três aspectos: escola única (educação inicial uniforme e gratuita), escola do trabalho (estimular as experiências da criança, o professor deveria conduzir o aluno em suas investigações) e escola-comunidade (escola organizada como uma comunidade em miniatura, incentivando o trabalho em grupo). A concepção da Escola Nova está relacionada ao conjunto de ideais e realizações voltadas para a renovação da mentalidade dos educadores e das 95 Mestre em Ciência Política pelo Centro Universitário – UNIEURO. Aluna Especial do Doutorado em Educação da UCB.
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práticas pedagógicas. Contudo, acreditamos que esta concepção se consolidou entre os educadores somente nos anos de 1930 (RIBEIRO, 2004, p. 173). Vale ressaltar os expoentes que estiveram à frente desse movimento que Saviani (2011, p. 207) denomina de a ‘trindade cardinalícia do Movimento Brasileiro da Escola Nova’: Lourenço Filho, Fernando Azevedo e Anísio Teixeira. A luta iniciada por esses educadores serviu de inspiração para Darcy Ribeiro, tido como o último seguidor das ideias da Escola Nova. Uma de suas importantes contribuições no campo da educação de ideal escolanovista ou reformista foi a implementação dos Centros Integrados de Ensino Público – (CIEPs) - escola integral de tempo integral no Estado do Rio de Janeiro, em 1990, que visava a promoção de uma educação inclusiva com bases em princípios inovadores e humanistas e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, de 1996. A seguir, estão as principais contribuições desses educadores e que repercutem até hoje.
Os Principais Educadores da Escola Nova: Vida, Obra e Contribuições para a Educação Brasileira. Manuel Bergstron Lourenço Filho nasceu em 10 de março de 1897, em Porto Ferreira (SP) e faleceu em 3 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro. Estudou na Escola Normal de Piracicaba, onde exerceu o cargo de professor de Psicologia e Pedagogia, no ano de 1921. Esteve à frente das reformas do sistema educacional do Ceará em 1922- 1923, São Paulo, em 1931 - 1932 e participou da reforma no Distrito Federal. Foi diretor da Escola de Professores no Distrito Federal. A convite do então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, organizou e dirigiu o Instituto Nacional de Pedagogia (1938), hoje Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira -INEP ( 2011). Como escritor, publicou várias obras, entre elas, a Introdução ao estudo da Escola Nova, em 1940, um livro empenhado em divulgar o ideário renovador no Brasil (SAVIANI, 2011. p. 200) e considerada por Anísio Teixeira relevante para a educação no Brasil. Não daria para discorrer aqui sobre toda a valiosa contribuição que Lourenço Filho deu para a educação brasileira, porém, vale registrar as palavras de Monarcha (2010, p. 110 - 111) que, resumidamente, retrata a sua importância para a educação: 406 |
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Em poucas palavras, analisado com distanciamento e em perspectiva histórica, isto é, longe de uma imagem sentimentalizada, o conjunto da sua obra, unificado por sólido plano autoral, como vimos, estava inserto, de uma parte, no movimento ascendente de especialização e institucionalização das ciências sociais, fundação das universidades, reorganização do Estado, expansão do mercado editorial e evolução da matrícula escolar; e, de outra parte, urbanização crescente, ideologias em lutas e advento das massas populares na cena política. Em síntese: Lourenço Filho fez resplandecer um cânon de pensamento sociológico e biopsicológico sobre Educação, considerando-a como fenômeno cultural complexo e multifacetado e estudando-a conforme certos modelos científicos, cujo sentido e atualidade cumpre verificar e avaliar.
Fernando de Azevedo nasceu em 20 de abril de 1894, em São Gonçalo do Sapucaí, Minas Gerais e faleceu em 1974, em São Paulo. Cursou o Ginásio no Colégio Anchieta de Nova Friburgo. Em 1909, entrou para Companhia de Jesus, fez o noviciado em Campanha, Minas Gerais, lecionou no Colégio São Luís Gonzaga, em Itu - SP. Abandonou a Ordem dos Jesuítas e entrou para o curso de Direito, em 1914 e o concluiu em 1917, porém não seguiu a carreira de advocacia, fez opção pela carreira de magistério, a qual já exercia (SAVIANI, 2011). Em 1917, foi morar em São Paulo e a a lecionar na Escola Normal, Latim e Psicologia, as mesmas disciplinas que lecionava em Belo Horizonte. Paralelo ao magistério, exerceu a profissão de jornalista e como tal realizou um inquérito sobre a educação no estado. Esse trabalho foi publicado com o nome de ‘A educação na encruzilhada’. Esse inquérito lhe deu notoriedade e o lançou como perito em educação (SILVIANE, 2011; PENNA, 2010). Ainda, em São Paulo, foi diretor-geral da Instrução Pública. Nesse cargo, publicou o Código de Educação Paulista. Exerceu o cargo de Secretário de Educação e Saúde do Estado de São Paulo, de abril a julho de 1947 e, em 1961, foi secretário de Educação e Cultura do Município de São Paulo. Segundo Penna (2010), desde cedo as ideias educacionais de Fernando de Azevedo estão ligadas às preocupações tanto de ordem política bem como de ordem ética. Para Fernando de Azevedo, a educação relacionavase à transformação social e, portanto, uma reforma na educação brasileira Por uma educação inclusiva: origens no movimento de renovação educacional de 1932 no Brasil
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teria influências modificadoras na própria sociedade. Também argumentava a necessidade de reforma moral e de mudança de mentalidade e por isso, sua concepção da educação era de “agenciadora de uma consciência moral, encaminhando o indivíduo ao desenvolvimento de suas potencialidades e sua imersão no mundo social” (PENNA, 2010, p. 20). Conforme Saviani (2011) Fernando de Azevedo foi considerado o principal divulgador do movimento da Escola Nova no Brasil. Anísio Teixeira Spínola Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900, em Caetité Bahia, e faleceu no Rio de Janeiro em 1971. Cursou o primário em sua cidade natal, com suas tias Maria Teodolina das Neves Lobão e Priscila Spínola. Estudou, ainda, no Colégio São Luís Gonzaga e no Colégio Antônio Vieira, de Salvador, ambos católicos e jesuítas. Daí veio seu desejo de se tornar jesuíta, mas não levou adiante. Iniciou, ainda, na Bahia o curso de Direito, o qual terminou no Rio de Janeiro. Em 1924, iniciou sua vida pública ao ser convidado para assumir o posto de diretor da Instrução Pública do Estado da Bahia (SAVIANI, 2010). Uma das dificuldades sentida por Anísio Teixeira, ao assumir o cargo de inspetor geral de ensino, foi interromper a tradição de valorizar o ensino particular pelos políticos baianos como resposta às deficiências do ensino primário público (NUNES, 2010). Esse cargo lhe deu a oportunidade de realizar a reforma da instrução pública, durante os anos de 1924 a 1929. Nessa ocasião, realiza sua primeira viagem para os Estados Unidos, em 1927; a segunda acontece em 1929, para fazer um mestrado na Universidade de Columbia. Nesse período, estuda com Dewey, adota a filosofia pragmática, pela qual a ideia, valor e instituição social se originavam, a partir das práticas da vida humana (TEITELBAUM; APPLE, 2001). Anísio Teixeira foi o primeiro tradutor de Dewey, no Brasil. Percebia, em suas ideias, uma alternativa substitutiva dos velhos valores inspirados na religião católica, uma possibilidade de integrar o corpo e a mente, o sentimento e o pensamento, o sagrado e o secular. Como Dewey, apostava na crença de que na infância estava o enraizamento e as direções da mudança social a favor da democracia. “O pragmatismo deweyano forneceu-lhe um guia teórico que combateu a improvisação e o autodidatismo, permitiu-lhe operacionalizar uma política e criar a pesquisa educacional no país” (NUNES, 2010, p. 19). 408 |
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Em 1931, Anísio Teixeira retorna ao Rio de Janeiro e assume, a convite do prefeito Pedro Ernesto Batista, a Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal. Nesse cargo, teve a oportunidade de conduzir importante reforma da instrução pública, que o projetou nacionalmente, e que atingiu desde a escola primária à escola secundária e ao ensino de adultos, culminando com a criação de uma universidade municipal, a Universidade do Distrito Federal. Demitiu-se em 1935, diante de pressões políticas que inviabilizaram sua permanência no cargo, em uma conjuntura em que o pensamento autoritário ganhava força no Estado e na sociedade (NUNES, 2000). Segundo Nunes (2010), a maior motivação de Anísio Teixeira era realizar uma grande obra de educação popular, que não se tratasse apenas de ensinar a ler e escrever. Entendia ele que era urgente preparar toda a população para formas de trabalho em que o uso das artes escolares fosse indispensável, bem como para uma forma de governo que exigisse participação consciente, senso crítico, aptidão para julgar e escolher. Denunciou implacavelmente, a seletividade da nossa escola para o benefício de alguns privilegiados em detrimento de uma massa de deseducados, que apenas sobrevivia sem usufruir dos bens sociais destinados a poucos. Uma das mais importantes iniciativas de Anísio Teixeira na condução dessa pasta foi a construção do Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, popularmente denominado de Escola-Parque, no bairro da Liberdade, em Salvador. A Escola-Parque, inaugurada em 1950, procurava fornecer à criança uma educação integral, cuidando de sua alimentação, higiene, socialização e preparação para o trabalho e a cidadania. Esta obra o projetou internacionalmente (NUNES, 2000).
O Manifesto dos Pioneiros de 1932: por uma nova política educacional. Segundo Azevedo (2010), a ideia de promover uma reforma na educação teve sua origem nos debates ocorridos por ocasião da IV Conferência Nacional de Educação, realizada no Rio de Janeiro, em dezembro de 1931. Os educadores, ali reunidos, decidiram que esse era o momento para “circunscrever e dominar o programa da nova política educacional” (p. 24). Por uma educação inclusiva: origens no movimento de renovação educacional de 1932 no Brasil
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Para Saviani (2010), o Manifesto, como documento de política educacional, mais do que a Escola Nova, defendia a escola pública. Nesse sentido, o texto emerge como uma proposta de construção de um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública, abarcando desde a escola infantil até a formação dos grandes intelectuais pelo ensino universitário. A redação do manifesto ficou a cargo de Fernando de Azevedo, cujas ideias estão ligadas em princípios de ordem, ética e política e defendiam uma concepção de educação “agenciadora de uma consciência moral, encaminhando o indivíduo ao desenvolvimento de suas potencialidades e sua imersão no mundo social. Assim, a sã educação do cidadão é condição para a saúde do Estado” (AZEVEDO, 2010, p. 20). O Projeto Político-Pedagógico, contido no Manifesto de 1932, tinha como objetivo a democratização do “o à educação, ou seja, abrir o sistema escolar a toda população alijada do saber e, portanto, do poder” ( NUNES, 2010, p. 64), oferecendo igualdade de oportunidade para todos. O Manifesto da Escola Nova reconhecia as dificuldades de haver igualdade de oportunidades, mas, mesmo assim, ratifica a possibilidade de a educação se ligar aos interesses de classe aos quais ela teria servido até então, visando ao desenvolvimento das potencialidades do indivíduo, desvinculado de um ado e de uma situação socioeconômica precária. (AZEVEDO, 2010). Ainda o mesmo autor afirma que o movimento reformista pretendia uma educação nova para servir aos interesses do indivíduo, fundamentandose no princípio da vinculação da escola com o meio social, tornando-a mais humana, solidária, cooperativa e prestadora de serviço social. O manifesto delineia a reforma educacional proposta pelos pioneiros da Educação Nova e se constituía, conforme Saviani (2011), dos seguintes tópicos: a) Introdução; b) Os fundamentos filosóficos e sociais da educação; c) A organização e istração do sistema educacional: o Estado em face da educação;
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d) As bases psicobiológicas da educação: o processo educativo; e) Planejamento do sistema, conforme os princípios e diretrizes enunciadas: Plano de reconstrução educacional; f ) Conclusão: A democracia - um programa de longos deveres.
Lemme (2005) afirma que o Manifesto dos Pioneiros se tornou um documento histórico, não só pelo seu caráter abrangente, mas também por ter sido o único no gênero na história da educação brasileira. Aponta ainda as características fundamentais do referido manifesto, entre elas destacamse: a) a concepção de educação natural e integral do indivíduo, respeitando à personalidade de cada um; b) a educação como um direito de todos, de acordo com suas necessidades, aptidões e aspirações, obedecendo aos princípios democráticos da igualdade de oportunidades para todos; c) o dever do Estado de assegurar o direito à educação a todos os cidadãos, como uma função essencialmente pública; d) até certo nível e limite de idade, a escola deve ser única, obrigatória, gratuita, leiga, e deve funcionar em regime de igualdade para ambos os sexos; e) adoção pelo Estado de uma política a nível global e nacional e que abranja todos os níveis de educação e ensino; f ) planos definidos, que a escola deve seguir, constituindo sistemas em que os educandos possam ascender por meio de uma escada educacional contínua, desde o ensino infantil até o ensino superior, em conformidade com sua capacidade, e aspirações; g) formação e remuneração dos professores, de todos os níveis de ensino, dentro de um espírito de unidade, e que lhes deem consciência de suas responsabilidades diante da Nação, dos educandos e do povo em geral. O Manifesto foi publicado em diversos jornais do país, gerando uma série de comentários e críticas, principalmente por partes de intelectuais ligados à Igreja Católica, entre eles se destacou Alceu Amoroso Lima, cujo pseudônimo era Tristão de Ataíde, que publicou uma série de artigos criticando o movimento. Tais acontecimentos contribuíram para o rompimento entre o grupo dos renovadores e o grupo dos católicos que alegavam que o Manifesto representava um atentado contra a ordem natural e divina, no que tange a defesa da laicidade e do monopólio estatal do ensino (SAVIANI, 2010). Por uma educação inclusiva: origens no movimento de renovação educacional de 1932 no Brasil
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O embate entre católicos e os reformistas contribuiu para a saída dos educadores católicos da Associação Brasileira de Educação - ABN. Esse órgão, criado em 1924, tinha como presidente Anísio Teixeira e como objetivo congregar os interesses relacionados com a educação. O desentendimento entre os intelectuais católicos e os reformistas enfraqueceu o movimento, prejudicando o objetivo de levar adiante as propostas do movimento. Essas ideias defendidas pelo movimento dos pioneiros foram retomadas por Darcy Ribeiro, quando cria os Centros Integrados de Educação Pública CIEP no Estado do Rio de Janeiro. Para Bonemy (2001, citado por Gomes, 2010, p. 33), Darcy Ribeiro, apesar de pertencer a outra geração, abraçou ideais e posições da Escola Nova, tornando-as parte da sua visão educacional, o que o tornou o último expoente do movimento.
Darcy Ribeiro Nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 1922 e faleceu em Brasília em 1997. Iniciou seus estudos primários em Montes Claros, o secundário em Belo Horizonte, onde chegou a frequentar o curso de Medicina, para atender ao sonho da sua mãe. Na capital do Estado, estabeleceu contato com os comunistas, com a Igreja Positivista e frequentou cursos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, abandonando a Medicina. Foi para São Paulo e, em 1944, como bolsista, matriculou-se na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Diplomou-se em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1946) e especializou-se em Antropologia. Ganhou uma bolsa de estudos para fazer doutorado em Ciência Social na Universidade de Chicago, quando atalhou o caminho da carreira acadêmica convencional. Darcy foi educador, antropólogo, indigenista, escritor de ficção e político. Concebia a educação como um caminho para a mudança. Com Leonel Brizola e antigos e novos companheiros fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Por esse partido, Brizola e Darcy se candidataram a governador e vice-governador do Estado do Rio de Janeiro, respectivamente, nas eleições diretas de 1982, vencendo-as. Nesse momento vislumbra a possibilidade de continuar com a proposta dos pioneiros da educação, de fazer uma revolução educacional (GOMES, 2010). Imbuído desse propósito parte 412 |
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para implementação dos CIEPs no estado do Rio de Janeiro. Darcy pretendia oferecer uma educação integral e escola de tempo integral, uma com base nas ideias do educador e filósofo americano John Dewey, cujas ideias foram introduzidas no Brasil, por Anísio Teixeira. Segundo Gomes (2010), a proposta pedagógica implementada nos CIEPs dá ênfase à interdisciplinaridade, a formação continuada dos professores e dos funcionários não docentes, ao trabalho em equipe e o respeito ao universo cultural dos alunos, ponto de partida para o currículo, diminuindo as exigências prévias da escola em relação à herança sociocultural. Nas duas gestões do governador Leonel Brizola sendo a primeira: de 1983 a 1986, e a segunda de 1991 a 1994, foram implantados no Estado do Rio de mais de 500 CIEPs ( MAURÍCIO, 2004). Os CIEPs visavam assegurar a cada criança de 1ª a 4ª série domínio da escrita, da leitura e do cálculo, instrumentos fundamentais para que a criança pudesse prosseguir seus estudos escolares como aprender por si mesma, livre, por esse aspecto, da condenação à exclusão social e habilitada ao exercício da cidadania. Outro princípio orientador era o respeito ao universo cultural do aluno no processo de introdução da criança no domínio do código culto, devendo a escola ser uma ponte entre a cultura do aluno e o conhecimento formal exigido pela sociedade (MAURÍCIO, 2004). Com a mudança de governo do Estado do Rio de Janeiro, que apoiava o projeto dos CIEPs, esse projeto sofre descontinuidade, atitude que provoca uma série de danos, tanto em termos sociais como econômicos para o Estado. O novo governo, ao invés de fazer acertos, optou pela criação de novos projetos. Com essa atitude, a clientela beneficiária - alunos, pais e demais pessoas ligadas ao projeto - todos foram prejudicados. Segundo Gomes (2010), Darcy acreditava nas partidas do ponto zero. Assim, criou a Universidade de Brasília e a Universidade Estadual do Norte Fluminense, em Campos dos Goycatacazes, a qual deveria servir a um novo humanismo, compatível com a sociedade tecnológica. Esta deveria ser a Universidade do Terceiro Milênio. Como Senador da República, Darcy elaborou o projeto Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, nº 9.304, conhecida como a Lei Por uma educação inclusiva: origens no movimento de renovação educacional de 1932 no Brasil
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Darcy Ribeiro, aprovada e sancionada pelo Presidente da República em 20 de dezembro de 1996. Essa lei é considerada inovadora por Cunha (1998), pois facilita tanto a formulação como a execução de políticas públicas de educação, capazes de reverter o quadro complexo em que se encontra. Gomes (1998) corrobora com a afirmação de Cunha, ao ratificar a sua flexibilidade à organização do ensino, permitindo quebrar a rigidez existente no sistema seriado de ensino e possibilitando, alternativas e meios para reformar e inovar o sistema educacional . Darcy, como os demais pioneiros da educação, viu seus desejos ruírem, no que diz respeito a ofertar aos jovens uma educação integral e escola de tempo integral, mas deixou assegurado em lei, na nova LDB, no artigo 34 (caput ), a ampliação progressiva do tempo de permanência. No parágrafo 2°, determina que o ensino fundamental deverá ser ministrado em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino. Segundo Cunha (1988, p. 62), isso “representa um dos maiores sonhos de Darcy”.
A Educação Integral hoje ados mais de 80 anos do lançamento do Movimento dos Pioneiros de 1932, as ideias defendidas pelos integrantes desse movimento continuam atuais e ainda buscam- se meios de serem implementadas. Muitas sugestões do Manifesto foram acatadas, estando inclusive contidas desde a Constituição de 1934 até a atual. Restam, entretanto, outras ideias que deveriam ser postas em prática. A Constituição de 1988, nos artigos de nº 205 ao 214, que se referem à educação, é a que contempla mais sugestões do movimento dos pioneiros, tais como: a educação é um direito de todos e cabe ao Estado e à família promover e incentivá-la; gratuidade do ensino público em estabelecimento oficiais; garantia de padrão de qualidade; erradicação do analfabetismo; valorização dos profissionais do ensino e piso salarial. Quanto ao ensino integral, a Constituição não trata explicitamente, mas é abordado pela LDB de 1996, em seu artigo 34. Haddad (2010) ratifica que o atual estágio da educação brasileira tem retomado os ideais dos manifestos de 1932, contextualizados com o tempo presente. A luta no momento é para tirar do plano das ideias e colocá-las em prática. 414 |
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No momento atual, está em discursão em nível de Governo Federal, a Educação Integral. O Ministério da Educação publicou no Diário Oficial da União de 26 de abril de 2007, a Portaria Normativa Interministerial nº 17, a instituição do Programa Mais Educação, a qual visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades socioeducativas no contraturno escolar, iniciando, a partir de então, um debate nacional. Isso significa a retomada desse ideal para, a partir do aprendizado com experiências bem sucedidas, levá-lo como prática às redes de ensino dos Estados e Municípios do país. Uma pesquisa foi realizada de 2008 a 2009, por um grupo de universidades públicas federais sobre “Educação integral/ educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira”, a partir de solicitação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do Ministério da Educação (SECAD/MEC), por meio de sua Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania (DEIDHUC). Teve como objetivo investigar as experiências de ampliação da jornada escolar no ensino fundamental em curso no Brasil, identificando as principais práticas em vigor, bem como viabilizar e promover a divulgação de experiências já em curso e, com isso, promover troca de experiências, visando a melhoria da qualidade de ensino, sendo esta uma meta das políticas públicas educacionais no Brasil. A pesquisa aconteceu nos 26 Estados Brasileiros e no Distrito Federal e cobriu um total de 5.564 municípios, sendo que desses somente 2.112 responderam ao questionário enviado, representando um índice de resposta da ordem de 38%, um percentual significativo, de acordo com os pesquisadores/ pesquisadoras envolvidos/as na pesquisa. Entre os 2.112 municípios, somente 500 (23,7%) já vêm desenvolvendo esse tipo de experiência no ensino fundamental, o que significa pouca adoção dessa experiência. Entretanto, percebe-se por outros dados, que há uma tendência crescente de expansão de tal sistema. Conforme o relatório da pesquisa, a região Centro-Oeste foi a que apresentou o menor percentual de alunos envolvidos nas experiências de jornada escolar ampliada no Brasil (9%); entretanto, os dados referentes ao Distrito Federal, não foram computados no resultado final por problemas no Por uma educação inclusiva: origens no movimento de renovação educacional de 1932 no Brasil
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preenchimento e recebimento do questionário. Segundo informações obtidas no portal da Secretaria de Educação do Distrito Federal – SEEDF, existem no Distrito Federal 656 escolas públicas, destas 275, já funcionam em regime de Educação Integral, perfazendo um total de 41,92 %. É importante salientar que o projeto pedagógico das instituições educacionais participantes da proposta de Educação Integral deve: integrar conteúdos, compreender temas transversais, adotar metodologias de ensino que privilegiem a criatividade e a reflexão, estimulando o desenvolvimento da curiosidade e do saber experimentado dos alunos e vinculando a aprendizagem aos interesses e aos problemas reais dos alunos e da comunidade (GDF, 2009).
Considerações finais Os educadores citados neste artigo - Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro – sobressaíram-se pelo desejo de reformar a educação brasileira, valendo ressaltar, entre as contribuições deixadas para a educação, a defesa da escola pública, desde a escola infantil até a formação universitária e o fato de torná-la responsabilidade da União, na capital e dos estados nos respectivos territórios. (SAVIANE, 2011). Outro aspecto evidenciado foi relativo à formação de professores, a qual deve ser elevada ao nível superior e incorporada às universidades. Apesar de inúmeros esforços, isso ainda hoje não se conseguiu alcançar tal propósito. Para Demo (2007, p. s/n), qualquer melhoria na aprendizagem e na qualidade da educação a ,fundamentalmente, pela formação e qualidade do professor. Isso se constitui em um enorme desafio: “cuidar dos professores é a estratégia mais promissora, tendo em vista que sua qualidade é a pedra de toque da qualidade da aprendizagem dos alunos”. Precisamos, pois, aproveitar a ocasião para renovar o perfil do professor: um profissional devidamente formado e valorizado, construtor de uma escola inovadora que forme futuros cidadãos, críticos, participativos e solidários. Conforme Ribeiro (2004), os integrantes do Movimento pela introdução da Escola Nova no Brasil basearam-se no pragmatismo deweyano para configurar um conceito de democracia e de educação para dar e aos seus Projetos Político-Pedagógicos, eliminando o ensino tradicional, que segundo 416 |
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Saviani (2011) servia a interesses de classes. A educação proposta deveria ser construída a partir dos grupos sociais, cujos membros seriam contemplados com as mesmas oportunidades educacionais, voltada para os indivíduos e não para as classes, com base num princípio de vinculação da escola com o meio social, sendo esta uma forma para a cooperação e solidariedade entre os homens. Com relação ao Manifesto dos Pioneiros, Azevedo (2010) afirma que o grande mérito desses educadores foi a ousadia de, ao proporem nova política educacional, não terem fechado os olhos às transformações de uma civilização em mudança. Segundo o autor, a transformação do regime educacional não tem apenas o espírito atual, com seus fundamentos científicos e filosóficos, mas a consciência de que a escola deve desempenhar a aproximação dos homens, do restabelecimento do equilíbrio social. Defende a socialização da escola para o indivíduo, cada vez mais isolado, no grupo e na vida social. Entre as heranças do movimento estudado, está a educação integral, cujo debate tem sido, recentemente, desencadeado pelo Ministério da Educação. As discussões a respeito da educação integral concentram-se nas diversas modalidades, nos programas e nos serviços que a promovem: educação de tempo integral (ampliação da jornada escolar); atividades realizadas no contraturno escolar (dentro e fora da escola, sob responsabilidade ou não da escola); educação integral como inclusão social; educação integral na perspectiva da proteção de crianças e jovens. (UNICEF, 2011). A expansão da escola integral “corre por vias pragmáticas, dando-se ainda pouca atenção aos significados e intencionalidades que lhe dão sentido”. (UNICEF, 2011, p. 24). Isso porque a escola pública com educação integral a a incorporar um conjunto de responsabilidades, que não eram vistas como tipicamente escolares, mas que, se não estiverem garantidas, podem inviabilizar o trabalho pedagógico, além de exigir uma nova postura profissional que deve ser construída por meio de processos formativos permanentes. (MEC, 2009) Finalizando, ratificamos a importância das ideias oriundas da Escola Nova e dos educadores citados, pela renovação que despertaram no ensino e por ter indicado uma nova opção de aprendizado, um contraponto ao tradicionalismo educacional. Continua verdadeiro o pensamento do escolanovismo por Por uma educação inclusiva: origens no movimento de renovação educacional de 1932 no Brasil
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acreditar que a educação é um elemento eficaz para a construção de uma sociedade democrática, que leva em consideração as diversidades, o respeito à individualidade do sujeito, aptos a refletir sobre a sociedade e capaz de inserirse nessa sociedade. Conforme pensamento de Dewey, a escola não pode ser uma preparação para a vida, mas, a própria vida e a educação deve ter como eixo norteador a vida-experiência e aprendizagem e a função da escola deve ser a de propiciar uma reconstrução permanente da experiência e da aprendizagem dentro de sua vida. (HAMZE, 2013).
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20 A EDUCAÇÃO QUILOMBOLA EM MESQUITA: HISTÓRIA, MARMELO, E IDENTIDADE CULTURAL Manoel Barbosa Neres96 Wellington Ferreira de Jesus97
Introdução O trabalho que segue tem por finalidade fazer uma apreciação históricocultural do Quilombo Mesquita, região de fronteira entre o Distrito Federal e o Município de Cidade Ocidental. Os elementos a serem levantados, além do fator histórico, são o cultivo do marmelo, as manifestações culturais e sociais surgidas ou manifestas no contexto da produção do marmelo e fatores educativos (educação oficial e/ou popular) relacionados às particulares produtivas, culturais e identitárias dos quilombolas. Este artigo integra o processo de pesquisa do programa de mestrado em educação da Universidade Católica de Brasília. Portanto, insere-se em todas as particularidades investigativas, que se compõem de pesquisa etnográfica, documental, bibliográfica e entrevistas abertas e grupos focais. Trata-se, portanto, de um contexto em que é possível aproximar a documentação escrita (se bem que muito restrita) com a oralidade (bem mais ampla). Quanto ao pesquisador, este atua na condição de pesquisador participante (ANGROSINO, 2009), por tratar-se de um antigo conhecedor da comunidade 96 Mestrando em Educação pela UCB. 97 Doutor em Educação pela UFG. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB.
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estudada e dispor de um olhar moldado pela pesquisa e pela experiência. Em termo de obras produzidas relacionadas com o Quilombo, destaca-se o escrito de Melo (2000), o audiovisual de Carvalho (1975) e o Relatório da Missão Cruls (1894). Em matéria de fontes documentais, destacam-se alguns inventários existentes no Fórum de Luziânia, os quais serão abordados ao longo do presente trabalho. Além disso, um breve, mas muito importante material, é um artigo de Gelmires Reis – disponibilizado gentilmente por seu filho e responsável por seu acervo – Antônio João dos Reis. Outros materiais também serão utilizados como fundamentação teórica, os quais terão as devidas referências no decorrer da exposição. Assim, tendo por base fatores históricos, culturais, identitários e educativos, surge uma primeira pergunta: que relação pode existir entre a história, o marmelo, as práticas educativas e a identidade dos quilombolas de Mesquita? Tem-se, como pode ser percebido, o propósito de se fazer um levantamento histórico da comunidade Mesquita, relacionando fatos ocorridos que evidenciem a relação com a produção do marmelo e, consequentemente, a incidência dessa prática empreendedora na geração da cultura, das relações sociais e também do forjamento das características identitárias. Todavia, esses elementos, aqui mencionados, (história, marmelo, identidade) interessam diretamente à dimensão educativa. Por isto, como já foi mencionado, a intenção é fazer uma apreciação histórico-cultural do Quilombo Mesquita que incida diretamente na dimensão educacional dos quilombolas. Assim, primeiro far-se-á uma investigação histórica, na sequência será feita uma análise do cultivo do marmelo cruzando com elementos históricos e culturais e, por último, haverá uma discussão em um campo mais educativo. Com isto será evidenciado que a prática educativa no Quilombo Mesquita, ao mesmo tempo em que é resultante dos valores culturais (quilombolas), pode também ser um dos principais fatores responsáveis pela continuação ou interrupção dessas riquezas.
O quilombo Mesquita: origens históricas A história do quilombo Mesquita parece estar estreitamente ligada à da cidade de Luziânia, no estado de Goiás, região centro-oeste do Brasil. Uma vez que inserido no território da Antiga cidade/comarca de Santa Luzia, esse 424 |
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quilombo sofreu todas as consequências da evolução, conflito e contradições da sede municipal. Luziânia foi fundada pelo bandeirante Antônio Bueno de Azevedo e sua tropa, no ano de 1746, quando percorria a região de Goiás à procura de ouro,conforme afirma Melo (2000). Como aconteceu da descoberta das minas do precioso metal ocorrer no dia 13 de dezembro (dia de Santa Luzia), Antônio Bueno homenageou a santa, dando o nome de Santa Luzia a essa região de extração mineral. A partir desse dado pode-se compreender a primeira atividade laboral dos escravos desta região, a qual se relaciona à extração mineral. Assim parece apropriado mencionar Guimarães Rosa (1986), em relação aos escravos garimpeiros: “Dali vindo, visitar convém ao senhor o povoado dos pretos: esses bateavam em faisqueiras – no recesso brenho da Vargem-da-Cria – donde ouro já se tirou. Acho, de baixo quilate. Uns pretos que ainda sabem cantar gabos em sua língua da costa (p. 30)”. Esta relação da sociedade com a exploração aurífera foi tão intensa que, ainda hoje, encontra- se registrada no imaginário popular, justificada pelo fato de que pessoas entrevistadas afirmaram crer na possibilidade de ainda haver do ouro escondido pelos escravos. Esta afirmação é acompanhada também da crença em fenômenos misteriosos, como o aparecimento de “bolas de fogo” ou “tochas de fogo” que circulam em áreas suspeitas de guardarem o referido metal. O vínculo político do Quilombo Mesquita com Luziânia durou até 1990, quando Cidade Ocidental obteve sua emancipação, sendo Mesquita inserido juridicamente no novo município. Todavia, isto não significa que as relações sociais e econômicas dos mesquitenses, com a antiga sede municipal, sofreram alterações substanciais desde então. Considerando, portanto, a proximidade histórica, uma vez que Luziânia foi fundada por bandeirantes, há fortes evidências que Mesquita tenha surgido como resultado direto da ação dos exploradores paulistas (apossandose das terras na região do atual Quilombo) ou como consequência de sua ação escravista em Luziânia (que resultou na fuga dos escravos). Assim, conta a narração popular que o Quilombo surgiu com a doação da fazenda pelo antigo proprietário, capitão Manoel Mesquita, a três escravas. Mesquita retornou a A educação quilombola em Mesquita: história, marmelo, e identidade cultural
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suas terras de origem, enquanto as três escravas continuaram na fazenda onde tiveram muitos descendentes. Em depoimento colhido por Borges (1989), os nomes das escravas seriam: Teresina, Freguesina e Franquina. Quanto à possibilidade de retorno de Mesquita a Portugal ou ter ido a outra região do Brasili, não parece ser uma hipótese desprezível, pois segundo Machado (Talita, 2007, apud Reis, 1925), após o esgotamento da mineração em Luziânia, muitos mineradores abandonaram Santa Luzia, enquanto boa parte dos escravos permaneceram na região. Esta versão é também sustentada, oralmente, por muitos mesquitenses, narrando o que ouviram de seus anteados. Assim, após o fim do ciclo do ouro ou depois da proclamação da Lei Áurea (1888), escravos alforriados aram a viver na Fazenda Mesquita, constituíram famílias, dando origem ao povoado. Por conseguinte, embora não se possa falar de provas irrefutáveis em relação à história mesquitense, não há como negligenciar evidências importantes. Segundo Melo (2000), Antônio Bueno de Azevedo veio da região de Atibaia, próxima a capital paulista. Junto aos personagens da família de Azevedo, não parece constar alguém com o sobrenome Mesquita. Contudo, na região de Itu, existia um considerável clã com esse sobrenome. Segundo Leme (1903-1905), a família Mesquita teve sua sede em Itu, de onde se pode falar dos personagens capitão José Manoel de Mesquita, seu filho José Antônio de Mesquita (o qual teve seu nome mudado para capitão José Manoel de Mesquita, que se casou com Gertrudes de Campos Almeida). O filho deste último também recebeu o nome de José Manoel de Mesquita (formado em direito, casado com sua parenta Angela Whitaker). Este casal teve quatro filhos: José Manoel de Mesquita, Gertrudes de Mesquita, Ilidia de Mesquita e Felicíssima. Considerando as quatro gerações de José Manoel de Mesquita (três deles capitães), não parece impossível que um deles tenha integrado as caravanas dos bandeirantes e fundado o povoado que recebeu seu nome. Então o “Manoel Mesquita”, poderia ser um dos capitães da família Mesquita. Esta hipótese recebe ainda um importante reforço na tradição oral, onde alguns atuais moradores afirmam terem ouvido de seus anteados que João Mesquita deixou filhas no Mesquita. Estas seriam Maria do Nascimento, Gertrudes e 426 |
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Margarida. De fato, na árvore genealógica da família Mesquita em Itu, consta uma Gertrudes Mesquita. Assim, caso seja verídico o fato de Manoel Mesquita ter uma filha chamada Gertrudes, poderia ser uma homenagem à sua parenta de Itu. Informações da família Mesquita podem ser também encontradas em Minas Gerais, onde há uma cidade com esse nome. Este título foi dado em homenagem a José Jerônimo de Mesquita – seu colonizador - o qual recebeu o título de Barão de Mesquita, pelo rei D. Pedro II. O Barão de Mesquita era casado com Maria José Vilas Boas de Siqueira Mesquita, e com ela teve a filha Jerônima Mesquita. Os mesquitas, segundo Catoni (2009) eram bem avançados para a sua época. Conta que eles criaram em sua fazenda em Leopoldina uma escola de música para escravos, o que resultou em uma orquestra onde os próprios cativos eram os músicos. Além disso, a família Mesquita foi pioneira na libertação dos escravos, fato este ocorrido ainda antes da Lei Áurea (1888). Um caso a parte é o da filha Jerônima. Esta depois de separar-se do marido – com o qual tinha sido obrigada a casar-se com 17 anos de idade – teve uma vida social muito influente. Participou da Cruz Vermelha, trabalhou duramente pelos pobres e abandonados de seu tempo e foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). O Barão de Mesquita, levava vida bem agitada, pois além de possuir propriedade em Minas Gerais tinha, residia, também, no Rio de Janeiro. Lá seu pai havia recebido o título de Barão de Mesquita das mãos de D. Pedro II. Considerando assim, a itinerância da família Mesquita entre São Paulo e Minas – na época dos bandeirantes. A hipótese de um Mesquita ter ado pela região do atual Quilombo Mesquita parece bem razoável. Há ainda a versão de que as terras foram compradas do sargento-mor José Correa de Mesquita (Machado, 2007), todavia, em matéria de tradição oral, o nome que aparece com frequência é o de Manoel Mesquita. De fato, o nome Mesquita perou as diversas fases da história do Quilombo. Em documento do Fórum de Luziânia (1943) constam diversos nomes, variáveis de Mesquita: Fazenda Mesquita, Sítio do Mesquita, Tapera do Mesquita, Fazenda Mesquita dos Crioulos, Fazenda Mesquita dos Pretos. Há também o título de Arraial dos Pretos, e “Arraial dos crioulos” (Gelmires Reis), A educação quilombola em Mesquita: história, marmelo, e identidade cultural
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uma referência direta aos escravos ou descendentes habitantes de Mesquita. Este penúltimo nome é também registrado no documentário “Quilombo”, de Wladimir Carvalho (1975), o qual cita o relatório da Missão Cruls que ou alguns dias na região. Entretanto, o trabalho de Carvalho e da Missão merece uma atenção particular, o que será feito a seguir.
Relatório da Missão Cruls Uma importante prova para se verificar o grau de consolidação histórica do Quilombo Mesquita é o Relatório da Missão Cruls (1894). Seis anos após o oficial encerramento da escravidão no Brasil. A primeira informação a destacar é o fato do relatório usar abundantemente o nome Mesquita em relação ao principal corredor de água da localidade. Assim o Rio Mesquita é mencionado ordinariamente, evidenciando assim o conhecimento vasto em relação ao nome Mesquita. E junto a este nome, menciona-se também outros de grande importância para os quilombolas do lugar, os rios Saia Velha e Santa Maria. Outro caso importante para este trabalho de levantamento histórico é a utilização insistente da palavra “Quilombo” no relatório Cruls (1894). Isto pode ser verificado a partir da página 169. Embora o uso do termo “Quilombo” nesse relatório não parece fazer uma referência direta ao Mesquita, parece evidenciar que a realidade quilombola era sabida na região à época dos estudos preparatórios à construção de Brasília.
“Quilombo” de Wladimir Carvalho Talvez quando o cineasta brasileiro Wladimir Carvalho decidiu fazer uma visita ao Quilombo Mesquita, com intuito de documentar os seus hábitos comuns e transformá-los em filme, não tivesse ideia da importância de seu feito para a causa histórica, cultural e política dessa comunidade. Segundo narra o autor, ficou sabendo da existência do Mesquita por meio de um aluno seu da Universidade de Brasília, que o convidou para conhecer Luziânia. Nesta cidade, o referido estudante mencionou a existência de um canal que havia sido construído por escravos. O canal captava água do longínquo Rio 428 |
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Saia Velha (atual divisa com a cidade de Valparaízo de Goás) para ser usada na mineração do ouro em Luziânia, a qual encontrava-se em pleno vigor. Este mesmo informante disse que o canal – que recebeu o nome de Córrego das cabaças – tinha sido construído por antigos escravos do Mesquita, quilombo próximo à cidade de Luziânia. O referido contato de Wladimir Carvalho se chama Néviton Carneiro Lobo, jurista, fundador da Associação Comercial e Industrial de Luziânia. Em contato por telefone, sua esposa demonstrou considerável conhecimento do povoado Mesquita, o qual definiu como lugar caracteristicamente de pessoas negras, surgido possivelmente ainda no tempo da escravidão e que era conhecido por “Arraial”, onde os “mesquiteiros” eram tidos por descendentes de escravos. Convém destacar, conforme mencionado acima, que entre os nomes do atual Quilombo Mesquita, consta o de “Arraial dos Pretos”. Quando Carvalho soube da existência do quilombo, interessou-se imensamente pela questão e buscou de várias formas os meios para chegar aos quilombolas. Enfim, conseguiu do Pároco de Luziânia, o encaminhamento para falar com um líder quilombola do momento, Sr. Benedito Antônio, em Mesquita. Tendo esse senhor por interlocutor, Carvalho buscou investigar com cautela a história contata e, ao mesmo tempo, registrar a vida e hábitos dos mesquitenses da época. Assim, suas lentes documentaram o cultivo do marmelo, a produção e consumo da marmelada, as festas tradicionais (folias em particular) e os desafios surgidos a partir da pressão imobiliária advinda da construção de Brasília. Nas idas e vindas do processo de documentação, Wladimir conheceu também três importantes personagens do Mesquita, os quais apareceram com destaque na versão final do documentário. Estes foram os três irmãos, Etelvino Teixeira Magalhães, Malaquias e Leão, importantes fontes do referido cineasta. Em entrevista concedida para a realização deste trabalho, Wladimir de Carvalho, expressa pesar pelas mortes trágicas de Etelvino e de Malaquias. Etelvino foi vítima de atropelamento por um caminhão e Malaquias, morreu em decorrência de envenenamento, pois trabalhava aplicando pesticida nas plantas. Tais ocorridos levaram Wladimir a retratá-los como vítimas do progresso promovido pela a construção de Brasília. Fato é que o cineasta A educação quilombola em Mesquita: história, marmelo, e identidade cultural
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começou os contatos em Mesquita por volta de 1970. Porém, não teve condições de começar imediatamente as filmagens. Só dois anos depois retornou com os equipamentos para efetiva realização do projeto em questão. Assim, Etelvino e Malaquias já havia falecido. Antes, porém, tinham confirmado para ele a história mencionada por Néviton Carneiro: a construção do “Córrego das cabaças” e o vínculo histórico de Mesquita com o tempo da escravidão. O caso Etelvino ilustra ainda a história mesquitense, uma vez que o local do acidente é o ponto onde o engenhoso “Córrego das cabaças” beirava a serra e atualmente cruza a Rodovia BR 040 – trecho onde se encontra a Cidade Osfaia (GO). Retornando ao Quilombo Mesquita, embora não encontrando mais Malaquias e Etelvino, Wladimir Carvalho ou a executar o projeto, agora com a contribuição de Benedito Antônio, o seu Dito, o qual pela notável habilidade e conhecimento em falar as histórias do lugar, acabou sendo constituído narrador do documentário. Carvalho explora longamente a cultura do lugar, como as folias e particularmente, a produção do marmelo. Esta fruta é registrada pelas lentes desde as primeiras limpezas dos marmeleiros com a enxada, ando pelo período de floração, amadurecimento, colheita, produção do doce e degustação. Em sua obra, Carvalho (1975) apresenta dois dados significativos para a história de Mesquita. Primeiro afirma que o Relatório da Missão Cruls chama este quilombo de “Arrail dos Pretos”, título este encontrado também em um dos inventários da época. Outro elemento de destaque é o próprio título do filme: “Quilombo”. Em entrevista concedida para este trabalho de pesquisa, Wladimir de Carvalho afirmou que se sentiu muito seguro em escolher o referido título, uma vez que as evidências eram muitas claras em relação aos aspectos quilombolas de Mesquita. Assim, dado que o Relatório da Missão Cruls é de 1894 e o filme de Wladimir de 1975, percebe-se que há uma aproximação muito grande dos fatos, uma vez que oficialmente, a escravidão terminou em 1888. A postura das duas fontes parece encaminhar para a existência de uma convicção popular de que a história do Mesquita está ligada de fato à resistência (física ou cultural) dos negros em relação à classe dominante. 430 |
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Trinta e oito anos após a conclusão do filme – o que ocorreu em 1975 – Wladimir retorna ao mesmo lugar com outro projeto. É o dia oito de setembro de 2013. Agora projeta o filme – o que não foi possível antes –, promove discussão com os espectadores quilombolas, e faz uma extensa documentação dos antigos personagens e lugares para verificar o estado em que se encontram. Como não foi possível concluir os trabalhos, o cineasta retornou ao Mesquita no dia 10 (dez) de novembro de 2013. Após esses procedimentos, pretende fazer um documentário do documentário. Tem sido um momento bastante rico, pois as pessoas que assistem a obra dialogam com sua história, relembram o ado, veem a imagem de parentes que apenas tinham ouvido falar e reconhecem os valores de sua identidade.
A coluna Siqueira Campos A década de 1920 foi marcada pelos movimentos revolucionários dos militares avessos à política da República Velha. Entre esses destacou Luís Carlos Prestes, o qual percorreu o Brasil levando o ideal revolucionário de 1925 a 1927. Outros militares se destacaram também no movimento, entre eles, Siqueira Campos. Foi exatamente este militar que ou com sua tropa no Arraial Mesquita. Era o ano 1927, a notícia se espalhou provocando grande agitação na região, inclusive em Luziânia, sede do município. Os “revoltosos” primeiro dirigiram-se à Fazenda Água Fria, próximo ao Rio São Bartolomeu, onde foram bem acolhidos pelo proprietário. Depois deslocaram- se em direção à Fazenda Barreiros, mas lá não entraram. Seguiram viagem em direção ao Mesquita e acamparam na Fazenda Xavier. Lá tiveram uma grande festa, com matança de animais e refeição abundante (Borges, 1989). No Quilombo Mesquita, os militares depararam com trabalhadores da família Melo (negros) que conduziam seis burros carregados com mantimentos. Apossaram então dos produtos e os consumiram. Segundo Melo (2000), os “revoltosos” aprisionaram muitos mesquitenses - que ele os chamam de “pretos” - para juntarem a seu exército. Em seu trabalho de pesquisa, Borges (1989) menciona testemunho de Benedito Antônio da Costa. Este menciona nomes de mesquitenses arregimentados pela Coluna Siqueira Campos. Foram Pio, Tonho Benedito, José Teixeira Magalhães e José Pedro. Todavia, o único A educação quilombola em Mesquita: história, marmelo, e identidade cultural
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que seguiu viagem com os agitados visitantes foi Raimundo, empregado de Tunica. Verifica-se mais uma vez - agora por meio desse fato histórico narrado, que os mesquitenses eram conhecidos como negros na região, uma vez que Melo (2000) usa a expressão “pretos do Mesquita”. Juntando-se a termos usados anteriormente, por exemplo, Fazenda Mesquita dos Crioulos, Fazenda Mesquita dos Pretos, Arraial dos Pretos, Arraial dos Crioulos, torna-se necessário assegurar – com as devidas ponderações – que essa comunidade é de origem escrava.
O cultivo do marmelo e a constituição de uma identidade quilombola Com o fim do ciclo do ouro, muitos exploradores do metal foram embora do município de Luziânia. Os que permaneceram no lugar tiveram que encontrar outra alternativa econômica. Os mesquitenses optaram pelo marmelo, cultivo que se transformou no principal símbolo da produção e cultura da região. Desta fruta pode-se fazer doces, geleias, sopas, caldos e outros mais. Sobre isto, Reis (1950), afirma que o marmelo foi trazido à região e plantada a primeira muda, em 17 de novembro de 1770. Tal feito deve-se a João Pereira Guimarães, que trouxe uma muda da Bahia, e plantou em sua fazenda Engenho da Palma. A planta se adaptou muito bem na região e segundo Melo (2000), as terras férteis permitiram o cultivo abundante, tendo por principais centros produtores fazendas Ponte Alta, Barreiros, Jataí, Vargem, Mesquita, Santa Bárbara, Riacho frio. Segundo Reis (1950), o local onde o marmelo mais deu certo foi a Fazenda Mesquita. Para ele, nesse ambiente, a planta ficava mais vistosa, produzia mais no tamanho e na quantidade dos frutos e sem a necessidade de grandes cuidados de adubação. Reis (1950) ainda afirma ser Mesquita lugar adequado a um campo experimental de alto padrão com a finalidade de pesquisa para melhorar a qualidade, enfrentamento ao ataque das pragas e assim, garantir a permanência do cultivo do marmelo. A cultura do marmelo desenvolveu-se no Quilombo Mesquita com traços bem particulares. Melo (2000) detalha longamente os acontecimentos 432 |
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ocorridos no processo de cultivo, envolvendo o trabalho e as relações. Narra esse autor que, o trabalho em grande parte era realizado em mutirão, os quais se davam até aos domingos. Durante o dia ocorria o trabalho muito animado e à noite havia sempre uma atividade de lazer: festas, jogos de cartas ou outra diversão. As atividades comunitárias eram mesmo muito intensas. Borges (1989) cita um importante morador da época, o qual narra com certa nostalgia o mutirão que era conhecido por “bate-capoeira-treição”. Os moradores combinavam com certa antecedência o mutirão na roça de um dos residentes que estivesse precisando a execução dos serviços (como por exemplo, a poda do marmelo). Sem que o morador estivesse sabendo, os participantes do treição, chegavam ainda de madrugada, animados, cantando e falando boas prosas. Assim começavam o dia, e à noite, todos se divertiam em animada festa. A cultura do marmelo tornou-se assim também uma referência cultural, pois ela foi constituindo-se oportunidade para as pessoas produzires, se relacionarem-se, moldarem seus valores culturais, sociais, religiosos e econômicos. Para ilustrar melhorar essa questão, convém mencionar que a principal festa do Quilombo Mesquita ocorre no mês de agosto – período de poda dos marmeleiros. A referida festa é a de Nossa Senhora da Abadia, que tem seu auge em 15 de agosto, mas que é antecedida de novena e folia. Em termos econômicos, as atividades do marmelo trazem também uma constatação importante para os mesquitenses e outras pessoas da região. Com o fim do trabalho escravo e a ausência de dinheiro em grande quantia, a alternativa mais viável em termos de mão-de-obra, a a ser as ações comunitárias. Por isto a importância do mutirão. Nele, negros e brancos trabalham em uma dimensão igualitária, o que parece muito comum nas tribos africanas e indígenas. Abordando as relações sociais da produção do marmelo, Santos (2012), defende que o processo ocorre na tríplice dimensão de terra, família e o trabalho do marmelo. Assim, seria inconcebível discutir o Quilombo Mesquita sem essas três relações. De fato, as terras no Mesquita são férteis na qualidade do solo e na existência de água. Assim, além do marmelo, o local é muito adequado ao cultivo de outras frutas, como, mexerica, laranja, A educação quilombola em Mesquita: história, marmelo, e identidade cultural
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jabuticaba. Produção também de cereais e verduras, além da criação de animais. Todavia, o marmelo é o produto que mais identifica a economia mesquitense. Portanto, não foi à toa que Guimarães Rosa (1986) registrou: “Pois de repente trouxe e ofertou a Diadorim, de regalo, uma caixeta da boa e melhor marmelada goiana, dada a valores: - ‘Ademais o senhor prove o de que demais gostará... A de Santa Luzia, perto desta perde por famosa..’.” (p.503504). A relação com a terra dar-se também em uma dimensão de sustentabilidade por meio do cultivo artesanal do marmelo e na produção caseira da marmelada. Todavia, compreendendo a sustentabilidade em uma visão ampla - onde se encontram elementos relacionais e componentes de visão holística - pode-se perceber que da produção do marmelo houve desdobramentos sociais, por exemplo, surgimento das festas, trabalhos coletivos (mutirões), constituição de elementos identitários; fatores típicos de um contexto, que podemos classificar de auto-sustentável. Assim encontramos quilombolas, que se dedicam à prática da produção orgânica, como pessoas investigadas por este trabalho de pesquisa. Tais pessoas nem só desenvolvem sua prática sustentável como também a transmite aos interessados, fornecendo, gratuitamente, produtos feitos por eles próprios, o que é o caso de repelentes naturais usados em substituição aos inseticidas tradicionais. A postura sustentável da comunidade mesquitense pode ser verificada também em outras ações típicas, por exemplo, a antiga prática de limpar os córregos. Se bem que não haja nenhum estudo científico que mostre as vantagens ou desvantagens do fenômeno, fato é que os quilombolas de Mesquita, tradicionalmente limpam seus regatos. Este hábito tem garantido vantagens como poderem lavar roupa, cultivar hortaliças, criar peixes, contribuir com o embelezamento do povoado ou proporcionar prazer ao se ouvir o barulho de uma bica d’água na pia de sua cozinha. Outro elemento expressa com mais firmeza a mentalidade sustentável da comunidade quilombola de Mesquita. Ocorre que, com o crescimento da especulação imobiliária, os quilombolas vêm sendo pressionados a deixarem seus hábitos tradicionais de lidar com a terra. Os especuladores buscam forçar de diversas maneiras a implantação de uma visão moderna depredadora. Assim, 434 |
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ocorreu que um grupo empresarial começou a construção de condomínios no local e para isto começou a desmatar grandes áreas de mata virgem. Revoltada, a população liderada pela quilombola Sandra Pereira Braga, iniciou um movimento de resistência, que culminou na suspensão do empreendimento e aplicação de multa aos infratores por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA). Outras ações ocorridas podem ainda ser aqui registradas. Assim, mencionase a criação do viveiro do quilombo, projeto patrocinado pela Fundação Banco do Brasil (FBB) e conduzido por quilombolas ligados à Associação Renovadora do Quilombo Mesquita - AREME. O projeto, atualmente, encontra-se em notável desenvolvimento, em estágio de segundo ciclo de produção e adquirindo seu caráter sustentável. Convém também mencionar a ação promovida por membros do Projeto Som de Quilombo, quando seus participantes promoveram a coleta de resíduos sólidos das nascentes, riachos e ruas do Quilombo. Por último, retomando o episódio do “Córrego das cabaças”, com a finalidade de identificar as marcas do antigo ponto de captação da água no Rio Saia Velha, alguns moradores empreenderam uma visita ao local (no dia 04 de agosto de 2013). Seguindo algumas antigas referências (fazendas, morros e formação ribeirinha) e, principalmente, a orientação de um quilombola experiente, um local suspeito foi identificado, o qual aguarda um procedimento mais científico para investigar o lugar com maior precisão. Assim, as ações citadas não comprovam por si uma mentalidade sustentável homogênea da população do Quilombo Mesquita. Porém, evidencia que a preocupação sustentável existe e que boa parte da população conscientemente se envolve na questão, o que pode ser importante indicativo às entidades públicas e civis, as quais têm a missão de promover uma cultura sustentável em maior escala.
A dimensão educativa: omissões e ações A atividade educativa, aparentemente, foi sempre levada em conta pelos quilombolas do Mesquita. Informações extraídas das entrevistas realizadas revelam dados importantes. A primeira informação é que Etelvino A educação quilombola em Mesquita: história, marmelo, e identidade cultural
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e Malaquias foram professores na época. Considerando que Carvalho (1975) aponta os dois como importantes lideranças, é significativo o fato de que eram também educadores. Outro dado importante é que, devido à ausência do Estado no local, os próprios quilombolas contratavam professores, cediam terreno e ainda construíam o prédio escolar. Este feito hoje é reconhecido na comunidade, uma vez que a escola local e de outro povoado vizinho levam o nome de um antigo quilombola, Alípio Pereira Braga. Acrescenta-se a isso o fato de que boa parte de educadores, atualmente, na escola seja composta por quilombolas. Além disso, há também a participação dessas pessoas em cursos e atividades oferecidas pelo governo e entidades, com a finalidade de promover capacitação para uma educação mais adequada aos valores quilombolas. Todavia, em matéria de educação quilombola há algumas preocupações. Segundo levantamento feito por meio de entrevistas e grupos focais, há muitas personalidades políticas e empresariais contrárias à abordagem quilombola nas atividades educativas. Tais pessoas têm intervindo diretamente na condução das ações educativas. Pressionam a direção e professores para não adotarem uma prática educativa consonante aos valores quilombolas. Mais agravante ainda é a constatação de existirem professores totalmente contrários ao Quilombo e, inclusive apresentarem posturas preconceituosas em suas práticas pessoais e profissionais. De qualquer forma, entre as luzes e as trevas da dimensão educativa, há valores que precisam ser levados em conta na educação mesquitenses: a história, a cultura (festas, danças, movimentos culturais), as formas organizativas (mutirões), a produção do marmelo, a dimensão ecológica. Esses elementos explicitados ao longo deste trabalho constituem em aspectos que podem contribuir à prática de uma educação que tenha por preocupação a explicitação, o conhecimento, a divulgação e a permanência das riquezas produtivas, culturais e identitárias do Quilombo Mesquita. Riquezas essas que só podem ser levadas adiante por meio de atividades educativas oficiais e também populares.
Considerações finais Retomando o problema de pesquisa - relação entre a história, o marmelo, as práticas educativas e a identidade dos quilombolas - parece evidenciado que 436 |
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tais elementos se entrecruzam na exposição feita até aqui. Isto se esclarece, por exemplo, na abordagem de Santos (2012), quando afirma que há uma relação direta entre terra, família e o trabalho do marmelo. Melo (2000), por sua vez, ao mencionar as ações de mútua ajuda nos trabalhos do marmelo, traz à tona importantes traços coletivistas vivenciados no Quilombo e arredores. A produção do marmelo parece ter favorecido também o surgimento de uma dimensão sustentável, evidenciada no cuidado com os córregos, produção orgânica e relações coletivas. Por outro lado, o processo de conscientização, que vem ocorrendo na comunidade, tem aumentado sensivelmente nos quilombolas o interesse por sua história e pelos traços particulares da ancestralidade africana. O que não significa que não surgiram também movimentos contrários a essa direção. Entretanto, a mobilização propositiva liderada pela Associação Renovadora do Quilombo Mesquita, obtém grande adesão por meio dos projetos, parcerias com instituições tais como Universidade de Brasília, Universidade Católica de Brasília (Projeto UCB Valores Quilombolas), Fundação Banco do Brasil, Rede Terra e órgãos governamentais.
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BORGES, C. Mesquita, uma comunidade negra: Brasília, 1989, BRASIL. Lei 11.645 de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em:
. o em: 26/6/2012. CRULS, L.1894. Relatório Cruls: Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1894. GOIÁS. Câmara Municipal de Luziânia, Indicação nº. 001/2012/CML. “Solicita o tombamento estadual do Rego das Cabaças em Luziânia/GO”. Disponível em:
. o em: 07/080/13. GOIÁS. Tribunal de Justiça de Goiás. Comarca de Luziânia. Inventário n. 3362, 1962. GOIÀS. Tribunal de Justiça de Goiás. Comarca de Luziânia. Processo n. 4.300.000.735, 1943. GUIMARÃES ROSA, J. Grande sertão: veredas, 22 ed. Rio de Janeiro, 1986. LEME, L.G.S. Genealogia paulistana, v. III, p. 368-404, 1903-1905. Disponível em:
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LOPES, N. Bantos Malês e identidade negra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. MACHADO, T. C. Território e identidade na globalização: estudo de caso na comunidade remanescente de quilombo Mesquita no município de Cidade Ocidental (GO), Brasília, 2007, texto não publicado. MELO, B.A. No caminho da história. Brasília: Athalaia, 2000. CARVALHO, Wladimir de. Quilombo. Brasília, 1975. REIS, G. Os nossos marmelais. O Anápolis, Anápolis, n.1010, 06 ago. 1950. REIS, G. Arraial dos crioulos, texto em poder de seu filho e curador, Antônio João dos Reis. SANTOS, I. R. dos. “Tá fazendo marmelada, compadre?” Um ensaio sobre a cultura do marmelo em Mesquita. Goiás. In: 3º Prêmio Territórios Quilombolas, Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2012.
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21 ILUMINISMO E EDUCAÇÃO: O PAPEL DA ENCICLOPÉDIA E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO LIBERAL. Antídio de Andrade Carvalho98
Introdução O presente artigo faz parte da avaliação da disciplina Pensamento Pedagógico e Política da Educação do Curso de Mestrado da Universidade Católica de Brasília. Entusiasmado com a apresentação do Seminário sobre Iluminismo e a sua importância para o desenvolvimento de uma pedagogia inovadora no processo de ensino aprendizagem das escolas no contexto do século XVIII, o autor encontrou na Enciclopédia um espaço relevante e sistematizador do conhecimento daquela época. Com uma metodologia inovadora, de forma consistente, o conhecimento foi organizado, em forma enciclopédica. Por considerar a Enciclopédia como portadora de um capital intelectual na transformação social, surgiu o interesse pelo desenvolvimento deste artigo. O presente artigo vai buscar, na fundamentação da origem da construção do método científico, retratar como os filósofos iluministas superaram a visão mítica e, do crível da fé, sobre a transmissão de um saber cultural que mantinha o status quo da sociedade vigente. Assim, vai contextualizar o Iluminismo dentro do contexto social do absolutismo da França, rompendo 98 Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica, MG. Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Católica de Brasília e Mestrando em Educação pela Universidade Católica de Brasília.
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a cosmo visão na qual a sociedade estava submetida pela ideologia dominante daquela época. A partir do paradigma do antropocentrismo e, do crível da razão, o texto vai revelando o ‘pensamento iluminista’ e como as ideias do século das luzes, sob os pilares da Liberdade, Igualdade e Fraternidade vão encontrar na obra Enciclopédia de Diderot e D’Alembert um espaço de informação e formação crítica da sociedade. Assim, estes ideais filosóficos do iluminismo são capazes de inovar e propor um novo modelo de escola e a transformação de forma revolucionária de sua realidade política, econômica e social.
Gênese do Iluminismo Os primeiros pontos de luz nas trevas do pensar livre, provocados pela rendição da razão à soberania da fé durante a chamada Idade Média, são percebidos nas obras de pensadores como Copérnico que, em sua defesa e interpretação da teoria heliocêntrica provocou uma verdadeira revolução. Era possível interpretar o universo pela própria lei da natureza no uso da razão. (ABBAGNANO, 1970) O emergir das ideais iluministas vão se confirmando com a era do Renascimento cultural, científico e artístico do Século XVI. Como lembra Abbagnano (1970) os renascentistas encontram na razão e na ciência as bases para a compreensão do mundo. O homem se torna um modelo para si mesmo; pelo uso da razão, pelo progresso das ciências e das técnicas, ele toma posse da natureza e aumenta o seu poder de conhecimento. Os quatro principais precursores do Iluminismo foram Descartes, Bacon, Locke e Newton. O primeiro, francês, René Descartes foi considerado o pai do racionalismo moderno e sua principal obra foi o ‘Discurso do Método’. Nessa obra, adotou a dúvida sistemática como meio para encontrar a verdade. Segundo Descartes (apud COTRIM, 2001) deveríamos duvidar de tudo, ou seja, a dúvida seria a premissa das coisas. René Descartes defendia que somente através de métodos lógicos e racionais o homem poderia atingir o conhecimento científico. Para ele, a única verdade inquestionável era a existência dos próprios pensamentos. Daí sua célebre frase: Penso, logo existo. (COTRIM, 2011, p.247)
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O segundo pensador, também precursor do Iluminismo, foi o inglês Francis Bacon. Considerado o revolucionário do método científico, ou seja, da ciência, foi o responsável por ter criado a experimentação científica, na qual a conclusão deve ser comprovada pela experiência e pela prática. O inglês John Locke foi o terceiro filósofo iluminista que defendia a ideia de que o conhecimento da realidade aconteceria, basicamente, através da experiência. Assim, defendia a tese de que o cérebro humano era uma tabua rasa, na qual, as ideias provenientes da experiência sensível, que ele possui com a realidade, eram marcadas. Na política, John Locke foi um crítico do absolutismo e defensor da liberdade plena do cidadão. O quarto precursor do pensamento iluminista foi Isaac Newton, também de origem inglesa. Para este pensador iluminista, a função da ciência é descobrir leis universais e enunciá-las de forma precisa e racional. Os fenômenos naturais são regidos por leis naturais. Ele criou a ‘lei da gravidade’ e é considerado o pai da Física Moderna. (FALCON, 1994) Os quatro pensadores iluministas descritos acima foram de fundamental importância para a mudança de mentalidade da sociedade européia. “Precisamos, pois, de um novo paradigma, uma nova visão da realidade, uma mudança fundamental em nossos pensamentos”. (CAPRA, 1982, p. 14) Estamos diante de uma nova visão da realidade, que permita que as forças que estão transformando o nosso mundo possam fluir como um movimento positivo de mudanças social.
O iluminismo como ‘Século das Luzes’ Para Gauthier e Tardif (2010) a palavra ‘luzes’ significa o triunfo da razão da racionalidade. Trata-se da ciência das artes e da técnica a serviço do progresso e da felicidade humana. O progresso e a felicidade podem ser literalmente construídos graças à razão. Toda a realidade material ou moral é analisável . Por isso o ser humano desempenha o papel de padrão e medida daquilo que é ou não racional. Na ideologia dos filósofos, no Século das Luzes, opõem a razão à fé, à autoridade e à ignorância. Contra a tradição e a tutela do poder eles pretendem devolver ao ser humano a sua liberdade e o homem, através da razão, torna-se a sua própria medida em relação a sua realidade. Iluminismo e educação: o papel da enciclopédia e a construção do projeto liberal
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Dentro deste contexto, “A igreja acabou por ser percebida como um entrave à liberdade de expressão, um freio para a pesquisa e para o questionamento científico, em síntese, um freio para a razão.” (GAUTHIER e TARDIF 2010, p.153). Segundo os mesmos autores, a razão também se opõe aos poderes políticos do absolutismo monárquico. Assim como a Igreja, estes poderes são vistos como a expressão de certo obscurantismo. Estes poderes, como se fossem expressão de direitos divinos, repousam sobre o arbítrio de uma autoridade. Por isso mesmo, não podem garantir as liberdades individuais. A razão eleva a chama das luzes, apresentando-se como uma realidade positiva que se traduz de formas múltiplas como os direitos do indivíduo, os direitos coletivos e a universalidade do gênero humano. Se todos os seres humanos são iguais, segue-se que a vontade geral de todos os indivíduos deve ser o critério sócio- político, econômico e religioso de todas as suas realizações. A razão não serve apenas para conhecer o mundo, mas também para agir sobre ele. Assim, a decisão referente à coisa pública deve, necessariamente, ser tomada por todos e não apenas pelo rei, pelos nobres ou pela Igreja. “O racionalismo do século das luzes é orientado para a vita activa e não para a vida contemplativa como na escolástica da Idade Média – isto é, para as realidades terrestres, para o mundo real, para a vida ativa e prática.” (GAUTHIER e TARDIF, 2010, p. 155).
A Enciclopédia no contexto do Iluminismo e o seu papel na educação. O Iluminismo, movimento que transformou a visão antropológica do mundo na Idade Moderna, encontrou espaço para aflorar em razão da modificação do cenário político europeu da época. O homem, antes servo do senhor feudal, limitado, agora ganha uma nova roupagem e uma visão do mundo. O homem ou a ser o centro dessa nova concepção antropológica e a razão seu principal instrumental para impulsionar o progresso. As potencialidades do homem precisavam ser incentivadas. O volume de novas ideias e pensamentos que, buscavam reexplicar o mundo com, base na visão iluminista, assumiu grandes proporções durante o século XVII. No propósito 444 |
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de reunir esse conjunto de ideias, alguns intelectuais ses, como Denis Diderot e D’Alembert, foram os responsáveis por produzir uma grande enciclopédia (publicada entre 1755 e 1772) que pudesse fornecer ao público as principais ideias do movimento iluminista. Para Chevé (2009), a enciclopédia tinha como elementos norteadores a liberdade individual, comercial, industrial, de pensar, escrever e publicar; oposição clara às ideias religiosas e ao absolutismo político, que eram considerados obstáculos para a liberdade. Vários intelectuais da época colaboraram nesse projeto, entre eles, Buffon (naturalista francês), Jacques Necker (economista e político suíço), Turgot (economista francês), Condorcet (filósofo, matemático e político francês), Rousseau, Voltaire e Montesquieu (principais filósofos do Iluminismo). Eles escreveram sobre filosofia, política, economia, artes, ciências, educação e o saber em geral. Segundo Boto (1996), a Enciclopédia, no ano de 1757, com mais de quatro mil s, conseguia divulgar, didaticamente, as ideias iluministas para o seu público. E, assim, os seus escritores e colaboradores, portanto novos formadores da opinião pública, vão inseminando uma nova maneira de ler e interpretar a realidade naquele contexto social. Os verbetes complementar-se-iam uns aos outros, multiplicando na sociedade o contingente de letrados, que – acreditava-se – estariam mais propensos a alcançar a virtude. Entende-se que os conhecimentos estariam todos ligados entre si, formando com isso uma cadeia ível de ser examinada pela curiosidade humana. A cultura do escrito vinha, naquela sociedade, pouco a pouco, se impondo, e substituindo os antigos e tradicionais espaços da oralidade. (Boto. 1996, p. 34).
De acordo com o mesmo autor, a dinâmica editorial da Enciclopédia desperta um novo olhar sobre a formulação do conhecimento, e contrapõe ao status quo da cultura estabelecida como sendo uma “ordem natural” das relações sociais. Opondo–se à ordem escolástica e às prerrogativas da natureza e do clero, a Enciclopédia estaria em perfeita sintonia com a atmosfera intelectual do século XVIII francês, por denunciar o obscurantismo imposto pelas Iluminismo e educação: o papel da enciclopédia e a construção do projeto liberal
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pretensas verdades aceitas como dogma e pelo alcance da superstição, o conteúdo programático da obra referencia a si próprio o que supõe serem os emblemas da razão. Sendo assim, a abrangência dos temas tratados leva ao limite as propostas vigentes de um reordenamento social perante códigos outros, que pudessem ser norteados pelas luzes do conhecimento racional. (Boto, P 1996, p. 39).
Na obra, “A evolução Pedagógica”, Durkheim (apud ALVES, 1998) nos reporta numa retrospectiva histórica sobre a influência do cristianismo no ensino da humanidade. Para o autor, o homem das luzes era portador de uma sede que reivindicava dele a produção de um conhecimento, cujo significado distanciava- se do preconizado pelo pensamento humanista medieval, e que aprisionava a consciência do homem pela transmissão de uma determinada cultura religiosa. Segundo Alves (1998), dentro do âmbito da educação, os filósofos iluministas consideravam que a educação não deveria ser vinculada à igreja e as classes sociais, posicionando-se contrário a educação praticada pelos Jesuítas e pela aristocracia. Inovam a visão de educação ao propor como sendo um dever do Estado, numa perspectiva totalmente laica e com caráter de obrigatoriedade e gratuidade. Dentro deste contexto, pode-se afirmar a concepção de uma escola pública como direito do cidadão e dever do Estado. A educação como um bem público e não apenas privilégio da elite aristocrática. Uma nova visão de educação vai se configurando no limiar do ‘século das luzes’. Afirma Boto (1996): Reivindicar uma escola única, laica, gratuita e universalizada para todas as crianças de ambos os sexos, significava conferir legitimidade ao prospecto de regeneração e de emancipação inscrito naquele período que presenciava o acelerar da história. (BOTO 1996, p.16)
Dentro da nova concepção de homem no iluminismo, no qual se orienta pela razão, a educação ao tomar um caráter de universalidade, desempenhava um papel social de grande importância e inédito na história da humanidade. A educação moral e cívica deve formar igualmente o trabalhador e a elite, iguais na cidadania, e contribuindo com o progresso da sociedade. 446 |
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Para Cambi (1999) a pedagogia, por sua vez, desprendeu dos modelos tradicionais, medievais, tornou-se analítica e capaz de decifrar o segredo da infância, as capacidades cognitivas e tornou-se também experimental com estudo científico sobre as capacidades de aprendizagem e desenvolvimento físico. A educação precisava tornar-se cada vez mais próxima e integrada com a realidade social do educando. Um filósofo que destacou no cenário da educação dentro do iluminismo foi Rousseau com suas ideias inovadoras no campo do ensino e aprendizagem. Segundo Fontes (1981) ele criticava o regime feudal e os costumes da aristocracia, preconizando uma educação afastada do artificialismo das convenções sociais. Para o mesmo autor, na obra ‘Emilio ou da educação’ o filósofo Rousseau enfatizava a necessidade de se educar as crianças para que se tornem autônomas. Uma revolução social não se faz sem uma revolução educativa. A natureza humana é por essência um estado de perfeição. A criança é um ser humano em estado de natureza. É preciso conhecer a natureza da criança. Conciliar natureza e cultura. Algumas ideias iluministas corriam também o risco de fundamentar a pedagogia com uma ótica burguesa sobre a educação. Dessa maneira, a classe trabalhadora teria o mínimo de educação, porquanto ascendiam os ideais de liberdade. Contudo, esta liberdade para os burgueses versava em estar livre para a acumulação de riquezas, pois ponderavam que a liberdade e a igualdade poderiam possibilitar a padronização das classes sociais. (CAMBI, 1999). Na visão de Rousseau (1968) a educação deve transcender a mentalidade burguesa como possibilidade apenas de mobilidade social. Considerava que a finalidade da educação era formar o homem independente de sua classe social. Afirma o autor, “[...] não se deve educar as pessoas para servirem ou para dar ordens, mas sim formá-las para serem livres.” (ROSSEAU, 1968, p.215).
O contexto social da França De acordo com Boto (1996) a sociedade sa anterior à revolução era uma sociedade moldada no Antigo Regime. Politicamente, o Estado era Absolutista Monárquico e, economicamente, predominavam as práticas mercantilistas, que sofriam com as constantes intervenções do Estado. Na Iluminismo e educação: o papel da enciclopédia e a construção do projeto liberal
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área social, predominavam as relações de servidão, uma vez que a maioria da população sa era camponesa. Praticamente milhares de pessoas viviam em condições miseráveis, pagando altíssimos impostos a uma elite aristocrática, que usufruía do luxo e da riqueza gerados pelo trabalho dos campesinos em propriedades latifundiárias, ou feudos, dos nobres. Nas áreas urbanas a situação não era muito diferente da que se vivia nas áreas rurais. A população urbana, composta em sua maioria por assalariados de baixa renda, desempregados e pequenos burgueses também arcava com pesadíssimos impostos e com um custo de vida, todos os mais elevados. Os preços dos produtos em geral sofriam reajustes constantemente e isso pesava na renda dos trabalhadores em geral, tanto da cidade quanto do meio rural. Enquanto isso, as elites compostas por um alto clero, uma alta nobreza e, claro, a Família Real que sob o poder monárquico de Luis XVI e sua esposa Maria Antonieta viviam em palácios luxuosos como o monumental Palácio de Versalhes, localizado a vinte quilômetros de Paris; tinha seus olhares distantes da realidade de sua plebe. Tal estrutura da pirâmide social era justificada por uma ideologia religiosa da Igreja em que Deus predeterminou a estratificação da organização social: o Clero, a Nobreza e a burguesia camponesa. As duas primeiras esferas da organização social correspondiam a três por cento da sociedade, não pagavam impostos, promoviam banquetes em seus castelos, vivendo de luxúria em detrimento da situação da população que gerava e produzia as riquezas do Estado. Tal situação nos remete a uma visão contemporânea de um pensador clássico ao posicionar-se frente esta realidade do séc. XVIII: As massas desmoralizadas pela vida sob a pressão do sistema e que se mostram civilizadas somente pelos comportamentos automáticos e forçados pela cultura dominante são disciplinadas pelo espetáculo da vida e pela contenção das vítimas. A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários bem como os costumes que são submetidos à população. Ela ensina e difunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada. (LIMA, 2000, p. 200). De uma forma dialética é preciso tratar a Revolução sa como representante não só da concretização daqueles ideais filosóficos, mas também uma etapa de toda a construção teórica sobre o Iluminismo. 448 |
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Segundo Cotrim (2001) o conhecimento, advindo deste contexto social tem, na proposta do filósofo francês Montesquieu, uma alternativa deste poder hegemônico e absolutista. O filósofo francês propõe a separação dos poderes do Estado em três poderes complementares e independentes: o poder legislativo, o executivo e o judiciário.
A Enciclopédia como veículo de informação e formação crítica no acontecer da revolução sa. Para Cotrim (2001) as novas percepções de mundo, os novos pensamentos e conhecimentos advindos do século das luzes por Descartes, Rosseau, Locke, Voltaire, Motesquiel, encontravam-se ainda s a uma elite privilegiada ao redor destes pensadores que, dentro das cortes e nos clubes frequentados pela burguesia, reuniam-se nos seus salões para discutir as novas ideias que aspiravam liberdade, igualdade e fraternidade de uma nova organização social e política do Regime Antigo. Conforme Boto (1996), os salões ofereciam um espaço social alternativo à corte, congregando letrados e artistas, aristocratas e burgueses, dignatários estrangeiros, homens e mulheres. As pessoas cultas da Europa conversavam nos salões de Paris. Ali se formava a opinião pública e se iniciava a contestação do poder monárquico e eclesiástico. Um espaço privilegiado para construir e debater as ideias iluministas entre seus pensadores. Como socializar e levar para além das paredes fechadas as preciosidades do novo conhecimento em processo de devir deste novo século das luzes? Para dar visibilidade aos ideais iluministas do novo conhecimento era necessário compilar e tornar ível todo o saber gerado pela ciência. A partir de 1751, foi confiada aos filósofos Dênis Diderot (1713 – 1784) e Jean Rond D’Alembert (1717-1783) a edição da Enciclopédia, ou Dicionário Racional das Ciências, das Artes e dos Ofícios (1751-1780). Na visão de Wilson (2012) tendo em vista a expansão contínua do conhecimento e da educação na Europa Ocidental durante o século XVII, exigia-se de uma obra que fosse uma referência compreensiva que informasse seus leitores de numerosas descobertas científicas e tentasse ainda guiar seu entendimento do todo por meio de algum plano ou esquema sintético das inter-relações entre os diversos ramos do conhecimento. Iluminismo e educação: o papel da enciclopédia e a construção do projeto liberal
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A Enciclopédia era um grande livro de referência. Transmitia aos seus leitores um estímulo que era, frequentemente, tanto emocional quanto intelectual. Por conseguinte, os termos usados para descrever os efeitos da Enciclopédia não devem evocar imagens simplesmente ivas. As palavras que a descrevem devem ser ativa. Era um detergente, uma ferramenta de ponta afiada, um abridor de janelas. Era um algo que se poderia aprender a usar para a execução de tarefas as quais se estava insuficientemente equipado para fazer antes. E, por esse motivo, foi inevitável que a Enciclopédia e seus principais editores se destinassem a figurar de modo ilustre na política e na história do século XVIII (WILSON, 2012, p.179).
Dentro desta perspectiva Chevé (2009), considera que a Enciclopédia tratou de uma síntese do conhecimento científico, com grande ênfase nas artes mecânicas e na sabedoria prática das coisas e da vida. Entre os parceiros, com elevado capital intelectual convidados por Diderot para compor a sua obra podem-se destacar dentre outros: Montesquieu (Leis), Lamarck (Botânica), Helvetius (Matemática) Rousseau (Música) e Voltaire (Verbetes sobre Elegância, História, Espírito e Imaginação). Num artigo especial, Rossseau lançou as bases do livro ‘Do Contrato Social’, onde os privilégios dos nobres contrastavam com a vida rude do povo. Segundo o mesmo autor, a Enciclopédia ultraou os seus 8 011 s originais, tornando-se uma leitura obrigatória para os homens que aspiravam por mudanças no seu tempo. Para WILSON (2012), Diderot, em coerência com o seu processo religioso de um teísta convicto, provavelmente, devido ao berço católico de sua família e de sua formação secundária de um Colégio Jesuíta de sua terra natal Langres, Roma, ando por um deísmo próprio do século das luzes, tornou-se um ateu por convicção. Fruto deste modo de pensar e agir na produção do conhecimento científico, a Enciclopédia inspirou-se em uma árvore a sua nova metodologia didática. Na realidade, no chão, estavam colocadas as raízes do objeto a ser conhecido, no tronco estava a filosofia, como método racional de busca do conhecimento e, nos diversos galhos, encontravam-se as várias ciências como fruto deste novo saber, inclusive, a teologia. Colocando a filosofia como inspiração do conhecimento e não mais a teologia, a enciclopédia, de 450 |
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per si, ganha inimigos gratuito dentro da Igreja Católica. A filosofia foi, a partir de então, considerada uma disciplina guia, encarregada de elucidar os preconceitos e superstições que se opunham à razão. A investigação e o método eram propostos como a única forma de chegar ao verdadeiro conhecimento. Uma estratégia editorial relevante da enciclopédia deu ao fato de que os conhecimentos transcritos pelos seus editores foram tratados de forma espiral, Inter e transdisciplinar. Diderot e D’Alembert traziam ao fim dos textos sugestões de outros artigos, que ampliavam a compreensão do tema em estudo. O jogo de referência permitia aos leitores mais atentos decifrar o que pensavam os editores sobre um determinado assunto. Por exemplo, o artigo ‘ Liberdade de pensamento’ levava à ‘Intolerância’. O artigo ‘Ofício’ lembrava os cargos do Estado, que eram vendidos pelo rei aos nobres e, no fim, encaminhavam o leitor para os textos sobre ‘ Moral’, Moralidade’ e Ética. Consequentemente, os leitores logo perceberam que era necessário ler não apenas as linhas da Enciclopédia, mas também por entre elas. O público logo aprendeu a identificar-se, com alarme ou delícia, as complexas artimanhas da astúcia editorial (WILSON, 2102, p.160).
Com o o às informações proporcionadas pelos conhecimentos, da qual a Enciclopedia era portadora, os leitores vão, não somente aperfeiçoando o seu modo laboral de exercer a sua profissão, como também despertando para novas leituras do contexto social no qual estão inseridos. Verifica-se em Wilson (2012), no capítulo de sua obra que trata sobre ‘ o que os leitores podem encontrar no Volume I da Enciclopédia’, a percepção do papel social da Enciclopédia para o acontecimento da Revolução sa. Era uma obra que, veiculando informações ajudava a transformar os valores dos homens. Era uma obra que ajudava os homens favoráveis à mudança. Os historiadores estão de acordo que a Enciclopédia desempenhou papel extramente importante como uma das causas da Revolução sa. Em suma, foi uma publicação de profundo impacto político e social (WILSON, 2012, p.160).
A popularização do novo saber sistematizado, sem dúvida, foi um dos aspectos essenciais da nova cultura emergente deste século. Até aquele Iluminismo e educação: o papel da enciclopédia e a construção do projeto liberal
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momento, o saber havia sido quase sempre um privilégio reservado a poucos aristocratas da cultura. Os enciclopedistas, ao contrário, propunham uma democracia do saber. O povo gradativamente ganhava o a tais informações. A divulgação do conhecimento e da cultura gerou um otimismo ilimitado, difundindo a crença de que o saber iria possibilitar a construção de uma nova sociedade. Na compreensão de Cotrim (2001) diversos setores da sociedade sa se uniram para por fim ao absolutismo. A burguesia liderou o movimento, pois queria expandir seus negócios, e a intervenção do Estado era um impedimento. As massas populares estimuladas pelos ideais iluministas da liberdade, igualdade e fraternidade, também aderiram ao movimento. O movimento radicalizou-se, originando uma verdadeira revolução, marcada pela invasão da prisão de Bastilha, em Paris, no dia 14 de julho de 1789.
Considerações Finais Contemplar a natureza e perguntar sobre ela com novos olhares além do perceptível e as verdades reveladas pelo crivo da fé proporcionou desde a descoberta do heliocentrismo por Copérnico, ando pela dúvida metódica de René Descartes, uma nova postura do homem sobre o conhecimento de si mesmo e da realidade que o cerca. Uma indagação simples como de René Descartes ‘Penso logo existo’ começa a colocar o homem como centro de sua investigação e a medida de suas respostas. O homem, ao torna-se um modelo para si mesmo, pelo uso da razão, pelo progresso das ciências e das técnicas, toma posse da natureza e aumenta o seu poder de ‘fogo’ sobre o conhecimento. A partir deste contexto de um novo método científico investigativo da realidade, filósofos iluministas começam verificar que razão não serve apenas para conhecer o mundo, mas também para agir sobre ele. O progresso e a felicidade podem ser literalmente construídos graças à razão. Toda a realidade material ou moral é analisável. Por isso o ser humano desempenha o papel de padrão e medida daquilo que é ou não racional. Assim, a decisão referente à coisa pública deve, necessariamente, ser tomada por todos e não apenas pelo rei, pelos nobres ou pela Igreja como vontade divina. O homem diante de 452 |
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uma realidade que o oprime e o torna um “não homem”, um ser manipulado por outras circunstâncias políticas e religiosas, clama por uma nova ordem política e social. Transformações por uma mudança de época, em um período de mudanças, gradativamente vai adquirindo esperança graças ao tempo dedicado por relevantes pensadores e filósofos iluministas como René Descartes, John Locke, Voltaire, Montesquieu, Rousseau que começam a produzir uma vasta e densa literatura sobre a realidade que o cerca no campo da literatura, das artes, das ciências, dos ofícios, da economia, da política, da educação, etc. A educação tem aqui a sua gênese como um bem público. Um direito de todos e obrigação do Estado. Uma educação com princípios universais, livre de qualquer ideologia, que deve formar o homem para ser livre e cidadão do mundo. Assim, a obra Enciclopédia de Diderot e D’Alambert foi um espaço intelectual capaz de compilar, converter e reunir em uma coleção enciclopédica todos os ideais e todo o conhecimento do século das luzes que utilizando uma metodologia inovadora, foi capaz de ser portadora para os seus leitores de informação e formação crítica das realidades que os cercavam. Enfim, reforçando as palavras de escritor contemporâneo quando diz: Era uma obra que, veiculando informações ajudava a transformar os valores dos homens. Era uma obra que ajudava os homens favoráveis à mudança. Os historiadores estão de acordo que a Enciclopédia desempenhou papel extramente importante como uma das causas da Revolução sa. Em suma, foi uma publicação de profundo impacto político e social. (WILSON, 2012, p.160)
A Enciclopédia, de certo modo foi dando asas aos ideais iluministas sobre um novo modelo de sociedade e uma nova concepção de educação em seu caráter emancipatório dos processos educacionais, e concretizando a vontade popular pela transformação da realidade social da França que clamava por ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’, que foram as bandeiras de luta levantadas, tornando viável o acontecer da Revolução sa e a consolidação do projeto liberal. Iluminismo e educação: o papel da enciclopédia e a construção do projeto liberal
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Referências ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. vol. VI. Lisboa: Editorial Presença. 1970. Disponível em:
. o em: 04\05\2013. ALVES, Gilberto Luiz. A produção da escola pública contemporânea. Campinas, SP, Ed. Autores Associados. 1998. BOTO, Carlota. A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução sa. São Paulo, Ed. Unesp, 1996. CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp,1999. CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e Cultura Emergente. 25.ed. São Paulo: Cultrix, 1982. COTRIM, Gilberto. História e consciência do mundo. São Paulo: Saraiva, 2001. CHEVÉ, Joëlle. A Enciclopédia: recenseamento do saber. Revista História Viva, São Paulo: Duetto, n.74. Dez. 2009. FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. São Paulo: Ática,1994. FONTES, Lima Souza. O iluminismo e os reis filósofos. São Paulo: Brasiliense,1981. LIMA, Costa Luiz. Teoria da Cultura de Massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000. ROSSEAU, Jean Jaques. Emílio ou a educação. Tradução Sérgio Milliete. São Paulo: Difel,1968. WILSON, Arthur McCandless. Diderot. São Paulo: Perspectiva, 2012.
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Sobre os Organizadores CÉLIO DA CUNHA - Professor do Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade Católica de Brasília, Bacharel e Licenciado em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1968), mestre em Educação pela Universidade de Brasília (1980) e doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1987). Foi professor da Universidade de Brasília e é membro do Conselho Editorial das Revistas Linhas Críticas (UnB), Ensaio (Fundação Cesgranrio) e Política e istração da Educação (Anpae). Atuou como coordenador editorial e assessor especial da UNESCO no Brasil, na área de educação por vários anos. Foi analista de ciência e tecnologia e superintendente da área de Ciências Humanas e Sociais do CNPq e Diretor e Secretário Adjunto de Política Educacional do MEC. RANILCE GUIMARÃES-IOSIF - Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB e Professora Adjunta do Departamento de Estudos da Política Educacional, University of Alberta (UofA), Canadá. É autora de vários artigos, livros e capítulos na área de políticas públicas de educação, governança e cidadania. Doutora em Política Social (UnB), com dois pósdoutorados nas áreas de Política Educacional Internacional, governança educacional e cidadania (UofA). Experiência como professora e orientadora educacional em escolas de educação básica e como docente em cursos de licenciatura. Na UCB, coordena o grupo de pesquisa “Políticas públicas, governança educacional e cidadania: desafios sociais, locais e globais”. WELLINGTON FERREIRA DE JESUS- Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCB, Doutor em Educação pela UFG, Mestre em Educação pela UCB, Bacharel e Licenciado em História pela FFLC da USP.
Sobre os Organizadores
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Autores (Ordem alfabética) ALINE VEIGA DOS SANTOS – Doutoranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e membro do grupo de pesquisa – Políticas públicas, governança educacional e cidadania: desafios sociais, locais e globais do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB. Autora de várias publicações na área de governança educacional e educação superior. ANDREIA DE LIMA CAMPOS ROCHA, graduada em pedagogia, especialista em Educação Especial Inclusiva, Educação a Distância e Língua Brasileira de Sinais (Libras), é professora de Libras na Faculdade SENAC. Suas áreas de interesse envolvem temáticas às altas habilidades / superdotação, surdez, Língua de sinais e educação a distância. Atualmente, desenvolve pesquisas na área de altas habilidades/superdotação e surdez como Mestranda em Educação, pela Universidade Católica de Brasília. ANTÍDIO DE ANDRADE CARVALHO - Mestrando em Educação pela UCB, Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica, MG. Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Católica de Brasília. BRUNO TELES NUNES – Doutorando em Educação pela UCB, Mestre em istração – Unieuro. analista em ciência e tecnologia da Capes. CLÉLIA DE FREITAS CAPANEMA - PhD University of Southern California, USA. Professora Associada do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado e Doutorado da Universidade Católica de Brasília (UCB) Brasília/DF. FLÁVIA VAZ DE OLIVEIRA LIMA – Professora de Educação Básica do Colégio Militar de Brasília(CMB) 456 |
Autores
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ISABELA CRISTINA MARINS BRAGA-
Mestre em Educação pela
Universidade Católica de Brasília. Professora do ensino superior. JOÃO LUIZ HORTA NETO - Doutor em Política Social e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep. JOSÉ IVALDO ARAÚJO DE LUCENA -, Mestrando em Educação pela Universidade Católica de Brasília, Professor do curso de Pedagogia da UCB, Pedagogo com Habilitação em Gestão Educacional, especialista em Direitos Humanos e Ensino Religioso. JULIANA LACERDA MACHADO - Mestranda em Educação pela Universidade Católica de Brasília. Professora do ensino superior e educação básica. LUCIANA CORDEIRO LIMEIRA – Doutoranda em Educação pela UCB, Mestre em Educação pela UCB. Professora da SEDF. LYNETTE SHULTZ - Professora da University of Alberta (UofA), Canadá e Professor visitante do Programa de Pós-graduação em Educação da UCB. MAGALI DE FÁTIMA EVANGELISTA MACHADO - Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília - UCB. Professora titular da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Professora Colaboradora Voluntária (Externo) do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado e Doutorado da Universidade Católica de Brasília (UCB) Brasília/DF.
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MANOEL BARBOSA NERES – Mestrando em Educação pela UCB, professor de filosofia na UCB MARI NEIA VALICHESKI FERRARI – Mestranda em Educação pela UCB, professora do Instituto Federal de Brasília (Gama) MARIA DAS GRAÇAS VIANA BRAGANÇA - Mestra em Ciência Política pelo Centro Universitário – UNIEURO. Ex. Aluna especial do Doutorado em Educação da UCB MARIA DE LOURDES DE ALMEIDA SILVA – Pedagoga com Habilitação em Orientação Educacional, Mestranda em Educação da Universidade Católica de Brasília, especialista em Supervisão Escolar e Orientação Educacional. MARLI ALVES FLORES MELO – Doutoranda em Educação pela UCB. MARTHA PAIVA SCÁRDUA – Doutoranda em Educação pela UCB e diretora do curso de Pedagogia da UCB. NELSON ADRIANO FERREIRA DE VASCONCELOS – Mestre em Educação pela UnB, professor da educação superior, professor da educação básica da SEDF, assessor da Câmara Legislativa do DF. REGINA TOMÁS BLUM DE OLIVEIRA – Mestre em Educação pela UCB, professora do Colégio Militar de Brasília ROSYLANE DORIS DE VASCONCELOS - Professora Adjunta da Universidade de Brasília. Doutora em Educação. Atua como docente na Licenciatura em Ciências Naturais, no Campus Planaltina.
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SILVIA CRISTINA YANNOULAS - Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (SER/UnB), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília (PPGPS/SER/UnB). Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Discriminação (TEDis). Doutora em Sociologia com área de concentração em Sociologia da América Latina e Caribe pelo Programa de Doutorado Conjunto FLACSO/Brasil e Universidade de Brasília (UnB) e Pós-Doutora pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/ UFMG). VANESSA TEREZINHA ALVES TENTES, Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília na área de Desenvolvimento Humano. Ex Diretora da Escola de Educação e Humanidades da Universidade Católica de Brasília. Docente no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado e Doutorado em Educação. Coordena o Grupo de Pesquisa Expertise e Criatividade: Implicações Educacionais, vinculado à UCB subsidiado pela CNPq. Membro do Conselho Brasileiro para Superdotação – CONBRASD.
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